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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.13 no.1 São Leopoldo Jan./Apr. 2020

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2020.131.03 

10.4013/ctc.2020.131.03 ARTIGOS

 

Abandono do tratamento em psicoterapia: fatores sociodemográficos, institucionais e clínicos

 

Dropout in psychotherapy: socio-demographic, institutional and clinical factors

 

 

Sónia Pimentel Alves; Carla Alexandra Fonte; Libânia Martins

Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Fernando Pessoa (Portugal)

Correspondência para

 

 


RESUMO

Apresenta-se um estudo cujo objetivo é analisar as diferenças em termos das variáveis sociodemográficas, institucionais e clínicas entre os clientes que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico e os que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento e encaminhamento). Para tal recorreu-se a uma amostra de conveniência de 68 indivíduos, com idades compreendidas entre os 18 e os 86 anos (M=40.3; DP=15.16), atendidos na consulta de adultos de uma clínica pedagógica de Psicologia. Os resultados evidenciam que os participantes que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico são significativamente mais jovens; estão todos eles em situação de dívida em termos de pagamento para com a clínica; não apresentam tantos problemas de saúde; têm em média menos tempo de intervenção e têm em média menos sessões do que aqueles que se encontra noutra situação. Estes dados, ao permitirem traçar o "perfil" daqueles que abandonam precocemente a psicoterapia, possibilitam que o profissional possa ter em consideração variáveis sociodemográficas (e.g., idade), institucionais (e.g., tipo de pagamento) e clínicas (e.g., outros problemas de saúde, tempo de intervenção e número de sessões) que podem carecer de atenção clínica adicional.

Palavras-chave: abandono do tratamento; psicoterapia; interrupção do tratamento; dropout terapêutico.


ABSTRACT

The objective was to analyze differences in terms of socio-demographic, institutional, and clinical variables among clients who dropout the psychotherapeutic process and those who are in another situation (discharge, follow-up, and referral). We used a convenience sample of 68 individuals, aged 18-86 years (M = 40.3; SD = 15.16), who attended the adult consultation of a pedagogical Psychology clinic, was used. The results show that the participants who dropout the psychotherapeutic process are significantly younger; are all in debt in terms of payment to the clinic; do not have as many health problems; have on average less intervention time and have on average fewer sessions than those who find themselves in another situation. These data, by allowing the "profile" of those who leave psychotherapy early, enable the professional to take into account socio-demographic (e.g., age), clinical (e.g., other health problems, time of intervention and number of sessions) and institutional variables (e.g., payment type) that may need additional clinical attention.

Keywords: abandonment of treatment; psychotherapy; interruption of treatment; therapeutic dropout.


 

 

Introdução

A importância da psicoterapia como campo de intervenção primordial no atendimento das diversas perturbações é reconhecida nos trabalhos e pesquisas acerca da eficácia das intervenções psicoterapêuticas (Leichsenring, Hiller, Weissberg & Leibing, 2006). No que diz respeito ao estudo da eficácia das psicoterapias, alguns autores têm vindo a defender que este não se deve focar apenas em casos que chegam ao término do tratamento. Ao contrário, o estudo dos casos nos quais ocorrem interrupções e problemas, também oferece elementos importantes para a compreensão dos processos envolvidos (Benetti & Cunha, 2008). Neste contexto, um dos aspetos frequentemente identificado é a questão do abandono precoce do processo terapêutico (Bueno et al., 2001; Melo & Guimarães, 2005; Swift & Greenberg, 2012).

O abandono em psicoterapia refere-se basicamente a situações em que o tratamento é interrompido sem que haja indicação para tal ou encaminhamento por parte do terapeuta (Lhullier & Nunes, 2000). As revisões da literatura sobre o abandono em psicoterapia, indicam que entre 30% e 60% dos pacientes de psicoterapia terminam prematuramente o acompanhamento (Baekeland & Lundwall, 1975; Garfield, 1986). Piper, Ogrodniczuk, Joyce, McCallum e colaboradores (1999) consideram abandono quando o paciente, unicamente por sua decisão, sem o conhecimento prévio do terapeuta, tendo comparecido a pelo menos uma sessão de terapia, cessa de fazê-lo, independente do motivo que o levou a isso. Desta forma, o termo 'abandono', proposto por Lhullier, Nunes e Horta (2000), assinala situações que incluem o término prematuro, no qual o terapeuta tem como meta levar adiante a terapia por mais sessões e é surpreendido pela desistência do paciente.

A literatura tem associado o abandono precoce da intervenção psicológica a variáveis sociodemográficas, variáveis pessoais e clínicas, institucionais, do tratamento e da relação terapêutica. Relativamente a aspetos mais sociodemográficos tem sido encontrada associação entre abandono e fatores como a presença de famílias desestruturadas (Campbell, Baker & Bratton, 2000; Kazdin et al., 1997); grupos minoritários e desvantagem socioeconómica (Kazdin, 1994; Kazdin, Stolar & Marciano, 1995; Kazdin et al., 1997); e baixa escolaridade (Luk et al., 2001; Sirles, 1990; Weirzbicki e Pekarik, 1993). Entre as variáveis pessoais e clínicas, alguns trabalhos de investigação têm apontado como dimensões associadas ao abandono precoce a história antissocial (Kazdin et al., 1997; Luk et al., 2001); a presença de queixas múltiplas (Dierker et al., 2001); a intensidade dos sintomas e a severidade da perturbação (Harpaz-Rotem et al., 2004; Kendall & Sugarman, 1997); alto nível de stresse nos eventos de vida (Kazdin, 1994; Prinz & Miller, 1994); as atitudes e expectativas face ao atendimento, como a perceção de obstáculos ao tratamento e problemas na relação terapêutica (Attride-Stirling, Davis, Farrell, & Day, 2004; Boggs et al., 2004; Garcia & Weisz, 2002; Kazdin et al., 1997; Luk et al., 2001; Prinz & Miller, 1994).

Em relação ao funcionamento institucional, o intervalo de tempo entre a avaliação, o diagnóstico e o início do tratamento tem sido associado ao desinteresse pelo tratamento (Kendall & Sugarman, 1997; Lhullier et al., 2006). Relativamente às variáveis do tratamento e da relação terapêutica, a falta de informação aos pacientes no início do atendimento tem sido associada à interrupção da terapia, indicando que muitos abandonos acontecem devido aos terapeutas não esclarecerem o paciente como funciona a terapia (Ceitlin & Cordioli, 1988; Valle, Viegas, Castro, Toledo Jr, 2000). A existência de uma aliança terapêutica fraca está associada a resultados terapêuticos pobres, aumentando o risco de ocorrer dropout (Botelha, 2008; Beckam, 1992; Coutinho, 2010; Horvath & Bedi, 2002; Melo & Guimarães, 2005; Reis & Brown, 1999; Samstag et al., 1998).

O conhecimento sobre os diferentes preditores do abandono psicoterapêutico é fundamental para a prática psicológica, permitindo identificar falhas no tratamento, auxiliar a identificação de casos em risco de abandono e na prevenção de futuras desistências. Neste contexto, parece pertinente compreender melhor o abandono precoce do processo psicoterapêutico e de que forma este se pode relacionar com variáveis sociodemográficas, institucionais e clínicas em indivíduos adultos inscritos na consulta psicológica de uma clínica pedagógica de Psicologia no período compreendido entre setembro de 2015 e julho de 2017. Especificamente, os objetivos do estudo que se apresenta são: (i) caracterizar a amostra quanto às variáveis sociodemográficas (sexo, idade, escolaridade, estado civil e área de residência), institucionais (tipo de pagamento, mudança de técnico, experiência do terapeuta) e clínicas (diagnóstico, existência de perturbação emocional, acompanhamento psicológico e psiquiátrico prévio, toma de psicofármacos, outros problemas de saúde, tempo total de intervenção, número de sessões e estado do acompanhamento) e (ii) explorar a relação entre os indivíduos que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico e os que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento) no que se refere às variáveis consideradas.

 

Método

Desenvolveu-se um estudo de natureza descritiva e inferencial de acordo com os objetivos enunciados.

Participantes

Os participantes foram selecionados através de uma amostragem não probabilística, isto é, de conveniência. Assim a amostra é composta por 68 clientes (N=68) atendidos na consulta psicológica de adultos de uma clínica pedagógica de Psicologia. Em termos sociodemográficos, a maioria dos participantes são mulheres (66.2%; n=45), com idades compreendidas entre os 18 e os 86 anos (M=40.3; DP=15.16), solteiros (22.1%, n=26) ou casados/em união de facto (19.1%; n=26), e a residir em zona urbana (58.5%; n=38). No que se refere à escolaridade, 44.8% (n=30) dos participantes têm pelo menos o ensino secundário; 38.8% (n=26) tem o ensino superior e 16.4% (n=11) o ensino básico (1º a 3º ciclo do ensino básico). Quanto à caracterização institucional dos participantes e sendo esta uma clínica pedagógica que presta serviços de extensão comunitária, verifica-se que a maioria efetuou o pagamento da taxa moderadora das consultas (61.8%; n=42), sendo, no entanto, de salientar que (25%; n=17) não regularizou este pagamento. Quanto à mudança de psicoterapeuta, a maioria (76.6%) manteve-se sempre com o mesmo profissional. No que se refere à experiência do psicólogo a maioria (73.5%) dos participantes foi atendido por estagiários curriculares.

Em termos da caracterização clínica da amostra, segundo a avaliação plasmada no processo clínico, em relação ao diagnóstico a maioria (54.4%; n=37) apresenta algum tipo de perturbação psicopatológica e 45.6% (n=31) não apresenta diagnóstico. Quando em presença de um diagnóstico, verifica-se junto daqueles que têm psicopatologia uma maior prevalência das perturbações depressivas (40.5%). A maioria não teve acompanhamento psicológico (66.7%), nem psiquiátrico (65.2%) prévio ao acompanhamento nesta clínica. Para além disso, 51.5% não faz farmacoterapia e 61.2%, refere não ter outros problemas de saúde. Quanto ao tempo total de intervenção 31.1% (n=19) dos participantes teve mais de 7 meses de acompanhamento e 29.5% (n=18) teve até um mês, havendo uma maior prevalência de participantes com 7 a 12 sessões (n=20). A maioria abandonou precocemente o processo psicoterapêutico (64.7%; n=44). O tempo de intervenção que os participantes estiveram sujeitos variou entre um mínimo de 0 e um máximo de 29 meses e apresenta uma média de 6.08 meses, o que significa que a amostra em análise esteve em média em acompanhamento cerca de 6 meses, tendo tido em média 11 sessões (mínimo de 1 e máximo de 58).

No que se refere à sintomatologia psicopatológica, avaliada através do Brief Symptom Inventory (BSI) verifica-se a presença de perturbação emocional na medida em que apresentam um valor médio do índice de sintomas positivos superior a 1.7 (Ponto de corte).

 

Tabela 1

 

Instrumentos

A realização deste estudo foi concretizada com recurso a vários materiais. Deste modo, em primeiro lugar, foi efetuada a consulta de processos dos clientes adultos. Destes processos foi analisada informação escrita pelo terapeuta que constava na ficha de triagem, permitindo esta recolher informação de carácter mais sociodemográfico e institucional dos clientes. A ficha de triagem é um documento de preenchimento obrigatório na clínica após uma primeira sessão de avaliação com os clientes.

Recorreu-se ainda aos dados obtidos através do BSI (Brief Symptom Inventory) (Derogatis, 1982; versão portuguesa de M.C. Canavarro, 1999), respondido pelos clientes no final da primeira consulta de avaliação. Este instrumento avalia a sintomatologia psicopatológica, através de 53 itens que refletem importantes elementos da psicopatologia e que tem 3 índices globais (Canavarro, 1999). O primeiro, o Índice Geral de Sintomas (IGS) representa uma pontuação combinada que pondera a intensidade do mal-estar experienciado com o número de sintomas assinalados. O segundo, o Índice de Sintomas Positivos (ISP) consiste na média da intensidade de todos os sintomas que foram assinalados. O terceiro, o Total de Sintomas Positivos (TSP) representa o número de queixas sintomáticas apresentadas. Estes últimos são avaliações sumárias de perturbação emocional. Os resultados devem ser lidos à luz das médias normativas da população geral e da população com perturbação emocional, tendo em conta que um Índice de Sintomas Positivos igual ou superior a 1.7 é indicativo de existência de perturbação emocional (Canavarro, 2007).

Procedimentos

Em primeiro lugar foi solicitado à comissão de ética da Universidade onde este estudo foi realizado, um parecer relativamente ao projeto de investigação intitulado "Investigação no âmbito da prática clínica na Clínica Pedagógica de Psicologia", do qual este estudo faz parte. A comissão de ética emitiu parecer favorável à concretização do mesmo. De seguida foi solicitada autorização à direção clínica para consultar e realizar a análise documental dos processos dos clientes que recorreram à consulta psicológica de adultos. Dos processos faz parte o consentimento informado dado pelos clientes para a utilização dos seus dados para fins de investigação. Os dados recolhidos foram usados posteriormente para a elaboração de uma base de dados no programa Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 23, usado para o tratamento dos mesmos.

 

Resultados

Para a determinação do perfil dos participantes que fizeram dropout procedeu-se à análise comparativa entre os clientes que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico (dropout) e os que se encontram "noutra situação" (alta, acompanhamento ou encaminhamento) em função das variáveis sociodemográficas, institucionais e clínicas consideradas.

Variáveis sociodemográficas

A análise da tabulação cruzada entre a variável - estado do acompanhamento - e a variável - sexo - permitiu-nos constatar que 60% (n=27) das mulheres e 73.9% (n=17) dos homens abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico. Contudo, o teste do Qui-Quadrado, permitiu confirmar que a relação observada entre estado do acompanhamento e sexo não é estatisticamente significativa (X2=1.29; p=.26).

Quanto à variável idade, e procurando fazer-se a caraterização do perfil dos participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico, verifica-se que a maioria tem idades compreendidas entre os 18 e os 28 anos (29.5%; n=13) e os 38 e os 48 anos de idade (29.5%; n=13). Ao analisarmos a variável idade na sua forma intervalar, verifica-se que aqueles que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico têm uma média de idades inferior àqueles que se encontram noutra situação (M=37.5; DP=14.37; M=45.3; DP=15.56, respetivamente), sendo estas diferenças estatisticamente significativas (U=-2.08; gl=66; p=.042).

No que se refere à variável estado civil, os participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico diferem dos que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento), na medida em que a maioria dos que fazem dropout são solteiros (45.5%) e os que se encontram noutra situação são maioritariamente casados (54.2%). Neste caso, e apesar do nível de significância do teste do Qui-Quadrado indicar uma relação de dependência (p=.033), a análise dos resíduos padronizados permite verificar que a contribuição destas 3 categorias (viúvo x dropout, viúvo x outra situação e divorciado/separado x outra situação) (3.79) é apenas ligeiramente inferior à contribuição das outras 5 categorias (4.956) para a medida global do X2 (8.746), o que não nos permite concluir acerca de uma relação de dependência entre as variáveis estado do acompanhamento e estado civil.

Relativamente à variável zona de residência, a maioria dos participantes vive em zonas urbanas (61.9% daqueles que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico; e 52.2% dos que se encontram noutra situação). A análise inferencial através do teste do Qui-Quadrado permite concluir não existir dependência entre as variáveis em estudo (X2=2.934; p=.231). Por último, e no que diz respeito à variável escolaridade, a maioria dos participantes que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico, tem habilitações literárias ao nível do ensino secundário (39.5%) e superior (39.5%); Os que se encontram noutra situação apresentam maioritariamente escolaridade ao nível do ensino secundário (54.2%). O nível de significância (p=.660) do teste U de Mann-Whitney permite-nos concluir que a distribuição da escolaridade é a mesma entre as categorias da situação de acompanhamento.

Em síntese, a análise comparada entre os participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico e os que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento) em função das variáveis sociodemográficas (sexo, idade, estado civil, zona de residência e escolaridade), permite-nos concluir que os perfis destes participantes não se distinguem entre si, com exceção da variável idade, para a qual se encontra uma média de idades significativamente inferior junto daqueles que fizeram dropout (Tabela 2).

Variáveis Institucionais

No que diz respeito às variáveis institucionais, concretamente à variável tipo de pagamento, o perfil dos participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico difere dos que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento). Dentro dos que fizeram dropout, 47.7% tem regularizado o pagamento e 38.6% encontra-se em situação de dívida; junto dos que se encontram noutra situação, 87.7% efetuou o pagamento das consultas e nenhum (0%) se encontra em situação de dívida. A análise inferencial através do teste do Qui-Quadrado permite concluir que existe dependência entre as variáveis em estudo (X2=15.455; p=.001), sendo que se verifica que a contribuição destas 4 categorias (isenção x dropout; redução x dropout; isenção x outra situação; redução x outra situação) (2.16) é muito inferior à contribuição das outras 4 categorias (13.295) para a medida global do X2. Parece, assim, haver relação entre o pagamento da consulta e a situação de acompanhamento. O perfil daqueles que estão em situação de dívida parece ser o do abandono precoce do processo psicoterapêutico (100%). Avançando para as medidas de associação baseadas no teste V-quadrado de Cramer, verifica-se a existência de uma associação e significativa entre as variáveis (V2=.473; p=.000). Sabendo que um cliente está em situação de dívida torna-se muito provável que abandone precocemente o processo psicoterapêutico.

Relativamente à variável experiência do terapeuta, o perfil dos participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico não difere dos que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento), na medida em que a maioria dos que fizeram dropout (70.5%) e dos que se encontram noutra situação (79.2%) estiveram em acompanhamento com estagiários curriculares. Em ambos os grupos, existe uma menor frequência de participantes que estiveram em acompanhamento com psicólogos em estágio profissional (2.3% dos que fizeram dropout e 4.2% dos que se encontram noutra situação). O teste do Qui-Quadrado permitiu confirmar que a relação observada entre estado do acompanhamento e experiência do terapeuta não é estatisticamente significativa no universo em análise (X2=1.092; p=.58). Relativamente à mudança de técnico durante o processo terapêutico constatou-se que 81% dos participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico não mudaram de psicólogo durante o acompanhamento psicológico, sendo que no grupo que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento) foram 68.2%. A realização do teste do Qui-Quadrado, permitiu analisar que a relação observada entre estado do acompanhamento e mudança de técnico não é estatisticamente significativa (X2=1.31; p=.25). Apresentadas as variáveis institucionais e mais uma vez, procurando fazer uma síntese da análise comparada entre os participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico e os que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento) em função das variáveis institucionais (tipo de pagamento, experiência do terapeuta e mudança de técnico), verificamos que os perfis destes participantes não se distinguem entre si, com exceção da variável tipo de pagamento, para a qual se encontra uma forte associação entre o tipo de pagamento com dívida junto daqueles que fizeram dropout. Ainda assim, e na tentativa de procurar traçar o perfil dos clientes que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico, os dados podem ser consultados na Tabela 2.

Variáveis Clínicas

Em relação ao perfil dos participantes que fizeram dropout em função das variáveis clínicas, e no que se refere à variável diagnóstico, o perfil dos participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico difere dos que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento), na medida em que a maioria dos que fizeram dropout (54.5%) não apresentavam diagnóstico e os que se encontram noutra situação (37.5%) perturbações emocionais. Nos que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico existe uma menor frequência de participantes que apresentavam outro tipo de perturbação (9.1%) e com perturbações emocionais (36.4%); nos participantes que se encontram noutra situação existe uma menor frequência em participantes que não apresentavam diagnóstico (29.2%) e em participantes com perturbações emocionais (37.5%). No que se refere ao estado do acompanhamento (dropout vs outra situação), o perfil dos participantes que não apresentavam diagnóstico (54.5% vs 29.2%) ultrapassam os restantes (36.4% vs 37.5%) que apresentavam perturbações emocionais e os (9.1% vs 33.3%) que apresentavam outro tipo de perturbação. Assim sendo, e apesar do nível de significância do teste do Qui-Quadrado, que neste caso indica uma relação de dependência (p=.025), a análise dos resíduos padronizados permite verificar que a contribuição da categoria outra situação x outro diagnóstico (3.24) é apenas ligeiramente inferior à contribuição das outras 5 categorias (4.131) para a medida global do X2 (7.371), o que não nos permite concluir acerca de uma relação de dependência entre as variáveis estado de acompanhamento e diagnóstico. A análise da tabulação cruzada entre a nossa variável - estado do acompanhamento - e a variável acompanhamento psicológico prévio permite-nos constatar que 70.5% (n=31) dos participantes que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico não tiveram acompanhamento psicológico prévio.

Numa análise mais criteriosa destes dados verifica-se, no entanto, que o perfil dos participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico não difere dos que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento), na medida em que existe uma maior prevalência de participantes que não tiveram acompanhamento psicológico prévio (70.5%) na categoria abandono precoce do processo psicoterapêutico e na categoria outra situação (59.1%). No entanto, e como forma de confirmar se a diferença entre os valores observados e os esperados é considerada significativamente diferente no universo ou, se pelo contrário, não é significativa e resulta de erros amostrais, procedeu-se à realização do teste do Qui-Quadrado, que permite afirmar que a relação observada entre estado do acompanhamento e acompanhamento psicológico prévio não é estatisticamente significativa no universo em análise (X2=.852; p=.36). Relativamente à variável estado do acompanhamento e a variável acompanhamento psiquiátrico prévio foi possível constatar que 61.4% (n=17) dos participantes que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico não tiveram acompanhamento psiquiátrico prévio. No entanto, verifica-se que o perfil dos participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico não difere dos que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento). O valor obtido no teste do Qui-Quadrado permite afirmar que a relação observada entre estado do acompanhamento e acompanhamento psiquiátrico prévio não é estatisticamente significativa no universo em análise (X2=.834; p=.36). Ao analisar a tabulação cruzada entre a variável independente em estudo e a variável psicofarmacoterapia foi possível verificar que 55.8% (n=24) dos participantes que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico não fazem psicofarmacoterapia. Quanto a esta variável (toma de psicofármacos), o perfil dos participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico difere dos que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento). Procedeu-se à realização do teste do Qui-Quadrado, que permite afirmar que a relação observada entre estado do acompanhamento e psicofarmacoterapia não é estatisticamente significativa no universo em análise (X2=.913; p=.34).

Quanto à existência de problemas de saúde verifica-se, que a maioria dos participantes que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico (72.7%; n=32) não apresentam problemas de saúde; ao contrário, junto daqueles que se encontram noutra situação, a maioria (60.9%; n=14) apresenta outros problemas de saúde. De modo a confirmar esta diferença, procedeu-se à realização do teste do Qui-Quadrado, que permite afirmar que, neste caso, a relação observada nos nossos participantes entre estado do acompanhamento e problemas de saúde é estatisticamente significativa (X2=7.18; p=.007). Neste sentido, podemos afirmar que os participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico são mais frequentemente aqueles que não apresentam outros problemas de saúde (72.7%).

Perante a existência de outros problemas de saúde, a posição dos participantes em relação ao estado do acompanhamento é a de outra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento) (60.9%). Atendendo a que existe uma relação de dependência entre estado do acompanhamento e problemas de saúde, optámos por analisar o grau de associação existente entre as variáveis (V-quadrado de Cramer) que nos permite concluir que nos permite afirmar que os participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico são mais frequentemente aqueles que não apresentam outros problemas de saúde (V2=.327; p=.007).

A análise da variável sintomatologia psicopatológica, permite-nos afirmar que aqueles que fizeram dropout apresentam valores médios do Índice Geral de Sintomas (IGS) e do Índice de Sintomas Positivos (ISP) mais baixos do que aqueles que se encontram noutra situação. Paradoxalmente, estes últimos (alta, acompanhamento ou encaminhamento) apresentam um valor médio inferior do Total de Sintomas Positivos (TSP). No entanto, verifica-se que para nenhum destes índices as diferenças de média são estatisticamente significativas. Quanto à variável tempo de intervenção verifica-se que o perfil dos participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico difere dos que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento), na medida em que a maioria dos que fizeram dropout (39.0%) estiveram em acompanhamento até um mês e os que se encontram noutra situação (45.0%) estiveram mais de 7 meses em acompanhamento. Nos que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico existe uma menor frequência de participantes que estiveram em acompanhamento de 4 a 6 meses (17.1%); nos participantes que se encontram noutra situação existe uma menor frequência em participantes que estiveram em acompanhamento até 1 mês (10.0%).

Com o objetivo de estudarmos as diferenças entre as distribuições de tempo nos grupos "dropout" e "outra situação", optámos pela utilização do teste não paramétrico U de Mann-Whitney, cujo nível de significância (p=.026) nos permite afirmar que a distribuição do tempo de intervenção não é a mesma entre as categorias da situação de acompanhamento. Não obstante, estes dados devem ser lidos com algum cuidado, dado que existem 2 categorias (outra situação x 2 a 3 meses; outra situação x 4 a 6 meses) com um valor esperado inferior a 5 (25% de 8). Neste sentido, optámos pela utilização da variável tempo de intervenção na sua forma intervalar que nos permite verificar que aqueles que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico têm em média menos tempo de intervenção (M=4.49; DP=4.680) do que os participantes que se encontram noutra situação (M=9.35; DP=8.762), sendo estas diferenças estatisticamente significativas (t=-2.834; gl=59; p=.006).

Por último, e no que se refere à variável número de sessões verifica-se que o perfil dos participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico difere dos que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento), na medida em que a maioria dos que fizeram dropout (31.7%) tiveram uma sessão ou entre 7 a 12 sessões (31.7%) e os que se encontram noutra situação (40.0%) tiveram mais de 13 sessões. Nos que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico existe uma menor frequência de participantes que tiveram mais de 13 sessões (17.1%), e nos que se encontram noutra situação não existem participantes (0.0%) a ter apenas uma sessão. Com o objetivo de estudarmos as diferenças entre as distribuições de sessões nos grupos "dropout" e "outra situação", optámos pela utilização do teste não paramétrico U de Mann-Whitney, cujo nível de significância (p=.008) nos permite afirmar que a distribuição número de sessões não parece ser a mesma entre as categorias da situação de acompanhamento. No entanto, e uma vez mais, estes dados devem ser lidos com cuidado, na medida em que existem 3 categorias com um valor esperado inferior a 5 (37.5% de 8). Optámos assim pela utilização da variável número de sessões na sua forma intervalar, tendo-se verificado que aqueles que fazem dropout têm em média menos sessões do que aqueles que se encontra noutra situação (M=7.49; DP=7.29); (M=18.90; DP=17.40), respetivamente, sendo estas diferenças estatisticamente significativas (t=-3.620; gl=59; p=.001).

Por fim, e apresentadas as variáveis clínicas, procuramos fazer mais uma vez a síntese da análise comparada entre os participantes que abandonam precocemente o processo psicoterapêutico e os que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento) em função das variáveis clínicas (diagnóstico, acompanhamento psicológico prévio, acompanhamento psiquiátrico prévio, psicofármacoterapia, problemas de saúde, sintomatologia psicopatológica, tempo total de intervenção e número de sessões) (Tabela 2). O perfil dos participantes que fizeram dropout apenas se distingue do daqueles que se encontram noutra situação relativamente às variáveis "outros problemas de saúde", "tempo total de intervenção" e "número de sessões".

 

Discussão

Começando por caraterizar sociodemográfica e clinicamente a população adulta que recorreu à consulta de psicologia de uma clínica pedagógica de Psicologia, verifica-se que esta não se distingue da maioria daqueles que são, em outros estudos (Carvalho & Terzis, 1988: Dierker et al., 2001; Lhullier et al., 2006; Urtiaga et al., 1997), descritos como os utentes de serviços semelhantes aos oferecidos - mulheres, com idades compreendidas entre os 28 e 48 anos, solteiras ou casadas/em união de facto, a residir em zona urbana, com escolaridade ao nível do secundário. Em termos diagnósticos, verifica-se a presença de psicopatologia sendo, no entanto, para a maioria, esta a 1ª vez que recorre a qualquer tipo de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, não estando por isso a fazer farmacoterapia nem tendo outros problemas de saúde. Já no que se refere à caraterização institucional, nem sempre os dados vão de encontro aos encontrados em muitos desses mesmos estudos para descrever os utentes de clínicas pedagógicas ou clínicas-escola, dado que a maioria não mudou de técnico/profissional, apesar da experiência deste último se situar ao nível do estágio curricular, tendo estado em acompanhamento psicológico por um período médio de 6 meses num total de 11 sessões e estando regularizado o pagamento da taxa moderadora. Quanto à variável central do nosso estudo - situação de acompanhamento - a maioria fez dropout (isto apesar da taxa de abandono precoce ficar dentro dos valores encontrados na literatura (Swift & Greenberg, 2012; Wierzbicki & Pekarik, 1993).

Passando agora para a análise e discussão do perfil encontrado junto daqueles que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico (dropout) e comparando-o com o perfil dos que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento), do ponto de vista sociodemográfico, verificamos que a maioria dos participantes que fizeram dropout são mulheres, o que vai de encontro com vários estudos que demonstraram, efetivamente, que as taxas mais elevadas de dropout verificam-se nas mulheres (Baekeland & Lundwall,1975). Relativamente à idade, os participantes que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico, apresentam uma idade média de 37.5 anos, sendo esta significativamente inferior à média de idades dos restantes (que se encontram noutra situação). Quanto ao estado civil, a maioria é solteiro. Estes resultados vão de encontro ao estudo realizado por Bueno e colaboradores (2001), segundo o qual os jovens e os indivíduos solteiros são os grupos que apresentam taxas mais elevadas de dropout. Segundo a literatura a distância entre o local de residência e o local do acompanhamento são preditores de abandono precoce do processo psicoterapêutico (Bueno et al., 2001), no entanto neste estudo não se verificou uma relação de dependência entre a situação de acompanhamento e a zona de residência. Também apesar de alguma investigação apontar para o facto dos indivíduos com um nível educacional baixo terem mais propensão para abandonar o processo psicoterapêutico e dos indivíduos com um nível educacional superior terem uma maior probabilidade de finalizar o processo (Luk et al., 2001; Sirles, 1990; Weirzbicki & Pekarik, 1993) estes dados não se constataram na amostra em análise, já que a maior parte dos participantes apresentaram habilitações ao nível do ensino secundário e superior. Relativamente ao tipo de pagamento, os participantes que fizeram dropout encontram-se na totalidade com dívida, assistindo-se a uma associação forte e significativa entre as variáveis.

Neste sentido, podemos concluir que sabendo que um cliente está em situação de dívida torna-se muito provável que abandone precocemente o processo psicoterapêutico, o que vai de encontro à literatura (Chielli & Enéas, 2000; Kazdin,1994; Kazdin e colaboradores,1997; Kazdin, Stolar & Marciano, 1995). Alguns estudos (Baekeland & Lundwall, 1975; Carvalho & Terzis, 1988) salientam que o abandono da terapia aparece mais associado ao baixo nível de experiência do terapeuta o que de algum modo vai de encontro aos dados encontrados, já que apesar da relação observada entre estado do acompanhamento e experiência do terapeuta não ser estatisticamente significativa os participantes que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico foram acompanhados na sua maioria por estagiários curriculares. Do ponto de vista clínico, a maioria dos participantes que fez dropout não apresenta diagnóstico e, também aqui, não podemos concluir acerca de uma relação de dependência entre as variáveis estado de acompanhamento e diagnóstico. Estes dados poderão ir de encontro ao estudo de Baekeland e Lundwall (1975) no qual concluem que o abandono da terapia está mais associado a variáveis do cliente como, por exemplo, este ter baixos níveis de ansiedade e/ou depressão.

Quanto ao acompanhamento psicológico e psiquiátrico prévio, a maioria dos participantes que abandonaram precocemente o processo psicoterapêutico não tiveram acompanhamento psicológico nem psiquiátrico prévio (70.5% e 61.4%, respetivamente). Relativamente à sintomatologia psicopatológica, não se constataram diferenças entre os participantes que fizeram dropout e os restantes. De acordo com alguma da literatura consultada (Chielli & Enéas, 2000; Ribeiro & Mesquita, 2009), muitos dos clientes que fazem dropout relatam um sentimento de melhoria, o que os leva a considerar que os objetivos foram alcançados e a abandonar o processo. Quanto ao tempo total de intervenção, 39% dos participantes que fizeram dropout estiveram em acompanhamento até um mês. Em termos médios, estes participantes estiveram a ser acompanhados por um período de 4.5 meses, tempo este significativamente inferior aos que se encontram noutra situação (alta, acompanhamento ou encaminhamento). Estudos de Baekeland e Lundwall (1975) e de Urtiaga, Almeida, Vianna, Santos e Botelha (1997) referem que 61% dos atendimentos duravam em média seis meses, o que de certo modo se enquadra com os nossos resultados. Por fim, no que diz respeito ao número de sessões, estes participantes tiveram em média 7.5 sessões, número este significativamente inferior aos que se encontram noutra situação. Estes dados vão de encontro aos estudos de Baekeland e Lundwall (1975) e de Urtiaga, e colaboradores (1997), que referem que o abandono precoce do processo psicoterapêutico acontece frequentemente entre a 3ª e a 10ª sessão. Mais especificamente, entre 20 e 57% dos clientes não aparecem na segunda sessão, entre 31 a 56% não comparecem até à quarta sessão e 70% abandonam antes da décima sessão.

 

Considerações finais

O conhecimento precoce ou a antecipação daqueles que possam ser alguns dos preditores e/ou variáveis associadas ao abandono precoce do processo psicoterapêutico é importante, na medida em que este tem vindo a ser relatado como um dos problemas mais urgentes na prestação de serviços de saúde mental nas clínicas comunitárias. De facto, o dropout surge como um problema generalizado que impede a realização de intervenções psicológicas eficazes (Swift & Greenberg, 2012).

Apesar de poucos trabalhos se dedicarem ao estudo e à identificação dos fatores associados ao abandono precoce do processo psicoterapêutico, a contribuição de resultados nesta área aponta claramente para a necessidade e importância de investigações neste domínio, tanto para a prática profissional, para o ensino e treino, como para o atendimento ao cliente. Quanto à eficácia terapêutica, a questão do abandono precoce do processo psicoterapêutico constitui um importante problema e requer atenção específica, no sentido de preparar o profissional e os serviços de saúde em relação ao desenvolvimento de intervenções voltadas para grupos vulneráveis. O custo emocional, económico e social dos abandonos terapêuticos na área da saúde mental é alto e pode ser reduzido, se forem promovidas ações nos serviços de acolhimento do cliente. Também, no treino profissional, é importante que o terapeuta esteja a par das características dos processos terapêuticos associados a maiores taxas de abandono, sendo que, o desenvolvimento da aliança terapêutica deve ter em conta as especificidades de cada caso (Samstag et al., 1998). Bueno e colaboradores (2001) mencionam algumas intervenções dirigidas à prevenção do abandono precoce do processo psicoterapêutico. Estas medidas incluem o estabelecer contato com clientes e familiares, quando estes não comparecerem às consultas; preparar o cliente para o trabalho terapêutico, incluindo dar informações sobre o seu estado emocional e as características do processo terapêutico; preparar intervenções e sessões específicas identificando as crenças do cliente e distorções sobre o processo e por fim realizar intervenções dirigidas aos próprios terapeutas procurando melhorar a sua técnica de trabalho.

O presente estudo apresenta algumas limitações, que são importantes ser mencionadas e refletidas, sendo que, tomar consciência das mesmas serve de ponto de partida para novas e futuras investigações neste campo de investigação. Uma das limitações prende-se com o tamanho reduzido da amostra, para além da mesma se circunscrever a apenas uma clínica pedagógica de Psicologia. Assim, posteriores estudos deveriam considerar a amplificação da amostra a diferentes faixas etárias, assim como o alargamento do estudo a clientes de várias outras instituições de saúde.

Os resultados do presente estudo sugerem, assim, a importância da sensibilização e prevenção e que todos os profissionais devem ter em conta todos os fatores mencionados para atuarem de uma forma mais eficaz perante clientes com propensão para abandonar precocemente o processo psicoterapêutico (clientes mais jovens, sem outros problemas de saúde e em situação de dívida para com o serviço). Estes dados servem de orientação para a organização do atendimento psicológico, na medida em que permitem identificar algumas vulnerabilidades no planeamento da intervenção.

 

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Correspondência para:
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Submetido em: 20.12.2019
Aceito em: 12.05.2020

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