SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 issue1Personality and psychopathological aspects in animal hoarding measured through HTPDropout in psychotherapy: socio-demographic, institutional and clinical factors author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.13 no.1 São Leopoldo Jan./Apr. 2020

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2020.131.02 

10.4013/ctc.2020.131.02 ARTIGOS

 

Adaptação da Escala de Ansiedade de Falar em Público (PSAS) para o Brasil

 

Adaptation of the Public Speaking Anxiety Scale (PSAS) for Brazil

 

 

Brenda Lorrenne Dunga de Oliveira; Hemerson Fillipy Silva Sales; Kaline da Silva Lima; Melyssa Kellyane Cavalcanti Galdino

Universidade Federal da Paraíba

Correspondência para

 

 


RESUMO

O objetivo desse estudo foi adaptar a Escala de Ansiedade de Falar em Público (PSAS) para o contexto brasileiro. Para isso contou-se com uma amostra por conveniência de 667 estudantes universitários com idades entre 18 e 60 anos (M = 24,17; DP = 5,43), a maioria mulheres (70,5%). Em relação a evidência de validade, por meio de Análises Fatoriais Confirmatórias foram testados três modelos da PSAS (um fator, dois fatores e três fatores). Desses, apenas dois apresentaram índices de qualidade de ajuste aceitáveis. Uma ANOVA apontou o modelo de três fatores como o mais adequado. Quanto a validade convergente, correlações de Pearson mostraram associação moderada com outras medidas de ansiedade. Os resultados obtidos justificam o uso da PSAS no contexto brasileiro para fins de pesquisa.

Palavras-chave: ansiedade de falar em público; validade fatorial; validade convergente.


ABSTRACT

The aim of this study was to adapt the Public Speaking Anxiety Scale (PSAS) to the Brazilian context. Participants were 667 university students aged from 18 to 60 (M = 24.17; SD = 5.43), mostly women (70.5%). Regarding the factorial validity, through Confirmatory Factor Analyzes, three PSAS models were tested (one factor, two factors and three factors). Only two of them showed acceptable fit quality indices. One ANOVA pointed to the three factors model as the most appropriate. Regarding convergent validity, Pearson correlations showed a moderate association with others anxiety measures. The results justify the use of PSAS in the Brazilian context for research purposes.

Keywords: public speaking anxiety; factorial validity; convergent validity.


 

 

Introdução

Os transtornos de ansiedade envolvem todos aqueles distúrbios que compartilham características de medo e ansiedade excessivos, bem como perturbações comportamentais relacionadas (APA, 2014). Tais transtornos atingem cerca de 264 milhões de pessoas em todo o mundo (3,6% da população mundial) envolvendo diferentes faixas etárias e condições (WHO, 2017). O foco desta pesquisa é a população de jovens universitários, condição em que os sentimentos e emoções podem alcançar altas proporções, considerando que no período acadêmico há uma enorme confrontação de situações que geram pressão psicológica e ansiedade (Viegas, Cruz, Pinto, Almeida, & Aleluia, 2016).

Dentre os subtipos de transtornos de ansiedade comuns nessa condição, ressalta-se o Transtorno de Ansiedade Social (TAS) ou fobia social, definido e caracterizado, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais em sua quinta edição (DSM-5), como um transtorno em que os indivíduos sentem medo, ansiedade e tendem a evitar situações sociais onde possam ser avaliados. Geralmente associam a ideia dessa avaliação como negativa, podem sentir-se embaraçados, humilhados ou rejeitados (APA, 2014).

De acordo com a 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5; APA, 2014), pessoas com TAS demonstram um medo excessivo e constante de uma ou mais situações sociais ou de desempenho. Estes indivíduos possuem medo de que seus comportamentos sejam percebidos de maneira humilhante ou embaraçosa, e consequentemente temem a desaprovação ou rejeição pelos outros (APA, 2014). Quando existe ansiedade social de desempenho, a apreensão afeta questões profissionais que envolvem falar em público, apresentar-se em contextos de trabalho, escola ou acadêmicos, quando é necessária exposição pública (APA, 2014). Sendo assim, os sujeitos com ansiedade social de desempenho desenvolvem comportamentos evitativos para situações sociais.

Dentre os subtipos de transtorno de ansiedade relacionados ao desempenho, uma das formas mais prevalentes é a ansiedade de falar em público, um tipo de ansiedade que se apresenta em situações reais ou antecipadas nas quais o indivíduo tem que se apresentar de forma oral (Bodie, 2010). A literatura aponta essa situação como uma questão de saúde mental importante de ser estudada, pois pode interferir na rotina educacional, influenciando inclusive no baixo rendimento escolar e levando a uma condição de sofrimento (Angélico, Crippa, & Loureiro, 2012).

De acordo com Falcone (1995), a ansiedade excessiva ligada ao medo de falar em público pode se transformar em um grande sofrimento para os estudantes universitários, que esperam suscitar uma boa impressão nos outros. Além disso, a exposição gera na pessoa ansiosa a dúvida acerca de suas habilidades, de modo que o sujeito pode não saber como alcançar essa boa impressão e assim achar que não se enquadrará socialmente, parecerá pouco competente, alguma coisa irá atrapalhar sua apresentação ou que perderá a estima dos demais.

Segundo Oliveira e Duarte (2004), durante as apresentações de seminários, avaliações orais e participação nas aulas, os alunos podem sentir uma excessiva ansiedade. Podem apresentar comportamentos de fuga e esquiva, como faltar nas aulas ou recusar participar das atividades, o que prejudica o rendimento acadêmico do aluno e pode levar a reprovação e até a desistência dos estudos e/ou do curso. Relatam ainda que ao se apresentar publicamente os estudantes podem apresentar tremores, sudorese, taquicardia, gagueira, rubor, falhas na memória e vontade de escapar da situação.

Toda essa problemática alerta para a importância de estudar a ansiedade de falar em público tanto sob uma perspectiva clínica, focando na avalição psicológica para fins de diagnóstico, como sob a perspectiva da pesquisa em psicologia, com ênfase na taxa de incidência do problema e na correlação da ansiedade ao falar em público com outras variáveis. Nesse caso, o uso de questionários de auto relato adequados e específicos para o problema podem ser de bastante ajuda na área.

Embora existam, na literatura, várias medidas para avaliar a ansiedade para falar em público, a maioria dessas medidas avaliam apenas um dos aspectos que compõem a ansiedade. Por esse motivo Bartholomaye e Houlihan (2016) desenvolveram a Public Speaking Anxiety Scale (PSAS), uma medida baseada na teoria integrativa das emoções e ansiedade, proposta por Lang (1971), que considera a ansiedade uma emoção complexa que deve ser medida em três sistemas de respostas: os comportamentos observáveis, as expressões cognitivas e emocionais, e as reações fisiológicas. Segundo esses três sistemas de resposta, é possível analisar o medo e a ansiedade de acordo com a expressão de cada uma das dimensões. Enquanto na dimensão comportamental vão estar presentes comportamentos de congelamento, evitação ou fuga. Na dimensão cognitiva, estarão as sensações e relatos de perigo ou ameaça implícitos a situação vivenciada. Já na dimensão fisiológica, vão existir indicadores de ativação do sistema autônomo periférico com modificação na configuração muscular, alterações nos sistemas imunitários e endócrinos, e índices de funcionamento do sistema nervoso.

Além da PSAS foram encontradas ainda duas medidas que avaliam a ansiedade de acordo com o modelo de três componentes proposto por Lang (1971), o Personal Report of Confidence as a Speaker (PRCS; Gilkinson, 1942) e a Personal Report of Public Speaking Anxiety (PRPSA; McCroskey, 1970). Entretanto, essas escalas possuem outros tipos de limitações, como o fato de demandarem bastante tempo para a aplicação, devido ao seu número elevado de itens; enquanto a PSAS é uma medida curta que contém menos de 20 itens, e, portanto, de rápida aplicação.

A PSAS originalmente foi adaptada a partir de um estudo com 375 estudantes de graduação, e obteve uma alta consistência interna om Alfa de Cronbach (α) = 0, 93. Quando realizada a análise de componentes principais com uma rotação Varimax os resultados indicaram dois componentes, o componente fisiológico e o cognitivo e emocional. A análise de confiabilidade também foi calculada para cada um dos componentes, o componente cognitivo obteve alta consistência interna (α = 0, 88), o componente comportamental obteve uma consistência interna mais baixa (α = 0, 74), e o componente fisiológico uma alta consistência interna (α = 0 ,86; Bartholomay & Houlihan, 2016).

Entre os instrumentos que avaliam a ansiedade ao falar em público também existe a Self Statements during Public Speaking Scale (SSPS), desenvolvida por Hofmann e DiBartolo (2000) visando apenas a auto-avaliação de aspectos cognitivos ante a situação de falar em público. A escala foi adaptada para contexto brasileiro, traduzida como Escala para Auto Avaliação ao Falar em Público (EAFP) por Osório, Crisppa e Loureiro (2008) e contém 10 itens de carga positiva (e.g. Posso dar conta de tudo) e negativa (e.g. Sou um fracasso). Não foram realizados estudos com técnicas de Análise fatorial exploratória ou confirmatória da EAFP, sendo, portanto, uma limitação do estudo no Brasil. A consistência interna obtida foi de 0,90 para a escala total, 0,80 para a subescala de autoavaliação positiva e 0,78 para a subescala de autoavaliação negativa (Osório et al., 2008).

Portanto, embora exista outra escala para avaliar o ato de falar em público já adaptada ao contexto brasileiro, esta abrange somente parte do construto ansiedade ao falar em público. Desta forma, faz-se importante a adaptação e obtenção de evidências de validade para o Brasil da PSAS para possibilitar um rastreamento mais completo, ao analisar as três dimensões da ansiedade inerentes à ansiedade de falar em público (comportamentos observáveis, expressões cognitivas/emocionais e reações fisiológicas).

 

Método

Participantes

O estudo contou com uma amostra não probabilística (por conveniência) de 667 estudantes universitários de alguns estados do nordeste, sendo a grande maioria da Paraíba (52,6%). Esses tinham idades entre 18 e 60 (M = 24,17; DP = 5,43), eram em grande parte do sexo feminino (70,5%) e cursavam a área de humanas e sociais (51,7%), destes 13,3% cursavam psicologia, 7% Direito, 4,8% administração, 3,9% Serviço Social e 2,8% Pedagogia.

Instrumentos

(1) Escala de Ansiedade de Falar em Público (PSAS) - medida desenvolvida por Bartholomay e Houlihan (2016) para avaliar a ansiedade de falar em público. É composta por 17 itens (e.g., "Dar um discurso é aterrorizante"; "Fico inquieto antes de dar um discurso", etc.), os quais são respondidos em uma escala tipo likert variando de 1 (De modo algum) a 5 (Extremamente). A PSAS abrange os três componentes da ansiedade descrito por Lang (1971): componente cognitivo (8 itens), componente comportamental (4 itens) e componente fisiológico (5 itens).

(2) Escala para Autoavaliação ao Falar em Público (SSPS) - proposta originalmente por Hofmann e DiBartolo (2000), foi utilizada a versão validada para o Brasil por Osório et al. (2008). Trata-se de uma medida de autoavaliação frente a circunstância de falar em público, com foco no seu componente cognitivo. É composta de duas subescalas: a de auto avaliação positiva e a de auto avaliação negativa, cada uma com 5 itens (e.g: "O que tenho a perder? Vale a pena tentar"; "Qualquer coisa que eu disser, vai parecer bobagem") pontuados em uma escala likert de 0 (discorda totalmente) a 5 (concorda inteiramente).

(3) Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) - medida desenvolvida por Spielberger, Gorsuch e Lushene (1970) e adaptada para o Brasil por Biaggio e Natalício (1979). Se propõe a avaliar a ansiedade a partir de duas formas diferentes: estado de ansiedade e traço de ansiedade. Esse instrumento é composto por duas escalas de auto relato cada uma contendo 20 afirmações. Na escala de estado de ansiedade (IDATE-E) é solicitado que o sujeito indique como se sente em um dado momento (e.g: "Sinto-me calmo(a)"; "Estou tenso(a)."), variando em escala likert de 1 (absolutamente não) a 4 (muitíssimo), já na escala sobre ansiedade de traço (IDATE-T), o sujeito deve indicar como geralmente se sente (e.g: "Canso-me facilmente."; "Sou calmo(a), ponderado(a) e senhor(a) de mim mesmo."), respondendo também em escala likert, mas variando entre 1 (quase nunca) a 4 (quase sempre). Para esta pesquisa foi utilizado apenas o IDATE-T.

(4) Questionário Sociodemográfico - composto por algumas perguntas com o intuito de caracterizar os participantes da pesquisa, incluindo informações sobre sexo, idade, curso e cidade onde reside.

Procedimentos a PSAS, elaborada originalmente em língua inglesa foi traduzida e adaptada de acordo com as recomendações técnicas necessárias descritas por Fachel e Camey (2000). A tradução inicial do inglês para o português foi feita por dois tradutores independentes. A tradução reversa para o inglês (back-translation) foi realizada por outro tradutor bilíngue, visando comparar a tradução para o inglês com o instrumento original. Realizou-se também uma revisão dos itens por um comitê de quatro profissionais de psicologia das áreas de psicologia clínica e avaliação psicológica, afim de então se obter uma versão final da escala para o próximo passo do processo de validação.

Após essas etapas, foi realizada uma validação semântica com estudantes de primeiro e segundo períodos, a fim de identificar se o extrato mais baixo da população alvo era capaz de compreender o instrumento. A sigla PSAS foi usada para caracterizar a versão em português da escala.

A seguir, deu-se início a coleta de dados de forma online através da divulgação de um formulário desenvolvido na plataforma Google Docs, o qual possuía como primeira página um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme exigido pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos, no qual era explicado o motivo e relevância da pesquisa, o caráter voluntário e a garantia do anonimato aos participantes. Após seleção do item que concordava com a participação, o sujeito era direcionado aos instrumentos que continham as devidas instruções ao preenchimento. O tempo de resposta aos questionários foi entre dez e quinze minutos.

Todas as análises foram realizadas no software R (versão 3.6.1; R Development Core Team, 2011). Esse foi utilizado para tabular e analisar os dados, permitindo calcular estatísticas descritivas (frequência, média e desvio-padrão) a fim de caracterizar a amostra; Análises Fatoriais Confirmatórias (AFC) com estimador de Máxima Verossimilhança (Maximum Likelihood; ML) para verificar a fonte de evidência de validade da escala; coeficientes Alfa de Cronbach para verificar a precisão; uma ANOVA para comparar os modelos; e correlações r de Pearson para a verificação de validade convergente. Especificamente para a AFC foram considerados os seguintes índices de qualidade de ajuste: Razão Qui-quadrado / graus de liberdade (χ2/g.l); Comparative Fit Index (CFI); Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA). Foram considerados adequados valores até 5 para o χ2/gl; valores iguais ou acima de 0,90 para o CFI; e valores abaixo ou igual a 0,10 para o RMSEA (Marôco, 2014; Tabachnick & Fidell, 2001).

 

Resultados

Evidência de Validade

Para verificar a estrutura fatorial da PSAS foram realizadas AFCs por meio do pacote Lavan (Rosseel, 2012) e coeficientes Alfa de Cronbach com o Psych (Revelle, 2014). Foram testados três modelos com o estimador ML. O primeiro foi o modelo de um fator, que consistia em um único fator geral explicando todos os itens. Os itens desse modelo apresentaram pesos de regressão (Lambdas - λ) estatisticamente diferentes de zero (t > 1,96; p < 0,05), variando entre 0,25 (item 6) e 0,82 (item 1). O modelo não apresentou indicadores de ajuste satisfatórios: χ2/gl = 7,71; CFI = 0,87; RMSEA (IC90%) = 0,10 (0,09 - 0,10). O fator geral do modelo apresentou alfa de 0,93.

O segundo modelo foi baseado nos achados da analise exploratória do estudo original de desenvolvimento da PSAS (Bartholomaye & Houlihan, 2016). Trata-se de um modelo de dois fatores, tendo como Fator 1 os itens 1, 2, 3, 4, 5, 9, 10,11, 12, 13, 14, 15 e 16 e como Fator 2 os itens 6, 7, 8, e 17. Todos os pesos de regressão foram estatisticamente diferentes de zero (0; t > 1,96; p < 0,05), saturando entre 0,26 (item 17) e 0,90 (item 7). Os indicadores de ajuste desse modelo melhoraram em relação ao modelo de um fator: χ2/gl = 6,44; CFI = 0,90; RMSEA (IC90%) = 0,09 (0,08 - 0,09). O Fator 1 apresentou alfa de 0,93 enquanto que o Fator 2 apresentou alfa de 0,62.

Por último, foi testado o modelo de três fatores inicialmente proposto por Bartholomaye e Houlihan (2016). Esse é baseado na Teoria Integrativa das Emoções e Ansiedade (Lang, 1971) e compreende os seguintes componentes: cognitivo (itens 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8), comportamental (itens 9, 12, 15 e 17) e fisiológico (itens 10, 11, 13, 14 e 16). Esse modelo também apresentou pesos de regressão (Lambdas - λ) estatisticamente diferentes de zero (0; t > 1,96; p < 0,05), e saturaram entre 0,24 (item 17) e 0,84 (item 1). Esse modelo foi o que apresentou os maiores indicadores de ajuste: χ2/gl = 5,23; CFI = 0,92; RMSEA (IC90%) = 0,08 (0,07 - 0,08). Os Alfas apresentados foram de 0,88 para o fator cognitivo, 0,66 para comportamental e 0,85 para o fisiológico. Os três modelos são comparados na Tabela 1.

A Tabela 1 mostra além dos indicadores de ajuste obtidos por meio de análises fatoriais confirmatórias os valores de Δχ2(gl), AIC, BIC, obtidos por meio de uma ANOVA. O primeiro indica que os modelos são estatisticamente diferentes entre si, enquanto que os dois últimos são índices comparativos do modelo. Os valores AIC e BIC mais baixos apresentados pelo modelo tridimensional confirmam a melhor adequação desse modelo em detrimento dos demais. Os pesos fatoriais do modelo tridimensional podem ser observados na Figura 1.

 

 

Evidência de Validade Convergente

Em seguida buscou-se verificar a validade convergente das três dimensões da PSAS com duas outras medidas de ansiedade, à saber a SSPS e o IDATE-T. As pontuações das SPSS também foram computadas para cada uma de suas dimensões. Os resultados estão sumarizados na Tabela 2.

Como pode-se perceber na Tabela 2, os resultados das correlações de Pearson mostram que todas as pontuações das dimensões da PSAS, bem como o escore total, foram correlacionados significativamente de forma negativa com o escore total da SSPS e com suas respectivas dimensões. Além disso também se correlacionaram positivamente com o escore total do IDATE-T. Todas as correlações dessas medidas e o escore total do PSAS tiveram um tamanho de efeito moderado, sendo a maior correlação com a dimensão negativa da SSPS (r = 0,68; p < 0,001); e a menor com o escore total do IDATE-T (r = 0,55; p < 0,001).

 

Discussão

Instrumentos de autorrelato, como questionários, escalas e inventários psicométricos são vantajosos por serem facilmente aplicáveis e terem baixo custo. Por isso, também, são muito utilizados para fins de pesquisas; de forma complementar no diagnóstico clínico; e no acompanhamento do tratamento de transtornos diversos. No que diz respeito ao âmbito nacional, a adaptação psicométrica de medidas para o contexto brasileiro é de fundamental importância para o desenvolvimento de pesquisas em diversas áreas e sobretudo na psicologia.

Em relação a essa pesquisa, a adaptação da PSAS é justificável a partir do exposto pela literatura em relação a necessidade de uma medida que seja capaz de uma investigação sobre todos os componentes da ansiedade de falar em público, mas que seja concisa e de rápida aplicação, tal como a PSAS se propõe. Segundo Bartholomay e Houlihan (2016) medidas de auto relato são suficientemente sensíveis para classificar indivíduos "limítrofes" ou "em risco" para o desenvolvimento de uma condição diagnosticável, podendo assim contribuir para uma intervenção precoce, apesar da dificuldade de se chegar a um consenso no que diz respeito ao que constitui de forma significativa ansiedade de falar em público.

Evidências de validade da PSAS foram apuradas em duas etapas, primeiro por meio de AFCs que verificaram as adequações de três modelos fatoriais e em seguida por meio de correlações de Pearson com outras duas medidas de ansiedade (SSPS e IDATE-T). As AFCs mostraram que dois dos modelos testados estavam adequados, o modelo de dois fatores, encontrado na análise fatorial exploratória realizada no estudo original de construção da PSAS e o modelo de três fatores, que foi o modelo inicial sugerido por Bartholomay e Houlihan (2016), baseado na Teoria Integrativa das Emoções e Ansiedade (Lang, 1971). Apenas o modelo de um fator não se apresentou adequado, com valores de CFI abaixo de 0,90. Um ponto importante a se destacar é que o fato dos valores do χ2/gl de todos os modelos terem ultrapassado o valor aceitável (0,5), não desqualifica os resultados. Isso por que esse índice é sensível à grandes amostras (n > 200; Byrne, 2001).

Dentre os modelos com bom ajuste, a estrutura com três fatores (cognitivo, fisiológico e comportamental) se mostrou a mais adequada, como pôde ser evidenciado pelos dois indicadores de comparação de modelos, a saber o BIC e AIC. Essas análises sustentam a sugestão de Bartholomay e Houlihan (2016) que mesmo tendo encontrado um modelo com dois fatores no estudo original com análises exploratórias, indicaram a utilização do modelo com três dimensões. Assim, apesar da impossibilidade de comparar diretamente os achados dessa pesquisa com os dados do estudo original, devido a ausência de análises confirmatórias, os pesquisadores do presente estudo também indicam a utilização do modelo de três fatores como o mais apropriado.

Após corroborar a validade fatorial da PSAS, buscou-se reunir evidências de validade convergente. Por meio de correlações de Pearson foram encontradas correlações da PSAS com outras medidas de ansiedade, o que implicou em correlações moderadas entre todas as medidas. Esses dados indicam que a PSAS está associada tanto com medidas mais gerais de ansiedade, como é o caso do IDATE-T, como com medidas mais específicas para o problema da ansiedade de falar em público, a saber a SSPS. O fato da magnitude da correlação em relação ao IDATE ter sido menor quanto a PSAS ou mesmo a SSPS, diz respeito exatamente à ausência dessa especificidade, e, portanto, já era esperada. Isso mostra a importância da utilização de medidas mais características do problema para a compreensão de estados mais particulares dentre os transtornos de ansiedade. Já em relação à ausência de correlações mais fortes entre a PSAS e a SSPS e suas dimensões, acredita-se que tenha ocorrido devido ao fato dessas duas medidas avaliarem o problema de forma distinta, já que a SSPS avalia apenas manifestações cognitivas da ansiedade de falar em público, enquanto que a PSAS avalia, além das manifestações cognitivas, dimensões comportamentais e fisiológicas. Outra possibilidade é o fato da SSPS incluir itens invertidos de conteúdo positivo na sua composição.

Esse resultado quanto a validade convergente corrobora com a visão da revisão sistemática de instrumentos para avaliação da ansiedade realizada por DeSousa et al. (2013), que determinam que os instrumentos para avaliar a ansiedade podem enquadrar-se em diferentes tipos, e que os inventários de ansiedade, são instrumentos que avaliam a ansiedade como construto global, sem explicitar quais comportamentos, pensamentos e/ou sentimentos avaliados são específicos a determinado transtorno ansioso. Consideram ainda que instrumentos que visam avaliar um transtorno ansioso específico por meio de comportamentos, pensamentos e/ou sentimentos sintomáticos, pertencem à categoria Transtornos de Ansiedade Específicos, na qual o SSPS está incluso. Como apontado por Osório et al. (2008) este instrumento só avalia pensamentos referentes a ansiedade em falar em público. Por outro lado, os resultados apresentados no presente estudo apontam que a PSAS é apropriada para avaliar comportamentos, pensamentos e sentimentos referentes a ansiedade de falar em público, portanto, diferencia-se tanto do IDATE-T, quanto da SSPS.

Em relação a precisão da PSAS os valores dos alfas dos componentes cognitivo e fisiológico foram similares àqueles encontrados por Bartholomay e Houlihan (2016) no estudo original de construção da PSAS e superiores aos encontrados por Osório et al. (2008) para as dimensões da SSPS. Apenas o alfa do componente comportamental foi inferior a 0,70. O valor desse componente, apesar de estar abaixo do esperado, é considerado aceitável e sustenta a utilização da PSAS para fins de pesquisa, mas não para diagnóstico clínico.

 

Considerações finais

Os resultados obtidos apontam que o PSAS é um importante instrumento no rastreio de indivíduos com dificuldades de falar em público. A ansiedade de falar em público na exposição a situações que envolvem discussões em grupos, aprovação, interações sociais, pode acarretar prejuízos, tais como o abandono de curso, desemprego, menor status socioeconômico e falta de avanço na carreira. Diante da importância desse comportamento na sociedade, faz-se necessário mais estudos que visem o uso e inserção dessa escala nos mais diversos contextos (Bartholomay & Houlihan, 2016).

Mesmo considerando que tenham sido alcançados os objetivos dessa pesquisa, é importante destacar que, como todo estudo, este possui algumas limitações potenciais tais quais à especificidade da amostra, tendo em vista que esta foi uma amostragem por conveniência (não probabilística), além de ter sido formada apenas por estudantes universitários. Sendo assim, recomenda-se que sejam realizadas mais pesquisas com a PSAS em amostras maiores e mais diversificadas, bem como com amostras clínicas.

Pode-se concluir que os resultados encontrados nesse estudo dão suporte a adequabilidade da PSAS quanto a sua validade e precisão, tornando-a assim um instrumento apto a ser empregado no conhecimento da ocorrência da ansiedade de falar em público, que deve ser compreendida como questão de saúde mental. Espera-se que este instrumento seja utilizado possibilitando e orientando possíveis intervenções a longo prazo.

 

Referências

American Psychological Association(2014). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5ª ed.). Washington, DC: American Psychiatric Publishing.         [ Links ]

Angélico, A. P., Crippa, J. A. S., & Loureiro, S. R. (2012). Transtorno de ansiedade social e habilidades sociais de falar em público: estudo experimental. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 12(1),10-35. Retrieved from: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=4518/451844637002        [ Links ]

Bartholomay, E. M., & Houlihan, D. D. (2016). Public Speaking Anxiety Scale: Preliminary psychometric data and scale validation. Personality and Individual Differences, 94,211-215. doi: 10.1016/j.paid.2016.01.026        [ Links ]

Biaggio, A. M. B. & Natalício, L. (1979). Manual para o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE). Centro Editor de Psicologia Aplicada-CEPA, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Byrne, B. M. (2001). Structural equation modeling with Amos: Basic concepts, applications and programming. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates.         [ Links ]

Bodie, G. D. (2010). A racing heart, rattling knees, and ruminative thoughts: Defining, explaining, and treating public speaking anxiety. Communication Education, 59(1),70-105. doi: 10.1080/03634520903443849        [ Links ]

DeSousa, D. A., Moreno, A. L., Gauer, G., Manfro, G. G., & Koller, S. H. (2013). Revisão sistemática de instrumentos para avaliação de ansiedade na população brasileira. Avaliação Psicológica, 12(3),397-410. Retrieved from: https://www.redalyc.org/pdf/3350/335030096015.pdf        [ Links ]

Fachel, J. M., & Camey, S. (2000). Avaliação psicométrica: a qualidade das medidas e o entendimento dos dados. Psicodiagnóstico, 5,158-170.         [ Links ]

McCroskey, J. C. (1970). Measures of communication-bound anxiety. Speech Monographs, 37(4),269-277. doi: 10.1080/03637757009375677        [ Links ]

Falcone, E. M. O. (1995). Fobia Social. In B. Rangé (Org.). In Psicoterapia Comportamental e Cognitiva de Transtornos Psiquiátricos p. 133-149. Editora: PSY II.         [ Links ]

Gilkinson, H. (1942). Social fears as reported by students in college speech classes. Communications Monographs, 9(1),141-160. doi: 10.1080/03637754209390068        [ Links ]

Hofmann, S. G., & DiBartolo, P. M. (2000). An instrument to assess self-statements during public speaking: scale development and preliminary psychometric properties. Behaviour Research and Therapy, 31,499-515. doi: 10.1016/S0005-7894(00)80027-1        [ Links ]

Lang, P. J. (1971). The application of psychophysiological methods to the study of psychotherapy ad behavior modification. In A. E. Bergin, & S. L. Garfield (Eds.), Handbook of psychotherapy and behavior change (pp. 75-125). New York, NY: Wiley.

Marôco, J. (2014). Análise de equações estruturais: fundamentos teóricos, software e aplicações. Pêro Pinheiro: Report Number.         [ Links ]

Oliveira, M. A., & Duarte, Â. M. M. (2004). Controle de respostas de ansiedade em universitários em situações de exposições orais. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 6(2),183-199. Retrieved from: http://www.usp.br/rbtcc/index.php/RBTCC/article/view/56/45        [ Links ]

Osório, F. D. L., Crippa, J. A. S., & Loureiro, S. R. (2008). Escala para auto-avaliação ao falar em público (SSPS): adaptação transcultural e consistência interna da versão brasileira. Revista de Psiquiatria Clínica, 35(6),207-211. Retrieved from: http://www.scielo.br/pdf/rpc/v35n6/v35n5a01        [ Links ]

R Development Core Tem. (2011). A language an environment for statistical computing. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing.         [ Links ]

Revelle, W. (2014). Psych: procedures for personality and psychological research. Retrieved from: http://cran.r-project.org/web/packages/psych/psych.pdf        [ Links ]

Rosseel, Y., (2012). Lavaan: An R Package for Structural Equation Modeling. Journal of Statistical Software, 48(2),1-36. Retrieved from: https://users.ugent.be/~yrosseel/lavaan/lavaanIntroduction.pdf        [ Links ]

Spielberger C. D., Gorsuch, R. L. & Lushene, R. D. (1970). STAI: manual for the State - Trait Anxiety Invetory. Palo Alto, CA: Consulting Psychologists Press.

Stahl, S. M., Gergel, I., & Li, D. (2003). Escitalopram in the treatment of panic disorder: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Journal of Clinical Psychiatry, 64(11),1322-1327. doi: 10.4088/jcp.v64n1107        [ Links ]

Tabachnick, B. G., & Fidell, L. S. (2001). Using multivariate statistics. Needham Heights, MA: Allyn & Bacon.

Viegas, C. M., Cruz, M., Pinto, J. R., Almeida, M., & Aleluia, S. (2016). Ansiedade nos estudantes do ensino superior. Um Estudo com Estudantes do 4º Ano do Curso de Licenciatura em Enfermagem da Escola Superior de Saúde de Viseu. Millenium-Journal of Education, Technologies, and Health, (38),223-242. Retrieved from: https://revistas.rcaap.pt/millenium/article/view/8259        [ Links ]

World Health Organization (2017). Depression and other common mental disorders: Global Health Estimates. Retrieved from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/254610/WHO-MSD-MER-2017.2-eng.pdf?sequence=1        [ Links ]

 

 

Correspondência para:
Kaline da Silva Lima
Campus I - Lot. Cidade Universitária
João Pessoa, Paraíba, CEP 58051-900
Email: kaline.s.lima@hotmail.com

Submetido em: 24.09.19
Aceito em: 13.04.20

Creative Commons License