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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.13 no.1 São Leopoldo jan./abr. 2020

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2020.131.12 

10.4013/ctc.2020.131.12 ARTIGOS

 

Relações entre Parentalidade e Apoio Social: revisão Integrativa de Literatura

 

Relationships between Parenting and Social Support: An Integrative Literature Review

 

 

Beatriz Pires Coltro; Larissa Paraventi; Mauro Luís Vieira

Universidade Federal de Santa Catarina- UFSC

Correspondência para

 

 


RESUMO

As relações sociais estabelecidas pelas figuras parentais afetam a qualidade da parentalidade. O objetivo deste estudo foi analisar a literatura científica sobre associações entre a parentalidade e o apoio social percebido em estudos com famílias de crianças de 4 a 12 anos. Para tanto, foi realizada revisão integrativa de literatura sem limite temporal, com descritores em português, inglês e espanhol, nas bases de dados LILACS, Index Psicologia, PsycInfo, PubMed, SciELO, SCOPUS e Web of Science. Selecionou-se 15 artigos completos indexados para compor o corpus final de análise. Os resultados indicaram a predominância de produção de estudos: nos últimos 10 anos, nos Estados Unidos da América, com modelos teóricos contextualistas, com método transversal e participantes mães como respondentes. Os instrumentos utilizados para avaliar parentalidade e apoio social percebido mostraram-se diversificados e as principais análises utilizadas foram correlação de Pearson, regressão hierárquica e a modelagem de equações estruturais. Nenhum estudo brasileiro foi encontrado. Constatou-se que o apoio social percebido influencia indireta e diretamente a parentalidade e, na maioria dos estudos, resultou como fator de proteção da parentalidade.

Palavras-chave: parentalidade; apoio social; revisão integrativa.


ABSTRACT

The social relations established by the parental figures affect the quality of parenting. The aim of this study was to analyze the scientific literature on the relationship between parenting and perceived social support in studies with families of children aged 4 to 12 years. For this purpose, an integrative literature review was carried out without time limit, with descriptors in Portuguese, English and Spanish, in the databases LILACS, Index Psicologia, PsycInfo, PubMed, SciELO, SCOPUS and Web of Science. 15 complete indexed articles were selected to compose the final corpus of analysis. The results indicated the predominance of production of studies: in the last 10 years, in the United States of America, with theoretical contextual models, with transversal method and mother participants as respondents. The instruments used to assess parenting and perceived social support proved to be diverse, and the main analyzes used were Pearson's correlation, hierarchical regression and the modeling of structural equations. No Brazilian study was found. It was found that perceived social support indirectly and directly influences parenting and, in most studies, resulted as a protective factor for parenting.

Keywords: parenting; social support; integrative review.


 

 

Introdução

A família é um dos primeiros e principais núcleos sociais de desenvolvimento da criança. Nesse contexto, as figuras parentais (pai, mãe e/ou substitutos) exercem papel determinante na trajetória de desenvolvimento dos filhos, direta e indiretamente, seja por meio de seus comportamentos, atitudes, crenças ou recursos disponíveis (Walsh, 2016). No centro da compreensão sobre famílias, a parentalidade e sua relação com o desenvolvimento infantil têm sido objetos de estudo teórico há décadas. O modelo bioecológico do desenvolvimento humano (Bronfenbrenner, 1995) localiza o desenvolvimento da criança no centro de um sistema complexo de interações bidirecionais entre fatores interpessoais, familiares e contextuais, e evidencia a necessidade de se observar os efeitos que fatores ambientais exercem sobre o papel parental (Bronfenbrenner & Morris, 2006).

Neste estudo, a parentalidade saudável pode ser definida como um construto multidimensional composto pelas atividades que as figuras parentais realizam suficientemente bem (Hoghughi, 2004), garantindo um ambiente seguro e dispondo de recursos familiares e comunitários com o objetivo de promover o pleno desenvolvimento da criança (Barroso & Machado, 2015; Paraventi, 2018), sendo o exercício da parentalidade influenciado por fatores individuais dos pais, das crianças e pelo ambiente intra e extrafamiliar. Belsky (1984), atentando-se à complexidade e multidimensionalidade da parentalidade e sua influência no desenvolvimento infantil, desenvolveu um modelo teórico-conceitual dos múltiplos fatores determinantes da parentalidade, agrupando-os em três categorias: características individuais dos pais (personalidade e psicopatologia); características pessoais das crianças (temperamento); e fatores contextuais (rede de suporte, ocupação e relação conjugal) (Belsky & Jaffee, 2006).

Atualmente, o modelo integrativo da parentalidade proposto por Hoghughi (2004), baseado nas propostas desenvolvimentais de Bronfenbrenner (1995) e Belsky (1984), sugere três principais dimensões da parentalidade: Atividades Parentais, composta pelas tarefas e comportamentos apresentados pelos pais cujo objetivo é prevenir adversidades e promover situações positivas para o desenvolvimento dos filhos; Áreas Funcionais, composta por elementos do funcionamento da criança como saúde, comportamento e educação a serem desenvolvidos por meio das Atividades Parentais; e Pré-requisitos, composta por um complexo conjunto de elementos necessários para o desenvolvimento da tarefa parental adequada que, entre outros, inclui as redes sociais (presença, envolvimento e responsividade de amigos, vizinhos ou familiares) como recursos para o exercício das atividades parentais (Barroso & Machado, 2015; Hoghughi, 2004).

Os modelos de Bronfenbrenner (1995), Belsky (1984) e Hoghughi (2004) evidenciam a parentalidade como uma atividade processual e multideterminada, em contínua interação com variáveis pessoais, contextuais, sociais e históricas de cada indivíduo. Além disso, destacam os efeitos que as estratégias e os comportamentos específicos das figuras parentais exercem sobre os desfechos no desenvolvimento da criança, a depender de como afetam suas competências sociais e emocionais (Schmidt, Staudt & Wagner, 2016). Muito embora a tarefa parental seja compreendida como universal, uma vez que é necessária para o sucesso da continuidade da vida humana e desenvolvimento social (Sanders & Turner, 2018), os três modelos ressaltam a importância do contexto em que essa tarefa é realizada. O contexto está relacionado às condições históricas e culturais vivenciadas em cada sociedade e comunidade e influencia as interações dentro das redes sociais que se formam entre os membros, já citadas pelos autores como recurso essencial para o exercício da parentalidade.

Dessa maneira, as relações sociais, por meio dos laços e vínculos estabelecidos pelas figuras parentais com outros grupos e indivíduos podem afetar a qualidade da parentalidade, principalmente por meio do fornecimento de recursos como informação, instrumentos (materiais ou financeiros) e apoio (De Graaf, Hoogenboom, De Roos, & Bucx, 2018). O apoio social é um fenômeno conhecido em pesquisas relacionadas à saúde, sendo definido como "os recursos sociais que as pessoas percebem estar disponíveis ou que são de fato fornecidos a ela por não-profissionais, tanto em contextos de grupos formais de apoio quanto em relacionamentos informais" (Gottlieb & Bergen, 2010, p. 512). Contudo, uma recente revisão de literatura brasileira indicou que, em termos de fontes de provisão, o apoio social pode envolver tanto relações primárias, como família, amigos e vizinhos; quanto relações secundárias, estabelecidas com redes formais e/ou informais, de terceiro setor, de mercado, ou mistas (Macedo, Dimenstein, Souza, Costa & Silva, 2018).

O apoio social pode ser definido em termos de estrutura (tamanho, composição e coesão das redes sociais de apoio) ou em termos de funcionalidade (o que representa e como influencia a vida dos indivíduos). Existem diversas classificações sobre os elementos funcionais que compõem o apoio social, sendo as principais dimensões conhecidas como apoio instrumental/material; apoio informacional; apoio emocional; apoio afetivo; e apoio de interação social positiva. O apoio afetivo se define pela demonstração de afeto e amor, enquanto o emocional é definido em termos de escuta, confiança e interesse. Já o apoio de interação social positiva apresenta-se por meio das relações interpessoais e da disposição de companhia para se divertir e relaxar (Macedo et al., 2018). Ainda, pode ser verificado em termos de efetivo acesso ao apoio (apoio social recebido) ou em termos de apoio social percebido. Este último parece ter maior relevância empírica, uma vez que a percepção de recursos sociais disponíveis já revela que um indivíduo não está privado de apoio social (Gottlieb & Bergen, 2010).

Investigações científicas revelam pelo menos duas hipóteses a respeito dos mecanismos pelos quais o apoio social pode afetar o funcionamento parental. A primeira hipótese assume que o apoio social afeta diretamente os comportamentos parentais como, por exemplo, por meio do fornecimento de informações relevantes ou recursos materiais necessários (Brand, Zaidman-Zait & Most, 2018), como visto anteriormente. Ainda, o apoio social pode afetar diretamente a parentalidade supondo que pais com maior apoio podem favorecer a socialização de seus filhos com maior qualidade, por meio da exposição a contextos de interação social. Já a segunda hipótese assume o apoio social como um fator de proteção para a parentalidade positiva, ou seja, atenuando os efeitos negativos de fatores como estresse parental ou depressão materna (Belsky, 1984; Kotchick, Dorsey & Heller, 2005). Nesse caso, o apoio social exerce um efeito indireto sobre o comportamento parental.

Ainda que a relação entre apoio social e parentalidade possa se manifestar de diferentes formas, a literatura científica salienta os efeitos positivos do apoio social sobre a parentalidade. Estudos têm evidenciado que o apoio social percebido por pais está associado positivamente ao funcionamento familiar, ou seja, à capacidade de lidar com eventos estressores e superá-los de forma saudável (Macedo et al., 2018), bem como é capaz de reduzir as chances de que crianças sofram violência intrafamiliar (Tracy, Salo & Appleton, 2018). Ainda, o apoio social está associado às práticas parentais de forma positiva, uma vez que pais com maior apoio social tendem a se engajar em interações mais positivas com os filhos em termos de afeto e disciplina, além de predizer mudanças na competência social dos filhos em famílias de origem latina (Taylor, Conger, Robins, & Widaman, 2015), o que aponta para um efeito positivo e indireto do apoio social percebido pelos pais sobre o desenvolvimento de seus filhos.

Assim, o apoio social configura-se como um fator contextual relevante na investigação da parentalidade, podendo exercer efeitos diretos e indiretos sobre as práticas parentais e, consequentemente, sobre as relações familiares e desenvolvimento dos filhos. Famílias com crianças em idade pré-escolar e escolar tendem a ampliar ou modificar suas redes de socialização e de apoio na medida em que os filhos são inseridos na escola e desenvolvem habilidades socioemocionais, o que pode afetar a percepção dos pais sobre o apoio social. Considerando a interrelação entre esses aspectos e a necessidade de melhor compreender a maneira pela qual o apoio social percebido afeta a parentalidade nessa etapa de desenvolvimento, propõe-se uma revisão integrativa com o objetivo de analisar a literatura científica sobre associações entre a parentalidade e o apoio social percebido em estudos com famílias de crianças de 4 a 12 anos, identificando os modelos teóricos, instrumentos e análises realizadas nos estudos de forma a sistematizar os principais resultados encontrados.

 

Método

Trata-se de uma revisão integrativa de literatura conduzida de acordo com a proposta metodológica de Souza, Silva e Carvalho (2010) e financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, financiamento código 001 - Beatriz Pires Coltro e Larissa Paraventi) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, processo nº 303459/2015-8 - Mauro Luís Vieira). A revisão integrativa possibilita a síntese do estado da arte de uma temática revelando avanços e vieses presentes nos estudos científicos encontrados, é um método de investigação que subsidia cientificamente a melhoria da prática profissional e que fornece indícios sobre lacunas que precisam ser preenchidas pela comunidade científica (Souza et al., 2010).

Procedimentos

Realizou-se uma busca exploratória sobre o tema para definição dos termos descritores e bases de dados a serem utilizados. Os descritores principais "Parentalidade" e "Apoio Social Percebido" e termos alternativos1 foram selecionados nas bases de

1 Termos Alternativos para Parentalidade: Autoridade Parental; Deveres e Direitos dos Pais; Deveres e Direitos Parentais; Direitos e Deveres dos Pais; Direitos e Deveres Parentais; Direitos e Obrigações dos Pais; Direitos e Obrigações Parentais; Obrigações e Direitos dos Pais; Obrigações e Direitos Parentais; Pátrio Poder; Poder Parental; Poder Paternal; Relação Parental; Responsabilidade Parental; Responsabilidades Parentais; Prática parental; Práticas parentais; Estilo parental; Estilos parentais; auto eficácia parental. Termos Alternativos usados para Apoio Social Percebido: Apoio social; Suporte social. terminologia Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e Medical Subject Headings (MeSH Terms). Foram utilizadas aspas em palavras compostas e os termos foram separados pelos operadores booleanos AND, fora dos parênteses, correspondendo a termos descritores distintos; e OR, dentro dos parênteses, correspondendo a termos descritores alternativos e sinônimos. Os descritores principais e termos alternativos foram utilizados em português, inglês e espanhol conforme as estratégias de busca.

Foram utilizadas sete bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Index Psicologia, American Psychology Association (PsycINFO), US Nacional Library of Medicine National Institute of Health (PubMed), Scientific Eletronic Library Online (SciELO), SCOPUS e Web of Science. A LILACS e a Index Psicologia foram acessadas por meio da Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia (BVS-Psi), enquanto a PSycINFO e a SCOPUS foram acessadas por meio da conexão do Portal CAPES. As bases de dados foram escolhidas de acordo com a disponibilidade de acesso a artigos completos e correspondência com as áreas de conhecimento de interesse, quais sejam Psicologia e Ciências Sociais.

Todas as buscas foram realizadas no dia 10 de junho de 2019, sendo que para cada base de dados foi construída uma estratégia de busca específica, considerando os operadores booleanos aceitos, idiomas e filtros disponíveis. Nas bases de dados SciELO, LILACS e Index Psicologia foram utilizadas estratégias de busca nos três idiomas, enquanto nas outras quatro bases restantes utilizou-se somente estratégias em inglês. Optou-se por não utilizar critério temporal com o objetivo de abranger o máximo de estudos acerca do tema, independentemente da data de publicação.

A busca resultou um total de 632 materiais que foram importados para o gerenciador de referências Zotero. Após a exclusão de materiais duplicados (n = 349), um total de 283 referências foi submetido à leitura de títulos e resumos. O procedimento completo de seleção dos artigos para a revisão pode ser visualizado no diagrama da Figura 1.

Os critérios de inclusão definidos para a seleção dos estudos foram: a) estudos empíricos ou de revisão (sistemática ou integrativa) de literatura sobre a relação entre parentalidade e apoio social percebido; b) estudos cuja população contemplou qualquer configuração familiar com crianças de 4 a 12 anos de idade; c) estudos empíricos cuja parentalidade foi investigada por meio de instrumentos de observação direta e/ou indireta (protocolos de observação, questionários ou inventários de autorrelato); d) estudo empírico cuja parentalidade foi investigada por meio de instrumentos com uma ou mais dimensões e que o fenômeno foi concebido a partir de práticas, comportamentos e/ou estilos parentais; e) estudos em que os respondentes foram pais, mães ou outras figuras parentais; f) estudos publicados em periódicos revisados por pares; g) estudos publicados nos idiomas inglês, português ou espanhol.

A aplicação dos critérios de inclusão foi realizada pela autora principal e dois juízes independentes. Em seguida, a concordância entre os juízes foi verificada e discutida. Dessa maneira, foram excluídos estudos que investigavam a parentalidade e o apoio social em famílias em situação de pós-parto ou somente com filhos adolescentes, uma vez que a população-alvo dessa revisão são famílias com filhos em idade pré-escolar e escolar. Além disso, foram excluídos materiais oriundos de literatura cinzenta (livros, monografias, capítulos de livros), estudos teóricos, e estudos em que crianças e/ou adolescentes configuraram-se como respondentes dos fenômenos.

Após a leitura dos títulos e resumos e aplicação dos critérios de inclusão, 53 artigos foram submetidos a leitura integral de seu conteúdo. Cada artigo foi lido na íntegra por dois pesquisadores de forma independente e aqueles cuja decisão dos pesquisadores foi discrepante foram submetidos à leitura de um terceiro pesquisador para desempate. Nessa fase foi necessário excluir do estudo também aqueles artigos que avaliaram autoeficácia parental e não parentalidade, uma vez compreendido que se trata de um fenômeno distinto do que se define como parentalidade, apesar do termo ter sido mantido nas estratégias de busca. Assim, o corpus final de análise da presente revisão foi composto por 15 artigos.

Análise dos Dados

A análise de dados do corpus final foi realizada de acordo com os objetivos estabelecidos para a presente revisão. Assim, os 15 artigos retidos foram lidos na íntegra e deles foram extraídos dados a respeito dos modelos e fundamentos teóricos acerca dos principais fenômenos; dos instrumentos utilizados para avaliar parentalidade e apoio social percebido; das principais análises de dados utilizadas e resultados encontrados.

 

Resultados

Dentre os 15 artigos que compõe a presente revisão integrativa, dois foram publicados na década de 1980 (Reis, Barbera-Stein & Bennett, 1986; Reis, Barbera-Stein, Herz, Orme & Bennett, 1986), dois publicados na década de 1990 (Hashima & Amato, 1994; Thomas Rickel, Butler & Montgomery, 1990), quatro são da década de 2000 (Harwood & Eyberg, 2006; Kotchick et al., 2005; Ortega, 2002; Xu et al., 2005) e sete artigos foram publicados a partir do ano de 2010 (Borić, Roščič, Sedmak, Šepčević, & Keresteš, 2011; Liu, Zhai, & Gao, 2017; McConnell, Breitkreuz, & Savage, 2010; Muñoz-Silva, Lago-Urbano & Sanchez-Garcia, 2017; Serrano-Villar, Huang & Calzada, 2017; Sipal & Sayin, 2013; De Graaf et al., 2018).

Os estudos foram realizados majoritariamente nos Estados Unidos da América (n=9), sendo os seis estudos restantes realizados cada qual nos seguintes países: China, Canadá, Croácia, Turquia, Espanha e Holanda. Em relação aos periódicos, o maior número de publicações (n=3) foi no Journal of Child and Family Studies e não houve repetição de publicação nos demais periódicos. Os aspectos teórico-conceituais, metodológicos, analíticos e os resultados apresentados pelos estudos estão descritos a seguir em subtemas.

Definições e modelos teóricos

Todas as pesquisas do corpus tinham como pelo menos um de seus objetivos observar a associação entre parentalidade e apoio social. Verificou-se que a maioria dos estudos buscou um embasamento teórico-conceitual dos fenômenos que enfatizasse a influência do ambiente e do contexto sobre a relação pais e filhos, como os estudos de Bornstein (1991), Bronfenbrenner (1995) e Belsky (1984).

Parentalidade

Considerando os termos correlatos com parentalidade, como estilos parentais, práticas e comportamentos parentais, todos os estudos fizeram menção às definições ou modelos teóricos que orientam o entendimento do fenômeno em associação com desfechos no desenvolvimento dos filhos. Kotchick et al. (2005) caracterizaram a parentalidade positiva pela existência de relações positivas entre pais e filhos, demonstrações de afeto e carinho, monitoramento das atividades das crianças e estratégias de disciplina consistentes. Já Harwood e Eyberg (2006) definiram parentalidade conforme o modelo de estilos parentais proposto por Baumrind (1991), que sustenta que a parentalidade autoritativa - uma combinação de afeto e estímulo, boa comunicação e controle firme - produz ótimos resultados na saúde mental infantil.

Três estudos complementaram a compreensão dos estilos parentais considerando a influência dos aspectos culturais e socioeconômicos sobre a forma como os comportamentos e crenças parentais são sustentados. A pesquisa de Xu et al. (2005) revelou que aspectos tipicamente atribuídos ao estilo parental autoritativo, como afeto e carinho, estão interconectados com o controle rígido, característica do estilo parental autoritário, na cultura chinesa, e que tal combinação tem demonstrado efeitos positivos no desenvolvimento das crianças daquele país, ao contrário do que acontece com filhos de pais autoritários em países de cultura ocidental. Tais diferenças culturais foram também mencionadas por Liu et al. (2017) que citaram o processo de aculturação parental como indispensável para que práticas de criação tradicionais à cultura chinesa sejam flexibilizadas diante da migração para os EUA. Por fim, Sipal e Sayin (2013) evidenciaram as influências que a cultura e as condições socioeconômicas exercem na família propostas por Bornstein (1991), ao relatarem que mesmo diante das rápidas e notáveis mudanças sociais e econômicas pelas quais passa a Turquia, a parentalidade no país tem mantido seus valores, em que os pais são mais controladores, autoritários e incentivam a dependência dos filhos.

Oito artigos fizeram menção ao Modelo dos Determinantes da Parentalidade proposto por Belsky (1984), que inclui o apoio social como um dos elementos contextuais relevantes à parentalidade. Por fim, dois artigos não fizeram menção a qualquer definição sobre parentalidade (Ortega, 2002; Thomas et al., 1990). O estudo de Ortega (2002) enfatizou o apoio social e mencionou somente estudos que apontam para a sua correlação com resultados parentais positivos, enquanto Thomas et al. (1990) focou nas características da gravidez na adolescência e apoio social, relegando ao segundo plano a parentalidade.

Apoio Social

Serrano-Villar et al. (2017) definiram o apoio social como um conceito complexo e multidimensional, destacando a importância de investigá-lo tanto por meio da dimensão estrutural quanto pela dimensão funcional. O estudo de Muñoz-Silva et al. (2017) indicou que a percepção de apoio social tem demonstrado maior relação com desfechos positivos, tanto no bem-estar do indivíduo quanto para famílias, destacando a relevância de avaliá-lo em estudos sobre parentalidade.

Nove dos estudos que compõem esta análise citaram o Modelo dos Determinantes da Parentalidade (Belsky, 1984) para salientar o apoio social como um fator contextual que afeta comportamentos parentais e a relação entre pais e filhos. Dentre eles, Serrano-Villar et al. (2017) e De Graaf et al. (2018) também mencionaram o Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner como uma perspectiva que sustenta a influência de sistemas distintos, que incluem o apoio social, sobre o contexto familiar. Três artigos relataram pesquisas realizadas com famílias de culturas não-ocidentais (Liu et al., 2017; Sipal & Sayin, 2013; Xu et al., 2005) e mencionaram os estudos de Bornstein (1991) sobre o efeito cultural e socioeconômico de diferentes grupos étnicos sobre a forma como a parentalidade se manifesta, atribuindo ao apoio social o papel de um fator socioeconômico.

Em relação à forma com que o apoio social percebido afeta a parentalidade das amostras pesquisadas, a maioria dos estudos o considera um fator mediador entre diferentes fontes de estresse e parentalidade, seja como um fator de promoção do bem-estar dos pais e mães ou como fator de proteção para o desenvolvimento infantil. Dos 11 artigos que consideram essa perspectiva protetiva do apoio social, somente dois - McConnell et al. (2010) e Muñoz-Silva et al. (2017) - fizeram menção aos estudos empíricos que também verificam um efeito direto do apoio social sobre a parentalidade, na forma de fornecimento de informações úteis ou prestação de apoio material, por exemplo.

Liu et al. (2017) supuseram que o apoio social facilita o processo de aculturação das famílias chinesas imigrantes o que, por sua vez, aumenta as chances dos pais exercerem uma parentalidade mais positiva. Hashima e Amato (1994) apontaram para o efeito protetivo do apoio social diante do enfrentamento de problemas econômicos vividos por famílias em situação de pobreza, o que pode reduzir o risco de pais serem negligentes ou abusivos com seus filhos. Já Serrano-Villar et al. (2017) observaram que o efeito positivo do apoio social sobre a parentalidade promoveu comportamentos mais adaptativos nas crianças.

Métodos, participantes e instrumentos utilizados

Dentre os 15 artigos da revisão, um deles apresentou delineamento longitudinal, outro utilizou delineamento longitudinal experimental sem grupo controle e os demais fizeram uso do recorte transversal. No que diz respeito aos participantes, a maioria dos estudos contou com mais de 100, sendo o mínimo 54 (Ortega, 2002) e o máximo 2100 participantes (De Graaf et al., 2018). Nove estudos contaram apenas com mães como respondentes, e dos seis estudos que também tiveram pais em suas amostras, somente em dois deles o número de pais foi equivalente ao de mães, especificamente os que tinham como variável de interesse, além de parentalidade e apoio social, aspectos da relação conjugal (Muñoz-Silva et al., 2017).

Em relação à faixa etária dos filhos, os três artigos mais antigos não identificaram tal dado (Reis, Barbera-Stein & Bennett, 1986; Reis, Barbera-Stein, Herz et al., 1986; Thomas et al., 1990), enquanto a maioria pesquisou famílias com crianças em idade pré-escolar (n=9) e/ou escolar (n=9). Quatro estudos incluíram em sua amostra pais de crianças e de adolescentes (de 0 a 17 anos), incluindo assim a faixa etária do estudo : (De Graaf et al., 2018; Kotchick et al., 2005; Liu et al., 2017; McConnell et al., 2010).

Os instrumentos utilizados para avaliar a parentalidade foram diversificados, sendo que somente dois aparecem em mais de um estudo: O Maternal Developmental Expectations and Childrearing Attitudes Survey (MDECAS), instrumento unidimensional utilizado nos dois artigos produzidos pelo mesmo grupo de pesquisa (Reis, Barbera-Stein & Benett, 1986; Reis, Barbera-Stein, Herz et al., 1986); e o Child Rearing Practices Report (CRPR), utilizado integralmente no estudo de Xu et al. (2005) e parcialmente no estudo de Liu et al. (2017), ambos realizados com famílias chinesas. Além dos artigos que utilizaram o MDECAS, somente o estudo de Harwood & Eyberg (2006) investigou a parentalidade por meio de uma única dimensão, especificamente, a parentalidade ineficaz. A parentalidade foi investigada em termos de dimensões opostas (positiva-negativa) em seis estudos; nos seis restantes, foi acessada por pelo menos três dimensões, refletindo diferentes classes de comportamentos e atitudes voltadas para a criação dos filhos.

O apoio social foi avaliado nos estudos desta revisão por oito instrumentos diferentes. Destacadamente, o instrumento mais utilizado foi o Multidimensional Scale of Perceived Social Support (MSPSS) usado na íntegra por quatro estudos, dentre os quais em dois foi adaptado para outro idioma, já que seu formato original é na língua inglesa. O MSPSS ainda foi modificado no estudo de Serrano-Villar et al. (2017), enquanto no artigo publicado por Borić et al. (2011) somente uma de suas subescalas foi utilizada. A maioria dos estudos utilizou medidas de apoio social que distinguiam a presença ou a frequência do apoio social percebido a partir de fontes de apoio (família, amigos, comunidade, parceiro), incluindo o MSPSS. Distintamente, o estudo de Kotchick et al. (2005) acessou o fenômeno por meio de uma escala que avalia dois tipos de apoio, o apoio social instrumental e o apoio emocional, composta por 11 itens que são aplicados duas vezes: uma a respeito de vizinhos e amigos e outra a respeito da família. Já o estudo de McConnell et al. (2010) utilizou uma escala própria desenvolvida para obter uma medida unidimensional sobre a existência de apoio social, sem fazer distinção entre fontes ou tipos de apoio.

Tipos de análises e principais resultados encontrados

Os principais tipos de análises estatísticas utilizados foram a correlação de Pearson, a regressão hierárquica e a modelagem de equações estruturais. A correlação de Pearson foi utilizada para verificar associação entre duas variáveis, sem estabelecer relação de causa e efeito entre elas, em que valor de p < 0,05 indicava se essa associação era estatisticamente significativa. Com as análises de regressão hierárquica verificaram o efeito de variáveis preditoras sobre a parentalidade conforme um modelo preditivo baseado em pesquisas anteriores ou em estudos teóricos robustos, como é o caso do modelo de determinantes da parentalidade de Belsky (1984), que aponta para alguma influência do apoio social sobre a parentalidade. A modelagem de equações estruturais foi utilizada com o objetivo de explicar relações entre múltiplas variáveis, incluindo diversas equações e descrevendo todas as relações possíveis entre os construtos, com capacidade de corrigir erro de mensuração e apresentar um modelo que explicasse o conjunto integral de relações encontradas.

Os principais resultados dos estudos analisados nesta revisão indicaram semelhança nas análises de correlação no que concerne aos aspectos positivos da parentalidade, aos quais o apoio social de relaciona positivamente. O apoio social mostrou-se associado significativamente ao conhecimento parental (Reis, Barbera-Stein & Bennet, 1986), ao estilo parental autoritativo (Xu et al., 2005), à parentalidade positiva (Borić et al., 2011; Serrano-Villar et al., 2017) e à afetividade, acolhimento e comportamentos de recompensa dos pais ( De Graaf et al., 2018). No sentido oposto, o apoio social apresentou correlação negativa à atitude punitiva dos pais (Reis, Barbera-Stein, Herz et al., 1986), às práticas parentais negativas (Harwood & Eyberg, 2006), às práticas parentais severas (Liu et al., 2017) e às relações disfuncionais entre mãe e filho (Xu et al., 2005).

Os resultados das análises de predição verificaram que o apoio social percebido foi preditor de estimulação diária (Reis, Barbera-Stein, Herz et al., 1986), de melhora no tratamento para estimulação da relação mãe-criança (Harwood & Eyberg, 2006) e da parentalidade positiva (Borić et al., 2011). Ainda, o apoio social demonstrou exercer efeito protetivo sobre os estilos parentais, atenuando os efeitos da depressão materna (Sipal & Sayin, 2013). Em famílias com status socioeconômico baixo, o apoio social se associou negativamente às práticas punitivas, mas seu efeito se reduziu na medida em que o poder aquisitivo dos pais aumentou. Além disso, quanto mais apoio social os pais relataram, mais demonstraram afeto e carinho por seus filhos, sugerindo uma relação direta do apoio social percebido sobre a parentalidade (Hashima & Amato, 1994).

Com relação às análises de modelagem de equações estruturais, o modelo testado por Muñoz-Silva et al. (2017) indicou que o apoio social pode reduzir o efeito negativo do comportamento da criança com TDAH sobre a relação conjugal e vida social dos pais, além de ter um efeito indireto e positivo sobre os sentimentos e atitudes dos pais em relação aos seus filhos, reduzindo o estresse parental. Já no estudo de Liu et al. (2017), apoio social teve papel mediador, as preferências culturais dos pais aumentaram sua percepção de apoio social o que, por sua vez, estimulou a criação dos filhos de forma positiva. Finalmente, o modelo testado por De Graff et al. (2018) indicou que, quanto maior o apoio social percebido por mães, maior foi o comportamento de recompensa - recompensar ou estimular bons comportamentos dos filhos demonstrando aprovação.

 

Discussão

Sabe-se que a condução de estudos empíricos robustos com frequência se sustenta na utilização de modelos teórico-conceituais relevantes, o que conduz a escolha das análises de relação entre os fenômenos. Nos estudos encontrados, o Modelo dos Determinantes da Parentalidade proposto por Jay Belsky fundamenta e justifica a maioria das relações testadas, já que oferece uma sistematização de fatores individuais, históricos e contextuais (como a conjugalidade, apoio social e estresse laboral) que parecem fornecer aspectos protetivos ou de risco para a parentalidade (Belsky & Jaffee, 2006). Considerando que o modelo proposto por Belsky é influenciado pela Teoria Bioecológica do Desenvolvimento de Bronfenbrenner, que também fundamenta alguns dos estudos desta revisão, pode-se afirmar que cada vez mais a relação pais-filhos tem sido situada no centro de um complexo emaranhado de relações entre aspectos históricos, culturais e sociais, expandindo o interesse científico para além das interações ocorridas dentro do núcleo familiar (Bronfenbrenner & Morris, 2006) e valorizando-se cada vez mais o contexto em que essas relações se desenvolvem.

Assim, o apoio social é considerado um dos fatores que exercem significativa influência sobre a parentalidade e, consequentemente, sobre o bem-estar e o desenvolvimento das crianças. Essa influência tende a ser observada mais em termos indiretos do que diretamente sobre a parentalidade, por meio da sua interação com outros fatores individuais ou contextuais, como o estresse parental, aculturação, dificuldade socioeconômica ou depressão materna (Hashima & Amato, 1994; Liu et al., 2017; Muñoz-Silva et al., 2017). É possível supor que a preferência por considerar e analisar o apoio social enquanto fator de proteção sobre a parentalidade se origine nos estudos sobre saúde e adoecimento, nos quais o fenômeno é considerado um dos elementos que auxilia na manutenção do bem-estar por meio da redução de níveis de estresse (Macedo et al., 2018). Apesar disso, os resultados provenientes das análises de correlação e de predição revelam que o apoio social percebido apresenta também interações diretas com dimensões parentais, o que evidencia sua relevância para o contexto familiar mesmo na ausência de fatores de risco (Borić et al., 2011; Harwood & Eyberg, 2006; Serrano-Villar et al., 2017).

No que diz respeito ao método, a revisão revelou uma predominância significativa de estudos internacionais com delineamento transversal, cujas mães foram a maior parte das respondentes. Os seis estudos que incluíram pais como participantes, também incluíram as mães, e essas geralmente constituíam maior parte da amostra. Tal resultado confirma os achados de outras revisões de literatura interessadas em fenômenos que influenciam o desenvolvimento infantil (Moon et al., 2018; Schmidt et al., 2016), endossando a constatação de que as mães permanecem sendo as figuras de referência em relação aos filhos, apesar da crescente participação e envolvimento paterno nos cuidados parentais (Schmidt et al., 2019).

Ainda em relação ao método, percebe-se uma grande variedade de instrumentos utilizados para avaliar a parentalidade, inclusive em um mesmo estudo, de forma com que mais de uma dimensão fosse acessada. Tal fato pode ser atribuído à existência de múltiplas definições acerca dos comportamentos, atitudes e crenças que caracterizam o fenômeno da parentalidade e, consequentemente, diferentes formas de medi-los (Paraventi, 2018). Apesar disso, nota-se que aspectos relacionados a afeto, monitorização, disciplina e punição aparecem com maior frequência entre os fatores que compõe a parentalidade, além de classificações binárias como parentalidade positiva/negativa ou eficaz/ineficaz (McConnell et al., 2010; Muñoz-Silva et al., 2017; Serrano-Villar et al., 2017). Esses resultados apontam para a evidência da multidimensionalidade do fenômeno, ainda que possa ser representado tanto por dimensões mais abrangentes, como os estilos parentais propostos originalmente por D. Baumrind, quanto por comportamentos mais específicos e complementares (Paraventi, 2018). Nesse sentido, a compreensão de parentalidade encontrada nos estudos desta revisão vai ao encontro dos componentes da dimensão de Atividades Parentais propostos por Hoghughi, quais sejam o Cuidado, o Controle e a Disciplina, denotando a universalidade de tais atividades/comportamentos na parentalidade.

Já no que diz respeito ao apoio social percebido, observou-se predominância do uso do MSPSS de Zimet, Dahlem, Zimet & Farley (1988), principalmente a partir da década de 2010, para avaliar a percepção de apoio social por tipo de fonte, ou seja, oriundo da família, de amigos e do/a companheiro/a. Seis estudos utilizaram o MSPSS. Desenvolvido na década de 1980 e validado com uma população de estudantes de graduação em Psicologia, na Universidade de Duke, nos EUA, demonstrou se tratar de um instrumento sensível e adaptável a diversas culturas e faixas etárias, embora limitado, já que não identifica os tipos (por exemplo: material, emocional, instrumental, entre outros) de apoio percebido. Além disso, uma revisão sistemática recente acerca das propriedades psicométricas do MSPSS revelou que suas traduções apresentaram pouca evidência de validade estrutural e de construto (Dambi et al., 2018).

Os estudos mais antigos dessa revisão utilizaram instrumentos diferentes para avaliar o apoio social percebido e buscaram obter dados não somente a respeito das fontes de apoio, mas também os tipos de apoio disponíveis (Hashima & Amato, 1994; Reis, Barbera-Stein & Bennett 1986; Reis, Barbera-Stein, Herz et al., 1986; Thomas et al., 1990). O estudo de Ortega (2002) avaliou, além do apoio social percebido, outras três variáveis relacionadas à dimensão social de mães em situação de vulnerabilidade socioeconômica: disposição para buscar ou pedir apoio, satisfação com o apoio recebido e uma avaliação a respeito da qualidade das relações familiares. O estudo de Xu et al. (2005), com mães chinesas, e o estudo de Kotchick et al. (2005), realizado com famílias monoparentais chefiadas por mães afro-americanas, utilizaram medidas de apoio social percebido que caracterizavam suas fontes (apoio familiar, de amigos e/ou comunitário).

Contudo, os índices das diferentes fontes foram somados para compor um escore geral de apoio social percebido pelas participantes.

Considerando os resultados apresentados pelos estudos desta revisão, a fonte de onde o apoio social percebido emerge mostrou-se relevante para compreender a parentalidade. O estudo de Sipal e Sayin (2013) identificou que apoio social da família estava correlacionado a depressão materna, e esse diagnóstico afetava diretamente os estilos parentais autoritário e hostil, demonstrando um efeito indireto do apoio social. Apesar de curioso, o resultado é discutido sob a luz do contexto cultural turco, no qual a família pode ser uma forte fonte de apoio em momentos de dificuldade, como quando no diagnóstico de depressão. Já o estudo de De Graaf et al. (2018) demonstrou diversas correlações entre fontes de apoio social e comportamentos parentais, tanto para pais quanto para mães. A fonte se caracteriza como uma dimensão estrutural do apoio social (Gottlieb & Bergen, 2010) que pode fornecer dados complementares relevantes especificamente no contexto parental. Dessa maneira, com base nos estudos revisados, evidencia-se a necessidade de observar não somente a dimensão funcional do apoio (os tipos de apoio), como também aspectos estruturais.

A síntese conceitual a respeito do apoio social apresentada na revisão de literatura de Macedo et al. (2018) destaca as dimensões de disponibilidade e satisfação com o apoio social percebido como fatores relevantes, e informam que a tendência em pesquisas brasileiras tem sido investigar o fenômeno a partir de cinco formas de disposição de apoio: material, informacional, afetivo, emocional e de interação social. Tal proposta é adotada, por exemplo, na Escala de Apoio Social traduzida e adaptada ao contexto brasileiro por Griep, Chor, Faerstein, Werneck e Lopes (2005). É interessante notar que os estudos encontrados nesta revisão sobre a relação entre parentalidade e apoio social focaram nas fontes de apoio. Nenhum abordou as dimensões de disponibilidade e satisfação ou qualquer uma das cinco formas de disposição adotadas por Griep et al. (2005). Portanto, para o Brasil, já existem indícios científicos (Griep et al., 2005; Macedo et al., 2018) que o uso de tais dimensões pode ser relevante, assim, utilizá-las também em estudos que relacionem apoio social e parentalidade pode ser um complemento interessante e cientificamente contextualizado.

 

Considerações finais

Esta revisão de literatura objetivou, por meio das recomendações de Souza et al. (2010), analisar a literatura científica sobre associações entre a parentalidade e o apoio social percebido em estudos com famílias de crianças de 4 a 12 anos, destacando os principais modelos teórico-conceituais e análises utilizadas e os principais resultados encontrados. Observou-se predominância de modelos teóricos contextualistas, como o de Jay Belsky e Urie Bronfenbrenner, fundamentando a compreensão das relações existentes entre fatores contextuais e familiares, especificamente a parentalidade e o apoio social percebido. Assim, pode-se afirmar que o corpo teórico presente na literatura acerca do interjogo entre família e contextos tem sido utilizado de maneira criteriosa para explicar as complexas relações empíricas encontradas entre a parentalidade e o apoio social, o que fica evidente a partir das análises estatísticas empregadas nos estudos que compuseram esta revisão.

Estudos como os que compõem esta revisão são relevantes para fundamentar o desenvolvimento de políticas públicas e intervenções voltadas para a promoção de práticas parentais positivas, o que pode potencializar o desenvolvimento infantil e a redução de fatores de risco para famílias (Schmidt, Staudt & Wagner, 2016). Além disso, destacam a importância do fortalecimento de vínculos sociais e comunitários para pais e seus filhos, já que potencializam o desenvolvimento e o bem-estar tanto em contextos de presença quanto de ausência de vulnerabilidades (Feeney & Colling, 2015; Love & Knott, 2018). Em termos de prática profissional, revelam a necessidade de avaliar continuamente a integração dos pais na comunidade em que vivem e a percepção que possuem acerca de sua rede social de apoio, além de atuar no sentido de estimular o desenvolvimento de vínculos significativos e protetivos.

Estudos norte-americanos, publicados na língua inglesa e realizados com amostras compostas predominantemente por mães foram maioria, e nenhum estudo brasileiro ou latino-americano foi encontrado. Nesse sentido, sugere-se maior investimento em pesquisas que possam ampliar suas amostras para incluir de maneira equivalente participantes pais e mães, possibilitando análises comparativas; bem como pesquisas no cenário latino-americano que poderão auxiliar a compreender como a parentalidade, nesse contexto, interage com os fatores do apoio social percebido. Ademais, considerando as idiossincrasias culturais e sócio-históricas que permeiam famílias brasileiras, a generalização dos resultados encontrados em outros países para o contexto nacional deve ser feita com cautela, o que sinaliza a importância da condução de estudos similares no Brasil.

A variedade de instrumentos utilizados para avaliar a parentalidade revelou certo dissenso científico a respeito das dimensões (comportamentos e/ou fatores) que a compõe, exibindo a necessidade de estudos transculturais e longitudinais que possam destacar pontos em comum na parentalidade em diversas culturas e ao longo do tempo. Por outro lado, o apoio social percebido, apesar de contar com diversas dimensões estruturais e funcionais, tem sido predominantemente acessado por meio da MSPSS, escala que permite sua avaliação somente por meio das fontes de apoio (família, amigos e parceiro/a). A escassez de estudos que relacionam a parentalidade com diferentes tipos de apoio social (informacional, emocional, afeito, entre outros) aponta uma lacuna a ser preenchida.

Destacam-se como vieses dessa revisão integrativa de literatura a limitação aos estudos publicados somente em três idiomas (inglês, português e espanhol) e que investigaram somente o apoio social percebido. Sugere-se que revisões futuras possam ampliar o alcance para abarcar estudos publicados em literatura cinzenta, como livros e monografias, e estudos que abordem também o apoio social recebido, distintamente do apoio social percebido. Ademais, destaca-se a importância do investimento em pesquisas científicas que possam desvelar as mútuas influências entre os aspectos individuais, contextuais e históricos e as diferentes dimensões da parentalidade, bem como sobre seu efeito sobre o desenvolvimento infantil.

 

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Correspondência para:
Beatriz Pires Coltro
R. Eng. Agronômico Andrei Cristian Ferreira, s/n - Trindade
Florianópolis - SC, 88040-900
E-mail: beatrizpcoltro@gmail.com

Submetido em: 21.03.2020
Aceito em: 24.06.2020

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