SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 issue3Social skills training with university students: productions and challenges author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.13 no.3 São Leopoldo Sept./Dec. 2020

 

ARTIGOS

 

Caracterização de treinamentos de habilidades sociais em grupo para crianças: revisão integrativa da literatura

 

Characterization of group social skills training for children: an integrative literature review

 

 

Isabella Goulart Bittencourt; Marina Menezes

Universidade Federal de Santa Catarina

Correspondência

 

 


RESUMO

As habilidades sociais (HS) são classes de comportamentos que podem contribuir para a prevenção e redução de problemas de comportamento, bem como para a promoção do desenvolvimento socioemocional. O objetivo deste estudo foi caracterizar os treinamentos de HS em grupo de crianças para seis a 12 anos com desenvolvimento típico e atípico, em publicações nacionais e internacionais. Para isso, foi realizada uma revisão integrativa de literatura de publicações de 2009 a 2019, com descritores em português, inglês e espanhol, nas bases de dados SciELO, BVS, PsycInfo, SCOPUS e Web of Science. Foram selecionadas 29 publicações e os resultados indicaram o predomínio de estudos internacionais e com treinamentos para crianças com desenvolvimento típico, realizados por psicólogos, principalmente em contextos escolar e de saúde. Os temas trabalhados nas sessões não variaram em função de diagnósticos clínicos, entretanto a quantidade média de sessões foi maior em intervenções destinadas às crianças com desenvolvimento atípico. Constatou-se a influência do contexto nos programas de intervenção, embora os efeitos dos treinamentos tenham variado conforme o tamanho da amostra, duração, local de ocorrência, método para coletar as informações e medidas usadas para avaliar os resultados. Sugere-se que tais aspectos dos treinamentos sejam analisados considerando-se as variáveis em conjunto.

Palavras-chave: treinamento de habilidades sociais; desenvolvimento infantil; revisão de literatura.


ABSTRACT

Social skills are classes of behavior that can contribute to the prevention and reduction of behavior problems, as well as to the promotion of socio-emotional development. The aim of this study was to characterize group social skills training of children aged 6 to 12 years old with typical and atypical development, in national and international publications. For that, an integrative literature review was carried out with publications from 2009 to 2019, with descriptors in Portuguese, English and Spanish, in the SciELO, BVS, PsycInfo, SCOPUS and Web of Science databases. 29 publications were selected and the results indicated the predominance of international studies and training for children with typical development, carried out by psychologists, mainly in school and health contexts. The themes worked on in the sessions did not vary due to clinical diagnoses, however the average number of sessions was greater in interventions aimed at children with atypical development. The influence of the context on the intervention programs was found, although the effects of the training varied according to the sample size, duration, place of occurrence, method to collect the information and measures used to evaluate the results. It is suggested that such aspects of the training be analyzed considering the variables together.

Keywords: social skills training; childhood development; literature review.


 

 

Introdução

As habilidades sociais (HS) podem ser conceituadas como o agrupamento de diversas classes de comportamentos sociais que integram o repertório de um sujeito e que se manifestam a fim de atender, de forma socialmente competente, às demandas decorrentes das trocas interpessoais (Del Prette & Del Prette, 2017a). Em diferentes culturas e situações, podem acarretar consequências benéficas para o indivíduo e para a relação com as demais pessoas (Caballo, 2018; Del Prette & Del Prette, 2017a; Marturano, Elias, & Leme, 2012). As HS refletem uma interação dinâmica entre o indivíduo e seu ambiente (Beauchamp & Anderson, 2010) e podem ser consideradas como fator de proteção ao longo do desenvolvimento humano, pois contribuem para a prevenção e redução de problemas de comportamento, bem como a promoção do desenvolvimento socioemocional e saúde mental de crianças e adolescentes (Murta, 2005; Menezes & Murta, 2015).

Há sete classes de HS que são, de modo interdependente e complementar, necessárias em termos desenvolvimentais para as crianças: habilidades de autocontrole e expressividade emocional, habilidades empáticas, habilidades de civilidade, habilidades assertivas, habilidades de fazer amizades, habilidades sociais acadêmicas e habilidades de solução de problemas (Del Prette e Del Prette, 2017a). Essas HS contemplam as principais demandas interpessoais da infância e adolescência e também podem ser desenvolvidas por meio de programas de intervenção junto às crianças, com atividades lúdicas e tarefas que podem contribuir para a aprendizagem de comportamentos socialmente competentes e melhorar as condições de relacionamento com pares e com familiares (Freitas & Del Prette, 2013).

Embora crianças com desenvolvimento típico, isto é, crianças cujo desenvolvimento geral, incluindo aspectos de relacionamento, comportamento e aprendizagem escolar, ocorre de acordo com o padrão de referência esperado para sua idade cronológica (Organização PanAmericana de Saúde, 2005), possam aprender HS em ambientes nos quais são estabelecidas relações com adultos e pares, em alguns momentos as interações que ocorrem nesse contexto podem não proporcionar o surgimento de um repertório elaborado de HS (Del Prette e Del Prette, 2017a). Crianças com desenvolvimento atípico, caracterizado pela deficiência física ou intelectual ou por dificuldades ou atrasos comportamentais, relacionais e no acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem (Organização PanAmericana de Saúde, 2005), podem não apresentar certos pré-requisitos para a aprendizagem das HS, como a imitação, atenção conjunta e leitura de emoções (Guivarch et al., 2017). Como medida interventiva que vise ao desenvolvimento das habilidades sociais, os programas de treinamento podem ser indicados.

O treinamento de habilidades sociais (THS) se revela como uma possibilidade de promover ao sujeito o ensino sistemático de habilidades sociais, a fim de aperfeiçoar sua competência interpessoal e individual frente às experiências sociais (Caballo, 2018). O THS pode ser coordenado por um terapeuta ou facilitador, bem como aplicado de forma individual ou em grupo (Del prette & Del Prette, 2017a), nos mais diferentes cenários, com sujeitos clínicos e não clínicos (Murta, 2005), adequando-se às mais diversas e dissemelhantes demandas interpessoais (Caballo, 2018).

A partir dos diferentes perfis e necessidades apresentadas pelas crianças participantes de um THS, esse pode ser estruturado e planejado a fim de facilitar a produção de um maior repertório de habilidades sociais, bem como possibilitar a generalização de comportamentos habilidosos para outros ambientes e/ou tornar mais recorrentes, funcionais e fluentes as habilidades sociais já presentes no repertório da criança (Del Prette & Del Prette, 2017a). Os treinamentos podem ser: a) universais, isto é, com intervenções destinadas a todas as crianças, sem indicadores de problemas de comportamento ou fatores de risco; ou b) seletivos, realizados com pequenos grupos considerados em situação de risco ou que não obteriam benefícios por meio de intervenções universais (Del Prette & Del Prette, 2017b).

A estrutura do THS realizado em grupo (quantidade de sessões necessárias, frequência, duração e etapas das sessões, quantidade, sexo das crianças e temas abordados) precisa ser planejada e executada a partir de fatores como: idade e características das crianças, avaliação prévia das habilidades sociais e dos problemas de comportamento, bem como de indicadores referentes ao desenvolvimento dos participantes (Del Prette & Del Prette, 2017a; 2017b). Em relação à quantidade, duração e frequência de sessões, por meio de uma revisão de literatura de estudos brasileiros (Murta, 2005), identificou-se que o número de sessões dos programas de intervenções em habilidades sociais variava de oito a 40, com duração de 20 a 90 minutos. Para as crianças pequenas (de quatro a sete anos), recomenda-se que as sessões sejam mais curtas (45 minutos) e mais frequentes. Para crianças com mais de oito anos, pode-se planejar sessões de uma hora e meia e se indicam duas sessões semanais, no mínimo.

Quanto ao sexo das crianças, a condição almejada é um equilíbrio na quantidade de meninos e meninas a fim de propiciar situações de convivência com o sexo oposto. Referente à idade das crianças, entende-se que a heterogeneidade na composição dos grupos pode proporcionar trocas de experiências entre os participantes. No entanto, considerando os aspectos desenvolvimentais que influenciam nas estratégias utilizadas na intervenção e a necessidade de coesão do grupo, o intervalo entre a idade mínima e máxima das crianças participantes não deve ser extenso (Del Prette & Del Prette, 2017a).

Embora não haja um número padrão de participantes para THS, a quantidade de crianças deve ser pautada considerando as suas idades. Sugere-se que um grupo composto por pré-escolares tenha de seis a dez crianças. Já um treinamento destinado a crianças em idade escolar pode ter uma quantidade maior de participantes. Outro aspecto a ser considerado para composição da quantidade de crianças por grupo é a presença ou ausência de problemas de comportamento. Caso o grupo seja constituído por crianças que apresentam problemas externalizantes, indica-se entre quatro e oito participantes. Porém, se o grupo for composto por crianças com índice de problemas internalizantes, recomenda-se até 15 componentes (Del Prette & Del Prette, 2017a). Essa indicação é feita por considerar que os problemas externalizantes impactam mais o ambiente e os internalizantes, o indivíduo (Gonçalves & Murta, 2008), carecendo de diferentes formas de manejo e condução da intervenção.

Quando se trata de aspectos relacionados ao desenvolvimento, há pesquisas que indicam que intervenções com grupos mistos foram mais eficazes do que programas destinados a grupos relativamente homogêneos, isto é, com crianças com problemas e necessidades semelhantes (Gonçalves & Murta, 2008; Wilkes-Gillan, Bundy, Cordier, Lincoln, & Chen, 2016). Em alguns casos, pode-se obter resultados positivos ao reunir: crianças com diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) com crianças com desenvolvimento típico à medida que estas contribuem para modelar as habilidades sociais desejadas para aquelas e podem facilitar o jogo cooperativo (Wilkes-Gillan et al., 2016); crianças com dificuldades em habilidades sociais diferentes, pois isso pode possibilitar aquisição de novos comportamentos e oferecer diferentes modelos de desempenho social (Del Prette & Del Prette, 2017a); e crianças com problemas internalizantes e externalizantes à medida que elas possivelmente não irão reforçar o comportamento inadequado umas das outras (Gonçalves & Murta, 2008; Vugt, Dekovic, Prinzie, Stamns, & Asscher, 2013). Por outro lado, considerando que o efeito do THS está vinculado às demandas apresentadas pelas crianças, unir participantes com problemas graves diferenciados pode não gerar o resultado esperado (Vugt et al., 2013).

Considerando que as habilidades sociais são adquiridas principalmente através da aprendizagem, há diferentes estratégias e técnicas que podem ser utilizadas individualmente ou em combinação (Caballo, 2018). Pode-se realizar a disponibilização de instrução (a criança pode ser orientada ou instruída sobre quais comportamentos executar e como executá-los), modelação (com a exposição da criança a modelos que realizam os comportamentos necessários), prática observacional (para avaliar os desempenhos verbais e não-verbais das crianças, bem como a sua capacidade de reagir às demandas do ambiente), ensaio comportamental/representação de papéis (momento em que a criança pode experimentar situações interpessoais e comportamentos habilidosos), feedbacks (uma oportunidade para o facilitador observar e pontuar aspectos que a criança possa desenvolver e reforçar habilidades já adquiridas), exercícios de solução de problemas (para desenvolver estratégias para diferentes e novas situações) e tarefas de casa a fim de avaliar, fortalecer e favorecer a generalização do aprendizado das sessões para outros contextos (Caballo, 2018; Del Prette & Del Prette, 2017a).

Comumente, há uma sequência contínua de técnicas utilizadas para desenvolver uma habilidade específica. Embora não seja necessariamente fixa, há uma ordem lógica das etapas que incluem os seguintes componentes: a) transmitir informações sobre os comportamentos necessários; b) servir como modelo, ilustrando os comportamentos relacionados às habilidades sociais que precisam ser executados; c) criança deve ensaiar as habilidades apropriadas; e d) fornecer informações sobre como a criança desenvolveu o comportamento referente à habilidade social ensinada na sessão (Caballo, 2018).

Diante de tais informações apresentadas em conjunto, o objetivo do presente estudo foi caracterizar os THS em grupo de crianças de seis a 12 anos, com desenvolvimento típico e atípico, através de uma revisão integrativa de literatura nacional e internacional. Uma pesquisa desta natureza mostra-se relevante à medida que são escassos os manuscritos nacionais cujo propósito seja apresentar e discutir as características de THS com crianças até 12 anos. Embora tenha sido publicado recentemente um manuscrito decorrente de pesquisa bibliográfica realizada entre 2005 e 2016 acerca dos métodos utilizados para o desenvolvimento de habilidades sociais na infância, os dados foram selecionados em livros, documentos e artigos publicados apenas em sites e bases de dados nacionais (Gutierres & Monteiro, 2019). Ademais, não foram discutidos os treinamentos destinados a crianças com desenvolvimento atípico. Entende-se, portanto, que o presente estudo poderá contribuir para evidenciar propostas de pesquisas e possíveis lacunas existentes quanto a essa temática, bem como para a elaboração de programas de intervenção direcionados para crianças com diferentes especificidades desenvolvimentais.

 

Método

Realizou-se uma revisão integrativa de literatura cujo propósito foi identificar subsídios científicos a fim de embasar e aprimorar as práticas profissionais e visibilizar possíveis lacunas que possam ser averiguadas por meio de futuros estudos (Souza, Silva, & Carvalho, 2010). Para tanto, foi feita uma busca exploratória em artigos sobre THS em grupos com crianças de até 12 anos de idade, a fim de definir os termos descritores e respectivas bases de dados a serem consultadas. A base de Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) também foi verificada antes da definição dos termos. O principal descritor ("habilidades sociais") foi combinado com palavras que remetessem ao treinamento (treinamento; intervenção; programa) e com "criança/s" e/ou "infância" para definição do público. Em palavras compostas, utilizaram-se aspas. Os termos foram separados pelos operadores booleanos "AND" quando correspondiam a descritores distintos fora de parênteses e por "OR" quando se referiam a termos sinônimos, dentro dos parênteses.

As buscas foram realizadas em junho e julho de 2019 em cinco bases de dados (Scientific Electronic Library Online - SciELO; Biblioteca Virtual em Saúde - BVS que capturou artigos da Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde , do Index Psi Periódicos Técnico-Científicos e da Medline; Web of Science - WoS; SCOPUS; e PSycINFO), utilizando o Virtual Private Network (VPN) da Universidade à qual as autoras pertencem. Conforme procedimento descrito na Figura 1, foram encontrados 325 manuscritos, excluídos os duplicados (n = 18) e lidos os títulos e resumos das demais publicações (n=307) pela primeira autora. Após a remoção dos artigos por meio dos critérios estabelecidos, foram lidos 52 na íntegra pela mesma autora e por duas juízas pesquisadoras da área, resultando na seleção de 29 estudos para compor a presente revisão.

 

 

Foram selecionados estudos conforme os seguintes critérios de inclusão: artigos empíricos, com método quantitativo e/ou qualitativo, publicados com texto completo em plataformas nacionais e internacionais entre 2009 e 2019 e que apresentassem treinamentos em grupo para desenvolver habilidades sociais ou competência social em crianças com desenvolvimento típico ou atípico com idade entre seis e 12 anos. Desta forma, foram excluídos estudos cujos autores realizaram intervenções de forma individual ou por meio de computadores; estudos que não tinham como foco o desenvolvimento de habilidades sociais; que não apresentavam a idade dos participantes; que visavam a correlacionar variáveis sem realizar THS; e publicações que tinham como objetivo a elaboração de recurso para avaliação e promoção de automonitoria - conceito base para o desempenho de habilidades sociais e para a competência social (Dias, Del Prette, & Del Prette, 2018). A análise da amostra final de artigos (n=29) foi elaborada a partir das seguintes categorias: informações gerais (autores e locais de origem, periódico em que o manuscrito foi publicado e ano de publicação) e caracterização dos THS quanto à sua estrutura (quantidade de sessões, duração, frequência e etapas), quanto às crianças participantes, aos temas trabalhados, ao contexto onde ocorreu e quem coordenou.

 

Resultados

Informações gerais sobre os artigos

Foram analisados, no total, 29 artigos, dos quais 18 foram produzidos no contexto internacional e 11 no Brasil. Os resultados indicaram que a maior parte da publicação científica acerca do tema se concentrou no ano de 2016 (n=7). Em 2014 e 2015, identificaram-se quatro publicações por ano; em 2017 e 2019, três em cada; seguido por 2009 e 2013, em que foram selecionadas 2 por ano. Em 2011, 2012 e 2018, foi encontrada apenas uma pesquisa por ano: uma brasileira, uma mexicana e uma iraniana, respectivamente. Não foram identificadas publicações em 2010.

Dos estudos desenvolvidos em contexto brasileiro (n=11, sendo dez escritos em língua portuguesa e um em inglês), oito foram produzidos por pesquisadores de instituições do Estado de São Paulo (Batista & Marturano, 2015; Elias & Amaral, 2016; Elias & Marturano, 2014; Elias & Marturano, 2016; Falcão, Bolsoni-Silva, Magri, & Moretto, 2016; Ferreira & Munster, 2017; Montiel & Bartholomeu, 2016), dois de Goiás (Silva & Murta, 2009; Naves, Rotundo, Carvalho, & Baia, 2011), e um incluiu autores de diferentes regiões do Brasil (sudeste e sul) e de Portugal (Silva et al., 2016). Não foram encontradas produções de pesquisadores das regiões norte e nordeste, e uma participação reduzida da região sul. Quanto às produções internacionais, destaca-se que o maior número de produções está vinculado ao Canadá (n=4), seguido da Holanda (n=3) e Austrália (n=2). As demais publicações (n=9) foram realizadas nos seguintes países: México, Reino Unido, Noruega, França, Suécia, Estados Unidos, Alemanha, Irã e Vietnã, com apenas um estudo de cada país respectivamente.

Referente aos periódicos em que as pesquisas brasileiras foram publicadas, destacam-se as revistas "Psicologia: Reflexão e Crítica" (n=2) e "Psico-USF" (n=2). Os manuscritos produzidos por pesquisadores internacionais foram publicados majoritariamente no Journal of Autism and Developmental Disorders (n=3), European Child & Adolescent Psychiatry (n=2) e no Plos One (n=2). Não houve repetição de publicação brasileira ou internacional nos demais periódicos.

Características dos treinamentos de habilidades sociais em grupo com crianças

Conforme apresentado nas Tabelas 1 e 2, quanto aos locais em que os treinamentos de HS em grupo foram desenvolvidos, destacam-se a escola e instituições de saúde, como hospitais, clínicas-escola e centros de saúde mental. Referente às especificidades desenvolvimentais, foram encontradas 14 pesquisas que se propuseram a desenvolver e analisar THS voltados às crianças com desenvolvimento atípico. Destacam-se os estudos com crianças com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) (n=10), todos realizados em contextos internacionais. Além disso, encontraram-se investigações com crianças com diagnóstico de tumor no Sistema Nervoso Central (n=2), com TDAH (n=1) e com deficiência intelectual (n=1). Quanto às crianças com desenvolvimento típico, algumas amostras foram caracterizadas por crianças com baixo rendimento acadêmico (n=1), com queixa de aprendizagem ou escolar (n=2), com risco de Transtorno de Conduta (n=1), com problemas internalizantes e externalizantes (n=1) ou que foram vítimas ou espectadores de bullying (n=1).

Outro aspecto importante a ser mencionado diz respeito ao profissional que conduziu os THS em grupo com as crianças. Dos estudos brasileiros (n=11), seis intervenções foram facilitadas por profissionais da Psicologia (Batista & Marturano, 2015; Elias & Marturano, 2014; Falcão et al., 2016; Lopes, Del Prette, & Del Prette, 2013; Naves et al., 2011; Silva et al., 2016), duas foram aplicadas por professoras em sala de aula (Elias & Amaral, 2016; Elias & Marturano, 2016), uma por uma professora de Educação Física (Ferreira & Munster, 2017) e em dois estudos tal informação não ficou explícita (Montiel & Bartholomeu, 2016; Silva & Murta, 2009).

Referente às publicações internacionais, sete programas foram conduzidos por psicólogos(as) (Barrera & Schulte, 2009; Deckers, Muris, Roelofs, & Arntz, 2016; Dekker, Nauta, Mulder, Timmerman, & Bildt, 2014; Dekker et al., 2019; Fragoso, Rueda, & Benítez, 2012; Freitag, Cholemkery, & Elsuni, 2013; Jonsson et al., 2019), um por dois psicólogos e um psiquiatra (Guivarch et al., 2017), três foram facilitados por professores(as) (Dang, Weiss, Nguyen, Tran, & Pollack, 2017; Koposov, Gundersen, & Svartdal, 2014; Panayiotou, Humphrey, & Wigelsworth, 2019), um foi conduzido por uma terapeuta ocupacional (Wilkes-Gillan et al., 2016), um foi coordenado por indivíduos com treinamento e experiência em apoio ao autismo (Waugh & Peskin, 2015), um foi realizado por educadores físicos supervisionados por um psicólogo (Najafabadi et al., 2018) e três não explicitaram qual profissional conduziu o THS (Radley et al., 2015; Schulte, Bartels, & Barrera, 2014; Weiss et al., 2013). No estudo de Havighurst et al. (2015), devido ao tamanho da amostra, foram conduzidos mais de um treinamento por psicólogos clínicos ou educacionais, assistentes sociais, fonoaudiólogos ou terapeutas ocupacionais.

Dos 29 estudos selecionados para esta revisão, 14 não apontam quem foi o responsável pela coleta de dados. Tal dado seria relevante à medida que poderia influenciar a percepção dos participantes da intervenção sobre os resultados do treinamento. Em seis pesquisas, das quais cinco são brasileiras, o coordenador do THS foi o pesquisador responsável pelo processo de avaliação da intervenção (Batista & Marturano, 2015; Elias & Marturano, 2014; Guivarch et al., 2017; Lopes et al. 2013; Naves et al., 2011; Silva & Murta, 2009). Em três publicações, as observações dos THS foram realizadas por pesquisadores independentes (Dekker et al., 2014; Radley et al., 2015; Wilkes-Gillan et al., 2016), embora no estudo de Dekker et al. (2014) também tenham sido coletadas informações com pais, professores e crianças, sem identificar quem realizou esse levantamento. Apenas em cinco investigações ficou explícito que os treinadores não estavam envolvidos no preenchimento dos questionários (Dang et al., 2017; Elias & Amaral, 2016; Elias & Marturano, 2016; Koposov et al., 2014; Waugh & Peskin, 2015). No estudo de Dekker et al. (2019), a coleta foi realizada por psicólogos treinados, porém os autores não especificaram se foram os mesmos que conduziram a intervenção.

 

Discussão

Um dos aspectos centrais para a compreensão, avaliação e desenvolvimento de habilidades sociais refere-se ao contexto, às expectativas e aos valores sociais. Assim, um mesmo comportamento poderá ser socialmente adequado em um contexto, mas não em outro (Del Prette & Del Prette, 2017a; Montiel & Bartholomeu, 2016). Na presente revisão, foram encontrados estudos de diversos países, cujas culturas e modos de vida diferem. Esse aspecto reitera a necessidade de tais programas incluírem essas informações no planejamento e execução da intervenção, identificando quais habilidades são necessárias nas relações interpessoais desenvolvidas em cada contexto e especificidades desenvolvimentais das crianças (Deckers, et al., 2016; Koposov et al., 2014). Indica-se, nesse sentido, que a adaptação de treinamentos deva abarcar o atendimento das necessidades locais sem, entretanto, comprometer a eficácia do programa (Koposov et al., 2014). Por outro lado, treinamentos cujo enfoque seja em habilidades sociais não tão valorizadas em determinadas culturas podem propiciar mudanças nas formas de as pessoas se relacionarem. É preciso atentar-se, todavia, às diferenças culturais, como individualismo versus coletivismo, que podem potencialmente influenciar a percepção social de adequação e eficácia dos programas de intervenção em habilidade sociais (Dang et al., 2017).

Em uma das pesquisas identificadas por meio desta revisão foi relatada a adaptação de um treinamento desenvolvido nos Estados Unidos (RECAP) para o contexto do Vietnã (RECAP-VN; Dang et al., 2017), que, assim como outros países da Ásia e África, é considerado uma sociedade coletivista, cuja estrutura social baseia-se na união e os sujeitos são altamente e intimamente conectados com os membros dos grupos aos quais pertencem. Diante disso, comportamentos relacionados à cooperação tendem a ser mais valorizados em detrimento de comportamentos assertivos, que podem ser vistos como ameaçadores à harmonia social. Por meio dos resultados encontrados no estudo dos autores citados, programas como o RECAP-VN são particularmente úteis para ajudar estudantes a desenvolverem habilidades sociais que não são enfatizadas no Vietnã e possivelmente em outras culturas coletivistas.

Mesmo em diferentes culturas, a assertividade é considerada uma classe de habilidades sociais de enfrentamento que pode envolver risco de reação indesejável do interlocutor (Del Prette & Del Prette, 2017a; Falcão et al., 2016), principalmente em uma sociedade em que crianças não são estimuladas a expressarem o que pensam e sentem. A assertividade, comumente, não é valorizada nos diferentes sistemas em que a criança se insere (família e escola) e, muitas vezes, é erroneamente associada à rebeldia, agressividade e perda de autoridade (Del Prette & Del Prette, 2017a; Falcão et al., 2016). Além disso, é uma habilidade que abrange outras, como autocontrole e expressividade emocional, comunicação, empatia e civilidade e é pouco enfatizada na literatura científica da área (Falcão et al., 2016). Pelos motivos mencionados, representa uma habilidade social difícil de ser desenvolvida em diferentes contextos. Nesse sentido, mostra-se relevante a realização de novos estudos a fim de identificar níveis de dificuldade para a aprendizagem e prática de habilidades sociais em diferentes etapas de vida e em contextos diversos (Montiel & Bartholomeu, 2016).

Destaca-se que diversos autores de THS desenvolvidos nas pesquisas encontradas tinham a intenção de que os efeitos da intervenção fossem generalizados para outros contextos em que a criança participa (Batista & Marturano, 2015; Deckers, et al., 2016; Dekker et al., 2019; Elias & Marturano, 2016; Falcão et al., 2016; Radley et al., 2015; Schulte, Bartels, & Barrera, 2014). Tal aspecto sugere a realização de intervenções em mais de um contexto em que a criança está inserida (como a escola e lar, ou incluindo pais e mães) ou a inclusão de atividades durante o treinamento que incentivem a execução das habilidades sociais aprendidas em outros ambientes e situações. Destaca-se um estudo desenvolvido com crianças com TEA, em que os pesquisadores identificaram que a maioria dos participantes praticou em outras relações as habilidades sociais do programa e tal resultado foi atribuído ao fato de terem utilizado diversas técnicas de generalização no treinamento (Radley et al., 2015).

Referente à generalização das HS aprendidas na intervenção a outras vivências da criança, autores que não incluíram pessoas oriundas de diferentes contextos (como professores, colegas e familiares) como informantes das HS das crianças participantes apontam tal aspecto como uma limitação da pesquisa (Batista & Marturano, 2015; Barrera & Schulte, 2009; Elias & Amaral, 2016). Entretanto, na pesquisa de Jonsson et al. (2019), os autores destacaram o relato de professores acerca do conhecimento insuficiente para avaliar as habilidades de cada estudante, dificultando identificar se os efeitos da intervenção foram generalizados. Outros autores que realizam um estudo com crianças com desenvolvimento típico e com TDAH indicam que investigações de longo prazo são necessárias a fim de determinar se os ganhos obtidos com o programa de intervenção são mantidos nos contextos domiciliar e clínico e se as crianças continuam a usar as estratégias após a intervenção, em múltiplas interações (Wilkes-Gillan et al., 2016).

Em relação à estrutura dos programas, pode-se perceber que as etapas das sessões não foram descritas em vários estudos. Naqueles que as especificaram, pode-se notar similaridades em intervenções para crianças com desenvolvimento típico e atípico: no início da sessão, eram feitos comentários sobre a tarefa de casa ou sobre o tema desenvolvido no encontro anterior, bem como a apresentação da habilidade a ser trabalhada naquele momento com aspectos relacionados à modelagem, o que corrobora as indicações de autores da área (Caballo, 2018; Del Prette & Del Prette, 2017a; Gutierres & Monteiro, 2019).

Outro aspecto a ser discutido sobre a estrutura da intervenção refere-se à duração do treinamento e sua relação com as características das crianças participantes. A quantidade de sessões realizadas variou de três a 30 para crianças com desenvolvimento típico, e de oito a 36 para aquelas com desenvolvimento atípico. A diferença encontrada no número de sessões de cada intervenção também foi identificada na revisão de Murta (2005). Entre os 15 estudos realizados com crianças com desenvolvimento típico, com exceção de dois (Falcão et al., 2016; Silva et al., 2016), foram identificadas intervenções de caráter preventivo. Nesses casos, há a indicação de pelo menos 30 horas de intervenção (Del Prette & Del Prette, 2017a). Contudo, apenas quatro estudos corresponderam à carga horária indicada (Batista & Marturano, 2015; Elias & Marturano, 2014; Koposov et al., 2014; Panayiotou et al., 2019). Ademais, observou-se que não há consenso na literatura, pois por um lado, indica-se que as intervenções promovam os resultados esperados no menor tempo possível, isto é, que cumpram os objetivos propostos a curto prazo e com baixo custo (Falcão et al. 2016); por outro, há estudos que endossam o benefício potencial do treinamento prolongado de habilidades sociais (Jonsson et al., 2019). Tal discussão deve sempre estar atrelada a aspectos relacionados às necessidades e características das crianças participantes.

Acerca das habilidades sociais trabalhadas nos programas de intervenção, apenas dois estudos encontrados tinham como enfoque somente um tema ou uma habilidade (Dekker et al., 2019; Elias & Marturano, 2016). Um deles foi realizado no contexto internacional, com crianças com TEA e os autores não explicitaram os motivos para a escolha do tema trabalhado na intervenção (Dekker et al., 2019). No outro estudo, em contexto brasileiro, as autoras justificaram a escolha de focar principalmente em uma classe específica de HS (solução de problemas interpessoais), pois para que ocorresse a aprendizagem dessa habilidade, seria necessário o exercício de outras, como o autocontrole e a empatia por meio do reconhecimento de pistas sociais e das emoções em si e nos outros, além da autorregulação emocional (Elias & Marturano, 2016).

A literatura aponta que as habilidades de empatia, civilidade, assertividade e fazer amizades foram objetos da maioria dos THS de caráter preventivo para crianças, corroborando os achados desta revisão, no que se refere aos temas trabalhados com maior frequência nos treinamentos destinados a crianças com desenvolvimento típico, de acordo com a Tabela 1. Por outro lado, as habilidades relacionadas à expressividade emocional, ao autocontrole e à solução de problemas interpessoais geralmente integraram programas independentes (Del Prette & Del Prette, 2017a), corroborando o estudo de Elias e Marturano (2016). Além disso, entende-se que as classes de habilidades sociais têm sobreposições em seus componentes e relações complementares entre si. Alguns comportamentos em alguma demanda ou situação específica exigem determinada habilidade social, entretanto, considerando um desempenho social mais completo, o desenvolvimento e aplicação de uma habilidade depende de componentes das demais HS. Por exemplo, para a prática de empatia é necessário autocontrole, expressividade emocional e civilidade, ao mesmo tempo que a habilidade empática compõe habilidades de fazer amizades (Del Prette & Del Prette, 2017a; Elias & Marturano, 2016).

Nesta revisão, optou-se por incluir estudos com crianças com desenvolvimento típico e atípico e se observou que, mesmo em pesquisas com crianças com desenvolvimento típico, foram incluídas participantes com condições que são foco de atenção clínica, como problemas de comportamento externalizantes e internalizantes (Falcão et al., 2016) e crianças sem especificidades clínicas. Apesar de as habilidades sociais enfatizadas nos programas não variarem significativamente em função de características relacionadas ao desenvolvimento ou a diagnósticos clínicos, dentre os temas trabalhados nas sessões de treinamentos com crianças com desenvolvimento atípico, destacam-se as habilidades de fazer amizades e o gerenciamento de bullying como os assuntos mais abordados pelos autores. Tal escolha justifica-se à medida que crianças pré-escolares e escolares com TEA ou deficiência intelectual sofrem maior rejeição e bullying por pares, de acordo com a revisão da literatura realizada por Emerich, Alckmin-Carvalho e Melo (2017). Contudo, os autores supracitados ressaltam que este aspecto pode ser prevenido por meio do desenvolvimento de habilidades sociais, tanto das crianças perpetradoras de bullying quanto das que o sofrem.

Quanto aos locais onde foram realizadas as intervenções descritas nos estudos encontrados, identificou-se que programas de habilidades sociais de caráter universal, considerados fator de proteção ao desenvolvimento infantil, elaborados no contexto escolar constituíram-se uma alternativa eficaz e de possível aplicação com uma amostra grande (Elias & Amaral, 2016). Além disso, a partir dos resultados encontrados no estudo de Silva et al. (2016), realizado com vítimas e espectadores de bullying, elaborou-se a hipótese de que se a intervenção tivesse sido realizada no contexto de uma sala de aula, ofereceria mais oportunidades para trabalhar em situações cotidianas reais e praticar as habilidades aprendidas.

Entretanto, pode-se identificar que THS destinados a crianças com desenvolvimento atípico ocorreram predominantemente em contextos de saúde, como hospitais, clínicas e centros de saúde mental. Embora o THS tenha se tornado um componente importante do tratamento para crianças com TEA, na prática clínica e nas escolas (Dekker et al., 2014; Radley et al., 2015), nenhum dos estudos que compuseram a amostra dessa revisão mencionaram a escola como local de intervenção para crianças com TEA. Questiona-se a ausência de estudos com THS, realizados no âmbito escolar, que abarquem crianças com diferentes especificidades desenvolvimentais, considerando que as habilidades sociais podem contribuir para a prevenção de violência entre pares e podem favorecer a inclusão de crianças com desenvolvimento atípico (Emerich et al., 2017).

Entende-se que não é possível comparar intervenções considerando somente a sua duração e frequência. É necessário abranger aspectos relacionados às estratégias e atividades propostas, bem como a faixa etária dos participantes, nível de severidade dos problemas de comportamento, aspectos desenvolvimentais e contexto em que foi desenvolvido (Batista & Marturano, 2015). Assim, a avaliação dos resultados e efeitos dos THS precisa contemplar todos os aspectos de forma conjunta. Além disso, como as avaliações de programas de habilidades sociais variam em relação ao tamanho da amostra, duração de cada sessão e da intervenção, o local onde ocorre, as medidas usadas para avaliar e o método como as informações são coletadas, as comparações de eficácia entre os programas são difíceis (Weiss et al., 2013).

Ressalta-se a relevância de o aplicador de instrumentos ou condutor da coleta de dados de avaliação (pré e pós-teste e avaliação de seguimento) não ser o mesmo que facilita a intervenção. Isso poderá acarretar respostas que os participantes considerem socialmente aceitas ou que acreditem que o pesquisador e o coordenador da intervenção gostariam de obter. Além disso, pode ser considerada como uma limitação do estudo que a intervenção e o registro dos dados sejam conduzidos pela mesma pessoa. Em pesquisas que envolvem observação, também é útil que esta seja realizada por mais de um observador a fim de verificar a concordância entre eles (Silva & Murta, 2009). Nesse caso, indica-se que o avaliador das habilidades sociais aproxime-se gradualmente do contexto em que será desenvolvido o treinamento e das crianças participantes. Além disso, em intervenções realizadas em contexto escolar facilitadas por professores, pode-se gerar um viés de resultado positivo em relação ao treinamento quando os mesmos professores são respondentes de instrumentos que fornecem dados sobre as habilidades sociais das crianças antes e após a intervenção (Batista & Marturano, 2015; Elias & Marturano, 2016).

Outro viés apontado pelos autores dos estudos encontrados nesta revisão refere-se à expectativa (Dekker et al., 2019; Havighurst et al., 2015). O viés de expectativa diz respeito aos respondentes e avaliadores das habilidades sociais das crianças estarem cientes do processo de intervenção, o que pode produzir na criança uma mudança de comportamento a partir do que pais e professores, por exemplo, esperam da intervenção. Nas pesquisas de Dekker et al. (2019) e Havighurst et al. (2015) isso foi identificado pelos autores como uma limitação. Entretanto, no estudo de Jonsson (2019), pais e professores foram os respondentes de instrumentos referentes às habilidades sociais, porém os pais estavam cientes das condições de tratamento, enquanto os professores não.

 

Considerações finais

Esta revisão de literatura objetivou caracterizar os treinamentos de habilidades sociais em grupo de crianças de seis a 12 anos com desenvolvimento típico e atípico. Para isso, buscaram-se publicações nacionais e internacionais, destacando os principais países e contextos em que as intervenções foram realizadas, bem como as características das crianças participantes e dos programas analisados. Observou-se predominância de estudos com crianças com desenvolvimento típico no âmbito brasileiro, sinalizando a necessidade de desenvolver ou adaptar intervenções e pesquisas relacionadas às habilidades sociais de crianças com desenvolvimento atípico. Por outro lado, constatou-se o número crescente de investigações internacionais com crianças com TEA, aspecto que pode fundamentar o desenvolvimento de THS destinados a essas crianças no contexto brasileiro, respeitando a cultura e as condições sócio-históricas de cada lugar do Brasil. Quanto a isso, não foram encontrados estudos associados a pesquisadores da região norte e nordeste e poucos oriundos da região sul do país, o que indica uma lacuna quanto às especificidades e necessidades regionais das crianças.

Apesar das diferenças culturais e das características das crianças, observou-se similaridade dos temas trabalhados nas intervenções, indicando que as habilidades sociais infantis esperadas e valorizadas em diferentes locais são semelhantes ou que o processo de avaliação das demandas precisa ser aprofundado a fim de identificar o objetivo e as habilidades centrais de cada treinamento. Identificou-se, no entanto, discrepância na quantidade e na duração de sessões realizadas para desenvolver tais habilidades. Tal aspecto corrobora a dificuldade de avaliar a eficácia dos programas de intervenção, pois as avaliações dos treinamentos precisam considerar, além dos aspectos mencionados, a quantidade de crianças participantes, o local, as técnicas e instrumentos utilizados, e a forma como as informações são coletadas. Quanto à última questão mencionada, notou-se viés de alguns estudos encontrados, em que o pesquisador envolvido na coleta de dados foi o mesmo que conduziu a intervenção. No entanto, estudos como os que compõem esta revisão podem contribuir para a elaboração de programas de intervenção coerentes com as demandas das crianças com diversas características e contextos.

Consideramos que não apresentar o embasamento teórico utilizado nas intervenções analisadas configura-se uma limitação do presente estudo, produzindo possíveis lacunas para compreensão dos resultados apresentados. Diante disso, sugere-se que outros estudos possam apontar tal aspecto. Indica-se também que revisões futuras ampliem o alcance a fim de abranger pesquisas publicadas em literatura cinzenta, como livros, teses e dissertações, e abarquem também crianças em idade pré-escolar. Por fim, endossa-se o investimento em pesquisas científicas que possam desenvolver THS de forma a conhecer as necessidades das crianças participantes, por meio de um processo de investigação que envolva também a compreensão do contexto em que elas estão.

 

Referências

Barrera, M., & Schulte, F. (2009). A group social skills intervention program for survivors of childhood brain tumors. Journal of Pediatric Psychology, 34(10),1108-1118. https://doi.org/10.1093/jpepsy/jsp018        [ Links ]

Batista, S. V., & Marturano, E. M. (2015). Intervenção para promover habilidades sociais e reduzir problemas de comportamento de crianças em um núcleo social. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 10(2),313-326. Recuperado em julho 15, 2019, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-89082015000200009        [ Links ]

Beauchamp, M. H., & Anderson, V. (2010). Social: An integrative framework for the development of social skills. Psychological Bulletin, 136(1),39-64. https://doi.org/10.1037/a0017768.         [ Links ]

Caballo, V. E. (2018). Manual de avaliação e treinamento das habilidades sociais. São Paulo: Santos Livraria Editora.         [ Links ]

Dang, H. M., Weiss, B., Nguyen, C. M., Tran, N., & Pollack, A. (2017). Vietnam as a case example of school-based mental health services in low and middle income countries: efficacy and effects of risk status. School Psychology International, 38(1),22- 41. https://doi.org/10.1177/0143034316685595        [ Links ]

Deckers, A., Muris, P., Roelofs, J., & Arntz, A. (2016) A group-administered social skills training for 8- to 12-year-old, high-functioning children with autism spectrum disorders: an evaluation of its effectiveness in a naturalistic outpatient treatment setting. Journal of Autism and Developmental Disorders, 46(11),3493-3504. https://doi.org/10.1007/s10803-016-2887-1        [ Links ]

Dekker, V., Nauta, M. H., Mulder, E. J., Timmerman, M. E., & Bildt, A. (2014). A randomized controlled study of a social skills training for preadolescent children with autism spectrum disorders: generalization of skills by training parents and teachers? BMC Psychiatry, 14(189),1-13. https://doi.org/10.1186/1471-244X-14-189        [ Links ]

Dekker, V., Nauta, M. H., Timmerman, M. E., Mulder, E. J., Veen-Mulders, L. van der., Hoofdakker, B. J. van den., ... Bildt, A. de. (2019). Social skills group training in children with autism spectrum disorder: a randomized controlled trial. European Child & Adolescent Psychiatry, 28(3),415-424. https://doi.org/10.1007/s00787-018-1205-1        [ Links ]

Del Prette, A. D., & Del Prette, Z. A. P. (2017a). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis: Editora Vozes.         [ Links ]

Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2017b). Competência social e habilidades sociais: Manual teórico-prático. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.

Dias, T. P., Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2018). Construção de um recurso para avaliar e promover automonitoria visando à competência social na infância. Psico, 49(3),222-230. https://doi.org/10.15448/1980-8623.2018.3.26355        [ Links ]

Elias, L. C. dos S., & Amaral, M. V. (2016). Habilidades sociais, comportamentos e desempenho acadêmico em escolares antes e após intervenção. Psico-USF, 21(1),49-61. https://dx.doi.org/10.1590/1413-82712016210105        [ Links ]

Elias, L. C. dos S., & Marturano, E. M. (2014). "Eu posso resolver problemas" e oficinas de linguagem: intervenções para queixa escolar. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 30(1),35-44. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722014000100005        [ Links ]

Elias, L. C. dos S., & Marturano, E. M. (2016). Promovendo habilidades de solução de problemas interpessoais em crianças. Interação em Psicologia, 20(1),91-100. http://dx.doi.org/10.5380/psi.v20i1.35544        [ Links ]

Emerich, D., Alckmin-Carvalho, F., & Melo, M. (2017). Rejeição e vitimização por pares em crianças com Deficiência Intelectual e Transtorno do Espectro Autista. Revista Educação Especial, 30(58),389-404. https://doi.org/10.5902/1984686X22217        [ Links ]

Falcão, A. P., Bolsoni-Silva, A., Magri, N., & Moretto, L. (2016). PROMOVE-Crianças: efeitos de um treino em habilidades sociais para crianças com problemas de comportamento. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 16(2),590-612. Recuperado em julho 15, 2019, http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v16n2/n16a16.pdf        [ Links ]

Ferreira, E. F., & Munster, M. A. van. (2017). Avaliação das habilidades sociais de crianças com deficiência intelectual sob a perspectiva dos professores. Revista Brasileira de Educação Especial, 23(1),97-110. https://dx.doi.org/10.1590/s1413-65382317000100008        [ Links ]

Fragoso, G. C., Rueda, A. A., & Benítez, Y. G. (2012). Programa de intervención para el desarrollo de habilidades sociales en niños institucionalizados. Acta Colombiana de Psicología, 15(2),43-52. Recuperado em julho 15, 2019, https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=79825836008        [ Links ]

Freitag, C. M., Cholemkery, H., & Elsuni, L. (2013). The group-based social skills training SOSTA-FRA in children and adolescents with high functioning autism spectrum disorder-study protocol of the randomised, multi-centre controlled SOSTA-net trial. Trials, 14(6),1-12. https://doi.org/10.1186/1745-6215-14-6        [ Links ]

Freitas, L. C., & Del Prette, Z. A. P. (2013). Habilidades sociais de crianças com diferentes necessidades educacionais especiais: avaliação e implicações para intervenção. Avances en Psicología Latinoamericana, 31(2),344-362.         [ Links ]

Gonçalves, E., & Murta, S. G. (2008). Avaliação dos efeitos de uma modalidade de treinamento de habilidades sociais para crianças. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(3),430-436. https://doi.org/10.1590/S0102-79722008000300011        [ Links ]

Guivarch, J., Murdymootoo, V., Elissalde, S. N., Salle-Collemiche, X., Tardieu, S., Jouve, E., & Poinso, F. (2017). Impact of an implicit social skills training group in children with autism spectrum disorder without intellectual disability: a before-and-after study. PLoS ONE, 12(7),1-18. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0181159        [ Links ]

Gutierres, M. F., & Monteiro, C. F. B. (2019). Habilidades sociais na infância. Revista Uningá, 56(1),118-129. Recuperado em agosto 15, 2020, de http://revista.uninga.br/index.php/uninga/article/view/177        [ Links ]

Havighurst, S. S., Duncombe, M., Frankling E., Holland, K., Kehoe, C., & Stargatt, R. (2015). An emotion-focused early intervention for children with emerging conduct problems. Journal of Abnormal Child Psychology, 43(4),749-760. https://doi.org/10.1007/s10802-014-9944-z        [ Links ]

Jonsson, U., Olsson, N. C., Coco, C., Gorling, A., Flygare, O., Rade, A., ... Bolte, S. (2019). Long-term social skills group training for children and adolescents with autism spectrum disorder: a randomized controlled trial. European Child & Adolescent Psychiatry, 28(2),189-201. https://doi.org/10.1007/s00787-018-1161-9        [ Links ]

Koposov, R., Gundersen, K. K., & Svartdal, F. (2014). Efficacy of aggression replacement training among children from north-west Russia. The International Jornal of Emotional Education, 6(1),14-24. Recuperado em julho 15, 2019, https://eric.ed.gov/?id=EJ1085611        [ Links ]

Lopes, D. C., Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2013). Recursos multimídia no ensino de habilidades sociais a crianças de baixo rendimento acadêmico. Psicologia: Reflexão e Crítica, 26(3),451-458. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722013000300004        [ Links ]

Marturano, E. M., Elias, L. C. Dos S., & Leme, V. B. R. (2012). A família e o desenvolvimento do escolar. In: L. E. Melchiori, O. M. P. R. Rodrigues, & A. C. B. Maia (Orgs.), Família e crianças: reflexões teórico-práticas sobre os cuidados com as crianças (pp. 137-153). Curitiba: Juruá         [ Links ].

Menezes, J. C. L., & Murta, S. G. (2015). Intervenções para o desenvolvimento positivo com crianças brasileiras: uma revisão integrativa (pp. 271-294). In Del Prette, Z. A. P., Soares, A. B., Pereira-Guizzo C. S., Wagner, M. F., & Leme, V. B. R. (Orgs). Habilidades sociais: diálogos e intercâmbios sobre prática e pesquisa. Novo Hamburgo: Sinopsys.         [ Links ]

Montiel, J. M., & Bartholomeu, D. (2016). Contribuições do modelo de Rasch para procedimentos de intervenção em habilidades sociais. Psico-USF, 21(1),37-47. https://dx.doi.org/10.1590/1413-82712016210104        [ Links ]

Murta, G. S. (2005). Aplicações do treinamento em habilidades sociais: análise da produção nacional. Psicologia: Reflexão e Crítica, 18(2),283-291. https://doi.org/10.1590/S0102-79722005000200017        [ Links ]

Naves, R. M., Rotundo, R. C. B., Carvalho, K. D. R. de, & Baia, F. H. (2011). Treinamento de habilidades sociais em grupo: uma intervenção com tarefas lúdicas. Psicologia em Pesquisa, 5(1),39-50. Recuperado em julho 15, 2019, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-12472011000100005        [ Links ]

Najafabadi, M. G., Sheikh, M., Hemayattalab, R., Amir-Hossein, M., Aderyani, M. R., & Hafizi, S. (2018). The effect of SPARK on social on motor skills of children with autism. Pediatrics and Neonatology, 59(5),481-487. https://doi.org/10.1016/j.pedneo.2017.12.005        [ Links ]

Organização Pan-Americana de Saúde (2005). Manual de vigilância do desenvolvimento infantil no contexto da AIDPI. Washington: OPAS.         [ Links ]

Panayiotou, M., Humphrey, N., & Wigelsworth, M. (2019). An empirical basis for linking social and emotional learning to academic performance. Contemporary Educational Psychology, 56,193-204. https://doi.org/10.1016/j.cedpsych.2019.01.009        [ Links ]

Radley, K. C., Ford, W. B., McHugh, M. B., Dadakhodjaeva, K., O'Handley, R. D., Battaglia, A. A., & Lum, J. D. K. (2015). Brief report: use of superheroes social skills to promote accurate social skill use in children with autism spectrum disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders, 45,3048-3054. https://doi.org/10.1007/s10803-015-2442-5        [ Links ]

Schulte, F., Bartels, U., & Barrera, M. (2014). A pilot study evaluating the efficacy of a group social skills program for survivors of childhood central nervous system tumours using a comparison group and teacher reports. Psychooncology, 23(5), 597- 600. https://doi.org/10.1002/pon.3472        [ Links ]

Silva, M., & Murta, S. G. (2009). Treinamento de habilidades sociais para adolescentes: uma experiência no programa de atenção integral à família (PAIF). Psicologia: Reflexão e Crítica, 22(1),136-143. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722009000100018        [ Links ]

Silva, J. L., Oliveira, W. A., Braga, I. F., Farias, M. S., da Silva Lizzi, E. A., Gonçalves, M. F., ... Silva, M. A. I. (2016). The effects of a skill-based intervention for victims of bullying in Brazil. International Journal of Environmental Research and Public Health, 13(11),1-10. https://doi.org/10.3390/ijerph13111042        [ Links ]

Souza, M. T., Silva, M. D., & Carvalho, R. (2010). Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein, 8(1),102-106. http://doi.org/10.1590/S1679-45082010RW1134        [ Links ]

Vugt, E. S. van, Dekovic, M., Prinzie, P., Stams, G. J. J. M., & Asscher, J. J. (2013). Evaluation of a group-based social skills training for children with problem behavior. Children and Youth Services Review, 35,162-167. https://doi.org/10.1016/j.childyouth.2012.09.022        [ Links ]

Waugh, C., & Peskin, J. (2015). Improving the social skills of children with HFASD: an intervention study. Journal of Autism and Developmental Disorders, 45(9),2961-2980 https://doi.org/10.1007/s10803-015-2459-9        [ Links ]

Weiss, J. A., Viecili, M. A., Sloman, L., & Lunsky, Y. (2013). Direct and indirect psychosocial outcomes for children with autism spectrum disorder and their parents following a parent-involved social skills group intervention. Journal of the Canadian Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 22(4),303-309. Recuperado em julho 15, 2019, https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3825471/        [ Links ]

Wilkes-Gillan, S., Bundy, A., Cordier, R., Lincoln M., & Chen, Y-W. (2016). A randomised controlled trial of a play-based intervention to improve the social play skills of children with attention deficit hyperactivity disorder (ADHD). PLoS ONE, 11(8),1-22. https://doi.org/10.1371/journal. pone.0160558        [ Links ]

 

 

Correspondência para:
Isabella Goulart Bittencourt
Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima, s/nº, Trindade
Florianópolis/SC, CEP: 88040- 900
E-mail: isabellagoulartb@gmail.com

Submetido em: 10.10.2020
Aceito em: 22.01.2021

Creative Commons License