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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.12 no.3 São Leopoldo Sept./Dec. 2019

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2019.123.11 

ARTIGOS

 

Riscos psicossociais em um departamento de taquigrafia legislativa federal: uma análise quantitativa

 

Psychosocial risks in a federal legislative shorthand department: a quantitative analysis

 

 

Sérgio Ricardo Alves KnustI; Eliane Maria Fleury SeidlI; Emílio Peres FacasII

IUniversidade de Brasília (UnB), Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Clínica - Instituto Central de Ciências Campus Darcy Ribeiro, Asa Norte, 70910-900 – Brasília, DF – Brasil. knust7@gmail.com, eliane.seidl@gmail.com
IIUniversidade de Brasília (UnB), Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Social e do Trabalho – Instituto Central de Ciências Campus Darcy Ribeiro, Asa Norte, 70910-900 – Brasília, DF – Brasil. emiliopf@gmail.com

 

 


RESUMO

Este estudo valeu-se da Psicodinâmica do Trabalho como referencial teórico. O objetivo consistiu em mapear riscos psicossociais presentes em um departamento de taquigrafia legislativa federal, a partir da investigação de características da organização do trabalho, dos estilos de gestão, do sofrimento patogênico e dos danos físicos e psicossociais decorrentes do trabalho. Para isso, buscou-se caracterizar quantitativamente esses riscos por meio da aplicação do Protocolo de Avaliação dos Riscos Psicossociais no Trabalho - PROART - em 119 servidores efetivos desse departamento. Os resultados do PROART apontaram que há baixos riscos de sofrimento patogênico e de danos físicos e psicossociais, e risco médio em relação à organização prescrita do trabalho, com presença moderada dos estilos de gestão gerencialista e coletivo. O que caracterizou negativamente a organização do trabalho foram as características vinculadas à natureza das tarefas e ao relacionamento com a gestão, especialmente quanto à falta de transparência nas decisões e ao planejamento deficitário.

Palavras-chave: psicodinâmica do trabalho, avaliação de riscos psicossociais no trabalho, taquigrafia legislativa federal.


ABSTRACT

This study was based on the Psychodynamics of Work as a theoretical reference. The goal was to map psychosocial risks present in a legislative shorthand federal department, from the investigation of characteristics of prescript organization of work, management styles, pathogenic suffering and physical and psychosocial damage. In this way, it sought to quantitatively characterize these risks linked to the application of the Protocol of Psychosocial Risks at Work's Evaluation - PPRWE - in 119 effective servers of this department. The results of applying the PPRWE indicate that there is low risk of pathogenic suffering and physical and psychosocial damage, and medium risk according to prescript organization of work, with moderate presence of managerial and collective styles. What characterized negatively the organization of work were the characteristics linked to the nature of the tasks and the relationship with the management, especially regarding the lack of transparency in decision-making and planning deficit.

Keywords: psychodynamics of work, psychosocial risks at work's evaluation, federal legislative shorthand.


 

 

Introdução

Conforme ressalta Dejours et al. (2007), a Psicodinâmica do Trabalho (PdT) se propõe a estudar não somente as situações de trabalho que conduzem ao prazer ou ao sofrimento, mas amplia o enfoque da patologia psicossomática ou mental para além das fronteiras dos estudos do processo saúde-doença. Assim, faz-se necessário levar em consideração "fenômenos do mundo do trabalho que impactam sobre a dinâmica intrapsíquica e sobre a intersubjetividade" (Dejours et al., 2007, p. 14).

Por oportuno, convém ressaltar que esta pesquisa valeu-se da PdT como referencial teórico. De acordo com Merlo e Mendes (2009), esse é o caso de "estudos que utilizam o referencial teórico da psicodinâmica do trabalho na construção de artigos teóricos e na pesquisa com outros métodos científicos de coleta e de análise de dados, tanto qualitativos, como quantitativos" (p. 147). A utilização de instrumentos quantitativos em conjunto com a PdT como referencial teórico tem sido objeto de discussão ao longo dos anos. Mendes et al. (2007) já apontavam a possibilidade de aproximação entre a PdT e a psicometria, ressaltando que ao longo do tempo o contexto de trabalho e a realidade dos trabalhadores brasileiros impunham dificuldades políticas e administrativas para a utilização do método clássico da PdT. Destacam, então, que esse diálogo é possível, assegurando-se os princípios fundamentais e as particularidades técnicas da pesquisa em PdT.

Dessa forma, este estudo foi realizado com servidores de um órgão de taquigrafia legislativa Federal, tendo como referência o construto teórico e prático da PdT sobre riscos psicossociais, a partir da aplicação do Protocolo de Avaliação dos Riscos Psicossociais no Trabalho (PROART). É com esse enfoque que a utilização do PROART constituiu a base para a análise quantitativa das relações entre saúde e trabalho, ou seja, das relações entre o desejo do trabalhador e as exigências das relações socioprofissionais e da organização em tela, que podem resultar em riscos psicossociais.

Psicodinâmica do trabalho

A PdT foi criada e desenvolvida pelo médico e psicanalista francês Christophe Dejours, cujos estudos na área evoluíram a partir de referenciais teóricos da psicopatologia do trabalho em direção à consolidação sistemática desse novo campo teórico-metodológico de pesquisa e de ação. Atualmente, trata-se de uma abordagem científica autônoma, composta de objeto de estudo, princípios, conceitos e métodos próprios (Mendes, 2007). Convém ressaltar que a PdT articula categorias da Psicologia, da Psicanálise, da Ergonomia e da Sociologia Crítica, tendo como foco a compreensão sobre como os trabalhadores conseguem manter o equilíbrio psíquico, ainda que submetidos a condições de trabalho hostis (Vaz, 2013).

Isso posto, o objeto de estudo da PdT são as "relações dinâmicas entre organização do trabalho e processos de subjetivação, que se manifestam nas vivências de prazer-sofrimento, nas estratégias de ação para mediar contradições da organização do trabalho, nas patologias sociais, na saúde e no adoecimento" (Mendes, 2007, p. 30). Para que essa dinâmica ocorra de forma saudável, é preciso mobilização e engajamento do trabalhador para a utilização de sua inteligência prática dentro do coletivo de trabalho. Desse processo, resultam os modos de subjetivação específicos, cuja definição é entendida como "o processo de atribuição de sentido, construído com base na relação do trabalhador com sua realidade de trabalho, expresso em modos de pensar, sentir e agir individuais ou coletivos" (Mendes, 2007, p. 30).

Quanto ao método da PdT, a clínica do trabalho é apresentada como teoria e método ao mesmo tempo, tendo em vista sua indissociabilidade entre as dimensões da pesquisa e da ação. Dessa forma, tal clínica é um espaço de circulação da fala e da escuta das vivências intersubjetivas sobre o trabalho, realizada em um ambiente compartilhado por um grupo de trabalhadores (Dejours, 2004a). O objetivo principal desse método é a ressignificação do sofrimento,

(...) originado na realidade concreta da organização do trabalho, que permite aos trabalhadores reconstruir a capacidade de pensar e desenvolver estratégias de ação individuais e coletivas para confrontar as situações provocadoras de sofrimento, buscar o prazer, e consequentemente a saúde (Mendes, 2007, p. 32).

Cabe ainda destacar que o trabalho exerce uma influência poderosa sobre o sofrimento psíquico dos trabalhadores, ora contribuindo para o seu agravamento, ora para a sua transformação em prazer, conforme discutido anteriormente. Assim, o trabalho é estruturante psíquico do sujeito, que pode ser direcionado à psicopatologia, ao prazer ou à saúde, dependendo de uma dinâmica complexa que são identificadas e analisadas pela PdT (Dejours, 2012). Dessa forma, nas palavras de Dejours (2012, p. 98), "(...) o trabalho se revela essencialmente ambivalente. Pode causar infelicidade, alienação e doença mental, mas pode também ser mediador da autorrealização, da sublimação e da saúde".

Em consonância a Freitas e Facas (2013), o sofrimento integra necessariamente o trabalhar, segundo a teoria da PdT. A origem desse sofrimento ocorre pela angústia vivenciada pelo trabalhador quando se confronta com a lacuna inevitável daquilo que foi prescrito  como nas regras, nas normas e nos manuais , e a situação real de trabalho (Freitas e Facas, 2013). E, como trabalhar é fazer a experiência do real, disso resulta que a pessoa tem que lidar com imperfeições, falhas, faltas, imprevisibilidades e com a experiência do fracasso que causam sofrimento. Portanto, considerando a relação trabalhador e organização do trabalho, para a PdT trabalhar é, em princípio, fracassar e sofrer (Facas, 2013).

Mendes e Morrone (2010) apontam que vários estudos, realizados no período de 1998 a 2007 sobre a caracterização das vivências de sofrimento no trabalho, abordam a presença de diversos sentimentos, tais como: medo, insatisfação, insegurança, estranhamento, desorientação, sentimento de impotência, desgaste físico e emocional, alienação, vulnerabilidade, frustação, inquietação, angústia, depressão, tristeza, agressividade, desestímulo, desânimo, desvalorização, culpa, tensão, entre outros. Ainda segundo as autoras, alguns dos fatores que podem propiciar essa vivência de sofrimento estão relacionados à organização do trabalho (característica da tarefa e gestão do trabalho), às condições de trabalho (sobrecarga, ambiente de trabalho e política de remuneração) e às relações interpessoais (relação entre pares e relação com o cliente/usuário).

Nesse contexto, a pessoa busca recursos para lidar com a experiência de fracasso e de sofrimento infringido pelo trabalho, sofrimento que a impele à busca de solução para se libertar daquilo que a aflige, e é no corpo que o conhecimento do real se manifesta para, então, contornar e superar os desafios impostos pela realidade do trabalho. Assim, o trabalhador, frente à resistência do real, altera a própria relação com o trabalho, transformando a si próprio com o intuito de progredir, de se aprimorar ou de se realizar. Enfim, isso se refere à primeira abordagem do prazer no trabalho, que está implícito na expressão "trabalho vivo", significando a transformação do sofrimento em desenvolvimento de sua identidade, do reconhecimento e do engajamento para a transformação da organização do trabalho (Dejours, 2009).

Entretanto, quando a organização do trabalho não oferece condições de negociação ou de reconhecimento de forma satisfatória, o sofrimento no trabalho pode gerar descompensações psicopatológicas, ou seja, pode ocorrer ruptura do equilíbrio psíquico por meio do surgimento de uma doença mental (Dejours, 2012). Conforme afirma Mendes (2007), o ponto central da teoria da PdT é a problemática da mobilização e do engajamento que a organização exige de seus trabalhadores e a forma como estes reagem. Em outras palavras, é essencial conhecer como o sofrimento mobiliza o trabalhador e quais são os destinos desse sofrimento.

Dentro dessa perspectiva, Dejours (2012) classifica o sofrimento em duas vertentes: sofrimento patogênico e sofrimento criativo. O sofrimento patogênico é aquele vivido pelo sujeito que não encontra alternativas de negociação entre a organização do trabalho e os conteúdos presentes em sua subjetividade, formando, assim, obstáculos para o exercício da capacidade criadora do trabalhador (Moraes, 2013). Nesse mesmo sentido, segundo Dejours et al. (2007), o sofrimento patogênico surge quando todas as margens de liberdade na transformação, gestão e aperfeiçoamento da organização do trabalho já foram utilizadas. Isto é, quando não há nada além de pressões fixas, rígidas, incontornáveis, inaugurando a repetição e a frustração, o aborrecimento, o medo ou o sentimento de impotência. Quando foram explorados todos os recursos defensivos, o sofrimento residual, não compensado, continua sua ação ao solapar o aparelho mental, bem como o equilíbrio psíquico do sujeito, impulsionado-o lenta ou brutalmente para uma descompensação (mental ou psicossomática) e, em consequência, para a doença (Dejours et al., 2007).

Conforme assinalam Macêdo e Heloani (2013), se não houver reconhecimento no trabalho, haverá cada vez mais sofrimento, impelindo o sujeito à referida descompensação. Os autores reafirmam a importância da construção da identidade no processo de interação social que ocorre entre o trabalhador e a organização do trabalho, em que este atua como constituinte psíquico e a identidade forma a base da saúde mental. Portanto, o sofrimento patogênico "seria a inexistência de possibilidades, a limitação do ser humano a um estado de paralisia (...) [representando] um risco que inviabiliza a construção da identidade e integridade dos sujeitos" (Macêdo e Heloani, 2013, p. 223).

O sofrimento criativo é aquele em que o trabalhador, por meio da utilização de seus recursos, efetua a transformação da realidade que traz sofrimento, no real do trabalho, conferindo sentido a essa vivência. Para que isso aconteça, a organização do trabalho deve proporcionar certa liberdade para que a pessoa possa utilizar sua inteligência prática, a mobilização subjetiva e o engajamento no coletivo, de modo a proporcionar uma readaptação do modus operandi e permitir a identificação de novas ações que trazem vivências de prazer (Mendes, 2007; Monteiro e Freitas, 2015).

Dejours (2004b) destaca que o trabalhador espera mais do que simplesmente uma retribuição financeira pelo seu sofrimento ou pela falta de sentido no trabalho; ele espera que a organização do trabalho possibilite condições de aperfeiçoamento, no sentido de formação da identidade desse sujeito. Dessa forma, o desejo subjetivo fundamental do trabalhador é o de receber outro tipo de retribuição, que é um benefício de sentido para si próprio, expresso por meio do exercício da criatividade no trabalho. Essa criatividade é o que subverte o sofrimento em prazer no trabalho (Dejours, 2004b).

O trabalho taquigráfico legislativo

Em linhas gerais, o trabalho do taquígrafo legislativo federal consiste em realizar o apanhamento taquigráfico das sessões plenárias e das reuniões de comissões, bem como efetuar as correções gramaticais no texto, dentro de um padrão de normas cultas da língua portuguesa e de convenções de padronização da instituição, sem alterar o estilo do orador. Convém destacar o caráter de extrema rapidez, juntamente com as características de precisão e de fidedignidade ao texto, envolvido nesse processo, além de que o trabalho é efetuado em meio a discussões intensas e agitadas dos congressistas, em velocidade acelerada da fala que pode atingir mais de 120 palavras por minuto. Constata-se, portanto, que o ambiente de trabalho do taquígrafo legislativo é bastante adverso, e muitas vezes estressante, devido à própria natureza dos debates, dos assessores que orientam os parlamentares, das manifestações nas galerias do plenário e das necessidades de destreza para o registro das palavras faladas em alta velocidade, de discernimento e de domínio de emoções (Machado, 2015).

Outro aspecto do trabalho da taquigrafia no âmbito do legislativo é que precisa ser feito imediatamente após o apanhamento taquigráfico, pois existem cotas de trabalho e horários de entrada em plenário a serem cumpridos. Este último ocorre sob a forma de revezamento com outros taquígrafos, até o término da sessão, que pode se estender ininterruptamente até às madrugadas. Já as cotas de trabalho diárias e semanais são utilizadas para fazer a degravação das reuniões das comissões, podendo variar dependendo da demanda do plenário no dia.

Conforme lembra Ramalho (2007), o papel desempenhado pelos servidores que trabalham na taquigrafia possui várias finalidades, tais como: respeitar e garantir o cumprimento do princípio da publicidade na administração pública, contribuir para o registro histórico do parlamento, apoiar o cumprimento do Regimento Interno (por meio do registro e da organização das questões de ordem apresentadas pelos parlamentares durante as sessões), subsidiar a redação final dos projetos votados, organizar estatísticas da atuação parlamentar (discursos e sessões realizadas) e realizar pesquisas de discursos (classificados por temas ou outros critérios de pesquisa). Trata-se, portanto, de atividades relevantes para o desenvolvimento não somente do trabalho legislativo, mas também para a consolidação da democracia brasileira.

Além disso, especificamente com relação a pesquisas em PdT associadas ao trabalho taquigráfico, convém mencionar três estudos realizados com essa classe de trabalhadores em órgãos do Poder Legislativo Federal: análise da situação de taquígrafos legislativos que apresentavam problemas de saúde, mas que permaneciam trabalhando com restrições laborais (Corsatto, 2013); estudo que identificou a presença de indignidade, de mecanismos de defesa (negação e racionalização) e de mobilização subjetiva (Maia, 2013); e Alves (2014) que realizou a clínica psicodinâmica da cooperação.

Cabe mencionar que a condução de pesquisa utilizando o PROART foi realizada para o estudo da psicodinâmica do trabalho bancário, no qual se constatou a ascensão de dilemas éticos, da indignidade no trabalho e do assédio moral entre a categoria (Facas et al., 2015). Destaca-se que esse instrumento também vem sendo utilizado para abarcar outras realidades para além do estudo inicial realizado com bancários, tal como o da presente investigação sobre o trabalho taquigráfico legislativo. Nessa perspectiva, a pesquisa teve por objetivo mapear riscos psicossociais presentes em um departamento de taquigrafia legislativa federal, a partir da investigação de características da organização do trabalho, dos estilos de gestão, do sofrimento patogênico e dos danos físicos e psicossociais decorrentes do trabalho.

 

Método

Delineamento

Trata-se de uma pesquisa quantitativa de corte transversal, com amostragem não probabilística, com participantes selecionados por conveniência, de amplitude finita e representatividade que preservou a fidedignidade das características do universo pesquisado.

Participantes

Participaram 123 servidores de um departamento de taquigrafia legislativa federal, número que correspondeu a 81% do total de servidores desse órgão. Os critérios de exclusão foram servidores não lotados no órgão, ausentes do local do trabalho por licença, afastamento ou férias durante o período de realização da pesquisa, que não quiseram participar voluntariamente por quaisquer motivos e respondentes que deixaram de assinalar mais do que quatro itens do total de itens das escalas do PROART. Desse modo, 119 respostas ao protocolo foram consideradas válidas para as análises inferenciais, pois quatro participantes se enquadraram nesse último critério de exclusão. Com relação aos dados sociodemográficos e ocupacionais, 10 participantes não responderam a nenhum item do instrumento e, portanto, foram considerados 109 participantes com respostas válidas.

Instrumentos de coleta de dados

O PROART, cujas evidências de validade foram apresentadas por Facas et al. (2015), foi utilizado para mapear "riscos psicossociais no trabalho, a partir de instrumentos que envolvam a investigação de diversas dimensões que compõem a relação trabalhador-organização do trabalho" (Facas, 2013, p. 139). Esse instrumento possui quatro escalas, com respostas do tipo likert de cinco pontos (1=nunca; 5=sempre): Escala de Organização Prescrita do Trabalho (EOT), 19 itens distribuídos nos fatores 'divisão das tarefas' (α = 0,85) e 'divisão social do trabalho'(α = 0,90); Escala de Estilos de Gestão (EEG), 22 itens que integram os fatores 'estilo gerencialista' (α = 0,85) e 'estilo coletivo' (α = 0,92); Escala de Sofrimento Patogênico no Trabalho (ESPT), 28 itens com os fatores 'falta de sentido do trabalho' (α = 0,91), 'esgotamento mental' (α = 0,91) e 'falta de reconhecimento' (α = 0,92); e Escala de Danos Físicos e Psicossociais no Trabalho (EDT), 23 itens distribuídos nos fatores 'danos psicológicos' (α = 0,94), 'danos sociais' (α = 0,91) e 'danos físicos' (α = 0,93) (Facas et al., 2015).

O PROART contém ainda um questionário sociodemográfico e ocupacional, adaptado para o contexto desta pesquisa, a partir da identificação de informações necessárias como: sexo, faixa etária, situação conjugal, grau de escolaridade, cargo efetivo, função comissionada, lotação, tempo de atuação na atual lotação, no órgão e na instituição pública e número de afastamento por problemas de saúde relacionados ao trabalho.

Procedimentos de coleta de dados

A pesquisa foi autorizada pelo órgão público e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Brasília (Parecer nº 1.804.442, de 1º de novembro de 2016). A aplicação do PROART ocorreu durante o mês de novembro de 2016, de forma individual, presencial, autoaplicada e coletiva, por ocasião de um evento que estava sendo desenvolvido no órgão, o que permitiu reunir servidores em dia específico. Na aplicação foram fornecidas informações gerais sobre a pesquisa, com a apresentação dos objetivos e como os resultados seriam utilizados. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi apresentado e assinado pelos participantes.

Durante a aplicação do PROART, algumas dúvidas complementares sobre o processo de preenchimento de dados foram respondidas, sem qualquer explicação sobre os itens das escalas. Outras instruções na capa de aplicação do protocolo informavam a não existência de respostas certas ou erradas, que a avaliação deveria ser referente ao seu contexto de trabalho e que o questionário era composto de quatro instrumentos, com algumas questões abertas.

Após a finalização do preenchimento, os formulários foram recolhidos dentro de envelopes pardos sem identificação, enquanto que os TCLE foram guardados separadamente, de modo a não associar o TCLE às respostas do PROART, preservando-se, portanto, o sigilo e a confidencialidade dos participantes.

Análise de dados

Procedeu-se a análises estatísticas descritivas e inferenciais, por meio da utilização do Software Statistical Package for Social Science (SPSS) - versão 22.0.0 para Windows 8 Professional. As análises descritivas incluíram média aritmética, desvio-padrão (DP) e frequência, realizadas a partir dos dados do questionário sociodemográfico e ocupacional e do PROART. De acordo com a recomendação de Facas (2013), foram feitas análises interpretativas dos resultados das escalas do PROART, individualmente, com base em três diferentes tipos de análise: a) média geral e DP de cada fator da escala; b) percentual de respondentes no intervalo das médias; c) análise da média e do DP dos itens que compõem o fator, selecionando-se três itens do fator avaliados com médias mais altas e mais baixas, com o objetivo de averiguar situações que estão influenciando os resultados gerais.

As análises inferenciais corresponderam à utilização do modelo de regressão linear múltipla, pelo método stepwise, para realizar análises de regressão dos fatores das escalas do PROART, cujo objetivo foi verificar a relação de variáveis dependentes com outras variáveis independentes, ou seja, para evidenciar quais fatores das escalas do PROART são maiores causadores de danos físicos e psicossociais ou o quanto determinada variável explica o fator estudado (evidências de nexo de causalidade).

 

Resultados

Caracterização sociodemográfica e ocupacional

A amostra teve maior prevalência de pessoas do sexo feminino (77,98%), com faixa etária acima de 46 anos (58,71%), casados ou em união estável (71,56%) e com nível de especialização lato sensu completo (58,72%). Ademais, a maioria dos respondentes era composta de taquígrafos legislativos (75,23%), que trabalhava na Coordenação de Registro Taquigráfico (51,38%) e não possuía função comissionada (59,63%). Quanto ao tempo de atuação, 57,8% dos servidores trabalhavam na instituição pública há mais de 16 anos, 52,3% estavam há mais de 16 anos no departamento e 51,37% estavam na mesma lotação há menos de 5 anos. Por fim, a maioria dos respondentes (60,55%) relatou não haver nenhum afastamento do trabalho por problemas de saúde relacionados à atividade laboral no último ano.

Resultados do Protocolo de Avaliação dos Riscos Psicossociais no Trabalho

A EOT obteve um escore médio de 3,47 (DP = 0,57), constituindo resultado mediano que representa um estado de alerta para os riscos psicossociais no trabalho, com demandas de intervenções a curto e médio prazos. A partir do detalhamento da frequência (%) das respostas dos participantes, a maioria dos respondentes (66,39%) avaliou que a organização prescrita do trabalho representava um risco médio aos danos relacionados ao trabalho, necessitando, assim, de intervenções a curto e médio prazos, com a finalidade de se reduzir danos relacionados à atividade laboral de seus servidores. Apenas 1,68% dos respondentes avaliaram essa escala como sendo de risco alto e os outros 31,93% como sendo de risco baixo. Convém destacar que apesar de a dimensão da EOT apresentar, de forma geral, um resultado mediano para os riscos psicossociais, nenhum item foi avaliado, na média, como sendo de alto risco, enquanto que de 11 a oito itens foram avaliados, respectivamente, como sendo de risco médio e baixo.

Analisando-se individualmente os fatores da EOT, constatou-se que o fator Divisão das Tarefas obteve um escore médio de 3,40 (DP = 0,68), o que representa também risco médio. Para esse fator, 58,82%, 35,29% e 5,88% dos respondentes avaliaram os itens como risco médio, risco baixo e risco alto, respectivamente. Para o fator Divisão Social do Trabalho, o escore médio foi de 3,51 (DP = 0,61), o que também representa risco mediano, sendo que 57,14% dos respondentes avaliaram os itens desse fator como risco médio, contra 38,66% que avaliaram como risco baixo.

Com relação à EEG, enquanto o fator Estilo Gerencialista obteve um escore médio de 2,73 (DP=0,67), o fator Estilo Coletivo apresentou escore médio de 3,16 (DP=0,74). Assim, apesar de o estilo coletivo ser mais preponderante se comparado ao valor médio do estilo gerencialista, ambos os estilos apresentaram uma presença moderada, de acordo com os parâmetros de avaliação definidos por Facas (2013).

Na Tabela 1 são apresentados os itens que oferecem maiores e menores riscos para os fatores da EOT e os itens mais e menos característicos para os fatores da EEG. Nessa tabela, enquanto que os itens da EOT foram colocados em ordem crescente conforme a média, apresentando primeiro os itens com maiores riscos, os da EEG estão em ordem decrescente, indicando os mais característicos para os menos característicos dos estilos de gestão.

Para a ESPT, foi obtido um escore médio de 2,01 (DP=0,69), sendo que como dois fatores da ESPT apresentam riscos baixos e um fator apresenta risco médio, a avaliação global da escala é de risco baixo. Portanto, o resultado dessa escala é positivo, representando baixos riscos psicossociais no trabalho na instituição pesquisada. De fato, a maioria dos respondentes (73,95%) atribuíram riscos baixos à ESPT. O fator Falta de Sentido do Trabalho da ESPT obteve um escore médio de 1,67 (DP = 0,75), o que representa baixo risco. Observou-se que 82,35% dos respondentes avaliaram como risco baixo as vivências relacionadas à falta de sentido do trabalho e apenas 15,13% avaliaram como risco médio. O fator Esgotamento Mental, com escore médio de 2,65 (DP = 0,84), foi o único fator da ESPT avaliado como de risco mediano por 51,26% dos participantes da pesquisa, o que representa um estado de alerta para os riscos psicossociais no trabalho e demanda intervenções a curto e médio prazos. Convém destacar, ainda, que o fator Esgotamento Mental foi avaliado como de risco alto para 10,92% dos respondentes. Por último, o fator Falta de Reconhecimento obteve um escore médio de 1,82 (DP = 0,80), o que representa risco baixo. Ademais, 77,31% dos respondentes avaliaram que as vivências relacionadas à falta de reconhecimento apresentaram risco baixo e 19,33% como risco médio.

A EDT obteve um escore médio de 2,04 (DP = 0,65). Como dois fatores da EDT apresentaram riscos baixos e um fator apresentou risco médio, a avaliação global da escala foi de risco baixo. Portanto, o resultado da EDT é positivo, representando baixos riscos psicossociais no trabalho. Constatou-se que 67,23% dos respondentes atribuíram riscos psicossociais baixos à EDT, enquanto que 31,09% avaliaram como sendo de risco médio. O fator Danos Psicológicos da EDT obteve um escore médio de 1,81 (DP = 0,86), o que representa baixo risco psicossocial, sendo que 76,47% dos respondentes avaliaram como risco baixo as vivências relacionadas aos danos psicológicos e 23,53% avaliaram como sendo de riscos médio e alto. O fator Danos Sociais da EDT, com escore médio de 1,69 (DP = 0,61), foi o fator da EDT avaliado como sendo de menor risco em relação aos outros dois fatores da escala, representando baixos riscos psicossociais, sendo que 85,71% dos respondentes avaliaram como risco baixo as vivências relacionadas aos danos sociais e 14,29% avaliaram como sendo de riscos médio e alto. Por fim, o fator Danos Físicos da EDT, com escore médio de 2,48 (DP = 0,89), foi o único fator da EDT avaliado de risco mediano, o que representa um estado de alerta para os riscos psicossociais no trabalho e demanda intervenções a curto e médio prazos. Constatou-se que 54,62% dos respondentes avaliaram como riscos médio e alto as vivências relacionadas aos danos físicos e 45,38% avaliaram como sendo de risco baixo.

Na Tabela 2, são apresentados os itens que oferecem maiores e menores riscos para os fatores da ESPT e da EDT, cujos itens de cada escala foram colocados em ordem decrescente segundo a média.

Modelos de regressão linear múltipla

Neste estudo, são apresentados o R2 ajustado (R2Adj) do modelo e os valores β dos fatores estatisticamente significativos, ou seja, em que o valor de p é menor que 0,001, conforme manual do PROART. Na análise de pressupostos, foram calculados os fatores de inflação da variância (VIF) para avaliação de colinearidade nos modelos. Como nenhum dos valores foi superior a 10, não foi detectada presença de colinearidade. Por fim, os gráficos dos resíduos versus os valores preditos pelos modelos apresentaram comportamentos aleatórios em torno do zero, dando suporte a suposições de homocedasticidade e linearidade dos modelos aqui descritos. Os gráficos qqplot ou gráficos das probabilidades normais não evidenciaram violação do pressuposto de normalidade dos erros dos modelos lineares.

Nos subtópicos relatados nessa seção são apresentados apenas os modelos que melhor predisseram os fatores, segundo o critério adotado de maior valor de R2Adj para a escolha desse melhor modelo de uma variável dependente regredida. Além disso, o número de respondentes considerado para o cálculo foi de 119 e as análises de regressão foram efetuadas levando-se em consideração todos os fatores das escalas que estão imediatamente acima do fator considerado como variável dependente, de acordo com o modelo empírico de investigação do PROART.

Danos sociais

O modelo de regressão dessa variável dependente que descreveu bem os dados foi F(1, 117)=48,39, p<0,001, R2Adj=0,29. Assim, o fator falta de reconhecimento da ESPT explicou em 28,7% da variabilidade do escore médio do fator danos sociais da EDT. Portanto, o aumento de uma unidade do escore médio desse fator aumentou em média 0,54 o escore médio do fator danos sociais (Tabela 3).

Danos psicológicos

O melhor modelo considerado para essa regressão foi F(3,115)=62,94, p<0,001, R2Adj=0,61. Os fatores falta de sentido do trabalho, esgotamento mental e falta de reconhecimento da ESPT explicaram em 61,2% da variabilidade do escore médio do fator danos psicológicos da EDT (Tabela 3). Logo, o aumento de uma unidade do escore médio dos fatores falta de sentido do trabalho, esgotamento mental e falta de reconhecimento aumentaram em média 0,36, 0,29 e 0,26, respectivamente, o escore médio do fator de danos psicológicos.

Danos físicos

Para a variável dependente danos físicos, o modelo de regressão que melhor predisse foi F(3,115)=33,69, p<0,001, R2Adj=0,45. O fator divisão das tarefas da EOT e os fatores esgotamento mental e falta de reconhecimento da ESPT explicaram 45,4% da variabilidade do escore médio do fator danos físicos da EDT (Tabela 3). O aumento de uma unidade do escore médio de divisão das tarefas reduziu em média 0,25 do escore médio do fator danos físicos, assim como o aumento de uma unidade do escore médio dos fatores esgotamento mental e falta de reconhecimento aumentaram em média 0,31 e 0,26 respectivamente, o escore médio do fator danos físicos.

Falta de sentido do trabalho

O melhor modelo considerado para essa regressão foi F(2,116)=33,36, p<0,001, R2Adj=0,35. Os fatores estilo gerencialista e estilo coletivo da EEG explicaram 35,4% da variabilidade do escore médio do fator falta de sentido do trabalho da ESPT (Tabela 3). Assim, o aumento de uma unidade do escore médio dos fatores estilo gerencialista e estilo coletivo aumentou em média 0,30 e reduziu em média 0,38, respectivamente, do escore médio do fator falta de sentido do trabalho.

Esgotamento mental

Para a variável dependente esgotamento mental, o modelo de regressão que melhor predisse foi F(2, 116)=48,75, p<0,001, R2Adj=0,45. Os fatores divisão das tarefas da EOT e estilo gerencialista da EEG explicaram 44,7% da variabilidade do escore médio do fator esgotamento mental da ESPT (Tabela 3). Desse modo, o aumento de uma unidade do escore médio do fator divisão das tarefas da EOT e do fator estilo gerencialista da EEG, respectivamente, reduziu em média 0,41 e aumentou em média 0,48 o escore médio do fator esgotamento mental.

Falta de reconhecimento

O modelo que melhor predisse o fator falta de reconhecimento foi F(3, 115)=59,46, p<0,001, R2Adj=0,60. Os fatores divisão social do trabalho e divisão das tarefas da EOT e o fator estilo gerencialista da EEG explicaram em 59,8% da variabilidade do escore médio do fator falta de reconhecimento da ESPT (Tabela 3). O aumento de uma unidade do escore médio dos fatores divisão social do trabalho e divisão das tarefas reduziram em média 0,38 e 0,14, respectivamente, o escore médio do fator falta de reconhecimento, assim como o aumento de uma unidade do escore médio do fator estilo gerencialista aumentou em média 0,45 o escore médio do fator falta de reconhecimento.

Estilo gerencialista

O modelo de regressão da variável dependente estilo gerencialista foi F(1, 117)=30,93, p<0,001, R2Adj=0,20. O fator divisão das tarefas da EOT explicou 20,2% da variabilidade do escore médio do fator estilo gerencialista da EEG, de acordo com os dados exibidos na Tabela 3. O aumento de uma unidade do escore médio do fator divisão social do trabalho reduziu em média 0,46 o escore médio do fator estilo gerencialista.

Estilo coletivo

O modelo de regressão da variável dependente estilo coletivo foi F(1, 117)=65,94, p<0,001, R2Adj=0,35. O fator divisão social do trabalho da EOT explicou 35,5% da variabilidade do escore médio do fator estilo coletivo da EEG (Tabela 3): o aumento de uma unidade do escore desse fator aumentou em média 0,60 o escore médio do fator estilo coletivo.

A Figura 1 explicita, de forma esquemática e resumida, o modelo final resultante das análises de regressão linear múltipla. Por exemplo, quando maior for a falta de reconhecimento, maior serão os danos sociais, psicológicos e físicos.

 

Discussão

Com relação à caracterização sociodemográfica e ocupacional, os resultados se aproximaram bastante da população pesquisada, especialmente quanto à proporcionalidade entre pessoas do sexo feminino e masculino. Dessa forma, percebe-se a predominância de mulheres que têm acima de 50 anos de idade (58,71%) e que demandam questões específicas que precisam ser observadas para a promoção da equidade de gênero.

Sobre a análise dos resultados do PROART, os itens críticos da EOT que indicaram risco médio e alto para quase dois terços dos participantes não estão relacionados à justiça na distribuição das tarefas, a condições físicas do ambiente laboral e nem à clareza das atividades e das informações para a execução do trabalho, mas sim à falta de pessoal, à falta de participação dos servidores nas decisões, ao ritmo inadequado de trabalho, à inflexibilidade dos prazos e das normas, à invariabilidade das tarefas, à falta de autonomia e de liberdade para opinar sobre o trabalho, à má qualidade na comunicação entre os funcionários e à falta de coerência nas orientações para a realização das tarefas.

Em suma, o que caracteriza a organização do trabalho complicada no DETAQ para os respondentes são as características vinculadas à natureza das tarefas e ao relacionamento com a gestão, especialmente quanto à falta de transparência nas decisões e ao planejamento deficitário de pessoal. Por oportuno, convém ressaltar que a falta de pessoal no departamento está diretamente atrelada a dois fenômenos principais: número recorde de aposentadorias após a implantação do ponto eletrônico no dia 02/05/2015 (23 analistas taquígrafos, dois analistas legislativos e quatro técnicos legislativos se aposentaram nos últimos cinco anos) e da iminência de nova reforma da previdência, bem como a dificuldade da criação de novo concurso público devido aos cortes orçamentários impostos pela atual crise econômica brasileira.

Por sua vez, os resultados dos estilos de gestão indicaram que o coletivo (escore médio igual a 3,16) tinha uma presença maior, ainda que moderada, em comparação ao estilo gerencialista (escore médio de 2,73), segundo a percepção dos respondentes. De acordo com Facas et al. (2015), nenhum dos dois estilos de gestão pode ser considerado predominante e nem pouco característico neste estudo. No entanto, levando-se em consideração a maior presença do estilo coletivo, pode-se dizer que o órgão está inserido nas relações de trocas bem estabelecidas entre seus servidores, em que o trabalho coletivo é visto e valorizado como uma realização do grupo e resultado da competência do quadro funcional. Além disso, existe compromisso com o trabalho e os gestores são percebidos como aqueles que se preocupam com o bem-estar de seus trabalhadores. Outrossim, o estilo gerencialista se caracterizou pela forte valorização das regras e das normas em detrimento dos sujeitos, pelo elevado sistema hierárquico e pelo alto controle do trabalho. A cobrança do registro eletrônico de frequência e das cotas de trabalho se enquadram nesse aspecto do rígido controle da execução das tarefas.

Por oportuno, cabe mencionar que não somente os taquígrafos são cobrados por produtividade (exemplo, cota diária de degravações por determinado intervalo de tempo), mas também outros cargos efetivos do departamento, tais como os analistas e os técnicos legislativos que fazem a indexação e o sumário dos discursos parlamentares. Neste ponto, Dejours (2007) já criticava sobre a tentativa inócua de quantificação do trabalho, argumentando que o trabalho é uma vivência subjetiva associada à carga psíquica, que não é passível de quantificação: "o prazer, a satisfação, a frustração, a agressividade, dificilmente se deixam dominar por números" (Dejours, 2007, p. 22). De fato, a inteligência prática pressupõe transgressão às regras, ao prescrito e é, por isso, da ordem do invisível. Assim, o que se tem é a quantificação do resultado do trabalho. Ainda nesse contexto, autores advertem sobre essa ideologia gerencial, baseada na mudança do paradigma burocrático para o pós-burocrático ou gerencial, em que as pressões por eficiência e eficácia no serviço público podem prejudicar as relações de trabalho nessas organizações, ao invés de desenvolvê-las. Desse modo, a obsessão por resultados e por produtividade se volta prioritariamente "para as tarefas e menos para as pessoas, precarizando o trabalho, desmotivando o servidor e fazendo com que as tarefas laborais pressionem cada vez mais o indivíduo, dificultando a criação de espaços de diálogo e de exercício da criatividade" (Siqueira e Mendes, 2009, p. 242).

Alves (2014) menciona, ainda, que no caso dos taquígrafos que fazem o apanhamento taquigráfico em plenário, a cobrança por resultados alcança o nível de produção do trabalho com as qualidades de rapidez e perfeição, constituindo uma violência institucional que impede a criatividade e a confiança do servidor. De acordo com o autor, isso prejudica o processo de constituição saudável da subjetividade do trabalhador, na medida em que o sujeito é visto como mero recurso que deve ser otimizado ao máximo. Frente a isso, o servidor se sente desmotivado e frustrado perante um trabalho altamente especializado, mas que não lhe permite desenvolver seu potencial criativo.

Com relação aos riscos de sofrimento patogênico, verificou-se que os itens críticos que indicaram risco médio e alto para um quarto dos respondentes estavam relacionados ao fator esgotamento mental e a um item do fator falta de reconhecimento. Quanto ao esgotamento mental, a maioria da amostra percebia o trabalho como desgastante, cansativo, que sobrecarrega e desanima, além de que a submissão do trabalho a decisões políticas se constituir como fonte de revolta. Quanto à falta de reconhecimento, somente o item referente ao sentimento de desvalorização do trabalho pela organização constituiu risco moderado.

Esses resultados referentes ao esgotamento mental são também confirmados por estudos realizados com taquígrafos (Hostensky et al., 2002; Patussi, 2005), em que se verificou que essa atividade laborativa apresenta alto custo cognitivo e emocional. Nessas pesquisas, diversos elementos da organização do trabalho confirmaram o alto custo que expõe esses servidores ao desenvolvimento de cansaço e ao esgotamento cognitivo, além de problemas com o reconhecimento de sua atividade profissional.

Com relação aos danos relacionados ao trabalho aferidos pela EDT, somente danos físicos apresentou risco médio, o que demanda atenção a curto e médio prazos. Os itens mais críticos desse fator dizem respeito a dores no braço, alterações no sono, dores nas costas, no corpo e dores de cabeça. Nesse sentido, ainda a respeito da categoria de taquígrafos legislativos, Hostensky et al. (2002) afirmam que esse grupo está propenso a desenvolver doenças relacionadas ao trabalho, em decorrência não só da atividade repetitiva, mas principalmente da organização e das condições de trabalho a que são expostos. Segundo esses autores, a organização se relaciona à forma de trabalho fragmentada e à perda da percepção da totalidade do trabalho desenvolvido. As condições de trabalho estão relacionadas à qualidade das instalações, tais como as condições físicas estudadas pela ergonomia. Desse modo, o custo humano dessa atividade forma um cenário propício ao desenvolvimento de doenças ocupacionais a médio e longo prazos, tais como: L.E.R./D.O.R.T., dificuldades físicas e mentais relacionadas ao trabalho e ao seu ritmo estafante, transtornos mentais e comportamentais, entre outros.

Os dados acerca de danos físicos relacionados ao trabalho indicaram que o corpo biológico, submetido às exigências de tempo, de ritmo de trabalho, de idade e de gênero, é o principal ponto de impacto de manifestações de doenças profissionais, conforme preceitua Dejours (1992). Trata-se, portanto, de um corpo doente, ou que corre o risco de adoecer, com manifestações de dores nos braços, nas costas, além de alterações no sono relatadas na EDT. Pode-se dizer, portanto, que a saúde mental é o segundo alvo dos danos relacionados ao trabalho, ainda que apontada como de baixo risco pelos resultados de danos psicológicos da EDT.

Nesse ponto é importante destacar que os baixos riscos verificados na ESPT e na EDT sugerem a ocorrência de estratégias defensivas que atuam no sentido de reduzir a percepção do sofrimento. Assim, os resultados do PROART revelaram certa tendência à avaliação positiva pelos respondentes, que protegem seu psiquismo e mantém a "normalidade" por meio da utilização de estratégias defensivas de exploração, de proteção e de adaptação, conforme preceitua Dejours (1992). Por oportuno, cabe mencionar que apesar da EDT apresentar risco baixo na avaliação global do PROART, pouco mais de um terço dos respondentes avaliou essa escala como de risco médio ou alto, o que representa proporção significativa e, portanto, necessita de intervenções de curto e médio prazos.

Ademais, a partir das análises de regressão linear múltipla, os danos físicos nessa amostra, único avaliado como risco médio, são explicados pela falta de reconhecimento, pelo esgotamento mental e pela relação inversa da divisão das tarefas, ou seja, quanto maior for a falta de reconhecimento e o esgotamento mental e menor for a divisão das tarefas, maior serão os danos físicos. Enquanto que a falta de reconhecimento está diretamente relacionada à percepção do estilo gerencialista e inversamente relacionada à divisão social do trabalho e à divisão das tarefas, o esgotamento mental está relacionado ao estilo gerencialista e, de forma inversa, à divisão das tarefas. Em outras palavras, quanto mais presente o estilo gerencialista, por exemplo, haverá mais falta de reconhecimento e de sentido do trabalho, além de maior esgotamento mental.

 

Considerações finais

Em relação ao objetivo deste artigo, foram investigados os riscos psicossociais no trabalho presentes em um departamento de taquigrafia legislativa federal, além de serem identificados os preditores dos diferentes fatores das escalas do PROART. Dentre os principais riscos, pode-se citar a organização prescrita do trabalho, o esgotamento mental e os danos físicos, A consciência desses riscos possibilita que medidas de prevenção do adoecimento e de promoção da saúde no trabalho sejam adotadas como, por exemplo, a implantação da clínica psicodinâmica do trabalho destinada aos servidores que apresentam conflitos oriundos da relação com o trabalho e a criação de um espaço de deliberações coletivas. Dessa forma, busca-se provocar mudanças positivas na organização do trabalho, a partir do apoio, do conhecimento, da experiência e do engajamento dos trabalhadores que sabem, de fato, fazer o trabalho real e vivo.

 

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Recebido em: 12.11.2018
Aceito em: 02.05.2019

 

 

1 Os riscos altos na EOT correspondem aos valores entre 1,00 a 2,29; os riscos médios, aos valores entre 2,30 a 3,69; e os riscos baixos, aos valores entre 3,70 a 5,00.

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