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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.13 no.2 São Leopoldo May/Aug. 2020

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2020.132.10 

ARTIGOS

 

Qualidade de vida e prevalência de sintomas depressivos em idosas com dor crônica

 

Quality of life and prevalence of depressive symptoms in elderly women with chronic pain

 

 

Caroline de Menezes Soveral; Michele Marinho da Silveira

Faculdade Meridional IMED

Correspondência para

 

 


RESUMO

Este estudo buscou avaliar a qualidade de vida e a prevalência de sintomas depressivos em idosas com dor crônica. Tratou-se de um estudo quantitativo de cunho transversal, descritivo e comparativo em que foram comparadas 65 idosas com dor crônica (grupo dor - GD) e sem dor crônica (grupo sem dor crônica - GSD) de um município da região norte do Rio Grande do Sul, Brasil. Como instrumentos foram utilizados um questionário socioeconômico e de saúde, a escala de Medida de Dor Geriátrica (Geriatric Pain Measure - GPM), a escala de Depressão Geriátrica (GDS-15) e a escala de qualidade de vida WHOQOL-Bref. A prevalência de dor crônica foi de 52,3% e para estas idosas houve prevalência sintomas depressivos em 18,4%, já no grupo sem dor crônica 9,2% tiveram esses sintomas, mas não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos. Entretanto, pode-se concluir que por mais que a prevalência de sintomas depressivos seja baixa, as idosas com dor apresentaram menor satisfação com a qualidade de vida comparadas com as sem dor.

Palavras-chave: qualidade de vida, depressão, envelhecimento, dor crônica.


ABSTRACT

This study sought to assess the quality of life and the prevalence of depressive symptoms in elderly women with chronic pain. It was a quantitative cross-sectional, descriptive and comparative study in which 65 elderly women with chronic pain (pain group - DG) and without chronic pain (group without chronic pain - GSD) from a municipality in the northern region of Rio Grande were compared do Sul, Brazil. As instruments, a socioeconomic and health questionnaire, the Geriatric Pain Measure (GPM) scale, the Geriatric Depression scale (GDS-15) and the WHOQOL-Bref quality of life scale were used. The prevalence of chronic pain was 52.3% and for these elderly women there was a prevalence of depressive symptoms in 18.4%, whereas in the group without chronic pain 9.2% had these symptoms, but there was no statistically significant difference between the groups. However, it can be concluded that even though the prevalence of depressive symptoms is low, elderly women with pain showed less satisfaction with quality of life compared to those without pain.

Keywords: quality of life, depression, aging, chronic pain


 

 

Introdução

O envelhecimento é um processo que acontece durante toda a vida, é contínuo e gradual com mudanças nos aspectos biológicos, psicológicos e sociais que continuam a se intensificar após a idade adulta. Para a Organização Mundial da Saúde - OMS (2015) qualquer indivíduo acima de 60 anos é visto como uma pessoa idosa, em países em desenvolvimento. Dados do IBGE em 2017 apontaram que no Brasil existiam cerca de 30,8 milhões de idosos (IBGE, 2017), já em 2031, serão 43,2 milhões de idosos, ultrapassando o número de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos (42,3 milhões). Os idosos superarão a população entre 40 e 59 anos no ano de 2031, sendo o maior grupo etário (IBGE, 2018).

O ritmo de envelhecimento da população em geral está crescendo mais rápido do que nos anos anteriores, o que proporciona nos idosos a possibilidade de repensar as escolhas e de como a vida pode se desdobrar, poder desfrutar de uma aposentadoria mais longa, desprender-se dos enquadramentos rígidos, estudar mais, ter uma nova carreira, investir em uma paixão há muito tempo desconsiderada buscando uma melhor qualidade de vida. No entanto, a dimensão das oportunidades que surgem com o aumento da longevidade dependerá de um fator fundamental: a saúde. Se esses anos forem predominados por declínios nas competências físicas e mentais, as consequências para as pessoas mais velhas e para a sociedade serão negativas (OMS, 2015).

Outro fator importante e que merece a devida atenção sobre o processo de envelhecimento é a dor, uma vez que grande parte de algumas enfermidades são mais frequentes na pessoa idosa, podendo até desencadear uma dor crônica (Oltramari, 2010). A dor crônica, caracterizada por eventos persistentes com duração mínima de três meses e de natureza biopsicossocial, é uma das mais comuns entre os idosos podendo estar relacionada a disfunções musculoesqueléticas e à lesão tecidual, tornando-se a principal queixa do indivíduo visto que causa limitações e prejuízos em sua saúde, sendo mais relatada nas mulheres. Teoricamente, a população de idosos em geral tem priorizado a preservação de uma vida mais saudável, ativa e autônoma podendo ser por meio de uma atividade física ou acompanhamento de algum profissional (Ferretti, Silva, Pegoraro, Baldo, & De Sá, 2019).

Os sintomas depressivos em idosos, são mais heterogêneos do que na população mais jovem. Por vezes, podem ser confundidos com as alterações ocorridas no processo de envelhecimento. Esses sintomas podem se apresentar como diminuição do prazer em ações que antes passavam a ser interessantes, sentimento de culpa e desnecessidade frequente, escassez de sono ou excesso de sonolência, perda ou ganho considerável de peso, pensamentos recorrentes de morte, temperamento deprimido, geralmente, na grande parte do dia, que sensibilizam a capacidade funcional da pessoa, causando sofrimento extremo para vida do indivíduo (APA, 2014).

Alguns fatores relacionados a sintomas depressivos no idoso podem ser associados à dor crônica, além de uma situação econômica desfavorável, eventos estressores na vida, percepção de baixa qualidade de vida e condições de saúde, limitações funcionais, doenças crônicas e comorbidades. Estudos com a população em geral, ocorridos em diferentes países, observaram prevalências de sintomas depressivos em idosos que variaram entre 6,1% até 38,5% (Hellwig, Munhoz, & Tomasi, 2016).

Entre os transtornos psiquiátricos, o transtorno depressivo maior foi o mais estudado e sua ocorrência foi mais frequente em pacientes com dor crônica. Estudo de prevalência de comorbidades psiquiátricas relacionadas à dor crônica evidenciam primeiramente os transtornos de humor, entre os quais os episódios depressivos atingiam porcentagens entre 30% e 87% dos casos e o transtorno depressivo maior, de 8% a 50%. A relação entre dor crônica e transtornos psiquiátricos tem sido estudada com maior regularidade nos casos de transtorno depressivo e para compreender o diagnóstico, vários modelos foram desenvolvidos na tentativa de assimilar essa relação, todavia se sabe que dor e transtorno depressivo são fenômenos retroativos (Pinheiro, Uchida, Mathias, Perez, & Cordeiro, 2014).

Sintomas depressivos e de dor têm consequências significativas na qualidade de vida do idoso passando a direcionar e limitar as decisões e comportamentos do indivíduo. Pode provocar, ainda, fadiga, anorexia, alterações do sono, constipação, náuseas, dificuldade de concentração, entre outros. A inviabilidade de controlá-la resulta na maioria das vezes em sofrimento físico e psíquico. (Cunha & Mayrink, 2011).

Ter uma boa qualidade de vida auxilia na manutenção da autonomia do idoso. Segundo Cunha e Mayrink (2011) uma das formas de fazer isso é observar como o idoso desempenha as suas tarefas no dia a dia, tornando-o independente dentro de um contexto social, econômico e cultural. A qualidade de vida na velhice não é uma particularidade do indivíduo biológico, psicológico ou social, se caracterizada como uma consequência da vivência em uma sociedade que está em constante mudança.

Portanto, este estudo buscou avaliar a qualidade de vida e verificar a prevalência de sintomas depressivos em idosas com dor crônica. Para isso, traçou-se o perfil socioeconômico e de dor das idosas e comparou-se os grupos de idosas com e sem dor crônica quanto à qualidade de vida e sintomas depressivos.

 

Método

Trata-se de um estudo quantitativo de cunho transversal, descritivo e comparativo em que foram comparadas idosas com dor crônica (grupo GD) e sem dor crônica (grupo GSD).

Participantes

Participaram desta pesquisa 65 mulheres com idade igual ou superior a sessenta anos residentes em um município da região norte do Rio Grande do Sul, Brasil. Como critérios de exclusão as pessoas com escores potenciais que poderiam sugerir demência avaliadas pelo Mini Exame do Estado Mental (MEEM) e as sem capacidade de comunicação oral. Justifica-se a amostra deste estudo ser somente composta por mulheres, pois uma das características marcantes da população idosa no Brasil é um maior número de pessoas do sexo feminino que masculino e conforme Lins e Andrade (2018) esse processo é chamado de feminização do envelhecimento. A representatividade feminina na amostra deste estudo, também é pelo fato de que, as mulheres relatam dor crônica com mais frequência que os homens e a prevalência desse tipo de dor entre mulheres é significativamente relevante (Silveira, Oliveira, Silva, Lopes, & Coelho, 2014, Costa Junior & Maia, 2009).

Este estudo seguiu a técnica de amostragem de snowball devido ao município não dispor de um local específico que atenda o público alvo (idosas com dor crônica) para a realização da pesquisa. A técnica de snowball sampling é uma forma de amostragem não probabilística que utiliza cadeias de referência, um tipo de rede, ou seja, são localizados os participantes iniciais do estudo que tiveram o perfil proposto para a pesquisa, e a partir disso, eles irão indicando outros participantes de interesse para a pesquisa da sua própria rede social, até que seja alcançado ponto de saturação (Vinuto, 2014).

Instrumentos

1. Questionário socioeconômico e de saúde: criado pela pesquisadora com questões abordadas em relação à idade, renda familiar, se apresenta algum problema de saúde, doenças autorreferidas, estado civil, ocupação, escolaridade (anos de estudo), moradia, com quem mora, uso de medicamentos, hábitos de vida, uso do tabaco e álcool.

2. Medida de Dor Geriátrica (Geriatric Pain Measure - GPM): é um instrumento que mede a dor em idosos em diferentes contextos. A escala foi desenvolvida para avaliar a dor e o impacto que esta causa no humor, nas atividades de vida diária e ainda na qualidade de vida do idoso. É de fácil aplicação, pontuação e compreensão e não exige muito tempo para ser respondida (Saiote, Gil, Ferreira, & Pascoalinho, 2012).Composta de 24 itens, tem um escore total obtido pela somatória das pontuações dos seus itens, que pode variar entre o total de 0 (zero dor) a 42 pontos (dor grave), podendo ser ajustado para um escore total com variação de 0 a 100 (escore total ajustado) multiplicando a somatória das pontuações finais por 2,38. Este escore total ajustado permite classificar a dor em leve (de 0-30), moderada (de 30-69) e intensa (maior que 70) (Motta, Gambaro, & Santos, 2015).

3. WHOQOL-Bref (Escala de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde - abreviada): é uma versão abreviada do WHOQOL-100 o qual valoriza a percepção individual, avaliando a qualidade de vida em diferentes contextos, independentemente do nível de escolaridade. Apresenta propriedades psicométricas satisfatórias e exige um tempo reduzido de aplicação. Por meio do mesmo, é possível avaliar a percepção subjetiva de um indivíduo em relação à sua saúde física e psicológica, às relações sociais e ao ambiente em que vive. O instrumento apresenta 26 perguntas das quais 24 compõem quatro domínios (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente). As perguntas de número 1 e 2 são sobre a qualidade de vida geral e de saúde, as respostas seguem uma escala de Likert, ou seja, de 1 a 5, quanto maior a pontuação melhor a qualidade de vida (Fleck et al., 2000).

4. Escala de Depressão Geriátrica (GDS-15): É uma versão reduzida da escala original que foi elaborada por Yesavage et al. (1982-1983), a partir dos itens que mais fortemente se correlacionavam com sintomatologia depressiva. É um instrumento bastante utilizado para a identificação de sintomas depressivos em idosos. Apresenta como ponto de corte a partir de 6 pontos como indicativo de sintomatologia depressiva e sua classificação (Paradela, Lourenço, & Veras, 2005).

5. Mini Exame do Estado Mental (MEEM): avalia cinco áreas da cognição: orientação, registro, atenção e cálculo, recuperação e linguagem. Foi desenvolvido nos Estados Unidos da América e publicado por Folstein, Folstein e McHugh (1975) com o objetivo de analisar o estado mental, principalmente sintomas de demência. O escore total é de 30 pontos (Melo, Medonça, & Gonçalves, 2015). De acordo com a escolaridade, utilizou-se os pontos de corte de Bertolucci, Brucki, Campacci e Juliano (1994) com o objetivo de excluir potenciais participantes com escores que sugeririam demência.

Procedimentos

A pesquisa só teve início após a apreciação e aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade para a coleta de dados com o CAAE: 15527619.1.0000.5319 e o parecer: 3.460.401. Após a sua aprovação, com base no mapa da área urbana do município em que ocorreu a pesquisa, todos os setores que são divididos por bairros, foram numerados do setor um aos vinte e dois, destes foram selecionados cinco setores para realização desta pesquisa, os quais apresentavam o maior número de habitantes (setor 1 ao 5). Dos cinco setores, foi sorteado um para dar início à busca pelos participantes, de forma aleatória pelo www.sorteador.com.br. Assim que sorteado o primeiro setor, uma única pesquisadora iniciou a sua busca nos domicílios aleatoriamente até encontrar uma pessoa idosa que estivesse dentro dos critérios exigidos para participar da pesquisa, esta pesquisadora aplicou os questionários em todas as idosas da pesquisa. A partir disso, esta pessoa idosa indicou novas pessoas para participação no estudo conforme a técnica de amostragem de snowball e assim, os novas idosas recomendados pelos anteriores, indicaram outras consecutivamente.

Foi explicado o estudo e a pessoa idosa que aceitou participar da pesquisa deu o seu consentimento assinando o termo de consentimento livre e esclarecido. Após, foi aplicado o Mini exame do estado mental, foram respondidas as questões socioeconômicas e de saúde e as escalas de dor, sintomas depressivos e qualidade de vida. A aplicação dos questionários e escalas foi realizada no domicílio da própria pessoa idosa sendo tomados todos os cuidados em relação à privacidade do participante. No seu domicílio foi solicitado que a sua avaliação fosse individual, realizando-a em uma peça da casa em que se pode ficar mais à vontade para responder os questionários/escalas, sem a interferência de outras pessoas, demandando um tempo de aplicação de aproximadamente de 45 minutos.

Os dados foram analisados usando o SPSS 23.0 para Windows. O teste para normalidade Kolmogorov-Smirnov foi aplicado para verificar a distribuição dos dados que foi normal. As variáveis foram descritas como frequência absoluta e relativa, média e desvio padrão. As comparações entre os grupos foram realizadas por teste t de Student para amostras independentes e qui-quadrado. Foi considerado como estatisticamente significativos testes com valor de probabilidade < 0,05.

 

Resultados

Na Tabela 1 observam-se as características socioeconômicas das pessoas idosas avaliadas de acordo com os grupos com dor crônica (GD) e sem dor crônica (GSD). A média de idade do GD foi de 68,68±5,66 anos e do GSD 66,13 ±13,04 anos, não havendo diferença estatisticamente significativa (p=0,305).

Na Tabela 2 são observadas as características de saúde das idosas avaliadas de acordo com a presença (GD) ou ausência de dor crônica (GSD). Foram avaliadas como doenças crônicas não transmissíveis neste estudo a hipertensão arterial sistêmica e a diabetes mellitus.

Das idosas com dor crônica, a média de tempo de dor foi de 84,76 ± 87,69 meses com uma quantidade de locais de dor de 5,91 ± 4,61. De acordo com os resultados da escala GPM a pontuação do grupo com dor foi classificada como moderada. A questão 19 da escala GPM questiona "como está sua dor hoje?" em uma pontuação de zero a 10 e a questão 20 avalia a intensidade da dor que pode variar de zero a 10 também.

Lembrando que o critério para apresentar dor crônica é sentir dor por três meses ou mais.

Na Tabela 3 são apresentadas as médias das escalas avaliadas de acordo com os grupos. Houve prevalência de sintomas depressivos em 18,4% para o grupo com dor crônica e de 9,2% para o sem dor. Conforme a escala de sintomas geriátrica (GDS) a classificação para a pontuação dos sintomas é considerada como normal de 0 a 5, depressão leve de 6 a 10 e de 11 a 15 depressão severa segundo Paradela, Lourenço e Veras (2005) observando que as médias não atingiram o ponto de corte para sintomas leves e não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos.

GPM (Geriatric Pain Measure - Medida de dor geriátrica), GDS - 15 (Escala de Depressão Geriátrica), WHOQOL-Bref (Escala abreviada de qualidade de vida de Organização Mundial da Saúde).

A abordagem baseada em sintomas tem sido uma tendência em pesquisas de saúde mental, por afetar a resposta ao tratamento (Helmchen & Linden 2000). Portanto, na Tabela 4 observam-se os valores de cada questão abordada na escala GDS-15 entre os grupos. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as questões da dessa escala conforme grupo com dor e sem dor crônica.

 

Discussão

Conforme o perfil das idosas avaliadas de ambos os grupos, observou-se que os seus dados socioeconômicos foram semelhantes, não havendo diferenças estatisticamente significativas, com a maioria sendo casadas, entre 60 e 69 anos e com prevalência de dor crônica foi de 52,3%,o que corrobora os estudos, os quais, o perfil era semelhante e grande parte (58,2%) referiu dor crônica (Ferretti, Castanha, Padoan, Lutinski & Silva, 2018; Pereira, Vasconcelos, Souza, Pereira, Nakatani, & Bachion, 2014). A média de escolaridade do GD foi de 5,82 ± 3,47 e do GSD de 7,16 ± 4,10 anos de estudo, o que também foi confirmado nas pesquisas de Barbosa et al. (2012) com escolaridade até o ensino fundamental de 58,1% e na de Pereira et al. (2014) coma mesma escolaridade em 48,6% dos idosos.

Neste estudo, referiram praticar atividade física no GD com 18 (27,69%) idosas e no GSD com12 (23,07%), ao contrário do encontrado por Ferretti et al. (2018) em que a maioria 69,9%dos idosos com dor crônica e 38,1% dos idosos sem dor crônica encontram-se sedentários. Vários fatores podem levar o indivíduo à inatividade física incluindo a dor crônica, mas é válido ressaltar a importância do exercício físico na velhice, pois proporciona diminuição da dor através da liberação de endorfinas que aumentam a tolerância à dor e qualifica o idoso a ser mais independente fisicamente e cognitivamente, principalmente no desempenho das tarefas básicas do dia a dia (Lima, Lini, Tomicki, Dellani, Portella, & Doring, 2015).

Observou-se, também, que as idosas estudadas do GD classificaram a sua autopercepção de saúde como boa e regular e das do grupo GSD foi boa, havendo diferença estatisticamente significativa entre os grupos (P= 0,041). No estudo de Bettiol, Dellaroza, Lebrão, Duarte e Santos (2017) 42,9% dos idosos perceberam a sua saúde como ruim/regular e a incidência acumulada de dor foi de 27,9% dos idosos ressaltando que a autopercepção de saúde regular/ruim foi indicada como importante preditor de dor crônica nos idosos nesse estudo. Entretanto, em outro estudo 58,4% dos idosos sem dor crônica avaliaram a sua autopercepção de saúde como muito boa ou boa (Pereira et al, 2014).

Em relação aos outros critérios de saúde, menos da metade apresentavam doenças crônicas não transmissíveis correspondendo a 16,92% do GD e 18,46% GSD. Em contrapartida, Machado, Gomes, Freitas, Brito e Moreira (2017) identificaram que dos 52 idosos avaliados, 39 possuíam doenças crônicas não transmissíveis. Além disso, a grande maioria dos membros deste estudo faziam uso de medicação com 47,69% das idosas do GD e 40% do GSD, ou seja, observou-se que as que sentem dor crônica usam mais medicação que as que não sentem, havendo diferença estatisticamente significativa (p=0,004) o que também é comprovado no estudo de Muniz, Goulart, Lazarinie Marin (2017) dos quais 97,1% dos idosos entrevistados faziam uso de medicação e no estudo de Borges, Silva, Clares, Bessa e Freitas (2013) os quais 83,3% usavam medicação (p=0,003).

Das idosas que apresentavam dor crônica (GD) a média do tempo de dor foi de 84,76 ± 87,69 meses (em torno de sete anos) e em relação aos locais de dor houve uma média de 5,91 ± 4,61 locais, o qual teve divergência com o estudo de Coltri, Gomes e Rosa (2015) em que prevaleceu o tempo de dor entre 3 a 5 anos (48%) para 6 a 10 anos (25%) e no quesito de locais de dor prevaleceu apenas quatro lugares diferentes. No entanto, em uma pesquisa com 872 idosos no estado de Goiás - Brasil o predomínio de dor crônica foi de 52,8% os quais 49,6% referiram senti-la em local único e 15,1% em mais de três locais, discordando do estudo atual (Pereira et al, 2014).

A classificação para a pontuação dos sintomas depressivos é considerada como normal de 0 a 5, depressão leve de 6 a 10 e de 11 a 15 depressão severa segundo Paradela, Lourenço e Veras (2005), conforme o escore total da escala de depressão geriátrica, 18,4% do grupo com dor apresentou sintomas depressivos e 9,2% do grupo sem dor crônica, porém não houve diferença estatisticamente significativa (p=0,232), o que difere de outros estudos, como o de Silva, Ferretti, Pinto e Trombini Filho (2018) que de 385 idosos residentes em um muni¬cípio catarinense demonstrou que os idosos que relataram dor crônica revelaram probabilidade de 3,36 vezes maior de ter sintomas depressivos assim como o estudo de Pinheiro et al. (2014) concluiu que os idosos com sintomas depressivos apresentaram maior intensidade da dor, pior qualidade do sono e menor in¬tensidade de atividade física. Segundo Borges, Benedetti, Xavier e D'Orsi (2013) a dor crônica pode ser compreendida pela existência de um modelo de depressão no idoso, isto é, que a pessoa não demonstrava um quadro depressivo antes e passou a apresentar a sintomatologia depressiva por consequência da dor crônica. Outra observação importante é que não houve diferença estatisticamente significativa entre as questões da escala GDS-15 conforme grupo com dor e sem dor crônica nesta pesquisa.

Com relação à qualidade de vida, no geral, as idosas do grupo GD apresentaram menor satisfação com a qualidade de vida comparada com a sem dor (GSD), o domínio que pontuou menos das idosas com dor foi o meio ambiente (57,81±11,74) e o que pontuou mais foi relações sociais (69,85±13,13) demonstrando que estão mais satisfeitas com o suporte social que recebem, já para as idosas sem dor o domínio que pontuou mais foi o físico (75,34±16,31) significando que não apresentam tanta dor, fadiga, não dependem tanto de medicações e apresentam melhor mobilidade (Gorestein, Wang, & Hungerbuhler, 2016) e o que teve menos pontuação foi o meio ambiente (65,92±9,21). Para ambos os grupos o domínio menos pontuado foi o meio ambiente demonstrando que não estão satisfeitas com sua parte financeira, seu ambiente lar, cuidados com a saúde, lazer e transporte (Gorestein, Wang, & Hungerbuhler, 2016).

O que se pode observar em relação a outras pesquisas foi que a maioria dos idosos com dor crônica sofrem com impacto da mesma no seu humor, suas atividades de vida diárias e principalmente em sua qualidade de vida (Dellaroza, Pimenta, Duarte & Lebrão, 2013). Outro estudo que também apresentou resultados semelhantes foi o de Ferretti, Castanha, Padoan, Lutinski e Silva (2018) com diferenças significativas na qualidade e vida com relação à quantidade de doenças e intensidade da dor, sendo que as mulheres que possuem maior quantidade de dor crônica autorrelatada têm maior intensidade da dor e menor satisfação com a qualidade de vida.

 

Considerações finais

Conclui-se que a prevalência de dor crônica é de 52,3%, a maioria da idosas relata estar casada, possuir baixa renda mensal e nível de escolaridade, percebendo sua saúde como boa e regular. Poucas idosas apresentam sintomas depressivos, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto a esses sintomas e nem com cada questão da escala de depressão geriátrica avaliada entre os grupos. Entretanto, pode-se constatar que as idosas do grupo com dor (GD) apresentam menor satisfação com a qualidade de vida comparadas com as sem dor (GSD). Por fim, sugerem-se novos estudos que avaliem idosos com dor crônica longitudinalmente quanto a sintomatologia depressiva, dor e de qualidade de vida.

 

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Correspondência para:
Michele Marinho da Silveira
R. Gen. Prestes Guimarães, 304 - Vila Rodrigues
Passo Fundo - RS, 99070-220
E-mail: michele.msilveira@gmail.com

Submetido em: 20.04.2020
Aceito em: 21.08.2020

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