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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.14 no.1 São Leopoldo Jan./Apr. 2021

 

ARTIGOS

 

Educadores sociais em abrigos destinados a crianças e adolescentes: revisão sistemática

 

Social educators in shelters intended for children and adolescents: systematic review

 

 

Sidney Issao Ito; Adriano Valério dos Santos Azevêdo

Universidade Tuiuti do Paraná

Correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo objetivou realizar uma revisão sistemática das pesquisas empíricas sobre educadores sociais em abrigos destinados a crianças e adolescentes. Foram consultados os artigos disponíveis nas plataformas (Google Acadêmico, SciELO, Redalyc, Periódicos CAPES/MEC, Pepsic e BVS Psicologia Brasil) para identificar as pesquisas publicadas no período de 2015 a 2020. Dez artigos incluídos foram categorizados em cinco categorias: Vivência, Vínculo, Prática, Transtornos Mentais, e Formação. Destacou-se a importância dos educadores enquanto atores sociais e aspectos das necessidades deles: reconhecer os afetos, pois o cuidado se apresentou como uma tarefa, e assim, revelou risco de adquirir um caráter operacional e assistencialista; capacitação inicial baseada em critérios de qualidade; formação continuada com o apoio e parceria de profissionais que possuam conhecimento reconhecido no assunto e oferta de serviços de assistência psicológica e psiquiátrica. Trata-se de uma temática de estudo que possibilita a análise de aspectos psicossociais para o desenvolvimento de intervenções com o foco nas necessidades dos educadores sociais.

Palavras-chave: educador social; abrigo; institucionalização.


ABSTRACT

This article aimed to carry out a systematic review of empirical research on social educators in shelters for children and adolescents. The articles available on the platforms (Google Scholar, SciELO, Redalyc, Journals CAPES / MEC, Pepsic and BVS Psicologia Brasil) were consulted to identify the research published in the period from 2015 to 2020. Ten articles included were categorized in five categories: Experience, Bonding, Practice, Mental Disorders, and Training. The importance of educators as social actors and aspects of their needs was highlighted: recognizing affections, as care was presented as a task, and thus, revealed a risk of acquiring an operational and assistant character; initial training based on quality criteria; continuing education with the support and partnership of professionals who have recognized knowledge on the subject and offer psychological and psychiatric assistance services. It is a study theme that allows the analysis of psychosocial aspects for the development of interventions focusing on the needs of social educators.

Keywords: social educator; shelter; institutionalization.


 

 

Introdução

O educador social é o profissional que atua nos espaços socioassistenciais do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) direcionando suas atividades às demandas de usuários em situação de vulnerabilidade e/ou risco social/pessoal, além de auxiliar no desenvolvimento de atividades de empoderamento dos sujeitos (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome [MDS], 2014).

As Orientações Técnicas descritas nos Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS, 2009), delimitaram as principais atividades desenvolvidas pelos educadores sociais: cuidados básicos com alimentação, higiene e proteção; organização do ambiente e registros individuais sobre o desenvolvimento; acompanhamento nos serviços de saúde, escola e outros serviços; apoio para lidar com a história de vida, fortalecimento da autoestima, construção da identidade e preparação para o desligamento.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069, sancionada em 13 de julho de 1990 define que a institucionalização infantil é uma medida excepcional e provisória, utilizada para proporcionar às crianças um local de proteção quando não podem continuar junto aos pais, e o afastamento da família só deve ocorrer quando configurar a última opção para minimizar os prejuízos ao desenvolvimento da criança, ou seja, em condições de risco grave à sua integridade física ou psíquica. Nesse sentido, os abrigos representam os espaços de acolhimento institucional destinados às crianças e adolescentes visando a garantia de direitos básicos.

Desde os tempos coloniais, crianças e adolescentes nas regiões da América Latina e do Caribe, foram inseridas nas instituições residenciais para fins de proteção e cuidado (Lumos Foundation [Lumos], 2021). Diante disso, entre as recomendações desta fundação destaca-se priorizar o investimento na transformação dos serviços de cuidado e fortalecimento da família e comunidade, por exemplo, buscando fomentar educação inclusiva, cuidados de saúde comunitários, habitação, serviços de apoio para a família e cuidados alternativos à família.

O abandono, a negligência e o uso de substâncias psicoativas dos responsáveis estão entre os determinantes que influenciam a entrada de crianças e adolescentes na instituição de acolhimento (Dias, Pedroso, & Santos, 2015). A imaturidade dos pais representa outro motivo, o que prejudica o exercício adequado da maternidade e paternidade (Valentim & Yamamoto, 2014).

O Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA, 2020) identificou cerca de quarenta e sete mil crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional. Portanto, o papel dos profissionais que atuam nos abrigos se torna central, sobretudo considerando os impactos da experiência do abrigamento nesses jovens. Desta maneira, no Brasil há um número significativo de crianças e adolescentes institucionalizados, isto apresenta repercussões psicossociais na vida destes jovens, o que reflete em demandas para o enfrentamento das consequências psicológicas.

Trabalhos científicos, especificamente revisões sistemáticas da literatura abordando o contexto da institucionalização de crianças e adolescentes foram realizados. Pesquisadores mapearam a produção científica de programas de intervenção do processo de emancipação de adolescentes que deixam o sistema de proteção por motivo de maioridade (Cassarino-Perez, Córdova, Montserrat, & Sarriera, 2018). Outro estudo apresentou uma reflexão a respeito do panorama sobre possibilidades de mudanças efetivas na lógica atual do acolhimento infantil (Epifânio & Gonçalves, 2017). Os resultados indicaram que o formato das propostas de programas de intervenção deve respeitar as diferenças individuais e contextuais dos jovens e adolescentes em situação de acolhimento (Cassarino-Perez et al., 2018). Além disso, recomenda-se ações continuadas e o acompanhamento antes e após a saída do acolhimento. Também é importante que o conteúdo das intervenções inclua o treinamento em habilidades para a vida independente, integrado ao acompanhamento socioemocional e inserção comunitária, pois destacou-se a efetividade do método participativo, no qual os jovens têm papel central na tomada de decisões.

A realidade dos abrigos brasileiros não atingiu o proposto pelo ECA, e muitos ainda funcionam na lógica institucional, assim, trazem semelhanças com o antigo modelo de abrigamento no qual se caracteriza a divisão e distância entre a equipe dirigente, que estipula as regras e controla para atender os objetivos oficiais da instituição, e os internos que, ao serem subordinados a essas regras e rotinas perdem seu contato com o mundo externo, sua cultura e identidade (Epifânio & Gonçalves, 2017). As autoras explicam que existe uma visão estigmatizada das crianças e seus familiares por parte da equipe profissional dos abrigos, pois são tratadas com características em sua maioria negativas desconsiderando a sua individualidade, parecendo deixar de lado a noção de sujeitos que possuem direitos e que necessitam de respeito e dignidade.

A partir disso, iniciativas devem surgir para que as mudanças propostas pelo ECA sejam efetivamente consolidadas. Recomenda-se reconhecer o abrigo enquanto local de morada substituta, onde o modelo de lar e família deve ser reproduzido, e a criança valorizada na condição de sujeito de direitos (Epifânio & Gonçalves, 2017). Segundo as autoras, é necessária a capacitação de todos os profissionais envolvidos com o acolhimento institucional, direta ou indiretamente, e a valorização das crianças fomentando a conscientização a respeito de seus direitos. Dessa forma, os estudos científicos nesta área são considerados relevantes para a construção de teorias que possam aprimorar as legislações.

Na produção científica verificou-se a existência de revisões sistemáticas com crianças e adolescentes institucionalizados (Cassarino-Perez et al., 2018; Epifânio & Gonçalves, 2017), mas por outro lado, há necessidade de estudos com os educadores sociais. Destaca-se a relevância do levantamento da produção científica sobre educadores sociais em abrigos para fins de caracterizar as temáticas e contextualizá-las com o propósito de refletir sobre estratégias de intervenção. Esta investigação propicia o compartilhamento de informações úteis para as equipes da assistência social e da saúde visando atender as especificidades do contexto de atuação. No campo científico, permite a divulgação e debate dos estudos para que oportunize reflexões críticas geradoras de novas pesquisas. O presente artigo objetivou realizar uma revisão sistemática dos estudos empíricos referentes aos educadores sociais em abrigos destinados para crianças e adolescentes.

 

Método

Delineamento

A revisão sistemática é um tipo de investigação científica que utiliza métodos sistemáticos e explícitos para identificar, selecionar e avaliar as pesquisas relevantes. Objetiva reunir, avaliar criticamente e conduzir uma síntese dos resultados de múltiplos estudos (Cordeiro, Oliveira, Rentería, & Guimarães, 2007).

Realizou-se a consulta nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) para identificar a terminologia utilizada no processo de buscas dos artigos. O DeCS é um vocabulário controlado, estruturado e trilíngue criado pela Bireme (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde) para utilização na indexação de artigos de revistas científicas, anais e outros tipos de materiais, assim como para ser usado na pesquisa e recuperação de assuntos da literatura científica nas bases de dados.

No processo de consulta ao DeCS nenhum resultado foi encontrado ao utilizar o termo Educadores Sociais. Dessa maneira, as buscas nas bases de dados foram realizadas com o termo genérico "Educadores Sociais", ou com o operador booleano - and - "abrigos". De acordo com Pompei (2006), descritor é um termo ou palavra-chave na qual a base de dados indexa o artigo e confere especificidade à busca realizada. Foram realizadas consultas nas seguintes bases de dados: Google Acadêmico, Scielo, Redalyc, Periódicos CAPES/MEC, Pepsic, e BVS Psicologia Brasil.

Critérios de inclusão e exclusão

Foram incluídos os estudos publicados em português nos anos de 2015-2020. Buscou-se incluir as pesquisas empíricas, nesse sentido, buscou-se selecionar estudos científicos nos quais educadores sociais que atuam em abrigos foram participantes e responderam algum instrumento de pesquisa. Foram excluídos os estudos teóricos e de revisão de literatura.

Procedimentos

Após a extração dos artigos foram aplicados os critérios de inclusão/exclusão e a retirada de estudos duplicados. Posteriormente utilizou-se uma planilha para colocar as seguintes informações: nome dos autores, ano de publicação, resumo, objetivo, base de dados, categorias temáticas dos estudos, desfechos e periódico no qual o estudo foi publicado. Utilizou-se a recomendação internacional Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA - disponível em: www.prisma-statement.org) - no processo de identificação, seleção e elegibilidade dos artigos com o propósito de atender critérios de qualidade.

Segundo Galvão, Pansani e Harrad (2015), a recomendação PRISMA consiste num checklist com 27 itens e um fluxograma de quatro etapas cujo objetivo é auxiliar os autores a qualificar o relato de revisões sistemáticas e meta-análises. A redação de uma revisão sistemática necessita que os autores priorizem a clareza para transmitir com transparência e objetividade as etapas e os resultados. Para facilitar a tarefa foi elaborado o PRISMA, um guia de redação de utilidade na elaboração do manuscrito (Galvão & Pereira, 2015). Foram elegíveis os artigos que apresentaram clareza nos objetivos e resultados.

Análise de dados

Foram realizadas leituras do título e objetivo dos artigos, e a partir disso, utilizou-se a análise categorial temática. Desta maneira, foram identificadas as palavras ou elementos temáticos que representavam os estudos, o que foi possível a construção das categorias temáticas que foram analisadas por dois juízes. Na próxima etapa ocorreu a leitura integral dos artigos para a escrita de resultados.

 

Resultados

Foram identificados 231 registros: Google Acadêmico (n=199), SciELO (n=3), Redalyc (n=0), Periódicos CAPES/MEC (n=29), PePSIC (n=0), e BVS Psicologia Brasil (n=0). Após a utilização dos critérios recomendados pelo PRISMA foram incluídos 10 artigos.

Na Figura 1 é possível verificar o fluxograma do processo de busca, seleção e inclusão de artigos. Os dez trabalhos científicos incluídos na revisão sistemática foram publicados em revistas nacionais: Escola Anna Nery - EAN (n=1), Enfermagem Revista (n=1), Revista brasileira de enfermagem - REBEn (n=1), Pesquisas e Práticas Psicossociais (n=2), Jornal Brasileiro de Psiquiatria (n=1), Olhar de Professor (n=1), Aletheia (n=1), Trabalho, Educação e Saúde (n=1) e Linguagens, Educação e Sociedade (n=1). Referente ao ano de publicação e frequência dos artigos: 2015 (n=3),2016 (n=2),2018 (n=3), e 2019 (n=2).

Na Tabela 1 seguem as principais informações dos artigos selecionados com suas respectivas categorias temáticas. Destaca-se o aspecto de prevalência do método qualitativo.

Em relação à metodologia das pesquisas consultadas, foram nove estudos qualitativos e um artigo com enfoque quantitativo. Sobre os participantes dos estudos, foi possível identificar educadores sociais, de ambos os gêneros, entretanto, ocorreu à prevalência do gênero feminino nos estudos. Depois da leitura das pesquisas foi necessário dividir os estudos por categorias temáticas, originando assim cinco categorias: Vivência, Vínculo, Prática, Transtornos Mentais e Formação.

Vivência

Um estudo procurou conhecer a vivência no acolhimento infantil e as educadoras sociais ressaltaram que existem dificuldades para trabalhar com crianças provenientes de realidades que envolvem violência e abandono, e como isso, precisaram gerenciar a inserção da criança na instituição e os seus sentimentos perante a realidade vivenciada, o que gerou tristeza e revolta (Gabatz, Schwartz, & Milbrath, 2019). As cuidadoras necessitaram enfrentar essas questões e suas repercussões emocionais, aspectos que exigem preparo por meio da educação permanente e do suporte psicológico.

Também ficou evidenciado que a institucionalização foi percebida pelas cuidadoras como uma oportunidade para a criança interagir e desenvolver os aspectos físicos, emocionais e psicológicos (Gabatz, Schwartz, & Milbrath, 2019). Contudo, a instituição está longe de ser um lar, pois o ambiente familiar é o melhor lugar, já que representa o seu contexto, a cultura, a individualidade e sua identidade. Desta maneira, é possível compreender que as cuidadoras valorizam o trabalho na instituição, mas por outro lado, ressaltam a importância do contexto familiar, esse aspecto representa algo para discussão, pelo fato de que tais práticas das cuidadoras possivelmente integram elementos de afeto e vínculo.

Em outro estudo buscou-se investigar os pensamentos e sentimentos de educadores em relação às crianças e adolescentes acolhidos, e os sentidos atribuídos a atuação profissional (Costa, Santos, Santos, & Lima, 2018). Os participantes consideraram que têm sentimentos e pensamentos afetuosos em relação aos acolhidos, e vivenciam um dilema entre distanciamento profissional e aproximação afetiva, optando por agir de acordo com o que acreditam representar o papel do educador social. Perceberam seu trabalho como um segundo lar, no qual buscam transmitir valores e ensinamentos, ou evitar que os acolhidos vivenciem experiências negativas.

Os educadores sociais não compreenderam os conflitos e as oposições na vida institucional dos acolhidos, e nem valorizaram os recursos financeiros e educativos propostos pelo abrigo, mostrando pouca familiaridade com os aspectos psicossociais que envolvem o acolhimento e as dificuldades das crianças e adolescentes atendidos (Costa et al., 2018). Assim, identificaram que a rotina profissional é fonte de cansaço devido à falta de apoio psicológico e de capacitação profissional.

Sequeira e Stella (2015) desenvolveram uma pesquisa-ação com educadoras sociais cujo objetivo foi investigar e desenvolver a possibilidade de se tornarem tutores de resiliência, isto é, uma pessoa significativa que possa ser referência para a construção da identidade da criança, um ponto de apoio para a reorganização das experiências traumáticas. As participantes conseguiram se sensibilizar diante das necessidades afetivas das crianças, bem como, compreenderam alguns comportamentos considerados inadequados (xingamentos, destruição de objetos, desvalorização do espaço e pertences recebidos), como consequências de vivências difíceis que as crianças e jovens tiveram que enfrentar ao longo de suas histórias. Inclusive, foram capazes de entender que o abrigamento em si, pode significar um acontecimento adverso na vida das crianças, mesmo que o abrigo venha a suprir todas as necessidades.

As educadoras sociais participaram ativamente dos encontros, na maioria das vezes, direcionando a atenção para as crianças evitando discutir os conflitos pessoais inerentes a suas histórias de vida (Sequeira & Stella, 2015). Também mostraram boa capacidade de associar os temas dos encontros ao cotidiano do abrigo, pois, frequentemente, as educadoras traziam exemplos reais para ilustrar o que estava discutindo. Da mesma forma, foi constatado que todas possuem potencial para tornarem-se tutoras de resiliência, já que apresentam, de acordo com os relatos e com os exemplos trazidos pelas mesmas, bom relacionamento e vinculação afetiva com algumas crianças.

Vínculo

Pesquisadores buscaram compreender a perspectiva de cuidadores acerca da formação e do rompimento de vínculos com crianças institucionalizadas (Gabatz et al., 2018b). Verificou-se que os cuidadores desenvolviam interações com a criança institucionalizada e, nessa interação, algumas vezes construíam vinculações. A formação de vínculo gerou nos cuidadores a necessidade de lidarem com a sua posterior ruptura, quando a criança é adotada ou volta para sua família.

Nesse processo de vincular-se e desvincular-se, diversas foram as dificuldades enfrentadas pelos cuidadores, gerando sofrimento, ansiedade e tristeza. Para tanto, os cuidadores buscavam criar ferramentas de proteção, visando amenizar seu sofrimento frente à perda, por exemplo, a busca por interações superficiais que não suscitem o apego. Contudo, essa não é uma tarefa fácil, sendo que os cuidadores reconheceram que a criança precisa do vínculo e do apego para se desenvolver adequadamente, pois a formação de vínculo é indispensável para oferecer um cuidado integral e de qualidade.

Identificou-se a necessidade de construir estratégias para auxiliar cuidadores e crianças visando minimizar os efeitos negativos causados pelo rompimento de vínculos. Uma maneira de trabalhar essa questão foi destacada pelas cuidadoras neste estudo, quando verbalizaram a necessidade de serem ouvidas e de terem suporte psicológico, de modo que possam compartilhar suas experiências para se fortalecerem emocionalmente buscando desenvolver o seu trabalho.

Outros autores investigaram a percepção de educadores sociais de instituições de acolhimento, especificamente, a forma como o cuidado subjetivo se apresenta em seu cotidiano de trabalho, resgatando informações que permitissem conhecer a lógica vigente nas instituições no que diz respeito à manutenção destes cuidados (Carvalho, Razera, Haack, & Falcke, 2015). Nenhum dos entrevistados citou ter participado de treinamentos para o início das atividades profissionais. Apesar da cobrança inicial de que os concursados se mantivessem atualizados durante o tempo em que viessem a trabalhar nas instituições de acolhimento, os entrevistados referiram que são raríssimos os cursos, palestras ou momentos de reciclagem que são oferecidos e, quando acontecem, geralmente ocorrem pela iniciativa privada.

O cuidado e a preocupação com a educação (em seu caráter escolar) assumiu importância na concepção de todos os entrevistados, o que pareceu surgir como reflexo dos valores contemporâneos, das construções sociais e de seu consequente impacto no regulamento das instituições. Em relação à forma como vivenciam o trabalho, relataram que estão acostumados com a rotina, porém foram unânimes em dizer que é um trabalho que lida diretamente com o sofrimento. O cuidado subjetivo não demonstrou ser a principal preocupação institucional, uma vez que não ficou destacado nos requisitos para a ocupação do cargo o cuidado enquanto uma tarefa, e com isso revelou risco de adquirir um caráter operacional e assistencialista.

Nestes estudos, o vínculo e o cuidado oferecido pelos educadores sociais representam aspectos centrais, mas existem desafios a serem enfrentados no ambiente de trabalho pelo fato de que estão ao lado de crianças institucionalizadas que apresentam demandas referentes aos aspectos afetivos.

Prática

Uma pesquisa-intervenção realizada por Girotto e Amador (2018) objetivou produzir um plano analítico a respeito da produção da subjetividade nos processos e na atividade de trabalho a fim de cartografar seus efeitos na vida de educadores sociais. Foram utilizadas as pistas do método da cartografia usando a seguinte estratégia: participação nas rotinas e proposição de coletivos de análise do trabalho com os educadores do abrigo. Os educadores consideraram que os acolhidos devem se adaptar à rotina institucional, mas os trabalhadores também precisam conhecer o acolhido, de modo que nesse meio se processa uma atividade de trabalho que se faz com o outro.

Os relatos indicaram a centralidade da relação que se estabelece com o acolhido no trabalho de educador, diferente do profissional que se ocuparia apenas dos cuidados de higiene e manutenção da ordem organizacional, e assim, foi evidenciada que a atividade do educador social envolve a gestão das relações de afeto com os acolhidos (Girotto & Amador, 2018). E devido à falta de normativas acerca dos modos operatórios do trabalho de educar, a relação com o acolhido não ficou centrada somente em um educador. Essa forma de gestão realizada na atividade pelos trabalhadores-educadores evidenciou a dimensão coletiva do trabalho, na qual os educadores esperavam pela intervenção do colega ou a convocavam para trabalhar de maneira coletiva.

Carmo (2016) investigou a prática interdisciplinar do educador social e no aspecto referente à descrição das principais atribuições foi identificada a realização do acolhimento voltado à manutenção dos direitos sociais básicos, tais como, a higiene pessoal, alimentação, além disso, outras atividades, por exemplo, monitorar a rotina dos acolhidos, acompanhar nas saídas externas, e auxiliar nos medicamentos de cada criança mediante prescrição médica.

Foram identificados impasses referentes ao desenvolvimento de sua atuação, tais como, a ausência de equipe de trabalho no quadro funcional, sobrecarga de atividades, pouca valorização dos educadores por parte do empregador, falta de motivação para desempenhar as atividades, estrutura física não adequada com móveis antigos, estragados, material insuficiente para desenvolver atividades, e lentidão para solução de determinados casos. Estes aspectos representaram obstáculos no processo emancipatório dos acolhidos, e mostrou o despreparo desses profissionais para atuar na instituição. Os questionamentos dos educadores sociais se referiram à necessidade de uma atenção, por parte do poder público, no cumprimento das normas e diretrizes que integram as garantias direcionadas para as crianças e adolescentes que se encontram no acolhimento institucional.

Transtornos Mentais

Pesquisadores buscaram identificar a presença de Transtornos Mentais Comuns (TMC) em educadores sociais de abrigos (Romero, Akiba, Dias, & Serafim, 2016). TMC se refere aos quadros que apresentam sintomas não psicóticos, como insônia, fadiga, sintomas depressivos, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas, que produzem incapacidade funcional das pessoas, mas que não preenchem os requisitos para os diagnósticos de transtornos mentais, seja do Manual Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM) ou da Classificação Internacional de Doenças (CID).

No que se refere ao desempenho da função, os participantes consideraram que essa atividade apresenta algum tipo de risco. As situações de risco relacionadas no questionário sociodemográfico foram: ameaças de agressões físicas e psicológicas (incluindo ameaças de morte), ofensas, transmissão de doenças, provocações, acidente de trabalho, assalto a mão armada, tentativa de abuso sexual e de agressão, violência física e verbal, e ameaça com arma branca.

Na associação entre a presença de sintomas de TMC e os gêneros masculino e feminino, foi possível identificar que as mulheres apresentam probabilidade estatisticamente significante de desenvolver os sintomas de TMC em relação ao gênero masculino. Na amostra, verificou-se que 68,3% (71 sujeitos) apresentaram índices que caracterizam a presença de TMC, e 59,2% das mulheres apresentam sintomas de TMC em relação a 40,8% dos homens. No que se refere à prevalência de TMC, observou-se que o educador social é propenso à presença dos sintomas de TMC (68,3%) quando comparado aos estudos com outras amostras. Verificou-se que há diferença significativa entre as médias dos grupos relacionadas às variáveis gênero e situação de risco no trabalho, ou seja, quem já passou por situação de risco no trabalho obteve média de pontuação significativamente superior aos indivíduos que não passaram por essa situação.

Nesse estudo, verificou-se significância estatística relacionada ao gênero, idade e escolaridade: as mulheres têm uma chance 4,6 maior de apresentar TMC; a idade está inversamente relacionada com a presença de TMC; e indivíduos no ensino médio têm cerca de 3,9 mais chances de apresentar TMC do que indivíduos com ensino superior incompleto. Tal diferença não é observada em comparação com indivíduos com ensino superior completo. Portanto, identificou-se que a maioria dos educadores sociais pesquisados possui sintomas de TMC, possivelmente devido às situações de altas demandas psicológicas no trabalho. Além disso, identificou-se a necessidade de outros estudos no contexto do ambiente de trabalho para identificar os possíveis transtornos mentais. Isso implicaria na elaboração de estratégias organizacionais de intervenção, por exemplo, treinamento, capacitação e supervisão semanal com o psicólogo da instituição com o objetivo de minimizar os danos à saúde mental.

Formação

Um estudo realizou a caracterização de cuidadoras de crianças numa instituição de acolhimento, e as participantes referiram que não receberam capacitação específica na admissão para o desenvolvimento de suas práticas (Gabatz et al., 2018a). Numa amostra de quinze participantes, seis relataram que na admissão foi realizada uma entrevista em grupo, para identificar o perfil de cada uma, se era para trabalhar com crianças, idosos ou adolescentes. A educação continuada é realizada de uma maneira eventual, não tendo periodicidade, sendo que dez referiram a participação em algum curso, duas afirmaram que conhecem a proposta de educação continuada, mas não participaram, e três relataram que não participaram de nenhuma educação continuada no período em que atuam na instituição.

As participantes que foram incluídas no programa de educação continuada relataram que essa formação ocorre por meio de diversas modalidades, por exemplo, atividades em grupo, palestras e reuniões. Destacou-se a compreensão das participantes acerca da importância de se oferecer educações continuadas, para que seja possível auxiliar o cuidado das crianças institucionalizadas. Complementarmente, quando ocorreu a qualificação a avaliação foi positiva, o que permitiu auxiliar na compreensão do cuidado à criança institucionalizada. E sobre o perfil das participantes, verificou-se a experiência no cuidado à criança e busca de formação profissional. Por outro lado, foi possível identificar reivindicações referentes a remuneração para fins de valorização e reconhecimento dos profissionais. Outro ponto destacado foi o acúmulo de funções e longas jornadas de trabalho, consequentemente, cansaço e sobrecarga, o que pode interferir na motivação para a realização das atividades de cuidado.

Pesquisadores objetivaram verificar se as percepções dos profissionais dos abrigos acerca das dificuldades no trabalho estariam relacionadas às deficiências na seleção, capacitação e formação continuada (Halpern, Leite, & Moraes, 2015). Os autores identificaram que os educadores desconheciam a missão da instituição atribuindo o papel de educador social ao de progenitor. Além de não haver uma seleção criteriosa para o cargo, um dos educadores relatou o despreparo para auxiliar o cuidado na fase da adolescência, período que requer um manejo específico. Conforme os relatos, os profissionais concursados para o serviço público foram alocados sem a análise dos gestores acerca do seu histórico profissional. Por outro lado, a capacitação introdutória ocorreu por meio da convivência com os jovens.

E sobre às reuniões periódicas, verificou-se que a equipe se reúne eventualmente. As supervisões e reuniões ocorriam regularmente até 2008, mas a partir de 2009, passaram para um segundo plano devido à emergência de vários fatores: mudança de prédio, realização de pequenas obras, e a execução de obrigações burocráticas consideradas prioritárias pela equipe técnica. Assim, deixou-se de proporcionar um espaço para a promoção da saúde mental dos funcionários, o que ocorreu vulnerabilidade ao desgaste mental.

Os autores identificaram que na ausência de reuniões regulares, os profissionais tendem a buscar suporte nas conversas informais (Halpern et al., 2015). Embora esses bate-papos sejam úteis e minimizem a ansiedade e o desgaste decorrentes dos desafios enfrentados nos abrigos, muitas vezes são limitados, e não oferecem um suporte com a orientação de um profissional habilitado. As narrativas denunciaram a existência da sobrecarga de trabalho, adicionalmente, se queixaram da defasagem no número de cuidadores, assim como da questão salarial. Contudo, embora alguns entrevistados tenham afirmado que a razão inicial para permanecerem era predominantemente de ordem financeira, já que visavam o seu sustento, por outo lado, gradualmente a motivação se tornou central para promover o acolhimento.

Consequentemente, as fronteiras entre as realidades pessoais e profissionais foram fragilizadas. Em geral, os cuidadores não estavam preparados para manejar as emoções despertadas com o contato estreito das histórias de vida dos jovens, aspecto que se agravou devido à ausência de formação adequada e supervisão. Assim, verificou-se que os educadores tenderam a compensar a ausência de capacitação utilizando seus atributos pessoais nas práticas cotidianas.

 

Discussão

Nos estudos analisados sobre a vivência foi possível compreender que as educadoras sociais valorizam o trabalho na instituição, mas por outro lado, ressaltam que a institucionalização deixa marcas relacionadas à quebra do vínculo com a família, assim percebem que devem suprir as necessidades do desenvolvimento físico e emocional das crianças. Segundo Souza e Sanchez (2017), o vínculo entre o educador social e a criança institucionalizada se estabelece nos momentos em que são realizados os cuidados essenciais que envolvem a alimentação, higiene e saúde, desde que possibilitem a interação e afeto entre ambos.

As reflexões sobre o desenvolvimento da criança no contexto de institucionalização permitem apresentar inferências, pois as crianças inseridas em abrigos deixam de ter alicerces fundamentais referentes à família, por exemplo, no que se refere aos aspectos emocionais, a atenção empática, zelosa e responsiva (Avoglia, Silva, & Mattos, 2012). Nesse momento, é o educador social que desenvolverá a convivência direta com eles, e este será a referência mais próxima de adulto. Dessa forma, o modelo de relação estabelecido pelos educadores desempenha papel fundamental no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes abrigados, à medida que, ao assumir o papel de orientação e proteção estão construindo modelos identificatórios.

As pesquisas identificaram que os educadores sociais estabelecem vínculos com as crianças e adolescentes, e ao mesmo tempo precisam desenvolver estratégias para enfrentar as próprias emoções devido o apego com os acolhidos e suas respectivas histórias de vida. Contudo, verificou-se ausência de contato afetivo com as crianças, isso mostra a necessidade de uma exploração dos aspectos afetivos com os educadores sociais. O cuidado subjetivo não representou a principal preocupação institucional, uma vez que não ficou destacado nos requisitos para a ocupação do cargo, pois o cuidado foi atribuído a uma tarefa, e com isso, revelou risco de adquirir um caráter operacional e assistencialista.

Na produção científica foram identificados resultados semelhantes que permitem contextualizar a esfera do vínculo. Um estudo foi realizado com o objetivo de analisar a percepção de educadores de abrigos sobre o trabalho desenvolvido com crianças em acolhimento institucional (Magalhães, Costa, & Cavalcante, 2011). Os resultados da pesquisa mostraram que as educadoras compartilham o ponto de vista de que as crianças abrigadas têm um atendimento satisfatório da instituição com a alimentação, sono, higiene e segurança física, porém, os aspectos afetivos e intelectuais apresentam lacunas. Tais resultados reforçam a ideia de que os cuidados no abrigo estão associados à sobrevivência física da criança, o que mostra a necessidade de atenção ao cuidado integral.

Desta maneira, é possível perceber a complexidade da atuação do educador social, este que têm a responsabilidade de desenvolver ações socioeducativas no grupo de crianças e adolescentes que estão acolhidos em abrigos institucionais. Esses resultados se mostram reveladores, à medida que ilustram o quão longe está à materialização de um pensamento de cuidado institucional que prevê o atendimento integral às necessidades da criança em situação de vulnerabilidade física, emocional e social, como estabelecem as Orientações Técnicas para Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, elaborado pelo MDS (2009). Atualmente, cresce a percepção de que esse tipo de instituição demanda para seu funcionamento ações que associem o cuidar e o educar. Desta forma, recomenda-se a utilização de investimentos na formação inicial e na capacitação continuada dos educadores sociais, pois essas estratégias alternativas auxiliam o cuidado direcionado às crianças acolhidas.

O serviço de acolhimento abrange um campo de relações que oportuniza trocas sociais e afetivas, por isso, a criança institucionalizada deve ser estimulada a desenvolver interações no meio social que está inserida (Silva, Denardi, Becker, & Delvan, 2015). Desta maneira, os cuidados das educadoras sociais favorecem a socialização, a afetividade e o desenvolvimento integral, contudo, a dinâmica institucional dos abrigos ainda necessita de aprimoramentos para romper efetivamente com o modelo de caráter asilar e excludente.

No que se refere às práticas, nos estudos foram identificadas as lacunas nas normativas acerca dos modos operatórios do trabalho de educar, e o coletivo de trabalho representa o recurso no qual os educadores esperavam pela intervenção do colega ou a convocavam para trabalhar de maneira coletiva. Portanto, se torna pertinente investir em estratégias de educação permanente por meio da análise da atividade de trabalho.

Um ponto para reflexão é a falta de consenso do que deve ser oferecido em forma de capacitação para educadores sociais que atuam em abrigos (Barros & Naiff, 2015), por outro lado, o papel de educador social está delimitado e regulamentado nas políticas públicas. Nesse sentido, refletir sobre o papel do educador e a capacitação impõe uma visão fragmentada, mas que ganha sentido na prática cotidiana. Os educadores estão absorvendo, em seu conhecimento socialmente compartilhado acerca da capacitação, elementos oriundos do discurso oficial referente à Política Pública para a Infância e Adolescência. Portanto, conhecem o significado amplo da capacitação, mas necessitam de informações referentes às práticas.

Em outro estudo com trabalhadores (uma diretora, uma psicóloga, três educadores sociais, quatro auxiliares de apoio, uma cozinheira e três vigilantes) de um abrigo, foi realizado um levantamento de problemas enfrentados em seu cotidiano junto às crianças abrigadas (Pereira, Pereira, & Johnson, 2011). Ao refletir sobre as dificuldades dos abrigos em desempenhar o seu objetivo, as problemáticas registradas mediante discursos dos trabalhadores evidenciaram a necessidade de qualificação específica, assim como, a criação e manutenção de uma política pública de suporte continuada. Portanto, foi possível verificar que os educadores sociais parecem esperar que a capacitação represente um momento de aprendizado que auxilie nas ações, de forma específica no seu contexto de práticas. Por isso, é importante considerar a perspectiva dos educadores enquanto atores sociais que desenvolvem práticas transformadoras referentes a si mesmos e as crianças acolhidas.

Com relação à presença de Transtornos Mentais Comuns - TMC (quadros que apresentam sintomas não psicóticos, como insônia, fadiga, sintomas depressivos, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas), foi possível compreender que os educadores sociais possuem sintomas de TMC, possivelmente devido às situações vivenciadas no trabalho. Outros autores analisaram como os cuidadores expressam seu sofrimento no trabalho, especificamente em abrigos com adolescentes que apresentam transtornos psíquicos ou neurológicos (Moraes, Lemos, Alves, Halpern, & Leite, 2012).

Identificou-se que a organização e os processos do trabalho nas unidades de acolhimento são adversos, estes que são geradores de riscos à saúde mental dos profissionais, proveniente do despreparo para realizar suas atividades de trabalho. Assim, recomenda-se a criação de espaços para supervisão clínica, reuniões em equipe e diálogo sobre os desafios enfrentados no ambiente de trabalho para mediar as situações de tensão e reduzir o desgaste emocional do cuidador. Nesse sentido, a atenção à saúde mental do profissional que trabalha em abrigos, especificamente, os educadores sociais, representa um aspecto importante para promover condições adequadas de trabalho, e desta maneira, se faz necessário desenvolver ações de promoção da saúde.

As pesquisas identificaram que as variáveis no contexto de trabalho, por exemplo, a baixa remuneração financeira e a falta de qualificação podem contribuir negativamente para a qualidade do cuidado. E diante desses resultados, observou-se a importância de valorizar o trabalho, nos eixos econômicos e sociais, e também a capacitação dos profissionais, especificamente para a utilização de práticas psicossociais. O desenvolvimento profissional na área da intervenção psicossocial é efetivado nos espaços que proporcionam uma elaboração cognitiva e afetiva da prática, o que representa uma condição mínima necessária (Bazon & Biasoli-Alves, 2000). Portanto, a qualidade da prática depende do apoio que os profissionais recebem a fim de refletir sobre as experiências para atender adequadamente às necessidades da clientela.

No relato de experiência realizado por Bernardes e Marin (2019) com o objetivo de apresentar uma intervenção realizada com educadoras sociais de uma casa de acolhimento, foi destacada a importância de um olhar cuidadoso para o acolhimento institucional, principalmente no que se refere à qualidade da atenção utilizada por estes profissionais. Verificou-se que existem antigas percepções sobre crianças/adolescentes em situação de acolhimento que contribuem para a manutenção da exclusão e de uma lógica de assistência caritativa, isto é, oferecer as crianças e adolescentes recursos para suprir as suas necessidades, a qual está relacionada a um ato de benevolência. Concomitantemente, ficou notório a baixa preparação da equipe de trabalho para interação com as crianças, o que sinaliza a importância de ações voltadas para este aspecto. Assim, é razoável pensar em possíveis aperfeiçoamentos nas políticas públicas nos serviços de acolhimento, principalmente quando se refere à formação necessária para atuar neste contexto.

Destaca-se a importância do desenvolvimento de atividades voltadas às casas de acolhimento que promovam a autonomia e a cidadania dos acolhidos, por se tratar de um serviço de alta complexidade e que enfrenta diversos desafios enquanto política pública. De acordo com as Orientações Técnicas para Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (MDS, 2009), investir na capacitação e acompanhamento dos educadores/cuidadores é essencial para promover qualidade no atendimento, visto se tratar de uma tarefa complexa que necessita de uma equipe com conhecimento teórico e técnico apropriados. Para isto, é relevante que seja oferecida capacitação inicial de qualidade e formação continuada com o apoio e parceria de profissionais que possuam conhecimento reconhecido no assunto, oriundos de órgãos e entidades públicos ou privados, assim como da sociedade civil organizada.

 

Considerações finais

A finalidade do presente estudo foi realizar uma revisão sistemática das pesquisas empíricas referentes aos educadores sociais em abrigos destinados a crianças e adolescentes. Verificou-se que estes profissionais valorizam o trabalho na instituição, mas por outro lado, ressaltam a importância do contexto familiar. Estabelecem vínculos com as crianças e adolescentes, e, ao mesmo tempo, precisam utilizar estratégias para o manejo das suas emoções

Nos estudos verificou-se que os educadores sociais valorizam o coletivo de trabalho, pois conhecem o significado amplo da capacitação, mas necessitam de informações referentes às práticas. Foram identificados sintomas de Transtornos Mentais Comuns - TMC no grupo estudado, além disso, a baixa remuneração financeira e a falta de qualificação contribuem negativamente para a qualidade do cuidado oferecido pelos educadores sociais.

Os resultados apresentados mostram a necessidade de investimentos na formação inicial e na capacitação continuada dos educadores sociais, portanto, é relevante que seja propiciada formação continuada com a parceria de profissionais que possuem conhecimentos referentes à institucionalização e cuidado integral. A dinâmica institucional dos abrigos necessita ser discutida para romper com modelos assistencialistas. A atenção à saúde mental representa outro aspecto, assim, se faz necessária a oferta de serviços de assistência psicológica e psiquiátrica.

O objetivo desta revisão sistemática foi atingido, uma vez que foram apresentados trabalhos científicos publicados em revistas nacionais. Uma limitação desse estudo reside no fato do mesmo estar restrito a artigos científicos no contexto brasileiro. Tal limitação restringe os resultados obtidos, porém não invalida a relevância deles. Existe a necessidade de analisar resultados em outros contextos socioculturais, por isso recomenda-se a análise de estudos internacionais.

Sugere-se a importância de futuras pesquisas que busquem aprofundar o conhecimento sobre as categorias temáticas identificadas neste estudo, especificamente, a formação dos educadores sociais, visto que apresenta repercussões no cotidiano de suas práticas. Logo, é possível ressaltar a necessidade de estudos com o objetivo de proporcionar um entendimento amplo do cuidado oferecido pelos educadores sociais às crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional. Recomenda-se que as políticas públicas sejam efetivadas por meio de ações que viabilizem o cuidado integral na atuação dos educadores sociais.

 

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Correspondência para:
Sidney Issao Ito
Rua Sydnei Antonio Rangel Santos, 238 - Santo Inacio
Curitiba - PR
E-mail: sidg@gmail.com

Submetido em: 16.07.2020
Aceito em: 05.05.2021

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