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Contextos Clínicos

versión impresa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.14 no.2 São Leopoldo mayo/ago. 2021

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2021.142.04 

ARTIGOS

 

O corpo em pauta: a preocupação de gestantes sobre o momento após o nascimento do bebê

 

The body under discussion: the concern of pregnant women about the time after childbirth

 

 

Miriam Tachibana

Universidade Federal de Uberlândia

Correspondência

 

 


RESUMO

Em meio a tantas transformações sociais envolvendo questões de gênero, faz-se necessário compreender quais são as inquietações que atravessam as mulheres, na contemporaneidade, em relação à maternidade. Assim, esse estudo objetivou investigar o imaginário de futuro das gestantes em relação ao momento após o parto. Foram realizadas entrevistas individuais com 10 gestantes, mediadas pelo Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema, segundo o tema "uma mulher após o parto". Após cada entrevista, foi redigida, pela entrevistadora, uma narrativa transferencial sobre o encontro vivido. O conjunto dos 10 desenhos-estórias e das 10 narrativas transferenciais foi analisado psicanaliticamente e organizado segundo a Teoria dos Campos. Foi identificado o campo "Mãe, porém magra", a partir do qual as participantes manifestaram sobretudo a preocupação com a aparência de seus corpos, após o nascimento do bebê, seguindo a lógica do culto ao corpo na contemporaneidade. Paralelamente, pode-se pensar que essa preocupação estética do coletivo investigado esteja também ligada a uma inquietação de vir a ter a própria corporeidade reduzida à maternidade. Conclui-se que, na atualidade, a mulher sente-se cobrada em diferentes esferas, apesar de aparentar ter maior autonomia do que outrora, o que denota a necessidade de maiores investigações e intervenções junto a esse grupo social.

Palavras-chave: maternidade; feminilidade; imagem corporal.


ABSTRACT

Amidst so many social transformations involving gender issues, it is required to understand what are the concerns that go through women, contemporarily, in relation to motherhood. Thus, this study aimed to investigate the imaginary future of pregnant women in relation to the time after childbirth. Individual interviews were conducted with 10 pregnant women, mediated by the Drawing-and-Story Procedure with a Theme, according to the theme "a woman after childbirth". After each interview, the interviewer wrote a transferential narrative about the encounter. The set of the 10 drawing-stories and the 10 transferential narratives was analyzed psychoanalytically and organized according to the Theory of Fields. The field "Mother, but thin" was identified, from which the participants expressed their concern about the appearance of their bodies, after the baby's birth, following the logic of the cult of the body in contemporaneity. At the same time, one can think that this aesthetic concern of the investigated collective is also related to a concern about having their own corporeality reduced to maternity. It is concluded that, nowadays, women feel overwhelmed in different spheres, although they seem to have more autonomy than before, which denotes the need for further investigations and interventions with this social group.

Keywords: maternity; femininity; body image.


 

 

Introdução

Ao longo do século XX, a partir do movimento feminista e do surgimento da pílula anticoncepcional, as mulheres foram conquistando maior autonomia para se posicionar em relação à maternidade (Vásquez, 2014), tanto que, segundo Bernardi, Féres-Carneiro e Magalhães (2018), as mulheres contemporâneas têm optado cada vez mais por não ter filhos ou por tê-los mais tardiamente. Assim, já não temos mais, em nosso imaginário social, a ideia hegemônica de que, na natureza feminina, haveria um instinto materno que faria com que toda mulher, movida pela "voz do ventre" (Badinter, 1985, p.16), se investisse naturalmente na maternidade. Na atualidade, ela vem se lançando em outras esferas, e, quando tem optado por adentrar no mundo materno, o tem feito de modo menos romantizado do que outrora (Rocha & Fuks, 2019).

Dada essa percepção de que a mulher atual já não se vê mais exclusivamente investida na função materna, mas que o bebê humano segue, em contrapartida, demandando muita provisão ambiental para se desenvolver, vários pesquisadores vêm investigando como tem sido a experiência emocional das mulheres que estão vivenciando a maternidade. Dentre eles, é possível citar Cavaleiro (2012), que realizou um estudo com 100 mulheres portuguesas que se encontravam no último trimestre gestacional. A partir dessa análise, foi possível notar que, dentre as preocupações das participantes, estavam a inquietação sobre como ficará a relação conjugal, a conciliação com a vida profissional, a revisitação da história da mulher com a sua própria mãe, dentre outras. Questões similares foram encontradas por Zanatta, Pereira e Alves (2017), que entrevistaram seis mulheres cujos filhos tinham entre sete e 12 meses de idade. A maioria delas havia deixado seus empregos em função da maternidade e tinha a impressão de que o apoio dado pelo seu entorno (que incluía os pais dos bebês e suas próprias mães) era insuficiente. Silva e Silva (2009), que entrevistaram seis mães e três pais, puderam observar que, apesar dos homens estarem se mostrando mais participativos nos cuidados do bebê, as mulheres ainda se sentem mais responsáveis em cuidar da criança, preocupando-se com a possibilidade de terem que abdicar de seus trabalhos em função da maternidade. Araújo (2009), que entrevistou 12 gestantes pertencentes a uma camada socioeconômica mais desfavorecida, notou que, nessa população, o conflito entre a vida pública e a vida privada se agravava, uma vez que não havia a possibilidade de abrir mão do trabalho e tampouco de transferir a maternagem, o que comumente ocorre em camadas mais favorecidas ao envolverem uma empregada doméstica.

Afinada a esse conjunto de pesquisadores que vêm se debruçando sobre a experiência emocional da mulher contemporânea, no que tange à maternidade, busquei realizar uma investigação psicanalítica junto a gestantes. Mas, ao invés de focalizar no momento específico da gravidez, a intenção foi a de compreender quais eram as preocupações das grávidas depois que o bebê já tivesse nascido. Assim, em meio aos diferentes momentos que integram a maternidade, como a decisão sobre ter filhos, a gravidez, o parto, a amamentação, dentre outros, interessei-me em compreender como a gestante da atualidade imagina o período após o nascimento do bebê. Essa escolha deu-se porque é após o parto que a mulher se vê concretamente diante de demandas urgentes do bebê que precisam ser atendidas (Rocha & Fuks, 2019), isto é, é quando a relação mãe-bebê se torna mais evidente (Barbosa, 2016), havendo inclusive o risco de depressão materna (Mijollet, 2017). Ao ponderarmos que esse primeiro momento da mãe com o bebê configura-se como aquele em que ela é convocada a suspender temporariamente todas as suas preocupações para dedicar-se aos cuidados dele, vemos a importância de refletir como a mulher contemporânea, tão permeada por outras questões para além da maternidade, imagina esse período em especial.

Vale ressaltar que, a partir desse estudo, desenvolvido com o objetivo de compreender o imaginário de gestantes a respeito do momento após o parto, deparei-me, tal como nos estudos mencionados previamente, com inquietações em relação à vida profissional e à rede de apoio. Entretanto, fui surpreendida com falas que emergiram espontaneamente, por parte das participantes, em que o enfoque dado após o nascimento do bebê era ao corpo da mulher. Havia assim, sobretudo, uma preocupação em relação a como estaria o próprio corpo, preocupação essa que é bastante compreensível, uma vez que o período entre a gravidez e o primeiro ano pós-parto é aquele em que há mais mudanças no corpo feminino (Watson, Fuller-Tyszkiewicz, Broadbent, & Skouteris, 2015), fazendo com que naturalmente a representação psíquica sobre o próprio corpo fique abalada (Fuller-Tyszkiewicz, Skouteris, Watson, & Hill, 2012).

Em meio a essa preocupação feminina em relação à aparência do corpo após o nascimento do bebê, observa-se que, na comunidade científica, o corpo grávido tem sido abordado sobretudo em termos mais médicos e nutricionais, como bem apontam Facco e Kruel (2013) em sua revisão sistemática da literatura. Para ilustrar, é possível citar o estudo de Coutinho et al. (2014). Ao abordarem 82 mulheres grávidas residentes em Portugal, os pesquisadores preocuparam-se mais em avaliar se elas estavam adotando hábitos mais saudáveis (fazendo exercícios físicos e abandonando o uso de bebidas alcóolicas e cigarro, por exemplo), apresentando um estilo de vida mais coerente com as necessidades de um corpo que está gestando uma vida dentro de si, do que no mal-estar emocional dessas mulheres em relação ao próprio corpo.

Ao contextualizarmos que vivemos em uma sociedade em que o corpo deixou de ser visto como algo que faz parte do indivíduo para se tornar o indivíduo em si, com a sua identidade confundida com a maneira como seu corpo é percebido pelos outros (Petribu & Mateos, 2017), vemos que se faz necessário nos debruçarmos mais detidamente nas falas dessas gestantes denunciando a preocupação com o próprio corpo após o nascimento do bebê. Estariam elas descortinando que, na maternidade contemporânea, há não apenas preocupações laborais e conjugais envolvidas, mas também estéticas? Pensando nisso, esse estudo versará especificamente sobre os conteúdos relativos ao corpo feminino que emergiram junto às gestantes ao serem convidadas a imaginarem o momento após o nascimento do bebê.

 

Método

Após a aprovação do projeto de pesquisa no Comitê de Ética de Pesquisa envolvendo seres humanos (CAAE: 77425717.6.0000.5152), deu-se início a busca por participantes em potencial a partir da metodologia bola de neve. Trata-se de uma estratégia em que os participantes são encontrados por meio da indicação de pessoas conhecidas pelos pesquisadores e também dos próprios participantes (Vinuto, 2014). A partir daí, foi possível contar com a participação de 10 mulheres. Todas elas se encontravam numa união estável com os pais dos bebês, bem como todas estavam exercendo uma atividade profissional até se descobrirem grávidas (duas delas, entretanto, haviam parado de trabalhar, ao longo da gestação, um pouco antes da realização das entrevistas). Metade das participantes vivia com uma renda familiar de até três salários mínimos; quatro delas tinham uma renda familiar entre quatro e cinco salários mínimos; e apenas uma vivenciava uma renda familiar de oito salários mínimos. As idades das participantes variaram de 24 a 38 anos, sendo que três delas já tinham um filho. Metade das participantes declarou que a gravidez havia sido planejada. Havia apenas uma gestante no primeiro trimestre gestacional, sendo que quatro delas estavam no segundo trimestre e cinco estavam no terceiro trimestre gestacional.

Foram realizadas entrevistas individuais nas residências das participantes ou na clínica-escola de Psicologia da universidade em que esse estudo foi desenvolvido, apoiadas no método investigativo psicanalítico. Assim, após cada participante assinar o termo de consentimento livre e esclarecido, era convidada a falar o mais abertamente possível sobre o tema de interesse da pesquisa, segundo a técnica da associação livre de ideias, que prevê que a melhor forma de compreender os sentimentos profundos do indivíduo é não realizar perguntas muito diretivas que poderiam acionar mecanismos de defesas e produzir um discurso "politicamente correto" e relativamente superficial (Coelho & Santos, 2012). Todavia, com o receio de que as participantes se sentissem "perdidas" diante da falta de perguntas, foi adotado um recurso dialógico com o objetivo de favorecer a comunicação. Foi utilizado, assim, o Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema (Aiello-Vaisberg, 1999), a partir do qual cada participante era convidada a realizar um desenho segundo o tema "uma mulher após o parto". Em seguida, ela era convidada a contar aquilo que havia desenhado e a falar sobre a atividade, acerca da história daquela gestação e de outras que porventura já tivesse vivido.

As entrevistas foram gravadas, para que dados importantes não fossem perdidos. Em seguida, os áudios foram ouvidos, mas não foram transcritos literalmente. Ao invés disso, para cada entrevista foi redigida uma narrativa transferencial (Aiello-Vaisberg, Machado, Ayouch, Caron, & Beaune, 2009), que se refere a uma forma especial de redação que vem sendo adotada em pesquisas psicanalíticas, em que o pesquisador narra não apenas as falas literais dos participantes, mas sobretudo as suas impressões contratransferenciais diante daquele discurso que lhe foi confiado.

Após os encontros, as 10 narrativas elaboradas pela pesquisadora e os 10 desenhos-estórias feitos pelas participantes foram analisados segundo o método investigativo psicanalítico. Nesse sentido, se ao longo das entrevistas foi adotada a associação livre de ideias junto às participantes, na consideração do material derivado das entrevistas foi usada outra técnica essencial da Psicanálise que compõe, juntamente à regra da associação livre, a regra fundamental do método psicanalítico: a atenção flutuante (Coelho & Santos, 2012). Desse modo, ao longo do procedimento de análise das narrativas transferenciais e dos desenhos-estórias, procurou-se "escutar" aquilo que as participantes haviam comunicado sem selecionar a priori algum elemento específico do discurso apresentado por elas.

A partir daí, foi possível organizar esse material segundo a Teoria dos Campos desenvolvida pelo psicanalista brasileiro Fábio Herrmann (2007). Segundo essa teoria, o psiquismo seria atravessado por campos que seriam os responsáveis em determinar a forma do indivíduo de interpretar a realidade e, consequentemente, de intervir sobre ela (Herrmann, 2006). Desde essa perspectiva, os campos seriam os responsáveis pela produção dos sentidos das manifestações humanas, de modo que a identificação dos campos habitados pelas participantes, em relação à maternidade, permitiria que fosse alcançado o objetivo de conhecer como elas estavam experienciando a maternidade e como estavam imaginando que se daria o momento após o parto.

 

Resultados e discussão

Conforme dito previamente, no presente trabalho será apresentado apenas um dos campos habitados pelas participantes que, no entanto, revelou-se como o mais emergente. Trata-se do campo intitulado "Mãe, porém magra", definido pela regra lógico emocional de que ser mãe equivale a ter um corpo deformado e cheio de marcas da gravidez, que seria visto como não atraente aos olhos dos outros. Para ilustrar, apresento o seguinte trecho da narrativa transferencial derivada de uma das entrevistas:

Ao longo da entrevista com a participante 10, que estava com seis meses de idade gestacional, ela enfatizou que estava passando muito mal, entendendo que talvez fosse por causa disso que o início da gravidez havia sido tão difícil para aceitar. Ela acreditava, contudo, que, naquele momento da entrevista, já estava vivenciando uma mudança de sentimentos em relação à gestação: "Hoje em dia nós mulheres somos muito modernas. A gente pensa em sair, trabalhar, pensa mais na gente. Eu sempre fui muito independente. Então foi Deus que gerou no meu coração esse querer ser mãe, esposa, dona-de-casa...". Ao final da entrevista, quando lhe pedi que fizesse um desenho sobre uma mulher após o parto, ela falou: "Ai, mas eu tenho que desenhar o corpo dela? Porque uma mulher após a gravidez é uma mulher largada. Mal toma banho". Enquanto ela desenhava, pediu para trocar de desenho várias vezes, sempre bastante incomodada com o desenho do corpo que havia feito, dizendo que estava feio demais. Quando ela finalmente aceitou o desenho que fizera, me apresentou o seguinte:

 

 

A participante disse: "Pensei numa mulher cansada, com sono, que não tem tempo para ela. Desenhei também uma mulher mais inchada porque ela acabou de ganhar um nenê, então vai demorar até voltar o corpo. E tem umas que não voltam, como eu. Eu era bem mais magra, pesava 60 quilos. Eu sempre fui magra até ter o meu primeiro filho. Depois não emagreci mais".

A participante 10 deixa claro o seu desconforto com o corpo, não apenas através de suas falas, mas também através de sua dificuldade em fazer um desenho de um corpo de uma mulher, após o parto, com o qual ela se satisfizesse. Esse mal-estar emocional com o corpo materno, que não foi expresso apenas pela participante 10, mas também pelas outras entrevistadas desse estudo, foi igualmente encontrado em outras investigações empíricas nacionais e internacionais. Bourgoin, Callahan, Séjourné e Denis (2012), que conduziram uma pesquisa entrevistando 12 grávidas francesas, observaram que, embora algumas se mostrassem orgulhosas com a barriga de grávida, outras já se mostraram infelizes com o próprio corpo, a despeito de sempre terem achado gestantes bonitas. Watson, Broadbent, Skouteris e Fuller-Tyszkiewicz (2015), que entrevistaram 19 australianas que estavam no segundo trimestre gestacional, identificaram que, além delas estarem insatisfeitas com o ganho de peso, havia mal-estar com a celulite, as acnes, o cabelo mais fraco e oleoso, a ponto de algumas dizerem que nem sequer gostavam de se olhar nuas. Chang, Chao e Kenney (2006), por sua vez, realizaram um estudo em que 18 tailandesas grávidas foram entrevistadas e trouxeram não apenas o mal-estar frente às mudanças corporais, como também o receio de que se não recuperassem logo seus corpos, após um tempo, seus maridos deixariam de sentir atração física por elas. Nash (2012), que entrevistou 38 gestantes australianas, identificou que o fato de terem conseguido perder peso ou mantê-lo, ao longo da gestação, estava associado ao sentimento de empoderamento. Dentre as pesquisas brasileiras, é possível destacar a de Zanatta, Pereira e Alves (2017) que, ao entrevistarem seis primigestas, notaram que as participantes associavam o fato de estarem com o rosto inchado e de usarem roupas largas com o sentimento de que seu corpo se tornara menos feminino, o que despertava nelas inclusive mal-estar de o exibirem ao próprio marido. Araújo (2009), que entrevistou 12 gestantes apresentando-lhes um desenho de uma silhueta feminina, que deveria ser alterado segundo a percepção corporal delas na gravidez, observou que a maioria delas aumentava a silhueta, trazendo preocupações com o excesso de peso, associando o corpo grávido a um corpo "deformado", tendo o receio de que essa mudança não fosse temporária.

Alguns estudiosos levantam que o mal-estar da gestante, em relação ao corpo, se faria mais ou menos presente em função de alguns fatores. Segundo Paim (1998), mulheres de camada socioeconômica mais desfavorecida difeririam das de classe média, não sofrendo tanto com o fato de o corpo carregar traços da gravidez e do parto, talvez porque, segundo a autora, em camadas mais populares, a maternidade esteja mais associada a um status de superioridade do que nas outras. Chang, Chao e Kenney (2006) já consideram que um fator que influencia para a maior ou menor aceitação do corpo grávido seja o peso que aquela mulher já apresentava antes da gestação. Segundo esses autores, enquanto mulheres que sempre estiveram acima do peso tendem a não sofrer com as mudanças corporais na gestação, as que tinham um peso normal já se sentem piores diante do corpo grávido. Cairolli (2009), que entrevistou 93 mulheres, notou que há maior dificuldade em aceitar as mudanças corporais por parte das mulheres que engravidaram sem assim desejar. Silveira (2015), que realizou um grupo focal com 10 gestantes, notou que, enquanto as primigestas pareciam centralizar mais suas falas no bebê, aquelas que já haviam tido filhos se mostravam mais ansiosas em relação à estética de seus próprios corpos.

Perfazendo uma ponte entre o material relativo à participante 10 e os fatores levantados pelos pesquisadores supracitados, seria possível pensar que, como essa participante em questão pertencia à classe média, não havia planejado a gravidez, estava dentro do peso antes da primeira gravidez e estava, na ocasião da entrevista, em sua segunda gravidez, ela correspondia maximamente ao perfil de mulher que sofre diante das mudanças corporais na gravidez e que receia que elas sejam definitivas. Contudo, num segundo momento, seria possível pensarmos que o fato da participante 10 ter se centrado na preocupação estética com o corpo, após o parto, não chegando nem sequer a mencionar o bebê no desenho ou em sua fala sobre o que desenhara, pode derivar de um fator mais amplo: o fator cultural, que tanto prega a estética do corpo, em especial o do corpo feminino, persuadindo as mulheres a parecerem eternamente magras e jovens (Figueiredo, Nascimento, & Rodrigues, 2017).

Evidentemente não se está aqui afirmando que as grávidas de outrora não se importassem com a aparência de seus corpos, mas sim, conforme destacam Nash (2012) e Brazão, Novaes e Vilhena (2010), que, na atualidade, a preocupação da gestante quanto à estética do corpo parece ocupar proporções maiores. Essa maior inquietação estaria seguramente ancorada no padrão de beleza da cultura atual que não seria mais o mesmo de outras épocas (Brazão, Novaes, & Vilhena, 2010). Sabe-se que, anteriormente, quando a maternidade estava sendo exaltada como uma condição inexorável ao feminino, o corpo considerado belo era aquele que lembrasse uma gestação, tanto que, conforme aponta Simili (2017), houve momentos em que as mulheres usavam vestidos que continham saquinhos proeminentes escondidos, na altura do ventre, para que fosse criado o efeito de uma gestação. Segundo essa pesquisadora, se no século XIX começaram a surgir outros modelos de vestuário, que já comprimiam o corpo com espartilhos, descortinando um novo ideal de beleza, será nos séculos XX e XXI que veremos roupas que mais lembram uma ampulheta de tanto que comprimem a cintura feminina. Assim, se antes o ideal de corpo feminino era o materno, na contemporaneidade, o ideal é aquele corpo que se mostra enxuto, jovem, musculoso e controlado rigorosamente por exercícios físicos e dietas (Araújo, 2009).

Muito embora os corpos das celebridades tenham culminado num ideal de beleza que faz com que toda e qualquer mulher, na contemporaneidade, tenha dificuldades em encarar o seu corpo real, numa busca compulsiva pelo corpo ideal (Petribú & Mateos, 2017), é possível pensarmos que essa questão ficaria extremada no caso das gestantes, com a gravidez passando a ser vista como uma vilã da forma física. Vários pesquisadores, entendendo que a mídia assume uma posição central no processo de constituição da subjetividade, constituindo-se como um espaço de enunciações, vêm realizando análises críticas sobre como o corpo grávido tem sido exposto na mídia, influenciando para que as mulheres da atualidade sejam atravessadas pelo campo intitulado "Mãe, porém magra". Dentre eles, seria possível citar os estudos de Schwengber (2010) e Schwengber (2012), sobre como a revista "Pais e Filhos" vem cada vez mais exibindo imagens de grávidas esportivas, adotando um discurso de cultura do movimento, não apenas em função da saúde do feto, mas também para que a mulher seja capaz de conservar a sua forma e apagar rapidamente as marcas da gravidez. Há também o trabalho de Vargas (2012), que se deu através da análise de como as celebridades grávidas vêm sendo expostas na revista "Caras", sempre usando vestes esportivas e acompanhadas de entrevistas em que ressaltam a importância da manutenção da beleza corporal, não obstante a gravidez. Por fim, há também Figueiredo, Nascimento e Rodrigues (2017), que, a partir da análise da revista "Boa Forma", identificaram não só que a barriga chapada parece ser o símbolo do corpo belo feminino, como também encontraram matérias variadas sobre como celebridades, após terem dado à luz, haviam recuperado a forma em tempo recorde.

Em meio a esse ambiente cultural em que a mulher é tão socialmente cobrada a ser magra, vemos que, mesmo na gravidez, período em que o ganho de peso seria esperado e socialmente aceito, haveria mal-estar por parte da mulher em relação ao seu corpo (Fuller-Tyszkiewicz, Skouteris, Watson, & Hill, 2012; Hodgkinson, Smith, & Wittkowski, 2014; Loth, Bauer, Wall, Berge, & Neumark-Sztainer, 2011). Assim, se antes o desconforto com o tamanho do corpo aparecia à medida que a idade gestacional avançava, na atualidade, mulheres no primeiro trimestre gestacional já se sentem gordas demais, dado o raciocínio de que deveriam ter uma gravidez magra (Nash, 2012). Em sua revisão da literatura especializada, Watson, Fuller-Tyszkiewicz, Broadbent e Skouteris (2015) notaram que inclusive muitas mulheres recorriam a dietas, preocupadas em já perderem peso antes de engravidarem, de sorte a terem um corpo que aumentasse menos ao longo da gestação. Haveria ainda casos em que as mulheres se submeteriam a cirurgias plásticas no pós-parto, que nos Estados Unidos têm recebido o nome de mommy makeovers, e têm servido para levantar os seios, definir o abdômen, bem como acabar com a gordura em excesso (Brazão, Novaes, & Vilhena, 2010).

A preocupação excessiva das gestantes em relação a como ficará o corpo após o parto revela que, na contemporaneidade, a barriga protuberante não é mais sentida como algo que dá maior notoriedade à mulher (Facco & Kruel, 2013). Isso tem preocupado os estudiosos da área, uma vez que há o receio de que o mal-estar da mulher com o próprio corpo afete a sua função materna (Watson, Fuller-Tyszkiewicz, Broadbent, & Skouteris, 2015). Considerando que é através do corpo que se inicia a vinculação entre a mãe e o bebê, a preocupação da mulher em vir a perder a feminilidade a partir desse corpo não magro, de alguma maneira, afetaria a sua capacidade de responder às necessidades do bebê (Cavaleiro, 2012)? Haveria uma relação entre a infelicidade da mulher com o próprio corpo e a dificuldade de experienciar o vínculo mãe-bebê (Chang, Chao, & Kenney, 2006)? Hodgkinson, Smith e Wittkownki (2014), em sua revisão da literatura especializada, encontraram estudos em que as falas das gestantes, fossem elas primigestas ou multigestas, em relação ao pós-parto, eram mais voltadas ao objetivo de perder peso após o parto do que sobre os bebês que viriam a conhecer, descortinando que, talvez, na preocupação em ter um corpo ideal, a mulher contemporânea esteja com mais dificuldades de cumprir com o ideal de maternidade.

Por um lado, faz sentido pensar que os padrões de beleza disseminados podem fazer com que a mulher, na lógica de ter um corpo que atenda ao ideal de magreza, chegue até mesmo a prejudicar o desenvolvimento de sua gestação (Cairolli, 2009). Por outro, podemos pensar criticamente que, assim como a cobrança para que o corpo feminino atenda a um padrão estético seja preocupante, a expectativa de que esse corpo feminino atenda ao estereótipo de corpo com funcionalidade reprodutiva também o é. Afinal, em ambos os casos, a mulher estaria tendo o seu corpo socialmente cobrado para atender a um dos padrões culturais que atravessam o feminino, seja o do ideal de beleza, seja o do ideal de maternidade.

Desde essa perspectiva, seria possível nos questionarmos se toda a preocupação das mulheres grávidas em recuperar o corpo pré-gravídico logo após o parto tenha a ver não apenas com o culto à beleza, conforme discutido previamente, mas também com uma resposta inconsciente ao culto à maternidade. É como se, atravessadas pelo campo "Mãe, porém magra", as mulheres comunicassem que, na atualidade, não querem ser vistas somente como aquelas que cuidam do bebê, tendo seus corpos domesticados para a função da maternidade, mas ansiando serem olhadas como aquelas que se cuidam e que têm uma identidade preservada. Para ilustrar essa questão, apresento um trecho de uma narrativa transferencial derivada da entrevista com outra participante, conforme segue:

Logo no início da entrevista, pedi para que a participante 4, que estava grávida pela primeira vez, realizasse um desenho sobre uma mulher após o parto. Com o lápis na mão, ela disse: "Vou desenhar do jeito que eu estou imaginando, com um pneuzinho". Digo para ela ficar à vontade. A participante faz o seguinte desenho, enquanto comenta comigo que havia tido que diminuir a quantidade de exercícios físicos que estava acostumada a realizar em função da gestação:

 

 

Em seguida, ela me contou que havia desenhado como imaginava que estaria após ter o bebê: "Não vou estar mais com o mesmo corpo que eu tinha antes. Eu sempre fui uma pessoa muito preocupada com o meu corpo, com essas coisas de malhar, com dieta... Mas agora não sou mais assim. Eu sei que vou estar bem diferente, cheinha, com o cabelo nem sempre tão cuidado, igual já não está mais...". Na sequência, a participante me relata que acreditava que também ficaria saindo leite dela e que tinha receio de que ocorresse com ela o mesmo que ocorrera com a sua irmã: a de ficar cheirando a leite o tempo todo.

Pensando na presença da imagem do bebê no desenho e na menção que a participante 4 faz ao leite materno, seria possível compreender interpretativamente que talvez ela tenha trazido, para além da preocupação estética com seu corpo, o receio de que a sua identidade, após o parto, seja resumida à identidade materna. Teria ela comunicado o medo de ter o seu corpo deformado e principalmente o seu psiquismo adulterado, em função da maternagem?

Brazelton e Cramer (2002) apontam que o fato de o bebê se desenvolver inicialmente no corpo feminino exige não apenas que as mulheres lidem com mudanças físicas que não têm condições de controlar, mas também que tenham os seus corpos, enquanto hospedeiros, sendo vistos em função desse bebê: a vagina passa a ser vista como o corredor entre o útero e o mundo aéreo; o seio, que até então era símbolo de virilidade, torna-se um símbolo de maternidade, dentre outros. Embora não necessariamente a falta de autonomia e de controle sobre o próprio corpo, em prol do bebê que se encontra no ventre, seja experienciada como uma invasão voraz, conforme destacam Petribú e Mateos (2017), é possível que algumas mulheres sejam atravessadas por sentimento persecutório ao estarem germinando um ser em seu interior que concorre desde já com as suas demandas individuais. Nessa lógica, a preocupação acentuada com a imagem corporal, bem como a impressão de que o corpo que se tinha será dissolvido para sempre após o nascimento do bebê, simbolizariam inquietações narcísicas não apenas de ordem estética, mas também de sobrevivência da própria identidade psíquica. É como se a mulher, a partir da preocupação excessiva com a aparência, expressasse o desejo de que seu corpo continue pertencente a ela, ao invés de ser resumido a um corpo materno que, de tão devotado aos cuidados do bebê, pode ser tomado como a corporeidade do próprio bebê.

Do mesmo modo que há vários autores que vêm discutindo como o corpo feminino tem sido exigido a atingir um padrão de beleza marcado pela magreza, há vários outros que vêm debatendo como o corpo feminino, uma vez grávido, tem sofrido uma espécie de politização da maternidade (Schwengber, 2010). Nesse sentido, se houve uma época em que o corpo grávido era alvo de conversa informal entre comadres, vemos que, nas últimas décadas, especialistas começaram a se apropriar desse corpo, determinando as ações de cuidado que as gestantes deveriam assumir. Se, por um lado, esse movimento configura uma forma de intervenção em prol da saúde da díade mãe-bebê, por outro lado, vê-se uma exacerbação e multiplicação de intervenções educativoassistenciais (Schwengber, 2010), nas quais a mulher é convocada a preparar o seu corpo tanto para o parto natural quanto para o aleitamento materno, independentemente das condições específicas e concretas de cada caso (Alzuguir & Nucci, 2015).

Essa questão fica bem evidente na pesquisa realizada por Nakano (2003), em que foram entrevistadas 20 mulheres a respeito da amamentação. Tais participantes mostravam-se influenciadas pela lógica de que deveriam dar o melhor para os seus bebês, de modo que, mesmo sentindo dores durante o aleitamento, entendiam que deveriam ser capazes de se esgotar diante desse incômodo, atravessadas por um imperativo de que o corpo delas seria mais de seus bebês do que delas mesmas. Perfazendo um contraponto entre os achados da referida pesquisa e a preocupação que a participante 4 trouxe frente à possibilidade de seu corpo ser marcado pelo cheiro de leite, seria possível pensarmos que, em ambos casos, há um corpo feminino sendo reduzido à função da amamentação. Estaria, nesse sentido, a participante 2 comunicando que, mais do que ser mãe e magra, gostaria de não ser uma mulher reduzida à esfera da maternidade?

Independentemente da dúvida se tanta preocupação em relação ao corpo deriva do culto ao corpo magro ou da cobrança de que o corpo materno seja o corpo do bebê, vemos que a mulher contemporânea, apesar de aparentemente ter conquistado maior autonomia, segue sendo duramente cobrada pela sociedade. Em meio a tantas cobranças, notamos, no coletivo investigado, que um modo de "resolver" esse impasse entre resgatar o seu corpo para si ou devotar o seu corpo ao bebê tem sido o de se apropriar do corpo do bebê para si. Em outras palavras, algumas participantes, logo após discorrerem ao longo das entrevistas sobre como seus corpos e suas vidas seriam drasticamente alterados com a maternidade, trouxeram espontaneamente falas de que o bebê seria uma extensão corpórea delas, o que no final anularia o desconforto inicial. Com vistas a ilustrar essa questão, segue um trecho da narrativa transferencial de uma das participantes:

A participante 3 já iniciou a entrevista dizendo que a descoberta de sua gestação, logo após a viagem de lua de mel, havia sido difícil. Disse: "Antes de casar, eu já estava grávida e não sabia. Eu só pensava: 'Meu Deus, queria curtir mais o meu casamento'. Eu estava tão desanimada que foi o meu marido quem foi buscar o resultado do exame de sangue, porque eu mesma não queria ver. Eu custei a aceitar". À medida que a conversa seguia livremente, a entrevistada me contou que, aos poucos, foi se encantando com a ideia de estar grávida, mesmo que os outros a assustassem com relatos de que ela nunca mais dormiria tranquilamente. Ela fala: "Eu tenho uma amiga que me diz que faz sete meses que ela não faz as unhas, que não pinta o cabelo, que não dorme à noite, que é a idade do menino dela agora. Ela está com umas olheiras que você vê que ela não tem vaidade mais. Ela tem o cabelo para cima até! E é interessante que ela arruma o menino para sair". Logo na sequência, a participante me diz: "Ao mesmo tempo, eu penso: 'Deve ser tão bom você ver um pedacinho de você ali, no braço, e pensar que isso aqui é meu e que ninguém mais tira de mim. Deve ser muito bom você olhar praquilo e pensar que aquela coisinha mais linda fui eu quem fiz, saiu de dentro de mim'. Eu falo para o meu marido que ela é minha, não dele. Ele me diz que ela é nossa. E eu falo que não, porque sou eu quem estou gerando". Mais para o final da entrevista, quando peço para que a participante faça um desenho de uma mulher após o parto, ela diz que a fará descabelada, com o olho fundo. Mas logo fala: "Se bem que tem umas que ficam tão bonitas também... Que ficam magrinhas, amamentam e perdem o peso. Ficam felizes". Enquanto a participante desenhava, ela comenta que já havia engordado sete quilos nos sete meses de gestação e que não queria engordar mais. Ela me mostra, então, o seguinte desenho:

 


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Ao me apresentá-lo, ela diz: "Eu quis desenhar amor, sono e cansaço. Acho que estarei delirando de amor e passando pelo processo de ficar sem dormir. E eu não coloquei o meu marido aqui em nada. Não vou pôr, porque os homens não ajudam a gente em nada. Serei mais eu mesmo com ela. Todo lugar que eu for ela irá também: vai ser o meu chaveirinho".

Logo após a participante ter se liberado para discorrer escancaradamente sobre o seu mal-estar em relação à maternidade, envolvendo aí desde a preocupação concreta com a estética do corpo até e a falta de individualidade simbolizada por esse corpo descuidado, ela assume, na contramão, o movimento de se vangloriar pelo bebê que estava gerando dentro de si e que, segundo ela, teria sido feito por ela e a ela pertenceria, como um anexo de si mesma. Seria possível pensarmos esse movimento de perceber o bebê como uma extensão de si mesma enquanto uma estratégia defensiva, que faria com que a mulher, ao invés de sentir que está perdendo controle de seu corpo com a maternidade, estaria ganhando um outro corpo a partir da fusão de seu corpo com o do bebê. Tratar-se-ia de um balanço que permitiria a manutenção do equilíbrio psíquico da gestante (Brazelton & Cramer, 2002). Martins (2010), que entrevistou 100 puérperas portuguesas, notou igualmente que, ao mesmo tempo em que muitas delas queixavam-se de seus corpos pouco atrativos, trouxeram uma simbiose em relação aos seus bebês, mostrando, afinal, que a mulher infeliz com o seu corpo não necessariamente tem dificuldades para se vincular ao bebê. Isso porque, como bem aponta Minjollet (2017), é possível que, diante de uma vivência corporal tão desestruturante como a gravidez, a mulher se veja mesclada ao bebê "endoparasita", o que não apenas o protegeria da possibilidade de emergência de movimentos agressivos contra ele, como também preservaria o psiquismo da gestante.

 

Considerações finais

A partir do campo "Mãe, porém magra", foi possível observarmos que o corpo grávido tem sido fonte de inquietação, seja em função da cultura que tanto valoriza o corpo magro, seja em decorrência da cobrança social de que o corpo materno seja exclusivamente devotado ao bebê. Em meio às expectativas do entorno em cima do corpo feminino, não é de se estranhar que algumas participantes tenham feito uso das entrevistas, que, a priori, tinham apenas objetivos científicos, para contarem com um espaço de cuidado psicológico onde pudessem compartilhar seu sofrimento emocional.

Trata-se de uma constatação que nos dá pistas acerca do cuidado psicológico que as gestantes estão solicitando na contemporaneidade. A partir desse estudo, pode-se pensar que, talvez, nas intervenções clínicas, ao invés de convocarmos as grávidas a investirem seus corpos na maternagem - presumindo que isso assegurará uma boa relação entre a díade mãe-bebê -, devemos dar espaço para que elas possam expressar o pesar pelo corpo "perdido", reconhecendo que, em meio à preocupação com a estética corporal, há uma inquietação importante relacionada ao receio de perder a si mesma com a maternidade. É possível nos questionamos, inclusive, se o fato de a mulher ter condições de expressar espontaneamente o sofrimento frente à árdua tarefa de estar gestando um corpo dentro de si é o que viabiliza que a mesma se veja em condições de genuinamente experienciar os cuidados do bebê, no pós-parto, conforme descortina a participante 3 do estudo.

Ainda, pensando que o corpo muda muito ao longo das semanas gestacionais, bem como muda a relação da gestante com o feto, pode ser que o fator idade gestacional tenha influenciado nas manifestações das participantes. Assim, entende-se que uma das possíveis limitações desse estudo seja a de que ele tenha sido desenvolvido a partir de gestantes que se apresentavam em diferentes idades gestacionais. Sugere-se, inclusive, que futuramente sejam desenvolvidas investigações longitudinais que focalizem a experiência emocional da mulher, em relação ao próprio corpo e em sua relação com o bebê, ao longo de toda a gestação e do puerpério.

 

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Correspondência para:
Miriam Tachibana
Av. Maranhão, s/n - Campus Umuarama
Uberlândia - MG, 38405-240
E-mail: mirita@ufu.br

Submetido em: 25.04.2020
Aceito em: 23.06.2021

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