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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.13 no.1 São Leopoldo jan./abr. 2020

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2020.131.04 

10.4013/ctc.2020.131.04 ARTIGOS

 

Promoção do vínculo afetivo entre mãe e recém-nascido pré-termo: percepções e ações de uma equipe multiprofissional

 

Promotion of the affective bond between mother and preterm newborn: perceptions and actions of a multi-professional team

 

 

Marilia Borba Candaten; Zaira Aparecida de Oliveira Custódio; Elisangela Böing

Universidade Federal de Santa Catarina

Correspondência para

 

 


RESUMO

Conforme a Norma de Atenção Humanizada ao Recém-nascido de Baixo Peso - Método Canguru, a equipe de saúde deve priorizar a aproximação entre o recém-nascido e seus pais, minimizando os impactos da separação e favorecendo o fortalecimento dos laços afetivos. Esse estudo objetiva investigar as percepções e ações de uma equipe multiprofissional para a promoção do vínculo afetivo entre mãe e recém-nascido pré-termo (RNPT), em uma UTIN. É uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, cujo instrumento utilizado foi uma entrevista semiestruturada realizada com 8 profissionais das diferentes áreas de uma equipe multiprofissional. As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas conforme a análise de conteúdo categorial temática de Bardin. A equipe multiprofissional percebe que tem participação direta na vinculação afetiva entre mãe e recém-nascido pré-termo. As ações pautadas pelo Método Canguru, como: acolhimento, envolvimento materno no cuidado, comunicação e capacitação na qualificação do cuidado configuram-se como processos catalisadores na formação e fortalecimento do vínculo afetivo. Verifica-se a necessidade de aprofundamento teórico para além das necessidades fisiológicas iniciais do recém-nascido pré-termo, ou seja, é necessário qualificar as ações da equipe multiprofissional e estimular intervenções pautadas na formação e fortalecimento dos vínculos afetivos, compreendendo a base da constituição subjetiva dos sujeitos.

Palavras-chave: relação mãe-filho, recém-nascido pré-termo e de baixo peso, relações profissional-família.


ABSTRACT

The initial relationship between the newborn and the parents are the prototype of all future social relationships. The Norm of Humanized Attention to the Low Weight Newborn - Kangaroo Method support that the health team should prioritize the approximation between the newborn and the parents, minimizing the impacts of separation, and favoring the formation and strengthening of affective bonds. The objective was to investigate the perception and actions of the multiprofessional team in the promotion of affective bonding between mother and preterm newborn in a neonatal intensive care unit. This is a qualitative, descriptive, and exploratory research, in which we used a semi-structured interview conducted with 8 professionals from different areas of a multiprofessional team. The interviews were recorded, transcribed, and analyzed according to Bardin's thematic content analysis. The multiprofessional team has direct participation in the affective bonding between mother and the preterm newborn. The actions guided by the Kangaroo Method, as: reception, maternal involvement in care, communication and qualification of care are configured as catalyst processes in the formation and strengthening of affective bonds. There is a need of a theoretical deepening beyond the preterm newborn initial physiological needs, that is, it is necessary to qualify the multiprofessional team actions and to stimulate interventions based on the formation and strengthening of the affective bonds, understanding the basis of the subject's subjective constitution.

Keywords: mother-child relationship; Low weight preterm newborn; professional-family relation.


 

 

Introdução

A prematuridade é considerada um problema mundial de saúde e o Brasil situa-se entre os dez países com as taxas mais elevadas. Dados do Ministério da Saúde apontam a prematuridade como a principal causa da mortalidade infantil no primeiro mês de vida (World Health Organization [Who], 2015; Ministério da Saúde [MS], 2017). No Brasil, nascem 931 prematuros por dia, caracterizando uma taxa de 12.4% dos nascimentos, o dobro do índice de alguns países europeus (Passini et al., 2014).

Recém-nascidos pré-termo (RNPT) são aqueles nascidos antes de completarem 37 semanas de gestação e recém-nascidos com baixo peso (RNBP) são aqueles com peso de nascimento inferior ou igual a 2.500 gramas (World Health Organization [Who], 2015). A internação de um RNPT em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) pode atenuar ou agravar os riscos para problemas de desenvolvimento. Os RNs são vulneráveis a falhas em sistemas básicos de sua manutenção, podendo contrair infecções e sofrer os efeitos negativos do tratamento recebido (Custódio & Crepaldi, 2010).

Diante deste cenário, a Política Nacional de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso - Método Canguru (MC) é caracterizada como "modelo de assistência perinatal voltado para o cuidado humanizado que reúne estratégias de intervenção biopsicossocial" (Ministério da Saúde [MS], 2017). O MC propõe-se a estabelecer uma contínua adequação da abordagem técnica e das posturas implicadas nas mudanças ambientais e comportamentais, tendo em vista que o adequado desenvolvimento do RNPT é determinado pelo equilíbrio entre as necessidades biológicas, ambientais e familiares (Ministério da Saúde [MS], 2000; Ministério da Saúde [MS], 2007).

Compreende-se que as relações iniciais entre o RN e seus pais são o protótipo de todas as relações sociais futuras. Por essa razão, é importante que a equipe de saúde priorize a aproximação entre o RN e seus pais, minimizando os impactos da separação (Ministério da Saúde [MS], 2016). Existem poucos estudos que priorizam a facilitação do vínculo afetivo entre mãe e recém-nascido no ambiente da UTIN, sendo que a maior parte das investigações é de cunho fisiológico (Schaefer & Donelli, 2017a). Justifica-se, então, a necessidade de pesquisas que contemplem aspectos relacionais e subjetivos, os quais irão repercutir na formação da personalidade e no desenvolvimento da criança nascida pré-termo e na experiência da parentalidade.

Além disso, a vivência prática em uma unidade neonatal, possibilitada pela residência multiprofissional, instigou o potencial transformador e o desejo de contribuir por meio de reflexões científicas sobre as práticas multiprofissionais na promoção do vínculo afetivo entre mãe e RNPT. Sabe-se que a vida do bebê que nasce prematuramente é salva, mas o que se pode dizer dos vestígios corporais e psíquicos ao final da internação? (Iungano, 2009). Assim, o presente estudo tem como objetivo investigar as percepções e ações de uma equipe multiprofissional para a promoção do vínculo afetivo entre mãe e recém-nascido pré-termo (RNPT), em uma UTIN.

 

Método

A abordagem adotada por esse estudo foi qualitativa, descritiva e exploratória. A coleta de dados foi realizada em uma unidade neonatal de um hospital universitário do sul do país, considerada referência nacional para o MC (Ministério da Saúde [MS], 2017).

Participantes

Participaram da pesquisa 08 profissionais: um médico neonatologista, um enfermeiro, um técnico de enfermagem, um fonoaudiólogo, um nutricionista, um fisioterapeuta, um assistente social e um psicólogo. Para preservar o sigilo, os profissionais serão denominados da seguinte forma: P1; P2; P3; P4; P5; P6; P7 e P8. Os critérios de inclusão foram: a participação prévia dos profissionais em um curso de sensibilização para o Método Canguru e os critérios de exclusão: profissionais com menos de um ano de atuação na unidade neonatal referida.

Procedimentos

Para a coleta de dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas compostas por cinco perguntas com o objetivo de responder ao objetivo da pesquisa de investigar as percepções e ações de uma equipe multiprofissional para a promoção do vínculo afetivo entre mãe e RNPT, em uma UTIN. As perguntas abordaram: a compreensão dos profissionais sobre o vínculo afetivo entre mãe e RNPT em uma UTIN (1); as ações realizadas individualmente para promoção do vínculo (2),as ações realizadas no coletivo para promoção do vínculo (3), as percepções sobre o manejo multiprofissional da referida equipe (4) e sugestões para qualificação das intervenções (5).

O presente estudo baseou-se na resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (Conselho Nacional de Saúde [CNS], 2012) pautando-se nos procedimentos éticos em pesquisas com seres humanos. Obteve parecer consubstanciado de número 2.653.216, emitido pelo comitê de ética e pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina. Após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, as entrevistas foram realizadas e gravadas pela pesquisadora, em caráter individual, com duração média de 30 minutos.

As entrevistas transcritas foram analisadas a partir da análise de conteúdo categorial temática proposta por Bardin. Foram respeitadas as três fases fundamentais: pré-análise - consiste na leitura flutuante - Escolha dos índices e categorias - por meio da exclusão mútua, homogeneidade, pertinência, objetividade e produtividade - e tratamento dos resultados - por meio da inferência e interpretação (Bardin, 2011).

 

Resultados e Discussão

Os resultados foram organizados a partir de quatro categorias e suas respectivas subcategorias: 1. Vínculo afetivo entre mãe e recém-nascido pré-termo e o acolhimento na unidade neonatal: percepções e ações da equipe multiprofissional. 1.1. Apresentação da unidade neonatal no contexto gestacional. 1.2. Os primeiros contatos com o recém-nascido. 2. O envolvimento materno nos cuidados com o recém-nascido pré-termo: percepções e ações da equipe multiprofissional. 2.1. O fortalecimento materno no processo de vinculação com o recém-nascido pré-termo. 2.2. O contato pele a pele entre mãe e recém-nascido pré-termo. 2.3. A equipe, o recém-nascido pré-termo e a inserção da mãe nos cuidados. 3. A comunicação na unidade neonatal: percepções e ações da equipe multiprofissional. 3.1. Comunicação entre a equipe multiprofissional; 3.2. Comunicação entre equipe e família. 4. Capacitações para a qualificação do cuidado: percepções e ações da equipe multiprofissional. 4.1. Educação permanente e continuada. 4.2. Processo de transição da gestão institucional. Todas as categorias e subcategorias descritas serão detalhadas na sequência.

Categoria 1: Vínculo afetivo entre mãe e recém-nascido pré-termo e o acolhimento na unidade neonatal: percepções e ações da equipe multiprofissional

A presente categoria tem como finalidade discutir a intersecção entre a constituição de vínculos afetivos e o acolhimento na UTIN. Para melhor detalhamento, essa temática será abordada a partir de duas subcategorias que compreendem da gestação até os primeiros contatos maternos com o RNPT.

1.1. Apresentação da unidade neonatal no contexto gestacional

O contexto gestacional de alto risco, pode possibilitar o conhecimento materno prévio sobre os aspectos relacionados à prematuridade. Isto pode favorecer o processo de preparação para o parto prematuro e a relação com o RNPT, conforme o relato de um dos participantes:

Se é uma gravidez de risco que a mãe já sabe, dá uma facilitada no processo, porque ela já tá sendo trabalhada pra isso, tá numa equipe que vê ela como uma gravidez de risco e, ela também se vê numa gravidez de risco, e aí isso já vem sendo preparado (P1).

Em contraposição, quando a gestação denominada de risco habitual é permeada por um quadro de urgência aguda e necessidade abrupta de interrupção pré-termo, é evidenciado um impacto no estabelecimento de vínculo pós-nascimento, conforme aponta P2:

Quando a mãe, é pega de surpresa, tem um parto prematuro, vinha tudo bem e de repente, quando ela chega e vê um bebê daquele tamanho que não é aquilo que ela esperava, (...) eu acho que ela demora um pouquinho mais pra gerar esse vínculo, fortalecer esse vínculo com o bebê, até ela entender tudo o que tá acontecendo.

A realização do parto prematuro súbito pode trazer sentimentos de pânico, ansiedade e medo da perda do RN, intensificados com o ambiente tecnológico da UTIN (Medina et al., 2018). A literatura aponta que a apresentação da UTIN aos pais, no período gestacional, prepara e ajuda aliviar a apreensão do nascimento prematuro, tornando-se crucial para as primeiras impressões e contribuindo para a segurança após o nascimento (Arnold et al., 2013).

Em um estudo com o objetivo de explorar as expectativas de mulheres em risco de parto prematuro, 82% das mulheres desejavam falar sobre seus papéis como mães de um RN prematuro, 83% entender a sua inserção nos cuidados e 69% almejavam melhor compreender sobre a UTIN, incluindo visitas (Gaucher, Nadeau, Barbier, Janvier & Payot, 2016). Esses estudos corroboram os achados qualitativos desta pesquisa: "trazer a mãe pra dentro da unidade, antes de ela ganhar esse bebê, nessa gestação de alto risco é bem importante (...) para que ela tenha o primeiro apego a aquele bebê" (P3).

A preparação para o nascimento prematuro em um contexto gestacional de alto risco pode ser realizada por uma equipe multiprofissional com o objetivo de minimizar os impactos do nascimento pré-termo e proporcionar a mãe uma aproximação com o seu bebê real. Uma prática pontuada pelos profissionais é a possibilidade da gestante visualizar um RN com peso e tamanho próximo do estimado para o seu bebê, como apontado por P1: "eu vejo que é uma preocupação de tentar mostra pra ela um bebê mais real possível do dela, que vai chegar. "

Favorecer o acesso prévio a UTIN, iniciar um processo de vinculação com a equipe de saúde neonatal e receber informações e esclarecimentos, é um passo importante para atenuar inseguranças e fantasias provocadas pela falta de conhecimento da situação vivenciada (Ministério da Saúde [MS], 2018; Gaucher, Nadeau, Barbier, Janvier & Payot., 2016; Arnold et al., 2013).

1.2. Os primeiros contatos com o bebê real

A o afetiva do RNPT com sua figura de referência. A complexidade dos equipamentos existentes em uma UTIN é percebida pelas mães como enigmático e ameaçador, podendo reforçar o estado de alerta materno e desviar sua atenção do RN (Alexandre, Monteiro, Branco, & Franco, 2016; Cunha Smith, Akerman, & Souza 2017; Schaefer & Donelli, 2017b; Medina et al., 2018). Os profissionais pontuam: "na primeira visita (...) ela nem olha tanto para o bebê, ela olha mais pro entorno, para o que tá acontecendo em volta, pra equipe, pra o que a equipe fala" (P8).

O parto prematuro interrompe abruptamente as expectativas maternas de um bebê idealizado. O impacto causado ao entrar em contato com o bebê real, é manifesto no seguinte discurso: "Às vezes eu acho que tem muitas mães que, imaginou um bebê, aquele bebê imaginário e aquele bebê que tá ali, não é o seu" (P3).

As mães durante a gestação criam uma representação mental de um bebê imaginário, a partir dos seus desejos inconscientes. Essa imagem é transformada ao entrar em contato com as características reais do RN. Assim, o bebê real confronta o bebê imaginário e frustra, num primeiro momento, por ser desconhecido e estranho (Fleck & Piccinini, 2013). Esse confronto pode causar um desequilíbrio emocional conforme o relato da participante 5:

Além do luto tem muito medo de perder, então é um bebê que é frágil, (...) as mães se assustam em ver, ah mas ele é tão pequeninho, ele é tão magrinho, se eu tocar, se eu pegar, será que pode fazer mal, então pode ser muito difícil esse se aproximar, eu me vinculo, mas eu posso perder.

O estudo de Pontes e Cantillino (2014) evidenciou que o parto prematuro foi traumático para 71,7% das puérperas analisadas e influenciou negativamente no desenvolvimento do vínculo entre mãe e RNPT nos primeiros momentos após o nascimento. Os profissionais sinalizam que: "aquela coisa de ela sentir que não é dela, que é da equipe" (P8) pode intensificar o distanciamento materno frente ao impacto do nascimento prematuro.

A instabilidade fisiológica do bebê prematuro, unida à instabilidade emocional materna, dificulta o processo de vinculação que é permeado por confusão emocional, estranhamento e impacto frente às características tão distintas do bebê imaginário. As mães mal tocam o RNPT, vão para casa sem eles e não participam de seus cuidados, dificultando o reconhecimento do filho como seu. Elas não se sentem como mães, pois não podem tomar decisões sem o consentimento dos profissionais de saúde (Fleck & Piccinini, 2013; Medina et al., 2018).

Neste contexto, os profissionais de saúde assumem um papel fundamental na organização de intervenções efetivas para amenizar os impactos dessa condição inicial de vida (MS, 2007). Prestar as informações necessárias, solicitadas pela mãe, diante desse contato inicial que naturalmente evoca medo e angústia, é uma das estratégias utilizadas pelos profissionais. As intervenções realizadas nesse primeiro contato entre mãe e RNPT na UTIN pelos profissionais são: "Explicar o porquê que o bebê tá com um monte de caninho, pra que é cada caninho, fazer com que ela quebre um pouco o tabu, tentar encorajar" (P8).

Em contraposição, um dos profissionais compreende que falar sobre os elementos que dão suporte de vida para o bebê, em uma primeira visita, pode assustar a mãe que está em processo de reconhecimento do filho: "ah isso que tá na mão é isso (...) isso que tá no pé é isso, que também, às vezes eu acho que ela até fica mais assustada" (P2).

A importância de possibilitar o acesso das mães a UTIN com suas próprias roupas, também foi pontuada como forma de minimizar a despersonalização da figura materna:

Os estudos todos mostram que (...) lavar as mãos já é suficiente, não tem necessidade de uso de luva, de máscara, de toca, nada disso, (...) facilita esse sentimento de que eu posso tá perto do meu bebê, eu não sou uma ameaça pro meu bebê (P5).

A literatura aponta que nesse primeiro momento pode existir um medo materno de interferir no apoio tecnológico prestado ao filho como suporte de vida, ou até mesmo, na transmissão de uma infecção (Medina et al., 2018). Nesse sentido, é importante respeitar o tempo de cada mãe e realizar intervenções de acolhimento com base nas singularidades das inquietações advindas das figuras maternas nesse primeiro contato.

O acesso livre e o direito de permanência da mãe na instituição hospitalar (Ministério da Saúde [MS], 2017); Medina et al., 2018) foi evidenciado pela maioria dos participantes na interferência direta da formação e fortalecimento do vínculo afetivo entre mãe e RNPT, conforme o relato:

Tem coisas que já são dadas, que eu acho que nós enquanto equipe multiprofissional, a gente se utiliza dessas diretrizes do Ministério da Saúde para tentar promover esses vínculos, uma delas é a permanência, o livre acesso dos pais (...). Então se a gente consegue assegurar que essa mulher permaneça no hospital a gente consegue promover mais vínculo (P6).

Dentro dessa perspectiva, observa-se que as falas dos profissionais estão em consonância com as diretrizes estabelecidas pelo Método Canguru (Ministério da Saúde [MS], 2018). O livre acesso e o direito de permanência são diretamente associados, pelos participantes, com a promoção do desenvolvimento por meio da vinculação afetiva.

Categoria 2: O envolvimento materno nos cuidados com o recém-nascido pré-termo: percepções e ações da equipe multiprofissional

Essa categoria discutirá aspectos relacionados ao processo de envolvimento materno frente ao nascimento precoce. Os subtemas abrangem o fortalecimento materno, o contato pele a pele entre mãe e recém-nascido pré-termo e a inserção da mãe nos cuidados com o filho.

2.1. O fortalecimento materno frente ao processo de vinculação com o recém-nascido pré-termo

O processo de vinculação afetiva entre mãe e RNPT passa pela elaboração de um luto e um progressivo movimento de aproximação com a realidade. Esse processo pode ser visualizado na seguinte explanação:

Gradativamente a gente vai vendo esse processo, tanto de elaboração do luto, quanto de aproximação, de encontrar um lugar de ser mãe nesse contexto (...) tem que construir essa relação com o filho, é uma construção que tem poucas referências sociais (P5).

O fortalecimento materno é favorecido através de um gradual vínculo com o bebê real e um desinvestimento no bebê imaginário. Posto isso, será possível desenvolver uma relação que promoverá a constituição e desenvolvimento do bebê enquanto sujeito

(Ministério da Saúde [MS], 2017; Gomes, 2004; Brazelton & Cramer, 1989; Fleck & Piccinini, 2013).

Na medida em que o RNPT dá sinais potenciais de vida, interage e reconhece a figura materna, seja por uma melhora clínica, ou mesmo diante das suas limitadas possibilidades, assegura para a mãe, o seu lugar de filho, convidando-a para uma relação de envolvimento afetivo: "À medida que, esse bebê vai interagindo, ele vai dando algumas respostas, os pais vão se vinculando mais" (P6).

Nesse sentido, é indispensável uma abordagem multiprofissional direcionada ao fortalecimento materno, como expresso no seguinte relato: "É uma atitude de presença mesmo, é estar com ela e depois falar isso pra ela, que ela dá conta sozinha, (...) que ela pode, e isso é estabelecer vínculo, (...) é olhando no olho dela" (P1).

Essas intervenções potencializam a figura materna, que diante do parto pré-termo, vê toda a sua dedicação cair no vazio, uma vez que não se sente capaz de propiciar ao seu bebê os cuidados necessários à sua sobrevivência. O fortalecimento materno é uma intervenção efetiva na promoção do vínculo afetivo, conforme explícito por um dos profissionais:

Sobre as competências do bebê eu acho que isso ajuda, porque vai trazendo esse lugar do bebê, de sujeito, que tem competências e que são mais sutis, e que elas vão aprendendo a identificar (...) a gente estimula muito a comunicação com o bebê, isso vai fomentando uma relação, é algo que elas podem fazer por esse bebê e com esse bebê (P5).

As intervenções de "prevenção sistemática" possibilitam explicar para as mães todas as competências do filho, ajudando-a aprimorar os sinais de comunicação e assim, descobrindo os caminhos para a proximidade afetiva com seu filho (Szejer, 1999; Ministério da Saúde [MS], 2017).

Quando os profissionais conseguem acolher as angústias maternas, o hospital pode funcionar como um "ambiente suficientemente bom" (Winnicott, 2000). No entanto, se a equipe sustentar as experiências de ansiedade e dor, as mães podem vivenciar ansiedades primitivas. Para isso, é preciso cautela diante do afastamento materno incentivado pela equipe:

Pode vir só amanhã de manhã que tá tudo resolvido, (...) tu tá cansada tu pode descansar, mas não dizer assim, porque eu acho que isso quebra, porque a mãe tá querendo tanto naquele momento se vincular com aquele bebê, conhecer o bebê (P3).

É importante que a mãe construa uma relação de confiança com a equipe, para simultaneamente desenvolver um movimento de aproximação com o RNPT e nesse contexto é primordial que a equipe estimule a sua presença na unidade. No momento que a mãe está mais disponível emocionalmente, dá sinais de vinculação com o filho e demonstra confiança nos profissionais, é possível que o afastamento materno seja incentivado pela equipe, como forma de cuidado, sem causar repercussões negativas no vínculo.

2.2. O contato pele a pele entre mãe e recém-nascido pré-termo

O contato pele a pele entre mãe e RNPT pode evoluir do simples toque com as mãos até a posição canguru. Os primeiros contatos corporais são considerados elementos fundamentais para estabelecimento do vínculo afetivo. A posição canguru estimula o desenvolvimento dos laços afetivos, pois permite que os pais possam ter um contato pele a pele íntimo com o RN, além de contribuir ativamente na sua recuperação (Medina et al., 2018; Ministério da Saúde [MS], 2017).

Os resultados encontrados no presente estudo sinalizam que quando a mãe consegue realizar o contato pele a pele na posição canguru, identifica que pode oferecer algo concreto a seu bebê e também pode receber em troca as expressões e demonstrações de reconhecimento do RN. Isso possibilita a apropriação do papel materno. O relato a seguir ilustra esse processo:

Quando elas conseguem ir rompendo a barreira da ansiedade, do medo e poder pegar (...) sentir esse bebê, esse calor, aquecer o bebê com o seu corpo, sentir ele se aninhar, sentir ele ficar calmo, tudo isso, eu acho que facilita muito (P5).

Os profissionais procuram incorporar as boas práticas introduzidas pelo MC, olhando para as peculiaridades e compreendendo as limitações de cada sujeito, como expresso no relato: "jogo assim, ah quando você quiser pegar ele no colo, dá pra gente colocar, aí fala: ajuda, ganha peso, melhora, ele vai sentir seu cheiro, ouvir sua voz" (P2).

Para proporcionar a organização psíquica do RN após o nascimento é preciso reatar o contato com as funções fisiológicas da mãe. Os bebês precisam de contato pele a pele com a mãe, de serem movimentados pelo sobe e desce de sua barriga, de sentirem a respiração materna, aproximando-se dos batimentos cardíacos e aprendendo a brincar de ritmos e contra ritmos em uma relação de mutualidade. Essa capacidade materna de conter e suster o RN, denominada de holding caracteriza-se como necessidades corporais que gradualmente transformam-se em necessidades do ego (Winnicott, 1990).

Assim como a mãe constrói um espaço para o bebê habitar, a família e os profissionais de saúde também criam um espaço para que a mãe possa se entregar ao estado psicológico conhecido como "Preocupação Materna Primária." Este estado torna a mãe capaz de compreender o bebê por meio da fusão emocional e da identificação, auxiliando-o no processo de integração de sua personalidade (Pergher et al., 2014; Winnicott, 2000).

Todavia, os profissionais desse estudo apontam intervenções que podem interferir diretamente no estabelecimento de vínculo entre mãe e RNPT:

Às vezes a mãe chega, ah não agora tá dormindo, agora não pode pegar porque pode acordar. Não pode quando? Pra mim contraindicação pra ir pro colo da mãe é por instabilidade hemodinâmica (...) Existem várias desculpas dos profissionais pra ficar mais fácil deixar a criança ali quietinha. Porque pra mãe fazer um canguru, pegar no colo, alguém vai ter que ir lá. Depois quando a mãe for sair, alguém vai ter que ir lá (P2).

A equipe precisa estar atenta para não se colocar como a "melhor mãe" para o RN, tanto pelo tempo prolongado de internação que estes bebês demandam, como pelos efetivos cuidados técnicos que exigem, pois isso dificulta o relacionamento mãe-bebê. A experiência tátil materna, que difere da dos profissionais, tem um potencial efeito sobre o desenvolvimento do apego mãe-filho (Gomes, 2004; Medina et al., 2018). Conforme o relato: "Existe essa cultura de (...) posso tocar? Lógico que eles perguntam por uma questão de assistência, mas, dessa família se sentir pertencente, (...)esse bebê é deles, não é da equipe de saúde" (P6).

A permanência dos pais junto ao RN reduz a exposição destes ao desconforto e ao estresse. O toque, a posição canguru e a comunicação corporal e não verbal se mostram como fatores de proteção ao desenvolvimento da criança e, portanto, devem ser considerados terapêuticos (Ministério da Saúde [MS], 2017; Tabaczinski, Bortolin, & Oliveira, 2018).

2.3. A equipe, o recém-nascido e a inserção da mãe nos cuidados

As ações desenvolvidas pela equipe sinalizam que o cuidado com a aparência física e a higiene são fatores fundamentais para chamar a atenção materna para a vitalidade do RN enquanto sujeito: "elas são muito afetivas, elas enfeitam, elas colocam lacinho, elas falam, elas conversam, elas têm uma voz afetiva, até bem maternal para os bebês, mas a maternagem da mãe é mais difícil, eu acho que elas acabam conectando mais com o bebê" (P5).

Verifica-se a importância dos cuidados da equipe para além das necessidades psicoafetivas e fisiológicas do RN, destacando o cuidado dos profissionais com a figura materna que não consegue, inicialmente, dissociar-se do bebê. As mães sentem-se acolhidas ao terem informações sobre o estado de saúde dos seus filhos e ao sentirem-se ativas no processo de cuidado de seu filho (Nunes, Pessoa, Mont'alverne, Sá & Carvalho, 2015).

As ações de inserção da mãe nos cuidados são citadas pelos profissionais, como positivas e, assim que o RN atinge uma estabilidade clínica, é estimulada a presença da figura materna nos cuidados com o bebê. Estes aspectos são destacados no relato abaixo:

Acolher e facilitar o cuidado dessa mãe com o bebê é fundamental para que ela possa (...) ter o apego, porque pra nós é mais prático eu ir lá trocar uma fralda, vou trocar em dois segundos e uma mãe que de repente vai levar um minuto, mas eu acho que isso faz toda uma diferença pra ela (...) além de fortalecer a segurança dela pra depois ela cuidar desse bebê (P4).

O cuidado do RNPT é realizado, na maior parte do tempo, pela equipe de saúde, devido às condições da criança. No entanto, a equipe deve estar atenta para reconhecer os sinais da díade, a fim de estimular a presença e participação materna nos cuidados. Considera-se que a base para a saúde mental do RN é instaurada pela mãe desde a concepção e ao longo dos cuidados maternos comuns por ela dispensados. A experiência instintiva repetida e silenciosa de ser cuidado fisicamente pela mãe, denominada de handling (Winnicott, 1990) ajuda a construir no RN a "personalização satisfatória" (Brazelton & Cramer, 1989; Winnicott, 2000).

A inserção da figura materna nos cuidados com o RN deve ocorrer de forma gradativa, identificando os sinais que o binômio dá através da comunicação verbal e não verbal, sinalizando estarem prontos ou não, para iniciar essa nova etapa. Para isso é necessário um feeling do profissional de saúde na identificação do tempo da mãe e do RNPT evitando assim, atropelar o processo da formação e fortalecimento de vínculo, como sugere o seguinte relato:

Ah tu tens que trocar, tu tens, eu também acho que isso é errado, eu acho que a gente tem que (...) perguntar pra mãe se ela quer fazer, tem coisas que a equipe tem que fazer, e às vezes joga muito a responsabilidade para a mãe do bebê, de fazer tudo (P8).

Outro aspecto muito importante na inserção da mãe nos cuidados com o RNPT é a prática do aleitamento materno. A equipe multiprofissional deve garantir o suporte nutricional para o RN e apoiar a mãe no processo de produção e extração do leite

(Ministério da Saúde [MS], 2018). O estímulo ao aleitamento materno aparece como relevante nos resultados desse estudo, como apontado: "Elas sentem que podem dar algo muito bom para esses bebês, que só tá nelas. Eu também costumo falar: ah são gotinhas de ouro." (P5) A literatura confirma que envolver as mães na extração de seus próprios leites é visto como a única e melhor coisa que ela pode fazer pelo seu filho (Medina et al., 2018).

A compreensão dos profissionais de saúde sobre os aspectos subjetivos envolvidos na díade mãe e RNPT é um dos pilares para o fortalecimento do vínculo afetivo. Assim, a comunicação entre a equipe e a mãe pode facilitar ou dificultar esse processo.

Categoria 3: A comunicação na unidade neonatal: percepções e ações da equipe multiprofissional

A comunicação é parte imprescindível das relações humanas. Assim, esta categoria abordará os processos comunicacionais: entre a equipe e a família e entre a própria equipe multiprofissional, tendo em vista os impactos (in) diretos no vínculo afetivo entre mãe e RNPT.

3.1. Comunicação entre equipe e família

A formação da equipe intensivista é regulada por protocolos rigorosos que dificultam a escuta dos familiares e a busca de decisões compartilhadas. As tensões da equipe também afetam os profissionais pelo confronto de saberes e poderes, pela difícil aceitação de seus limites e pela fragmentação do cuidado (Magalhães & Feriotti, 2015).

Os primeiros contatos e informações fornecidas à mãe necessitam de atenção. É necessário que a equipe compreenda que é a primeira vez que ela entra em contato com notícias do filho, estando imersa por sentimentos incompreensíveis, como ilustrado no relato do P3:

A gente tem que cuidar, o primeiro contato com essa mãe que às vezes a gente fica querendo dar o quadro geral do bebê e é muito dado pra ela naquele momento. (...)a gente até tem que se policiar porque a gente também fica um pouco ansiosa e daí quer falar de tudo o que pode acontecer com o bebê (...)minha estratégia é sempre conversar com ela, perguntar o que ela quer saber naquele momento.

Quando o bebê está grave, a equipe fica envolvida tecnicamente e tem uma necessidade de falar sobre todos os riscos. Para as mães essa conduta dificulta a aproximação, pois para poder se aproximar, precisam ter esperanças. Geralmente, costumam questionar a respeito do momento em que o bebê poderá mamar. Esses questionamentos podem ser encarados pela equipe como impróprios, no entanto, é uma forma de aproximação da mãe frente a uma situação estranha e assustadora (Gomes, 2004).

Os resultados apontam que nesse primeiro encontro entre mãe e RN, a equipe precisa ter cautela e dar informações que façam sentido para a mãe. Isso fica explicito na fala:

Ela só quer lá ver o bebezinho olha e a gente já começa falar (...) de repente é um turbilhão de informação que (...) ela não vai absorver nada então (...) de repente focar mesmo ali: olha aqui seu bebezinho, olha aqui, vamos ver o rostinho (P4).

Gradativamente, a mãe do RNPT vai apropriando-se dos códigos de informação da equipe e habilita-se, da sua forma, para poder participar das decisões sobre as condutas terapêuticas direcionadas a seu filho (Nunes et al., 2015). Isso só é possível quando a equipe consegue oferecer um espaço para escutar as angústias e as inquietações maternas e, na medida do possível, responder as dúvidas, tornando o incompreensível em compreensível.

É necessário que a equipe multiprofissional de saúde garanta um espaço físico e temporal para dialogar com os pais sobre o quadro clínico do RNPT. Assim, evita-se informações contraditórias, favorecendo a vinculação afetiva da mãe com o RN.

Os relatos dos profissionais P2 e P3 ilustram sugestões acerca deste aspecto: "Mas eu acho que falta isso, da equipe, de ter um boletim médico diário para os pais, eu acho que eles iam ficar menos angustiados" (P2). "Porque às vezes elas ficam perdidas, elas perguntam uma coisa para um médico, perguntam a mesma coisa pra outro médico pra ver se a resposta vai ser a mesma, e às vezes a maneira de falar, pode dar interpretação diferente" (P3).

Também é preciso assegurar a qualidade dessa comunicação, ou seja, garantir a informação de forma clara, objetiva, acolhedora e com ambiência adequada, para facilitar a compreensão do ouvinte. Para a comunicação ser efetiva, é necessário que a equipe possa ouvir as dúvidas dos pais, respondendo as questões que vão surgindo ao longo da internação e respeitando as suas possibilidades de entrar em contato com a informação (Gomes, 2004).

Uma comunicação enviesada pode repercutir no envolvimento materno com o RN, assim como apontado: "A forma como é falado, que pode melhorar, às vezes a forma que se fala você assusta tanto a mãe, que a mãe não quer fazer mais nada na criança" (P2).

Algumas dificuldades são evidenciadas pelos profissionais no processo comunicacional entre equipe e família:

Isso é complicado, porque se não tu pode quebrar o vínculo (...), aí que a gente vê que alguns bebês que a gente achava que poderia ter complicações mais sérias, ou inclusive óbito, não. Então tem que ter esse cuidado, porque depois que se quebra, eu acho que resgatar o vínculo entre mãe e filho, a gente percebe que é mais difícil (P3).

A reunião com familiares é uma estratégia pontuada pelos participantes como uma intervenção de aproximação e fortalecimento de vínculo entre mãe e RN. As reuniões são preconizadas pelo Método Canguru com objetivo de aproximar equipe e família (Ministério da Saúde [MS], 2018).

3.2. Comunicação entre a equipe multiprofissional

A realização de reuniões de equipe é uma estratégia fundamental para a organização interdisciplinar do cuidado neonatal. Essas ações são identificadas como favorecedoras de um trabalho em equipe que impacta na formação e fortalecimento de vínculo entre mãe e RNPT, como a fala: "Eu acho que a estratégia de tentar conversar entre a equipe, para que quando a gente chegue perto da mãe, a gente possa facilitar esse vínculo, entre ela e o bebê. " (P3)

No entanto, o manual técnico do Método Canguru, sugerem somente reuniões entre a equipe e a família (Ministério da Saúde [MS], 2017). Verifica-se, a necessidade de incluir nestes materiais, orientações sobre reuniões sistemáticas entre os membros da equipe multidisciplinar.

Outro aspecto pontuado é a participação de outras categorias profissionais na passagem de plantão para minimizar o risco de falhas comunicacionais (Ministério da Saúde [MS], 2017). Lapsos na comunicação são apontados como aspectos a serem melhorados:

A gente melhorar um pouco essa comunicação, eu sei que (...) é um segredo profissional, mas é importante a gente saber, pra poder entender, quando tem um caso muito grave (...) apesar de que mesmo assim tem pessoas que acabam julgando" (P8).

A temática da maternidade é permeada por muitos padrões e construções sociais, assim, algumas percepções da equipe vem de crenças e valores pessoais. Aqui se inscreve um importante desafio para os profissionais: compreender a história e processo de cada RN e sua família e compartilhar com a equipe somente informações relevantes para qualificar o cuidado.

Nesse sentido, uma postura interdisciplinar adotada pela equipe uniformizaria os discursos e práticas, como sugere o relato de P6:

Mas essas informações, que não são iguais, elas acabam gerando uma série de angústias, ansiedades, às vezes de afastamento dessa família (...)ainda há esses ruídos de comunicação, essas orientações destoantes, isso a gente tem que avançar. Eu acho que a gente tem, teria que passar do multi para o interprofissional (P6).

Os participantes apontaram para ações interdisciplinares imprescindíveis na comunicação, uma delas é o Grupo Interdisciplinar da Neonatologia (GINEO) que semanalmente reúne profissionais para discussão coletiva de condutas frente aos RNs e famílias, bem como debates de temas relacionados à assistência. Desta forma, a inclusão de diferentes membros da equipe em discussões de casos amplia os recursos comunicacionais, possibilitando a integração do grupo de trabalho e abordagens mais padronizadas. Assim, compreende-se que a comunicação é instrumento básico em direção ao cuidado humanizado e na qualidade das relações entre pais, família e profissionais (Ministério da Saúde [MS], 2017).

Categoria 4: A gestão na qualificação do cuidado: percepções e ações da equipe multiprofissional

A importância da participação dos profissionais nos cursos de capacitação em serviço é condição básica para garantir a qualidade da atenção (Ministério da Saúde [MS], 2017). Esta categoria apresentará dois subtemas: A educação permanente e a transição da gestão institucional.

4.1. Educação permanente e continuada em saúde

A Educação Permanente é aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao quotidiano das organizações. O objetivo é a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho com base na problematização dos processos de trabalho (Ministério da Saúde [MS], 2009).

Os participantes desse estudo sentem a necessidade de espaços para formação e qualificação das práticas multiprofissionais, como denota o P5:

Esses espaços de educação continuada, (...) a discussão de caso, reuniões, mas eu acho que talvez, a questão de cursos de sensibilização, oficinas eu acho que pra área da saúde, eu acho que é algo que realmente precisa ser de tempos em tempos.

Os profissionais sugerem que reuniões, encontros e discussões de casos pontuais realizados nos turnos de trabalho, podem ser mais benéficos se comparados a capacitações maiores. Este aspecto é representado no relato: "A gente poderia fazer de turnos, (...) discutir alguns casos, que tenham problemas na vinculação, o que a gente tá conseguindo atrapalhar ou ajudar no vínculo dessa mãe com esse bebê." (P3). No entanto, somente a capacitação não é o suficiente, conforme citado por uma das participantes: "Eu acho que para além da capacitação é a incorporação da diretriz do método, assim, é a essência do Método Canguru" (P6).

As diretrizes do Método Canguru, só terão impacto efetivo na promoção integral da saúde e desenvolvimento dos usuários se os profissionais se apropriarem destas diretrizes. E, sobretudo, se as diretrizes fizerem sentido para eles, a partir do que percebem e experienciam em sua prática para, de fato, incorporarem-nas na sua atuação profissional e na relação de cuidado em saúde com os usuários.

4.2. O processo de transição de gestão institucional

Durante a presente pesquisa, o local da coleta dos dados, estava passando por um período de transição institucional em virtude da adesão à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Com isso, as dificuldades de gerências e de financiamento, a crise dos Hospitais pela dificuldade de atualização de equipamentos, a racionalização de procedimentos e investimentos no treinamento de recursos humanos, se constituía como um grande desafio para a atual administração (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares [EBSERH], n.d.).

Os resultados dão ênfase para a rotatividade dos profissionais e o impacto na operacionalização das diretrizes do MC: "Alguns profissionais foram se aposentando, chegou muita gente nova, a gente tá num momento de desorganização da casa. Hoje mais de 50% da equipe é nova e não foram capacitadas ainda para o Método Canguru" (P6).

As decisões da gestão interferem diretamente na atenção à saúde e consequentemente impactam diretamente na promoção do vínculo afetivo entre mãe e RNPT, como fica expresso:

A gente vai falar em estratégia de vínculo, em estratégia de equipe, (...) cada hora muda, entrou equipe nova, qual estratégia de treinamento? (...)o estabelecimento de vínculo tem que sair lá de baixo, a direção sabe que tá entrando esse monte de gente aqui (P1).

Por essa razão, trabalhadores e usuários devem tornar-se ativos no processo de tomada de decisão nas organizações de saúde e nas ações de saúde coletiva. No entanto, os resultados obtidos, mostram o engajamento dos profissionais para manter em ação as diretrizes do MC:

A gente tá num processo de transição institucional com a Ebserh, nós estamos hoje vinculados a uma unidade (...) de cuidados intensivos que não tem um pouco essa essência do que é a Metodologia Canguru, então é uma hora, bastante tensa (...) a gente vai precisar rediscutir, redesenhar e pensar juntos e se colocar enquanto equipe (P6).

Os resultados também apontam para a necessidade de espaços de cuidados aos trabalhadores de UTINs, conforme destaca a P5: "o profissional que é mais acolhido, que tem espaço para elaborar algumas coisas, a tendência é ele conseguir acolher mais, compreender mais. A humanização para o usuário passa também pela humanização para o funcionário."

As diretrizes do MC apontam para a necessidade de criar espaços de cuidados para a equipe de saúde: grupos de reflexão sobre sentimentos e frustrações que diz respeito ao manejo das demandas do RN, da família, dos óbitos, da instituição e do próprio profissional e também grupos de redução dos fatores de estresse no trabalho (Ministério da Saúde [MS], 2018).

A atenção ao vínculo dos pais com os bebês, dos profissionais com os bebês e os familiares, dos profissionais da equipe interdisciplinar entre si e das equipes com os gestores poderá minimizar os efeitos traumáticos das adversidades vividas no contexto de uma UTIN (Ministério da Saúde [MS], 2017). Conclui-se, que: "se eu não tenho qualidade de serviço, eu não tenho vínculo. " (P1). Dessa forma, é imprescindível que as intervenções para promoção do vínculo afetivo ultrapassem as paredes da UTIN, ou seja, a ampliação desse olhar para o contexto institucional é fundamental para qualificar a assistência à saúde.

 

Considerações finais

As ações desenvolvidas pela equipe multiprofissional vão ao encontro da Política Nacional de Atenção Humanizada ao Recém-nascido de Baixo Peso - Método Canguru que preza por uma assistência qualificada e humanizada ao recém-nascido e sua família. Os resultados identificam as ações multiprofissionais como estruturais para o fortalecimento do vínculo afetivo entre mãe e RNPT. Destaca-se a importância do acolhimento das famílias ainda na gestação de alto risco e a disponibilidade de oferecer visitas prévias à UTIN.

O processo de vinculação afetiva entre mãe e RNPT é percebido como lento e gradativo: a estabilidade clínica, o contato pele a pele e a inserção da mãe nos cuidados configuram-se como processos catalisadores para o fortalecimento de laços afetivos. Evidencia-se, também, a relevância de intervenções multiprofissionais na aproximação inicial entre mãe e RNPT.

O fortalecimento materno e o incentivo da participação nos cuidados com o RNPT foram percebidos com grande potencial para promoção da vinculação afetiva mãe-bebê. A importância de alinhar os processos institucionais e comunicacionais entre a equipe-gestão, equipe-equipe e equipe-família também foi referida como fatores que influenciam na aproximação ou afastamento da figura materna, impactando na formação e fortalecimento dos laços afetivos e refletindo no desenvolvimento global do bebê.

A Educação permanente e continuada é uma estratégia importante no desenvolvimento de uma atenção humanizada refletindo diretamente nas relações entre mãe e RNPT. Assim, espera-se que os resultados possam contribuir para reflexões e qualificação das práticas multiprofissionais em UTIN's, destacando a importância dos profissionais se sentirem, de fato, partícipes e promotores do processo de vinculação mãe-bebê.

Por fim, aponta-se para a necessidade do desenvolvimento de novas pesquisas que busquem compreender o processo da vinculação humana a partir da própria díade mãe-bebê, da construção da vida psíquica, permeada por concepções subjetivas e relacionais no contexto da UTIN. O desafio para estudos com este enfoque reside especialmente no aspecto metodológico, mas são caminhos possíveis para ampliar a compreensão deste fenômeno e qualificar a atenção integral em saúde do recém-nascido pré-termo e sua família.

 

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Correspondência para:
Marilia Borba Candaten
R. Lauro Linhares, 897 - Trindade
Florianópolis - SC - 88036-001
E-mail: mariliacandaten@hotmail.com

Submetido em: 23.09.2019
Aceito em: 01.04.2020

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