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Contextos Clínicos

versión impresa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.14 no.1 São Leopoldo ene./abr. 2021

 

ARTIGOS

 

Percepção do tamanho e forma corporal em estudantes de psicologia

 

Perception of body size and shape in psychology students

 

 

Graziela Aparecida Nogueira de Almeida Ribeiro; Kássia Helena Fagundes Vieira de Melo; Lucas Gama da Silva Rodrigues; Milena Soares de Oliveira

Centro Universitário Barão de Mauá

Correspondência

 

 


RESUMO

A percepção de um indivíduo sobre seu corpo não se relaciona apenas à forma objetiva, mas também à subjetividade, envolvendo sentimentos e atitudes. Objetivou-se avaliar o sentimento de satisfação com o corpo e a percepção de tamanho e forma corporal de estudantes dos 1º e 5º anos de Psicologia de uma instituição privada do interior do estado de São Paulo. Foram avaliados 129 alunos, utilizando-se a Escala de Desenhos de Silhuetas em três fases: Fase 1, antes da apresentação de imagens; Fase 2, após apresentação de uma imagem de pessoa "magra"; Fase 3, após apresentação de uma imagem de pessoa "obesa". Foram realizadas análises descritivas e comparativas através do teste Mann-Whitney, SPSS-19. Após análise dos resultados, observou-se a presença de indicadores de distorção e insatisfação com o corpo, especialmente entre os alunos do sexo feminino. Ressalta-se a força das interferências externas sobre a auto avaliação corporal, e a necessidade de reconhecimento de valores pessoais que vão além do corpo.

Palavras-chave: imagem corporal; percepção de forma; consciência corporal.


ABSTRACT

An individual's perception of body is not only related to the objective form, but must be understood in a broad and subjective sense, surrounded by feelings and attitudes. It was proposed to evaluate the perception of body size and shape of students from the 1st and 5th years of Psychology at a private institution in the interior of the state of São Paulo. 129 students were evaluated using the Nine-figure Outline Scale in three phases: Phase 1, before the presentation of images; Phase 2, after presenting an image of a "thin" person; Phase 3, after presenting an image of an "obese" person. Descriptive and comparative analyzes were performed using the Mann-Whitney test, SPSS-19. After analyzing the results, the presence of distortion and dissatisfaction indicators with the body was observed, especially among women. The strength of external interferences on body self-assessment is highlighted, and the need to recognize personal values that go beyond the body.

Keywords: body image; form perception; corporal conscience.


 

 

Introdução

Ao longo de toda a história da humanidade, os padrões de beleza sofreram inúmeras modificações. Na idade média, por volta do século XII, as mulheres com seios, barriga, quadril e vulva extremamente volumosos, representavam a maternidade, sendo estas características consideradas bastante positivas. Aquelas consideradas "acima do peso" eram as mais desejadas pelos homens, pois eram vistas como mulheres que tinham muita fartura, possuíam riquezas, além de serem vistas como as mais férteis (ECO, 2010).

No início do século XIX, o corpo magro passou a ser considerado símbolo de saúde. Neste momento, a sociedade instituiu a tríade do "verdadeiro, bom e belo", como se um não pudesse acontecer sem o outro. A partir de então, notou-se a difusão dessa ideia nas mídias sociais e comerciais, ou mesmo inserida no movimento que surge através da busca do belo, bom e infinito, objetivando lutar contra as questões do tempo e do envelhecer próprio que é acompanhado por uma utopia da juventude eterna (Aertsen, 2008).

Ainda hoje a influência dos contextos sociais, históricos e culturais no que se refere à percepção corporal se faz presente. Cultiva-se a importância da beleza estética como medidor de saúde. Assim sendo, pessoas que não se encontram dentro de um padrão ou de um modelo considerado perfeito são consideradas estranhas, diferentes, desleixadas, entre outros atributos negativos. Essa padronização é reforçada dentro das mídias sociais, que vendem a ideia de um corpo belo como sinônimo de perfeita saúde, mídia essa que ao mesmo tempo reforça o consumo exagerado de alimentos do tipo fastfoods, alimentação essa que é conhecida como altamente calórica e não saudável (Campos, Ferreira, Carvalho, Kraemer, & Seixas, 2016).

Percebe-se, assim, que o papel do corpo dentro da sociedade contemporânea sofreu influências nas construções realizadas dentro de um panorama histórico, biomédico e social. Hoje se considera que, quanto mais magro, belo e saudável o corpo for, mais status social a pessoa tem ou consegue, dentro de uma hierarquia social. Essa questão pode chegar ao ponto em que qualquer grau de excesso de peso pode ser visto como uma forma de monstro a ser combatido dentro de um corpo considerado doente, impotente e incapaz (Teixeira, Freitas, & Caminha, 2012).

Em sendo assim tem-se que o que foi um dia considerado belo, em função de questões culturais, sociais e religiosas, passou a ser visto como feio, o que sugere que a beleza não pode ser vista como um dado absoluto, mas algo inconstante, variável e cultural (Ferreira, 2008).

Pode-se dizer que a percepção que um indivíduo tem de seu corpo pode passar por vários processos. A forma como essa percepção é entendida pelos próprios indivíduos e pelas outras pessoas ao redor, encontra-se enraizada a bases de cunho cultural, social e étnico. Ferreira (2008) aponta a relação do corpo como um símbolo social e de ligação dos indivíduos com o mundo onde, dentro de determinadas culturas, as alterações físicas são consideradas algo belo, sinônimo de força e habilidade, sendo que essas visões de mundo variam de acordo com cada contexto sociocultural.

Na cultura ocidental, atualmente a visão social do corpo gordo está relacionada, muitas vezes, a aspectos negativos e características ruins, como por exemplo, o insucesso pessoal e profissional. Ou seja, muitos acreditam que para ter sucesso e felicidade é necessário encaixar-se em um padrão - atualmente magro. Essa visão tem criado uma sociedade com um olhar cada vez mais distante da realidade, o que pode gerar diversas consequências, como por exemplo, a distorção da percepção do tamanho e forma corporal (Almeida, dos Santos, Pasian, & Loureiro, 2005).

A percepção que uma pessoa tem do próprio corpo é apontada por meio dos significados a ele atribuídos. Ou seja, o corpo não pode ser sentido ou percebido apenas como um objeto ou "uma coisa", mas precisa ser compreendido dentro de um sentido mais amplo e mais subjetivo (Heidegger, 2002).

Considerando-se essa proposição, pode-se dizer que a percepção do corpo nesse sentido mais amplo passa por um processo de significação e ressignificação, sendo influenciada por questões sociais, históricas e culturais (Costa, 2012).

Ao se considerar que a percepção que uma pessoa tem do próprio corpo pode ir além do que é palpável e visto, podendo também incluir os sentimentos acerca dele, nota-se que essa afirmação se aproxima do conceito de Imagem Corporal.

A Imagem Corporal pode ser tratada como um conceito mais amplo, que diz respeito não somente à forma como as pessoas se percebem, mas também à apresentação mental que têm do tamanho, imagem e forma corporal, que vai se construindo e sofrendo variações ao longo da vida. Além disso, esta percepção é envolvida por sentimentos, atitudes e percepções, incluindo assim, aspectos mais subjetivos (Slade, 1994).

Considerando-se esses aspectos, tem-se que um indivíduo pode desenvolver uma autoimagem corporal positiva ou negativa, dependendo não somente do seu tamanho corporal, como também dos sentimentos relativos a si mesmo. Assim, percebe-se uma associação entre auto avaliação negativa da imagem corporal e sentimentos de desvalorização, inadequação e até depressão (Silva, Ferriani, & Viana, 2019).

Levando em conta o momento atual, em que o corpo magro está associado a atributos positivos diversos, observa-se que esse padrão parece estar favorecendo o distanciamento entre o que é real e o ideal. Por um lado, os indivíduos (em especial mulheres) sentem-se oprimidos e excessivamente cobrados para alcançar um corpo considerado aceitável e, por outro, uma dificuldade extrema para alcançar esse ideal. Ou seja, busca-se que a imagem e a percepção se alinhem frente a uma expectativa que talvez nunca seja alcançada, quando comparada à realidade. Esse conflito entre o real e o ideal tem levado os indivíduos a buscas desenfreadas por um corpo e uma forma corporal que frequentemente estão muito distantes da possibilidade real de ser alcançada, contribuindo para o desenvolvimento de sofrimentos emocionais significativos (Almeida et al., 2005).

Nesse sentido, estudantes universitários também parecem estar sendo influenciados por tais exigências, mostrando-se insatisfeitos com o tamanho e a forma corporal (Coqueiro, Petroski, Pelegrini, & Barbosa, 2008; Rech, Araújo, & Vanat, 2010; Miranda, Filgueiras, Neves, Ferreira & Teixeira, 2012; Alves, Souza, Paiva & Teixeira, 2017). Sarhan, Krey, Chaud e Abreu (2015) sugerem que os universitários apresentam certa predisposição à insatisfação corporal em função das mudanças no estilo de vida e pela inserção em um novo grupo social. Outros autores apontam maior prevalência de insatisfação corporal com universitários da área da saúde (Martins et al., 2012; Miranda, Filgueiras, Neves, Ferreira & Teixeira, 2012; Bosi, Uchimura, Nogueira, Luiz & Godoy, 2014).

Considerando-se os aspectos abordados, enfatizando-se questões relativas ao corpo e às avaliações relativas à imagem, tamanho e forma corporal, fica clara a relevância dessa temática na atualidade, bem como a importância e a influência de aspectos socioculturais na auto percepção corporal. Levando-se tudo isso em conta, entendeu-se a importância de se investigar a percepção corporal de estudantes de Psicologia, na medida em que se trata de futuros profissionais da área da saúde mental.

 

Objetivo

Avaliar e comparar o sentimento de satisfação com o corpo, bem como a percepção de tamanho e forma corporal de estudantes dos 1º e 5º anos de um curso de Psicologia em três fases: Fase 1, antes da apresentação de imagens; Fase 2, após apresentação de uma imagem de pessoa "magra"; Fase 3, após apresentação de uma imagem de pessoa "obesa".

 

Método

Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo e com recorte transversal. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Organização Educacional Barão de Mauá, tendo sido aprovada com o parecer número 3.508.817 CAAE/11969419.4.0000.5378).

Participantes

Foram convidados a participar do estudo todos os alunos presentes nos dias estipulados para a coleta. No total, foram convidados 129 alunos, sendo 76 matriculados no 1º ano e 53 alunos no 5º ano do curso de Psicologia, de uma instituição de ensino superior privada, localizada no interior de São Paulo, no ano letivo de 2019. Dos 129 alunos convidados, todos aceitaram participar da pesquisa.

Instrumentos e Materiais

Os instrumentos destinados à coleta de dados foram: um Questionário semiestruturado, construído para a finalidade desse estudo, que teve como objetivo a coleta de informações para caracterização sócio demográfica dos participantes; um Questionário breve de satisfação corporal, também construído para a finalidade desse estudo e que teve como objetivo avaliar o nível de satisfação com a forma e tamanho corporal, e a Escala de Desenhos de Silhuetas - EDS (Nine-figure Outline Scale, proposta por Stunkard, Sorensen & Schulsinger, 1983) que teve como objetivo avaliar a percepção de tamanho e forma corporal. A EDS tem sido amplamente utilizada como forma de avaliação da percepção de tamanho e forma corporal. Esta escala é composta por 18 cartões com desenhos de nove silhuetas femininas e nove masculinas, com variações de tamanho em ordem crescente, divididos da seguinte maneira, como proposto por Almeida et al. (2005): cartões 1 e 2 = não obesidade; 3 = sobrepeso; 4 e 5= obesidade grau I; 6 e 7 = obesidade grau II; 8 e 9 = obesidade grau III. Após a apresentação dos cartões aos participantes foram feitas quatro perguntas: 1- Escolha uma figura que represente uma mulher de tamanho normal; 2- Escolha uma figura que represente um homem de tamanho normal; 3- Escolha uma figura que represente o seu próprio tamanho; 4- Escolha uma figura que represente um tamanho que você gostaria de ter.

Foram também utilizadas duas imagem projetadas em Datashow: uma imagem de pessoa "magra" (figura masculina para os participantes do sexo masculino, e figura feminina para participantes do sexo feminino) considerada símbolo de beleza e de saúde; e uma imagem de pessoa obesa (figura masculina para os participantes do sexo masculino, e figura feminina para participantes do sexo feminino) considerada respeitada e valorizada pela sociedade (mídia) pela inteligência, posição social ou cultural.

Para a escolha das imagens projetadas, inicialmente foram selecionadas imagens de várias figuras humanas (femininas e masculinas) de acordo com a condição requerida para o estudo, ou seja, figuras magras consideradas símbolo de beleza e de saúde, e figuras obesas, consideradas respeitadas e valorizadas pela sociedade (mídia) pela inteligência, posição social ou cultural. Após a seleção inicial, cada pesquisador do estudo votou nas imagens que, em sua opinião, poderiam ser usadas. Ao final, foram selecionadas para o estudo as imagens que tiveram mais votos.

Procedimentos

A coleta de dados foi realizada nas salas de aulas em horários normais das atividades acadêmicas, em dias e horários diferentes, considerando-se a disponibilidade das turmas e dos professores. Os pesquisadores inicialmente convidaram todos os alunos presentes nas salas de aulas nos dias e horários estipulados. Dos alunos presentes, não houve nenhuma recusa em participar do estudo. Os pesquisadores procederam à leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido com todos os alunos, de maneira coletiva, explicando claramente os objetivos da pesquisa. Em seguida, os alunos receberam o Questionário sociodemográfico que foi preenchido individualmente. Após o seu preenchimento, solicitou-se que os alunos do sexo masculino saíssem da sala de aula para que pudesse ser feita, inicialmente, a coleta apenas com as mulheres, já que os estímulos (as imagens que seriam apresentadas) eram diferentes para homens e mulheres, evitando-se assim, vieses na avaliação dos homens. Terminada a avaliação das mulheres, os homens eram chamados para que pudessem continuar sua participação. Desta forma, as avaliações relativas à percepção e à satisfação corporal, que foram feitas de forma coletiva, foram realizadas da seguinte forma, com ambos os grupos (masculinos e femininos):

 

Figura 1

 

Resultados

Após análise descritiva das variáveis, foram realizadas análises comparativas por meio do teste estatístico de Mann-Whitney. Com relação à caracterização dos participantes, é possível observar na Tabela 1 que dos 76 alunos que cursavam o 1º ano, a maioria era do sexo feminino (74%), 65% tinham alguma ocupação profissional, 70% não tinham um companheiro(a) e 61% tinham IMC entre 18,5 e 25kg/m2. Com relação aos 53 alunos que cursavam o 5º ano, verificou-se que 91% era do sexo feminino, 53% exerciam alguma atividade profissional, 62% não tinham um companheiro(a) e 49% tinham IMC > 25kg/m2. Os alunos que estavam cursando o 1º ano de Psicologia tinham idade média de 22 anos (+ 7,8 anos) e IMC médio de 23 kg/m2 (+ 3,9 kg/m2). Entre os que cursavam o 5º ano, a idade média foi de 27 anos (+ 7,6 anos) e IMC médio de 25 (+ 4,9 kg/m2). Na comparação da idade e do IMC, observou-se a presença de diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos (Teste Mann-Whitney, p<0,01).

Na Tabela 2, ao comparar os grupos do 1º e do 5º ano no que diz respeito à pergunta sobre como se sente com o tamanho e forma corporal, nas três fases, verificou-se que, na Fase 1, no 1º ano a maioria dos alunos (55%) responderam "Nem satisfeitos, nem insatisfeitos", enquanto que no 5º ano a maioria (47%) se sentia "Insatisfeitos" (Teste de Mann-Whitney p< 0,003). Na Fase 2, as diferenças entre os dois grupos se mantiveram semelhantes, com a maioria (43%) dos alunos do 1º ano se sentindo "Nem satisfeitos, nem insatisfeitos" e a maioria (45%) dos alunos do 5º ano se sentindo "Insatisfeitos" (Teste de Mann-Whitney p< 0,05). No entanto, observou-se um aumento no sentimento "Satisfeito" nos dois grupos. Na Fase 3, observou-se uma diminuição significativa na resposta "Insatisfeito", e um aumento significativo no sentimento "Satisfeito" em ambos os grupos (Teste de Mann-Whitney p< 0,01). Com relação ao sexo, após a apresentação do estímulo, foi possível observar que 44% dos alunos do sexo masculino referiram se sentir "satisfeitos" com seu tamanho e forma corporal, enquanto que 36% das participantes referiram se sentir "Insatisfeitas".

No que diz respeito às escolhas de uma figura que representasse uma mulher de tamanho normal, verificou-se na Tabela 3 que, na Fase 1, no 1º ano a maioria dos alunos (42%) escolheram as imagens que representavam as figuras >4, enquanto que no 5º ano 34% escolheram as figuras 1 e 2 (Teste de Mann-Whitney p< 0,05). Na Fase 2, a predominância das escolhas se manteve nas figuras >4 para o 1º ano (38%) e nas figuras 1 e 2 para o 5º ano (45%). Na Fase 3, observou-se um aumento significativo na escolha das figuras >4 (49%) no 1º ano, e no 5º ano não houve mudança significativa apresentando resultados equivalentes nas escolhas das figuras 1 e 2 (30%) assim como >4 (30%) (Teste de Mann-Whitney p< 0,05). De acordo com o sexo, foi possível observar que, na Fase 1, 48% do sexo masculino e 33% do sexo feminino escolheram a figura >4 (p< 0,003). Na segunda fase, após o estímulo, 48% dos homens escolheram a figura >4, enquanto que 39% das mulheres escolheram figuras 1 e 2 (p< 0,05).

Na Tabela 4, que mostra os resultados das escolhas de uma figura que representasse um homem de tamanho normal, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na comparação dos grupos.

Na Tabela 5, referente às escolhas de uma figura que representasse o seu próprio tamanho, verificou-se diferença estatisticamente significativa entre os grupos na Fase 1(Teste de Mann-Whitney p< 0,05). Enquanto os alunos de 1º ano escolheram mais as figuras 1 e 2 (37%) e >4 (38%), os alunos do 5º ano escolheram mais figuras > 4 (51%). Nas Fases 2 e 3 não foram observadas diferenças significativas nas comparações dos grupos. Apesar disso, chama atenção a diminuição de frequência de escolhas relativas à figura >4 na Fase 3 entre os alunos do 5º ano (45%). De acordo com o sexo também não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.

Com relação às escolhas de uma figura que representasse um tamanho que o aluno gostaria de ter, descritas na Tabela 6, não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. No entanto, na Fase 1, tanto no 1º quanto no 5º ano, observou-se predomínio de escolhas das figuras 1 e 2 (51% e 62% respectivamente). Na Fase 2 observou-se um leve aumento nas escolhas das figuras 1 e 2 nos dois grupos de alunos (53% no 1º ano e 64% no 5º ano). Na Fase 3 notou-se uma diminuição nas escolhas das figuras 1 e 2 em ambos os grupos (49% no 1º ano e 60% no 5º ano). De acordo com o sexo, na Fase 1 foi possível observar que 40% do sexo masculino, escolheram a figura >4, enquanto que 62% do sexo feminino escolheram as figuras 1 e 2 (Teste de Mann-Whitney p< 0,003). Na Fase 2, após o estímulo, 40% dos homens, mantiveram a escolha na figura >4 e 64% das mulheres mantiveram sua escolha nas figuras 1 e 2 (Teste de Mann-Whitney p< 0,003). E na Fase 3, as escolhas para figuras >4, apresentaram-se em 36% no sexo masculino e 60% no feminino nas figuras 1 e 2 (Teste de Mann-Whitney p< 0,003).

 

Discussão

O presente estudo apresentou inúmeros resultados significativos que serão discutidos a seguir. Como acontecem em cursos de Psicologia, observou-se também neste estudo, maior frequência de pessoas do sexo feminino cursando tanto o 1º quanto o 5º ano (74% e 91%, respectivamente). Importante destacar aqui que, como já se esperava essa diferença, a ideia de avaliar estudantes desse curso se justificou pela observação de que a maior exigência para alcançar um corpo considerado dentro do padrão normal e aceitável recai sobre as mulheres, sendo elas, portanto, as que provavelmente mais sofrem com tais imposições (Almeida et al., 2005).

Quando foi perguntado aos alunos como eles se sentiam, em termos de satisfação com a forma e o tamanho corporal, antes da apresentação de qualquer estímulo, a maioria dos alunos do 1º ano referiu "nem satisfeitos, nem insatisfeitos", enquanto que a maioria dos alunos do 5º ano referiu "insatisfeitos". Interessante notar que a média de IMC no 1º ano foi de 23kg/m2, enquanto que no 5º ano foi de 25kg/m2, ambos considerados dentro da normalidade. Ou seja, levanta-se a hipótese de que o aumento na média de IMC observado ao longo dos anos pode justificar o sentimento de maior insatisfação entre os alunos.

Por meio dos resultados, observou-se que grande parte das mulheres, apesar de terem o IMC dentro da normalidade, referiu-se insatisfeita com seu tamanho e forma corporal. Além disso, a maioria também referiu não ter um companheiro(a). Levanta-se a hipótese de que talvez o fato dessas mulheres não terem um companheiro(a) possa ser considerado um fator de cobrança a mais para desejarem um corpo mais magro, já que este é atualmente considerado sinônimo de beleza e atratividade.

A ideia difundida como padrão de beleza, parece levar a piora da percepção da imagem corporal, aumento do comer desordenado e a tentativas malsucedidas de controle de peso. A insatisfação corporal caracteriza a discrepância entre a imagem corporal real e a idealizada, estando associada com sintomas depressivos, estresse, baixa autoestima, maior restrição alimentar e fuga da atividade física, indicando a importância de se avaliar esses aspectos. As mulheres apresentaram maior grau de insatisfação corporal, quando comparadas aos homens, talvez por vivenciarem um padrão de sociedade ainda machista, onde a mulher é muito mais cobrada quanto a aspectos físicos e de beleza, entre outros (American Psychiatric Association, 2015).

É claro perceber que a relação entre os temas sobrepeso, gênero feminino, imagem corporal e cultura, é vigente desde o século passado. Como descrito por Eco (2010), com as mudanças culturais, o padrão de beleza foi se modificando e cada vez mais o almejado era o corpo extremamente magro, e cada vez mais estereótipos foram sendo reforçados e tudo que fugia e ainda foge desse padrão é rejeitado, afastado e observado com estranheza. São vastos os problemas gerados por esse reforço contínuo de um padrão inalcançável, principalmente a pessoas que se distanciam muito dele.

Ao comparar os grupos do 1º e do 5º anos no que diz respeito à pergunta "Como se sente com o seu tamanho e forma corporal neste momento", foi possível perceber maior grau de insatisfação nos alunos do 5º ano nas duas primeiras fases, enquanto que no 1º ano também se mantiveram nas duas fases a preferência por "nem satisfeito nem insatisfeito". Contudo, após a apresentação do estímulo visual de uma figura de referência acima do peso, a autopercepção de ambos os grupos mudou significantemente para "satisfeito". Assim, concordando com o proposto por Slade (1994), a imagem corporal pode ser influenciada por diversos fatores, como por exemplo, socioculturais e biológicos. Verificou-se então que a percepção corporal talvez tenha sido influenciada pelos estímulos visuais utilizados neste trabalho.

No que diz respeito à pergunta "Escolha uma figura que represente uma mulher de tamanho normal", observou-se que nas duas primeiras fases, o 1º ano escolheu mais figuras >4 e o 5º ano a escolha predominante foi das figuras 1 e 2. Na terceira fase, foi possível notar a permanência na escolha do 1º ano nas figuras >4, entretanto foi percebida uma equivalência do 5º ano nas escolhas das figuras 1 e 2 e >4. Os resultados sugerem a presença de possível influência do estímulo apresentado. Referente à pergunta sobre "escolha de uma figura que represente um homem de tamanho normal", foi possível observar que nas três fases ambos os anos apresentaram a escolha da figura >4 como alternativa principal, o que vai ao encontro da literatura que aponta para menor exigência quanto ao tamanho e forma corporal no sexo masculino. Sousa, Araújo e Nascimento (2016) afirmam que mulheres preferem uma silhueta menor, enquanto os homens um formato corporal musculoso, sendo que essas preferências se dão em função das cobranças socioculturais. No estudo realizado por Rech, Araújo e Vanat (2010), ao utilizar a Escala de Desenhos de Silhuetas em sua amostra, os autores concluíram que mulheres tenderam a escolher a figura 2 para si e homens escolheram a figura 3 como ideal para as mulheres, reafirmando a cobrança social para que corpos femininos estejam dentro do padrão de magreza.

Notou-se que na pergunta "Escolha uma figura que represente o seu próprio tamanho", tanto o 1º quanto o 5º ano, mantiveram uma preferência pelas figuras >4 independentes do estímulo apresentado. Importante lembrar que a maioria dos participantes apresentaram IMC dentro da normalidade. Ou seja, as escolhas pelo próprio tamanho sugerem uma tendência dessas pessoas a avaliarem o seu próprio tamanho como maior do que verdadeiramente ele se apresenta, apontando para uma possível distorção da percepção de tamanho e forma corporal entre elas.

Com relação à questão "Escolha uma figura que represente um tamanho que você gostaria de ter", observou-se que nas três fases, apesar de uma pequena variação, a preferência pelas figuras 1 e 2 foi predominante em ambos os anos. Ou seja, escolheram mais figuras representativas de baixo peso corporal, apontando para sentimentos de insatisfação com a forma e tamanho corporal atual. Em contraponto ao observado nos resultados, Rech, Araújo e Vanat (2010) concluíram em um trabalho realizado com estudantes de educação física, de ambos os sexos, que a insatisfação corporal se mostrou maior em pessoas que estavam acima do peso.

Com relação ao sexo, referente à pergunta "Escolha uma figura que represente uma mulher de tamanho normal", os homens escolheram mais figuras >4, nas três fases. No entanto, no sexo feminino essa escolha se alterou da primeira fase para a segunda fase, entre as escolhas >4 e escolhas 1 e 2, voltando para a escolha inicial >4 na terceira fase. Muito interessante observar as alterações nas escolhas feitas pelas mulheres ocorrendo após a apresentação dos estímulos, mostrando o quanto elas parecem influenciadas em suas auto avaliações pelas imagens externas.

Quanto às perguntas "Escolha a figura que represente um homem de tamanho normal" e "Escolha uma figura que represente o seu próprio tamanho", ambos os sexos escolheram a figura >4 em todas as fases. Já, na pergunta sobre "Escolha uma figura que represente um tamanho que você gostaria de ter", observou-se alteração na percepção das mulheres após a apresentação dos estímulos, escolhendo com maior frequência silhuetas de tamanhos menores. Tais resultados deixam claros o quanto parece excessiva a cobrança, especialmente entre as mulheres, quanto à necessidade de alcançarem a magreza, provavelmente como um sinal de aceitação e beleza. Ainda hoje, mulheres em todas as faixas etárias se martirizam buscando se encaixar em um padrão imposto pela mídia e pela sociedade, e cada vez mais, parecem apresentar percepções e avaliações distorcidas sobre si mesmas, adoecendo corriqueiramente. Confirmando assim os apontamentos de Santana e Bertapelli (2012) que, visando investigar a percepção de tamanho e forma corporal em mulheres idosas, observaram distorção da percepção entre a figura real e a ideal, sugerindo sentimentos de insatisfação com a forma de seu corpo, não apenas no período senil, mas estando também presente na juventude.

As afirmações de Slade (1994), apesar de datarem da década de 90, ainda hoje se mostram bastante atuais, podendo contribuir para explicar os resultados aqui encontrados, na medida em que ele afirma que a imagem corporal pode ser influenciada por diversos fatores, como por exemplo, pelas diversas formas sensoriais de perceber o corpo (visual, tátil e cinestésica), pelas normas sociais e culturais, variáveis cognitivas, psicopatologias (como anorexia e bulimia) e por fatores biológicos. Importante ressaltar que foi observado, por meio do relato de alguns participantes, valores de peso e altura que, após cálculo do IMC, apontaram para a presença de indicadores sugestivos de problemas com relação ao peso e à percepção corporal. Assim, esse estudo se mostrou bastante importante na medida em que, não só mostrou as dificuldades com relação às percepções de tamanho e forma corporal, como também apontou para a presença de um pequeno grupo de estudantes que precisariam de uma avaliação mais aprofundada a fim de verificar a presença de algum transtorno alimentar.

Levando-se em consideração que tal estudo foi realizado com futuros profissionais da área da saúde mental, seria interessante o desenvolvimento de programas de prevenção e promoção de saúde nesta área, no sentido de fortalecer os estudantes quanto a outros valores pessoais que não somente o valor do corpo magro como sinônimo de beleza, saúde e inteligência. Importante ainda salientar que, em função da pequena amostra estudada, tal estudo não pode ser generalizado. No entanto, seria interessante a continuidade do mesmo, englobando avaliação de estudantes de outros cursos, tendo em vista os resultados preliminares tão importantes aqui alcançados.

 

Considerações finais

O presente estudo, que objetivou avaliar o sentimento de satisfação com o corpo de alunos dos 1º e 5º anos de um curso de psicologia, apontou para a presença de sentimentos importantes de insatisfação corporal, tanto antes quanto depois das apresentações dos estímulos, mais especificamente entre os alunos do 1º ano e especialmente entre as mulheres. Além disso, mostrou que a percepção de tamanho e forma corporal alterou-se de maneira significativa após a apresentação dos diferentes estímulos em momentos distintos, mostrando a importância das interferências externas sobre a auto avaliação de percepção de tamanho e de forma corporal. Ainda o estudo permitiu perceber a presença de sinais de distorção da percepção do tamanho e forma corporal na medida em que, principalmente as mulheres, ao escolherem uma figura que representasse o próprio tamanho, escolheram proporcionalmente figuras maiores comparativamente aos valores de peso e altura auto referidos por elas no questionário.

Um das limitações desse estudo diz respeito ao fato de terem sido avaliados apenas alunos do 1º e do 5º ano do curso de Psicologia. Supõe-se que ampliar a amostra para os outros anos do mesmo curso, bem como para outros cursos superiores, possibilitaria uma visão mais ampla acerca de sentimentos de satisfação e de percepção corporal de universitários de uma maneira geral.

Esse estudo possibilitou a avaliação da percepção de tamanho e forma corporal de estudantes de Psicologia, bem como os sentimentos de satisfação ou insatisfação associados ao corpo, levando a reflexões sobre a importância de programas de promoção e prevenção de saúde, com ênfase na saúde mental, mais especificamente considerando as questões relacionadas à autoimagem e à autoestima corporal.

 

Referências

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Correspondência para:
Graziela Aparecida Nogueira de Almeida Ribeiro
R. Ramos de Azevedo, 423 - Jardim Paulista
Ribeirão Preto - SP, CEP: 14090-062
E-mail: graziela.nogueiradealmeida@gmail.com

Submetido em: 24.08.2020.
Aceito em: 16.03.2021

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