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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.14 no.1 São Leopoldo jan./abr. 2021

 

ARTIGOS

 

Idosos encarcerados no Brasil: uma revisão sistemática da literatura

 

Elder prisoners in Brazil: a systematic literature review

 

 

Daniely da Silva Dias Vilela; Cristina Maria de Souza Brito Dias; Marisa Amorim Sampaio

Universidade Católica de Pernambuco

Correspondência

 

 


RESUMO

A população idosa nas penitenciárias brasileiras constitui fenômeno em ascensão. Estereótipos como "velho frágil e indefeso" permeiam o imaginário social e contribuem para a invisibilidade desse contingente. Esta revisão sistemática da literatura analisou artigos, teses e dissertações a partir da pergunta "O que foi publicado sobre o idoso encarcerado no Brasil nos últimos dez anos?". Foram consultados periódicos indexados na SciELO, BVS Brasil, LILACS, PePSIC, Google Scholar, Portal de Periódicos CAPES e no Banco de Teses e Dissertações da CAPES. Foram selecionados para análise seis artigos e cinco dissertações - cinco estudos teóricos, três pesquisas empíricas e três relatos de experiência - organizados em categorias: a) O Sistema Penitenciário e os idosos encarcerados; b) Saúde da população idosa encarcerada; c) Percepção dos idosos encarcerados sobre o envelhecimento; d) Legislação e Políticas Públicas; e) Crimes cometidos por idosos. Os resultados indicam que o número de idosos cresce dentro e fora das penitenciárias. O idoso na condição de réu vivencia insegurança no âmbito penal, pois não há consenso em relação à idade nos documentos jurídicos. O Estado parece não conseguir garantir a integridade física e mental dessa população (em desacordo com as premissas dispostas no Estatuto do Idoso), dadas as precárias condições do Sistema Prisional.

Palavras-chave: idoso; crime; encarcerados.


ABSTRACT

The elder population in Brazilian prisons constitutes a growing phenomenon. Stereotypes such as "frail and helpless elder" permeate the social imaginary and contribute to the invisibility of this contingent. This systematic literature review analyzed articles, theses and dissertations based on the question "What has been published about incarcerated elders in Brazil throughout the last ten years?". Journals indexed in SciELO, BVS Brazil, LILACS, PePSIC, Google Scholar, CAPES Journal Portal and the CAPES Thesis and Dissertation Bank were consulted. Six articles and five dissertations were selected for analysis - five theoretical studies, three empirical studies and three experience reports - organized into categories: a) Penitentiary System and incarcerated elders; b) Health of incarcerated elder population; c) Perception of incarcerated older people about aging; d) Legislation and Public Policies; e) Crimes committed by elders. The results indicate that the number of elders grows inside and outside penitentiaries. The elder as defendant experiences insecurity in the criminal sphere, as there is no consensus regarding age in judicial documents. The State does not seem to be able to guarantee physical and mental integrity of this population (in disagreement with the premises in the Elders Statute), given precarious conditions of the Prison System.

Keywords: elder; crime; incarcerated.


 

 

Introdução

O envelhecimento da população é um fenômeno em ascensão no Brasil e no mundo, sendo amplamente estudado e debatido por vários setores da sociedade. A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2015) aponta que a população mundial tem apresentado um ritmo acelerado de envelhecimento, nunca visto na história da humanidade. Com isso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020) afirma que o Brasil é o lar de aproximadamente 20 milhões de idosos. Estima-se que, em 2060, o número total de idosos no país chegue a quase triplicar, passando a 58 milhões. Logo, daqui a cinco anos, seremos o sexto país no mundo em número de idosos (Camarano, 2004).

O envelhecimento humano é um processo dinâmico, progressivo e que acarreta alterações físicas, psicológicas e sociais. Nesse sentido, a última fase da vida pode ter início após a terceira década (Papaléo Neto, 2016; Zimerman, 2007). De maneira geral, a velhice acarreta algumas manifestações como a diminuição da eficiência operacional, trabalho e resistência, além de perdas dos papéis sociais, perdas psicológicas, motoras e afetivas, bem como impacta na solidão. Tais alterações podem ser acentuadas devido "à ausência de adaptação ao meio, resultando em situação de vulnerabilidade", como o envolvimento do idoso com a criminalidade e risco a doenças (Papaléo Neto, 2016, p.11).

Nesse sentido, essa fase do desenvolvimento possui características singulares a cada pessoa, pois depende da história de vida, da qualidade dos vínculos que construiu, das oportunidades e do conhecimento aos quais teve acesso, de acordo com o contexto social e a cultura na qual foi inserida (Fruett, 2015). Logo, a velhice assume diversas formas de representação que variam conforme o momento histórico, a cultura e o contexto.

Com o envelhecimento da população, surgem diversas demandas, dentre elas merece destaque o aumento no número de idosos encarcerados (Carmo & Araújo, 2011; Ghiggi, 2012, 2018; Keinert, 2009; Magalhães, 2017; Melo, Coelho, Oliveira, & Souza, 2016; Monteiro, 2013; Oliveira, Costa, & Medeiros, 2013; Pompeu, 2015). O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) indica que os idosos encarcerados representam 1,4 % da população total, ou seja, cerca de dez mil em um total de 748,009 mil pessoas privadas de liberdade (INFOPEN, 2004/2019).

Sendo assim, embora esse quantitativo não represente um dado alarmante em relação à população geral, é importante ressaltar que o número de idosos encarcerados apresentou um crescente aumento entre os anos de 2005 e 2019. Em 2005, eram 1.350 idosos encarcerados, entre homens e mulheres. Em 2009, o número desses idosos passou a ser 4.076; em 2011, chegou a 4.849, em 2016, passou a 6.895, e, em 2019, atingiu o total de 10.273 representando um aumento de 660% em 14 anos (Carmo & Araújo, 2011; Melo et al., 2016; INFOPEN, 2004/2019).

O aumento nas estatísticas dos crimes cometidos por idosos, conforme Brandão (2015), tem a ver com os avanços tecnológicos e a globalização. As novas demandas sociais acabam por jogar esses idosos "muitas vezes, [...] em um vazio: não são afortunados para usufruírem de uma aposentadoria decente, nem tão jovens para concorrerem num competitivo mercado de trabalho" (p. 31). Para Côrte (2010) e Melo et al. (2016), outro fator se refere ao número crescente de pessoas que estão envelhecendo no sistema prisional devido à reincidência criminal que ocorre em consequência de falhas no processo de ressocialização.

É importante considerar que em países de terceiro mundo, como o Brasil, o impacto social é mais significativo que o biológico. Papaléo Netto (2016) faz alusão às dificuldades socioeconômicas nesses países que, de forma arcaica, privilegiam uns em detrimento de outros, tornando-se verdadeiras fábricas de desigualdades sociais. Assim, nessa realidade observa-se que a fome, a violência, o desemprego, o analfabetismo, aliados à ausência de moradia digna e saúde adequada, colocam toda a população e, principalmente, os mais idosos em situação de risco.

Nesse entendimento, a pessoa idosa, quando envolvida pelo fenômeno da violência, comete um crime e por ele é julgada e condenada a cumprir pena em uma instituição prisional, passa a ser um idoso encarcerado. Vários fatores podem contribuir com essa condição, dentre eles características biológicas, cognitivas, emocionais e comportamentais da pessoa idosa, atuantes em seu processo de desenvolvimento em um determinado contexto, as quais influenciam dinamicamente a maneira como o idoso estabelece suas relações interpessoais, violentas ou não (Koller & De Antoni, 2011).

O imaginário social construiu a figura de um idoso frágil e indefeso, assim, vê-lo no lugar do criminoso é algo pouco cogitado. Na verdade, é comum encontrá-lo no lugar da vítima e não no banco dos réus. É natural que, ao envelhecer, o sujeito se torne mais dependente de forma global, mas nem sempre incapaz física e mentalmente. Os estereótipos construídos em torno da velhice podem, inclusive, favorecer a prática de crimes por esta população (Brandão, 2015; Monteiro, 2013).

Na realidade brasileira, os dados estatísticos apresentados, demonstram que o número de idosos cresce fora, mas também, dentro das penitenciárias. A importância de obter e difundir informações sobre a pessoa idosa encarcerada repousa na possibilidade de incentivar o surgimento de políticas de prevenção ao envolvimento com a criminalidade e chamar a atenção das autoridades para a melhoria da qualidade de vida desta população no ambiente prisional, historicamente construído para pessoas jovens.

Este estudo propôs realizar uma revisão sistemática da literatura, tendo como pergunta norteadora "O que foi publicado sobre o idoso encarcerado no Brasil nos últimos dez anos?". Para tanto, realizou-se uma pesquisa nas bases de dados eletrônicas obedecendo aos critérios de inclusão e exclusão. A partir disso, constatou-se a não localização de trabalhos oriundos da Psicologia, bem como de revisões sistemáticas neste recorte, o que indica a relevância deste estudo.

 

Método

Foi realizada uma revisão sistemática da literatura, método que busca detectar o maior número de informações disponíveis sobre uma temática específica. Portanto, concorre para que seja possível identificar as principais publicações, bem como as limitações do campo pesquisado. Constitui-se uma metodologia essencial para o progresso da pesquisa e da prática profissional (Ossó, 2014).

A pesquisa foi realizada entre novembro de 2019 e janeiro de 2020 mediante busca eletrônica de periódicos indexados na: SciELO (Biblioteca eletrônica), PePSIC (Base de dados), LILACS (Base de dados), BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), Google Scholar (Ferramenta ampla de busca), Portal de Periódicos CAPES (Biblioteca virtual) e do Banco de Teses e Dissertações da CAPES (Base multidisciplinar), selecionadas por disponibilizarem acesso gratuito ao conteúdo (Costa & Zoltowski, 2014).

As palavras-chave utilizadas para a busca foram controladas pelo vocabulário de terminologias em psicologia da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS-Psi), em língua portuguesa: Idoso, Crime, Encarcerados. Uma busca inicial foi realizada com o uso dos operadores booleanos "AND" e/ou "OR". Assim, constatou-se um número expressivo de trabalhos que versavam sobre o idoso vítima de crimes. Para controlar essa variável, acrescentou-se à equação de busca o operador booleano "AND NOT" (Idoso Vítima). Desse modo, na estratégia de busca final foram mantidos os termos descritos em associação a este último.

Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: artigos completos de livre acesso, Teses e Dissertações, publicados nos últimos dez anos no Brasil (período de janeiro de 2009 a dezembro de 2019) em língua portuguesa. Como critérios de exclusão, foram definidos: TCCs de graduação ou especialização, livros, capítulos de livro, E-Books, resumos estendidos de anais de congresso.

A trajetória de análise dos trabalhos obedeceu a duas etapas: 1) leitura do título e resumo; quando por falta de informações mais precisas no resumo, foi feita uma leitura parcial do método e dos resultados; 2) leitura na íntegra dos trabalhos selecionados, segundo os critérios de inclusão e exclusão.

A estratégia de busca dos artigos, Teses e Dissertações consta no Fluxograma (Figura 1), cuja apresentação detalhada foi descrita na Tabela 1: locais, quantidade de publicações encontradas, número de trabalhos removidos por não atenderem aos critérios de inclusão ou por obedecerem aos critérios de exclusão e os removidos por duplicidade. A seleção do material foi realizada por dois juízes independentes e à medida que surgiam divergências na comparação dos resultados, optava-se pelo consenso.

A partir das buscas de periódicos indexados na: SciELO, BVS Brasil, LILACS, PePSIC, Google Scholar, Portal de Periódicos CAPES e Banco de Teses e Dissertações do CAPES, foram localizados 1.337 estudos, dos quais 1.326 não atenderam aos critérios necessários, restando 11 trabalhos para análise, dentre eles, seis artigos e cinco Dissertações de Mestrado.

A base de dados eletrônica Google Scholar, foi a que apresentou mais trabalhos por constituir uma ferramenta ampla de busca, possibilitando o encontro de materiais diversos como resumos de congresso e trabalhos na íntegra (Costa & Zoltowski, 2014, p. 60). Nela, foram encontrados 945 trabalhos, destes, 910 foram removidos por atenderem aos critérios de exclusão (Tabela 1). Esse veículo tende a resgatar trabalhos que contenham uma, duas ou todas as palavras-chave, por isso, geralmente recupera um número superior a outras bases. Na sequência, tem-se o Portal de Periódicos e Banco de Teses e Dissertações da CAPES. Na PePSIC - Base de dados de periódicos científicos em Psicologia e áreas afins, não foram encontrados trabalhos na temática.

 

Resultados

Os 11 estudos analisados estão listados na Tabela 2 mediante: local da revista, local da publicação da Dissertação, modalidade do estudo, título do trabalho, autoria, ano de publicação, área, objetivo, participantes, instrumentos/procedimentos, principais resultados. Desse modo, apresentam-se cinco estudos teóricos, três pesquisas empíricas e três estudos de caso.

No que se refere aos objetivos das 11 publicações, todas foram agrupadas em cinco categorias: a) O Sistema Penitenciário e os idosos encarcerados; b) Saúde da população idosa encarcerada; c) Percepção dos idosos encarcerados sobre o envelhecimento; d) Legislação e Políticas Públicas; e) Crimes cometidos por idosos.

Em relação às características dos estudos e local de origem das pesquisas, observa-se que a maior parte dos trabalhos tem origem nos Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, totalizando três para cada estado; seguidos pelo DF com duas investigações; em condições de igualdade estão Minas Gerais, Fortaleza e Paraíba, com uma pesquisa cada. Assim, percebe-se que as regiões Sudeste e Sul do país estão estudando mais sobre os idosos encarcerados em detrimento da região Nordeste. Não foram encontradas também publicações nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil.

As áreas primárias das publicações foram: três trabalhos das Ciências Criminais; seguidos por uma publicação em cada nos campos do Direito; Direito Constitucional; Gerontologia; Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa; Enfermagem; Saúde Pública; Administração Pública; Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional. O ano que mais contou com trabalhos foi 2018, sendo três no total. No ano de 2013, apareceram dois e para os outros anos (2009, 2011, 2012, 2015, 2016, 2017) apenas uma pesquisa. Diante disso, observa-se que o interesse pelo idoso encarcerado cresceu nos últimos anos, provavelmente por conta do aparecimento dessa população em maior número no Sistema Penitenciário. Acerca dos participantes, os idosos encarcerados estiveram presentes em apenas três estudos: um envolvia idosos do sexo masculino e feminino e dois, idosos do sexo masculino.

No caso dos instrumentos utilizados, sobressaíram-se as entrevistas em dois estudos; questionário, em um; testes de avaliação funcional, cognitiva, adaptativa, em outro. Os oito trabalhos restantes foram desenvolvidos como revisões da literatura e estudo de caso. Destarte, houve consenso entre os autores sobre o número reduzido de literatura acerca do idoso encarcerado, sendo este o principal obstáculo na construção de suas pesquisas.

Nesse sentido, percebe-se uma carência de estudos em Psicologia, o que alerta para a necessidade de os pesquisadores e os periódicos da área publicarem mais sobre o idoso encarcerado. Estudar as consequências do encarceramento sobre o psiquismo do idoso como tristeza, solidão, isolamento social, agravamento das doenças mentais em consequência do ambiente insalubre da prisão e, não raro, o suicídio, tal como alertou Keinert (2009), pode ajudar no que tange à implementação de medidas que impactem na qualidade de vida do idoso no contexto prisional.

 

Discussão

Como foi referido, os estudos ressaltados foram organizados em cinco categorias: a) O Sistema Penitenciário e os idosos encarcerados; b) Saúde da população idosa encarcerada; c) Percepção dos idosos encarcerados sobre o envelhecimento; d) Legislação e Políticas Públicas; e) Crimes cometidos por idosos.

Alguns princípios são importantes para discutir o Sistema Penitenciário e os idosos encarcerados. Dentre eles, destacam-se as Regras Mínimas para Tratamento de Presos no Brasil e as Diretrizes Básicas para Arquitetura Prisional. O primeiro foi descrito na Resolução nº 14 (1994), no Art. 07, e dispõe sobre o direcionamento do preso às instituições prisionais, de acordo com as características pessoais e idade. Além disso, prevê o acompanhamento médico, devendo este profissional indicar a capacidade física do detento para o trabalho. O segundo orienta o conhecimento prévio das características da população carcerária, inclusive a idade, para adequação das unidades prisionais (Brasil, 2011).

Assim, nos dois documentos existe a preocupação com as características da população carcerária como idade, saúde, adequação às atividades laborais e adaptação das unidades prisionais para atender às necessidades dos prisioneiros, incluindo também os idosos reclusos, embora estes não estejam citados diretamente. As instruções buscam assegurar que as regras mínimas sejam respeitadas pelo Sistema Penitenciário para favorecer a adaptação e a ressocialização dos detentos.

No que se refere às características da população idosa encarcerada, Melo et al. (2016) e Oliveira et al. (2013) identificaram que, em sua maioria, são do sexo masculino com média de 66 anos de idade, casados ou mantinham algum vínculo afetivo. Possuíam algum tipo de rendimento mensal, eram alfabetizados (Ensino fundamental), estando reclusos de três a 15 anos, em média. Nesse contexto, Santos (2018) corroborou com estes dados no que se refere ao sexo e ao grau de escolaridade. Contudo, acrescentou que 35% das mulheres em sua pesquisa eram analfabetas.

Assim sendo, o baixo nível de escolaridade foi um dado comum às pesquisas. Essa variável chama atenção por estar relacionada, frequentemente, com as classes menos favorecidas que são marcadas pela ausência de oportunidades e, consequentemente, pela exclusão que antecede o encarceramento. Além disso, Balbuglio e Silva (2018) lembraram que estar em minoria em relação à população mais jovem produz consequências, pois os idosos se tornam menos visíveis ao Estado. No caso das mulheres idosas, a situação é pior, pois a baixa representatividade - em relação aos homens idosos - dificulta ainda mais a garantia de seus direitos.

Determinados impasses podem tornar a vida do idoso no cárcere mais desafiadora; dentre eles, o abandono familiar é o que pode ocasionar mais impactos (Oliveira et al., 2013). Desta maneira, os motivos que podem levar ao afastamento por parte da família são: vergonha de visitar um parente encarcerado; as longas filas; o trato, por vezes inadequado, dos agentes penitenciários; a revista corporal e dos objetos; angústia e sensação de impotência quanto às dificuldades que o idoso pode manifestar, entre outros. O abandono familiar também dificulta o acesso às provisões não fornecidas pelos estabelecimentos penitenciários, sendo este mais um obstáculo a ser enfrentado pelos idosos no cárcere (Ghiggi, 2018).

Nota-se que boa parte dos idosos encarcerados acaba por perder o contato com suas famílias, pois o ambiente prisional dificulta essa convivência (Oliveira et al., 2013). Sendo assim, Santos (2018) constatou que a maior parte deles, tanto os do gênero masculino como do feminino, informou não receber visitas dos parentes. Todavia, entre os que relataram receber visitas, observou-se uma diferença: os homens idosos são visitados pelas companheiras e as mulheres idosas pelos filhos.

Outra dificuldade está relacionada com o trabalho, pois em algumas unidades prisionais o idoso é impedido de exercer atividade laboral. Com isso, os obstáculos ao exercício ocupacional/laboral podem produzir consequências à sua saúde integral. Para a pessoa encarcerada, o trabalho representa produtividade, poder de decisão, autonomia, bem como favorece o contato entre os internos, contribui com a remissão da pena e melhoria da qualidade de vida (Oliveira et al., 2013). Portanto, essa atividade precisa ser incentivada sempre que o idoso oferecer condições de saúde para sua realização.

No tocante à saúde da população idosa encarcerada, tomaremos como ponto de partida o Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário - PNSSP. Instituído em 2003, ele assegura a prestação de assistência à saúde, de modo integral, à população prisional, mas não menciona de modo específico o público idoso. O principal objetivo do plano consiste promover uma reorientação em relação ao modelo anterior, centrado na doença, para a integralidade das ações. A medida foi fruto da proposta que teve como base levar o Sistema Único de Saúde (SUS) aos presídios (Brasil, 2005).

O PNSSP se assemelha à Política de Saúde do Idoso (Portaria n.1.395 do ano de 1999), que recomenda a prática de exercícios, inclusão social, redução de danos em decorrência da continuidade no uso de álcool e do tabaco, prevenção ao estresse, automedicação e combate às agressões psíquicas e físicas (Keinert, 2009). Posteriormente, em 2006, foi estabelecida, por meio da Portaria n. 2.528 do ano de 2006, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI), que dispõe sobre o cuidado ao idoso acerca da atenção básica (Brasil, 2006).

No entanto, Ghiggi (2018) e Oliveira et al. (2013) pontuam que, mesmo diante das recomendações das portarias - que prezam pelo cuidado à saúde do idoso - e do principal objetivo do PNSSP, o foco no cuidado à saúde da população carcerária permanece no público jovem e nas doenças mais prevalentes nas prisões. Os autores acrescentam que o sistema prisional continua apresentando uma lógica reducionista, pois se limita aos cuidados das infecções sexualmente transmissíveis, redução de danos ao uso de álcool e drogas, imunizações.

A respeito das doenças que mais atingem os idosos encarcerados, Keinert (2009) destacou: diabetes, hipertensão arterial, AIDS, infecções sexualmente transmissíveis (IST), tuberculose e hanseníase. Advertiu também que os transtornos mentais têm sido a causa de suicídios entre essa população. Nesse contexto, Melo et al. (2016) concordaram quanto à prevalência da diabetes e da hipertensão, pois, em sua pesquisa, 40% dos idosos advindos do regime fechado apresentavam essas disfunções.

Nesse entendimento, Santos (2018) pesquisou a presença ou ausência de doença crônica na população idosa encarcerada do Ceará, mas não obteve sucesso, pois os resultados não haviam sido registrados. Com isso, inferiu que o fato poderia ter sido ocasionado por falta de acesso aos serviços de saúde, ou os idosos detentos desconheciam os sintomas dessas doenças e, por isso, não buscavam atendimento. Balbuglio e Silva (2018) e Keinert (2009) destacaram que os serviços podem estar disponíveis nas unidades de saúde, mas fora do ambiente prisional e, nesses casos, a saída dos estabelecimentos depende de outras instâncias como: autorização, escolta, transporte adequado, entre outros.

No sistema penitenciário, outro transtorno que oferece risco aos idosos encarcerados é a superlotação das unidades, além dos que já foram expostos anteriormente. No estado do Ceará, as celas têm capacidade média para seis detentos. Na ocasião da pesquisa, Santos (2018) constatou que os idosos eram ocupantes majoritários em celas com até 17 pessoas.

Da mesma forma, a superlotação atinge as penitenciárias de todo o país, pois, de acordo com dados do INFOPEN (2004/2019), em dezembro de 2019 existiam 755.274 pessoas privadas de liberdade, porém a capacidade era para 442.349 pessoas. Isso corresponde a um déficit de 312.925 vagas. Estima-se que, com o crescimento da população carcerária a cada ano, os números tendem a aumentar (Pompeu, 2015).

As circunstâncias sub-humanas de encarceramento (má alimentação, ambiente insalubre, celas superlotadas, ausência de recursos humanos, condições de saúde precárias, estrutura frágil das instalações de atendimento, dificuldades para se obter acesso ao diagnóstico prévio de doenças) dificultam as possibilidades de desenvolvimento da população idosa. Assim, a falta de recursos torna o contexto prisional um ambiente vulnerável e nocivo para os idosos (Carmo & Araújo, 2011; Ghiggi, 2012; Melo et al., 2016; Pompeu, 2015; Santos, 2018). Por conseguinte, mesmo diante das regras mínimas para o tratamento de presos no Brasil, as pesquisas corroboram que o sistema penitenciário brasileiro, na atualidade, não possui condições de oferecer adaptações à demanda dos idosos encarcerados (Carmo & Araújo, 2011; Ghiggi, 2012; Melo et al., 2016; Pompeu, 2015; Santos, 2018).

A percepção dos idosos encarcerados sobre o envelhecimento foi investigada por autores como Oliveira et al. (2013). Estes relataram que os idosos se sentiam desvalorizados pela sociedade e, em consequência do preconceito social, demonstram resistência para reconhecer que se encontram na fase da velhice. Em relação a isso, Keinert (2009) e Oliveira et al. (2013) mencionaram que ser um preso idoso potencializa a discriminação social, pois além de velho é encarcerado, portanto, vítima de dois preconceitos.

Oliveira et al. (2013) constataram que o significado do envelhecimento para os idosos está associado às vivências atravessadas por afetos desagradáveis que remontam à própria finitude, à doença, à fadiga. Esses resultados também foram evidenciados por Balbuglio e Silva (2018), no estudo de caso com uma mulher idosa encarcerada que, por estar longe de casa, do marido, da família, costumava esboçar sentimentos de tristeza, solidão e medo de morrer na prisão. Portanto, o cárcere produz adoecimento, pois interfere negativamente no processo de envelhecimento, oportunizando o desenvolvimento de distúrbios emocionais, fisiológicos e sociais. Tais efeitos recaem sobre o idoso encarcerado e nas pessoas que compõem a sua rede de apoio afetivo (Oliveira et al., 2013).

Diante das questões discutidas até o momento, é importante saber o que a Legislação e as Políticas Públicas têm a dizer sobre o idoso encarcerado. Assim, nossa trajetória começa pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (2016). Ela assegura aos cidadãos direitos e garantias fundamentais: o artigo 1º, inciso III, dispõe sobre a dignidade da pessoa humana e o artigo 5º confere igualdade perante a lei. Tais preceitos são balizadores ao ordenamento jurídico em nosso país (Keinert, 2009; Pompeu, 2015). No entanto, a Constituição, em seus artigos 229 e 230, já primava por garantir que a família, o Estado e a sociedade amparassem as pessoas idosas promovendo direito à vida, dignidade, bem-estar e acesso à comunidade.

Assim, o aumento da população de idosos no Brasil e no mundo gerou a necessidade de assegurar a implementação de outras medidas. Por meio do Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, foi garantida às pessoas idosas acima de 60 anos a proteção integral e prioridade no que se refere às políticas públicas (Estatuto do Idoso, 2003).

Com base nesse entendimento, o Direito Penal implementou o aumento da penalidade e estabeleceu causas de agravamento aos delitos cometidos contra o idoso vítima de crimes. No entanto, em relação ao idoso que comete um crime, não há benefícios em consequência da idade (Monteiro, 2013). Desse modo, o idoso réu será julgado e submetido aos artigos do Código Penal Lei nº 2.848/1940 da mesma forma que o maior de 21 anos (Código Penal, 1940/2017).

Nessa perspectiva, o Código Penal desconsidera a idade definida pelo Estatuto do Idoso, pois concede benefícios em função da idade somente após os 70 anos. Por isso, descreve no Art. 115 que a redução nos prazos de prescrição da pena pela metade será aplicada "quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 anos ou na data da sentença maior de 70 anos" (p. 46).

Dando continuidade, o Art. 65 reforça os atenuantes da pena quando o agente for maior de 70 anos na data da sentença. Por conseguinte, no Art. 26, o idoso réu pode se tornar inimputável quando por "doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento" (p. 18). Enquadra-se nesses casos o idoso que comprovar estar acometido por algum tipo de demência (Monteiro, 2013).

Dessa maneira, para o Código Penal, a pessoa que comete crimes entre os 60 e os 70 anos de idade não será considerada idosa, pois os benefícios em função da idade somente serão concedidos nos casos em que o agente contar com mais de 70 anos. Vale ressaltar que a população carcerária inserida na faixa etária dos 60 aos 70 anos representa 84% dos idosos encarcerados (INFOPEN, 2004/2019).

Quanto à Lei de Execução Penal (LEP) nº 7.210/1984, percebe-se a tentativa de amenizar os impactos do envelhecimento, quando adota para os idosos apenados os mesmos direitos reservados à mulher detenta (Carmo & Araújo, 2011). Assim, em conformidade com o Estatuto do Idoso, a LEP versa, no Art. 82, que a mulher e o maior de 60 anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal (LEP, 1984).

No entanto, a LEP incide em contradição no que diz acerca da idade. No Art. 117, consta que a pessoa condenada só será admitida em regime aberto em residência particular quando se tratar de maior de 70 anos ou estiver acometida por doença grave (Ghiggi, 2012, 2018; LEP, 1984; Pompeu, 2015). Nesse ponto, contrapõe-se ao Estatuto do Idoso e igualmente ao Código Penal, pois considera a pessoa como idosa somente após os 70 anos. Percebe-se que há incongruência entre os artigos da LEP quando fazem menção à idade da pessoa idosa.

O Código de Processo Penal Lei nº 3.689/1941 (2017), que versa sobre a Prisão, as Medidas Cautelares e a Liberdade Provisória, no capítulo IV, dispõe sobre a prisão domiciliar e no Art. 318 aponta que: "poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for maior de 80 (oitenta) anos" (p.80). Assim, a lei citada também incorre na equivalente desarmonia dos documentos jurídicos acerca da idade, direitos e benefícios concedidos ao idoso no lugar de réu (Ghiggi, 2012, 2018; Pompeu, 2015).

Ghiggi (2012; 2018) argumentou que nenhum outro documento no ordenamento jurídico deveria estar acima do disposto no Estatuto do Idoso. Por isso, o marco etário dos 60 anos deveria ser harmonicamente acatado pelo Direito Penal em todas as instâncias, pois, embora o Estatuto não faça referência especificamente ao idoso encarcerado, subtende-se que os direitos assegurados aos idosos institucionalizados os contemplam.

Nesse contexto, a diferenciação etária feita pelo Código Penal, pela LEP e pelo Código de Processo Penal, contraria o disposto na Constituição Federal de 1988 (2016) que versa, no Art. 5º, sobre a igualdade dos homens perante a lei, sem distinção. Assim, um legislador não deveria supor, sem indícios cientificamente comprovados, que um idoso de 80 anos é mais frágil que um de 60 anos, pois a fase da velhice engloba várias formas de envelhecer, a depender de fatores biológicos, psicológicos, ambientais, sociais, culturais, econômicos, entre outros. Desse modo, cada caso deveria ser avaliado em suas peculiaridades (Ghiggi, 2012; 2018).

Entretanto, Keinert (2009) pontuou que existe uma tentativa da LEP para considerar o envelhecimento quando busca proteger o idoso em ambiente prisional. Tomou como base o disposto no Art. 32, § 2º que diz: "os maiores de 60 (sessenta) anos poderão solicitar ocupação adequada à sua idade". No que concerne ao trabalho, há uma preocupação por parte da legislação penal para com os idosos.

De igual modo, o Código Penal (2017) faz um esforço para humanizar e proporcionar mais flexibilidade quanto à condenação do idoso, ficando claro no Art. 77, III, § 2º que: "a execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão" (p. 34).

No entanto, mesmo que a legislação faça o possível para humanizar a penalidade aplicada à pessoa idosa, Santos (2018) e Ghiggi (2012; 2018) constatam que altas penalidades são imputadas aos idosos no sentido de que sejam cumpridas em regime fechado. Chamam a atenção para o fato de que, devido à expectativa de vida da população brasileira, que gira em torno dos 76 anos, conforme dados fornecidos pelo IBGE (2020), o montante da pena equivaleria a uma condenação perpétua ou vitalícia. Dessa forma, o idoso condenado não sairia com vida do cárcere, em razão das condições precárias dos estabelecimentos prisionais, pois estes reduzem, significativamente, a expectativa de vida dessa população.

Balbuglio e Silva (2018), Ghiggi (2012; 2018), Magalhães (2017), Monteiro (2013) concluíram que o juiz, ao tomar decisões no que se refere à penalidade concedida a um idoso, não considera o contexto que desencadeou a ação criminosa. Ele tende a não levar em conta as dificuldades provenientes dessa fase do desenvolvimento e dos processos de adoecimento provocados pelas condições insalubres do atual sistema penitenciário.

Diante disso, Carmo e Araújo (2011) e Ghiggi (2012, 2018) indicam a ausência de políticas nesses espaços prisionais e igualmente defendem o surgimento de medidas que priorizem a qualidade de vida, sobretudo inclusivas, para os idosos encarcerados e egressos do sistema prisional. A proposta de inclusão que vigora em favor do egresso no sistema atual atende, preferencialmente, ao público em idade produtiva. Isso acontece em decorrência das Resoluções nº 04, de 2001, e nº 01, de 2008, que priorizam a criação e a manutenção de Patronatos Penitenciários, com a finalidade de promover assistência ao ex-detento do sistema prisional e garantir inclusão por meio da atividade trabalhista. Em virtude disso, o idoso egresso, que provavelmente não mais voltará ao mercado de trabalho, passa despercebido (Ghiggi, 2018).

Destarte, o autor mencionado sugere como proposta de inclusão dos idosos encarcerados a implementação da Resolução nº 05, de 2004, que versa sobre o cumprimento de medida de segurança. Com efeito, na 16ª diretriz, constam orientações para desinstitucionalização psiquiátrica de pacientes que não possuem suporte familiar. Por conseguinte, essas pessoas deveriam ser alvo de políticas públicas que favorecessem a reabilitação psicossocial por meio da inserção em Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT).

As Residências Terapêuticas são casas situadas em espaço urbano que se destinam a oferecer aos moradores suporte interdisciplinar com ações e projetos que favoreçam o desenvolvimento individual e o grupal. Além disso, buscam oportunizar a inserção das pessoas nas redes de serviços, organizações e comunidade (Brasil, 2004). Portanto, essa política, caso fosse expandida aos idosos egressos do sistema prisional, caracterizaria uma alternativa de inserção social, sem remeter, obrigatoriamente, ao trabalho produtivo (Ghiggi, 2018; Keinert, 2009).

Pompeu (2015) acrescenta que muitos obstáculos se sobrepõem à inclusão social dos egressos em todas as idades e corroboram com a ideia de que o modelo atual de Justiça Retributiva - que tem como foco a culpabilização do ofensor, pela qual a penalidade representa um meio de compensar a sociedade e a vítima pelos impactos do crime - não colabora para esse fim.

Para o autor citado, a falta de participação da sociedade, a ausência de capital humano e ambientes inadequados contribuem para que a pena aplicada ao ofensor não atinja o objetivo de ressocializá-lo. Assim, a função social da pena - "punir e, a um só tempo, reeducar, para que a pessoa detenta possa ser reintegrada ao convívio social, sem oferecer, contudo, risco à sociedade" - torna-se inoperante (Carmo & Araújo, 2011, p.192). Diante disso, Ghiggi (2018) e Pompeu (2015) concordam quanto à necessidade da implementação de outros meios diversos do sistema tradicional.

A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) - composta por voluntários da sociedade civil que prestam atenção religiosa, psicológica e jurídica aos condenados, por meio do método de corresponsabilização - figura como uma das alternativas (Pompeu, 2015).

Melo et al. (2016) corroboram com essa perspectiva, pois evidenciaram em sua pesquisa que a APAC seria uma boa opção, sobretudo, para os idosos. Essas instituições estão preocupadas com a adaptação e como o ambiente é organizado para favorecer a valorização das singularidades. Elas não requerem segurança máxima, pois os reeducados reconhecem que são valorizados. Existe a possibilidade de funcionarem com a progressão de regime fechado para o semiaberto, incentivo esse que costuma repercutir positivamente entre os detentos. Na ocasião, a APAC visitada não havia registrado fuga, rebeliões, agressões graves ou mortes.

Nesse contexto, também se encaixa a Justiça Restaurativa que representa uma nova forma de conceber o crime. A intervenção direciona o foco para o fenômeno que envolve a criminalidade, pois procura agregar os interesses da vítima, do ofensor e da sociedade. Objetiva a restauração dos danos causados à vítima, à sociedade, às relações interpessoais, mas também, ao ofensor, pois tem como finalidade a preservação da dignidade humana, principalmente da pessoa idosa (Pompeu, 2015).

Ghiggi (2012; 2018) acrescenta que seria imperioso refletir sobre a implementação de políticas públicas que garantem a prevenção ao envolvimento do idoso com a criminalidade, por meio da inclusão social. Balbuglio e Silva (2018), bem como Keinert (2009), defendem a implementação de medidas desencarceradoras. No entanto, essas medidas precisariam funcionar em conjunto com ações intersetoriais e planejadas por meio do apoio de uma rede formal aos idosos: saúde, assistência social, educação, cultura, justiça; e informal: amigos, familiares e comunidade; caso contrário, tal medida não seria satisfatória (Keinert, 2009).

Portanto, legislação e políticas públicas necessitam caminhar juntas, a fim de que seja possível a efetivação de direitos da classe. Torna-se necessário pensar em medidas que previnam a prática de crimes cometidos por idosos, correções e adaptações do sistema penitenciário para que a penalidade seja cumprida com dignidade.

No que se refere aos crimes cometidos por idosos, Santos (2018) constatou que os delitos são majoritariamente contra a pessoa (34%) e, em segundo lugar, contra o patrimônio (33%). Esses achados são corroborados por outros estudos realizados no país, não incluídos nesta revisão por não atenderem aos critérios de inclusão. Desse modo, ao analisar as matérias dos jornais diários do Estado de São Paulo, entre 2004 e 2005, que fizeram referência ao idoso como agente de delitos, Côrte (2010) verificou que a maior parte das matérias (90%) tratava de crimes contra a pessoa.

Em razão disso, Brandão (2015), ao analisar os boletins de ocorrência de uma delegacia no Rio Grande do Sul, em 2013, também concluiu que a maioria dos crimes nos quais o idoso era acusado de cometer delitos 53,2% correspondiam aos crimes contra a pessoa. Ao realizar levantamento do perfil da população de idosos em cumprimento de pena no regime aberto e livramento condicional do sistema prisional do Estado de Pernambuco, em 2018, Vilela e Silva (2019) também constataram que eles haviam sido condenados, em sua maioria, pela prática de crimes contra a pessoa (38%).

Todavia, Monteiro (2013) verificou que no Rio Grande do Sul (62%) e em São Paulo (41%) esse percentual de crimes praticados por idosos fazia referência aos sexuais, nos quais a principal vítima eram as crianças. A autora concluiu que as possíveis motivações para esse crime seriam: a) psicológicas: regressão às fases primitivas do desenvolvimento, relacionadas aos conflitos inconscientes; b) biológicas: fragilidade física para coagir uma mulher adulta a praticar sexo; c) neurológicas: demências, nas fases iniciais, podem provocar alterações na libido levando à exacerbação de condutas sexuais inadequadas.

Além disso, Ghiggi (2018) e Santos (2018) acrescentam que outras causas podem estar associadas à prática de crimes por pessoas idosas, dentre elas: características de personalidade; história de vida; ausência de vínculo familiar; reincidência criminal; envelhecimento populacional; implementação de políticas criminais e sociais; desligamento do trabalho; baixos salários de aposentadoria e, em consequência, a falta de garantia de meios para sobrevivência; ausência de políticas públicas de prevenção ao envolvimento com a criminalidade.

 

Considerações finais

Este artigo propôs realizar uma revisão sistemática da literatura, com o objetivo de conhecer o estado atual do conhecimento sobre os idosos encarcerados no Brasil. Durante a fase de buscas do material, percebeu-se que existiam poucos estudos que contemplassem a temática, especialmente na área da Psicologia.

De acordo com as cinco categorias identificadas e exploradas, tem-se que, em relação ao Sistema Penitenciário e o idoso encarcerado, nas condições atuais, não há possibilidade desse sistema oferecer adaptações às demandas dos idosos encarcerados. A superlotação das unidades prisionais leva à carência de insumos indispensáveis às condições mínimas de sobrevivência, como higiene, saúde, alimentação, entre outros.

No tocante à saúde da população idosa encarcerada, percebe-se que o cárcere produz adoecimento, pois interfere negativamente no processo de envelhecimento, promovendo distúrbios emocionais, sociais e, consequentemente, fisiológicos, aumentando o risco à saúde integral do idoso. Quanto à percepção dos idosos encarcerados sobre o envelhecimento, constatou-se que o significado do envelhecimento está associado às vivências atravessadas por afetos desagradáveis, que remontam à própria finitude, à doença, à fadiga.

No que concerne à legislação e políticas públicas, o idoso na condição de réu - mesmo diante dos direitos garantidos pela legislação - vivencia insegurança no âmbito penal, pois não existe consenso em relação à idade cronológica nos documentos jurídicos. Diante disso, conclui-se sobre a necessidade da implementação de políticas públicas preventivas ao envolvimento do idoso com o crime e, quando não for possível, o desenvolvimento de programas que melhorem a qualidade de vida dentro das instituições prisionais.

Quanto aos crimes cometidos por idosos, em sua maioria, referem-se aos crimes contra a pessoa: homicídio, instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio, aborto, entre outros. Os crimes contra o patrimônio, em segundo lugar, alguns deles: furto, roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro, extorsão indireta. Em alguns estados, sobressaem-se os crimes contra a liberdade sexual como o estupro, a violação sexual mediante fraude, o assédio sexual, estupro de vulnerável, corrupção de menores, entre outros. Os crimes contra a liberdade sexual podem despertar sentimentos de fúria e indignação nas pessoas, inclusive, nos operadores do direito, principalmente quando a vítima é uma criança. Supõe-se que, nesses casos, o juiz, os policiais, os agentes penitenciários podem não se mostrar sensibilizados ao lidar com uma pessoa idosa. Assim, a tipologia criminal e seus desdobramentos podem influenciar o afastamento da família, o julgamento social e interferir na efetivação dos direitos da pessoa idosa encarcerada.

A partir disso, não se pretende negar a fragilidade associada ao processo de envelhecimento, mas reforçar que a idade não impede a atitude criminosa. A figura do idoso, na atualidade, está imersa em representações distorcidas sobre seu lugar e suas possibilidades. Desse modo, ageísmos (preconceitos contra idosos) são empregados em relação a esse indivíduo. Por outro lado, o estigma do velho bondoso pode favorecer a prática de crimes, pois ele é considerado incapaz de fazer o mal. Deste modo, o corpo fragilizado não impede a ação criminal.

A pesquisa aponta que há na área da Psicologia carência de estudos sobre o comportamento dos idosos encarcerados: o desenvolvimento, as relações interpessoais e intergeracionais, dinâmica emocional, personalidade, avaliação psicológica, entre outros. Sugere-se estudar as consequências do encarceramento sobre o psiquismo do idoso, tais como: os sentimentos experimentados a partir do isolamento social, o agravamento de possíveis doenças mentais associadas ou decorrentes do ambiente insalubre da prisão, o que pode ajudar no que tange à implementação de medidas que visem à qualidade de vida do idoso no ambiente prisional.

Espera-se, com este estudo, contribuir com a literatura e vislumbrar a possibilidade de subsidiar reflexões que amenizem os impactos sociais e econômicos gerados ao Estado, bem como os fatores biopsicossociais ligados à população idosa encarcerada.

 

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Correspondência para:
Daniely da Silva Dias Vilela
Rua do Príncipe, 526 - Bloco G4 - Térreo
Boa Vista - Recife/PE
E-mail: danielydiasvilela@gmail.com

Submetido em: 10.07.2020
Aceito em: 07.05.2021

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