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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.14 no.2 São Leopoldo maio/ago. 2021

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2021.142.07 

ARTIGOS

 

Namoro e envolvimento feminino com ato infracional: um estudo de casos múltiplos

 

Dating and feminine involvement with infractional acts: a multiples case-study

 

 

William Gualberto Gonçalves de Souza; Sheila Giardini Murta; Silvia Renata Lordello

Universidade de Brasília

Correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo se dedica a analisar a história de vida e de relacionamento amoroso de adolescentes em medida socioeducativa de internação que foram apreendidas com seus parceiros, a fim de compreender aspectos e eventos que ocasionariam risco ao cometimento de um ato infracional. Realizou-se estudo de casos múltiplos com três adolescentes que foram apreendidas junto com parceiro amoroso. Os dados foram coletados por meio de entrevista narrativa e analisados fazendo-se uso da análise temática. A análise dos dados privilegiou uma leitura desenvolvimental do fenômeno a partir dos pressupostos da Teoria do Apego. O principal achado refere-se à importância da fuga do lar na determinação do risco para o envolvimento com atos infracionais com parceiro amoroso, pois ensejou o enfraquecimento dos vínculos com as figuras parentais e com a escolarização. A transição para adolescência, o comportamento de risco, a atração por parceiro envolvido com ilicitude e a influência do parceiro se relacionaram com a fuga do lar, motivando-a ou dando contexto para sua manutenção. O fortalecimento das políticas públicas em prol da proteção a crianças e adolescentes figura como fundamental para a prevenção de comportamentos de risco e envolvimento com atos infracionais.

Palavras-chave: adolescência; fator de risco; apego; ato infracional.


ABSTRACT

The present study dedicates itself to analyze the life and amorous relationship aspects of teenagers in socio-educative confinement in a socio-educational facility that were apprehended with their partners, in order to comprehend the mechanisms that would cause risk for the commission of infractional acts. Multiples case-studies were carried out with three adolescents that were apprehended along with amorous partners. The data were collected through narrative interview and analyzed making use of the thematic analysis. Data analysis favored a developmental reading of the phenomenon based on the assumptions of the Attachment Theory. The main finding refers to the importance of escape from home in determining the risk for the involvement with infractional acts with an amorous partner. The escape from home led to the weakening of bonds with parental figures and with schooling. The transition to adolescence, the risk behavior, the attraction for a partner involved with the unlawfulness, and the influence of the partner relate to the escape from home, motivating it or giving context to its maintenance. The strengthening of public polices for the protection of children and adolescents is fundamental for the prevention of risk behaviors and involvement with infractional acts.

Keywords: adolescence; risk factor; attachment; infractional act.


 

 

Introdução

A adolescência pode ser compreendida como um período de profundas mudanças, sendo que os aspectos sociais e históricos vão trazer uma multiplicidade de experiências a respeito do adolescer (Lopes de Oliveira, Costa & Camargo, 2018). Dentre as mudanças, pode-se perceber alterações quanto aos modos de interagir dentro da família, o aumento do valor dado à socialização com os pares, a inauguração da experiência em relacionamento afetivo-sexuais, bem como outras experimentações (Dalbem & Dell'Aglio, 2005; Lordello & Costa, 2015; Pontes, Silva, Garotti, & Magalhães, 2007). Algumas das experimentações de adolescentes podem ter efeitos negativos em seu desenvolvimento, sendo necessário tanto o reconhecimento dos efeitos deletérios quanto a compreensão de formas de intervenção que sejam eficazes para ajudá-los (Moura, Torres, Cadete, & Cunha, 2018; Reis, Malta, & Furtado, 2018). Destaca-se, entretanto, que o risco envolvido em determinados comportamentos não pode ser analisado em uma perspectiva individual, pois é decorrente de relações historicamente construídas (Lopes de Oliveira, Costa, & Camargo, 2018). Assim, o alcance do desenvolvimento saudável na adolescência requer atenção aos aspectos sociais que incidem na sociedade, tais como a cultura patriarcal, o capitalismo, o racismo e a desigualdade social, os quais condicionam vulnerabilidades próprias a determinados segmentos da população (Lopes de Oliveira, Costa, & Camargo, 2018; Moura, Torres, Cadete, & Cunha, 2018; Reis, Malta, & Furtado, 2018; Saffioti, 2015).

Nesse sentido, destaca-se que o envolvimento com atos infracionais (condutas análogas à prática de crimes para adultos) tem crescido de modo proporcionalmente superior para as adolescentes, se comparado com os pares de sexo masculino, tendência que também é observada com mulheres adultas (Diniz, 2017; Santos, 2016). As pesquisas salientam que o público feminino que infringiu normas legais tem histórias de vida marcadas por maior exposição à violência, à negligência, vida sob condições precárias e subalternas (Diniz, 2017; Froemming, 2016; Vilarins, 2016). Apesar desse panorama, ainda são poucas produções científicas que se dedicam ao público feminino que se envolve com crimes e infrações (Diniz, 2017; Ratton & Galvão, 2016), condição mais proeminente quando se trata de adolescentes.

Além do número restrito de produções científicas, salienta-se a invisibilização feminina na política pública de socioeducação (política estatal destinada aos processos de responsabilização pelo cometimento de um ato infracional). Os levantamentos oficiais ainda não realizam uma caracterização nacional da adolescente que cumpre medida socioeducativa (Brasil, 2019a; Brasil, 2019b). Os dados disponíveis em âmbito nacional apontam que as adolescentes do sexo feminino são 4% da população em cumprimento de medida restritiva de liberdade e 11% daqueles que cumprem medida em meio aberto (Brasil, 2019b). As adolescentes têm o cometimento de tráfico como o principal ato infracional que ocasiona a determinação da sentença, diferente do público masculino cujo ato infracional mais frequente é roubo. Elas apresentam menor frequência de reentrada (nova passagem depois de um primeiro processo de responsabilização) no sistema socioeducativo do que os pares de sexo masculino (Brasil, 2019a). Cumpre ainda esclarecer que o perfil de adolescentes que cometeram ato infracional não recebeu segmentação por gênero. Os dados apontam, porém, que o ato infracional geralmente é cometido entre 15 e 16 anos, o (a) adolescente é proveniente de família com renda familiar menor que dois salários mínimos e tem a mãe como a principal figura de cuidado no âmbito familiar. O levantamento ainda destaca a defasagem série-idade e o uso de drogas como características mais comuns daqueles que estão em cumprimento de alguma medida socioeducativa (Brasil, 2019b).

Soma-se a essas características, a dimensão das relações de gênero que figura como um aspecto central nos estudos desenvolvidos com mulheres com passage criminal (Barcinski & Cúnico, 2016; Alves, 2017; Klanovicz & Bugar, 2019), os quais são utilizados como referência para o presente texto em virtude da escassez de produção atinente às adolescentes. Mulheres, assim como as adolescentes, têm o tráfico como o principal motivo para sua responsabilização penal (Klanovicz & Bugar, 2019; Santoro & Pereira, 2018). A maioria delas é mãe e principal responsável por seus filhos, é negra ou parda e atua nas posições mais subalternas dentro da economia do tráfico (Santoro & Pereira, 2018). Além disso, o tráfico de drogas figurou como forma de aquisição de renda e subsistência familiar (Santoro & Pereira, 2018).

O envolvimento feminino com infrações penais, entretanto, é marcado por fenômenos complexos, se analisado sob a ótica das relações de gênero (Barcinski & Cúnico, 2016). A trajetória de vida do público feminino que comete uma infração é marcada por momentos de cisão e outros de conformação às prescrições e restrições baseadas nos estereótipos sobre ser mulher (Carvalhaes, Toneli, & Mansano, 2018). Assim, tanto destacam-se fenômenos de vitimização e subalternização, quanto ascendem processo protagônicos e ativos de envolvimento (esses últimos, entretanto, não podem ser analisados dissociados dos primeiros) (Barcinski & Cúnico, 2016; Santos, 2016; Ratton & Galvão, 2016). A agencialidade feminina no cometimento de infrações corresponde, então, ao protagonismo, intencionalidade e racionalidade envolvidos no processo decisório de infracionar (Ratton & Galvão, 2016). Uma abordagem complexa à infracionalidade feminina é importante para se distanciar de visões estereotipadas que acreditam ser a mulher incapaz de cometer um crime ou ato infracional e que, portanto, aquelas que o cometem são marcadas com o estigma da loucura, da doença e da maldade (Ratton & Galvão, 2016).

Ainda em relação ao envolvimento feminino com infrações, as pesquisas têm destacado a influência do parceiro romântico sobre a trajetória criminal ou infracional feminina (Barcinski, Capra-Ramos, Weber, & Dartora, 2013; Santoro & Pereira, 2018; Backman, Laajasalo, Jokela, & Aronen, 2018). O impacto do relacionamento pode se dimensionar em diferentes direções, podendo existir: encorajamento direto do parceiro; necessidade de assumir posto no crime em virtude da prisão do companheiro; compartilhamento das tarefas, entre outras (Barcinski, Capra-Ramos, Weber, & Dartora, 2013; Santos, 2016; Herrera & Stuewig, 2017). As dinâmicas do relacionamento amoroso, entretanto, de modo geral obedecem às performances prescritas a partir das concepções tradicionais e heteronormativas (Barcinski, Capra-Ramos, Weber, & Dartora, 2013). Nessas relações é frequente o relato de experiência de amor autossacrificial, o qual engendra vulnerabilidades próprias ao público feminino, tais como proteger figuras masculinas com as quais nutra vínculo afetivo e a experiência de vitimização por violência em relacionamento íntimo (Zamboni, Oliveira, & Nascimento, 2019; Barcinski, Capra-Ramos, Weber, & Dartora, 2013).

A Teoria do Apego: um modelo desenvolvimental

O presente estudo se propõe a utilizar uma análise desenvolvimental a partir da Teoria do Apego. Bowlby propõe que o apego é um sistema de comportamento que mantém e promove relacionamentos afetivos em uma sequência gradativamente mais ampla e complexa (Bowlby, 1982; 2002). O apego visa garantir a proximidade com um cuidador que possa prover segurança e proteção. A existência e continuidade do cuidador permite que a criança estabeleça comportamentos exploratórios, compreendendo que, em caso de ameaça, poderá retornar a figura de apego, que é uma base segura. A separação do cuidador, nesse sentido, ocasionaria ansiedade e contextualizaria comportamentos que buscam a retomada da proximidade (Bowlby, 1982; 2002).

O desenvolvimento humano, durante o ciclo vital, é mediado pela capacidade de criar e manter vínculos construídos a partir de um modelo de apego primário, estruturado na infância pela interação com um cuidador principal, o qual pode ser atualizado. A disponibilidade, responsividade e cuidados recebidos constituem a base para o desenvolvimento de modelos internos, e para sua atualização, que facilitam o bem-estar em relacionamentos, a pró-sociabilidade e a saúde mental (Abreu, 2019; Bowlby, 1982; Dalbem & Dell'Aglio, 2005; Ramires & Schneider, 2010). O apego seguro se caracteriza pela capacidade de conviver com a proximidade decorrente do relacionamento, sem experienciar grande nível de ansiedade quanto à possibilidade de ser abandonado (Bartholomew & Horowitz, 1991; Abreu C. , 2019).

O desenvolvimento do apego seguro por meio de experiências de proximidade e estabilidade na infância tem se relacionado com desfechos desenvolvimentais na adolescência de resiliência, maior tolerância e melhores processos de transição desenvolvimental (Pontes, Silva, Garotti, & Magalhães, 2007). Por outro lado, o apego inseguro, quando estão presentes condutas de evitação do contato/intimidade ou ansiedade de separação, pode ter três diferentes configurações: preocupado (preoccupied), desconsiderador (dismissing) e medroso (fearful). Pessoas com o estilo de apego preocupado apresentam elevado grau de ansiedade de separação, pois não se percebem merecedoras de cuidado e o outro é representado como confiável (maior valência do outro no modelo interno). Pessoas com o estilo de apego desconsiderador apresentam um perfil desvinculado de intimidade ou contra-dependente por se avaliar como merecedor e outro como não confiável (maior valência em si no modelo interno). Pessoas com o estilo de apego medroso apresentam temor quanto à intimidade e evitação do contato social por não se perceber como merecedor e não avaliar o outro como confiável (Bartholomew & Horowitz, 1991; Bartholomew, 1997). Tendo em vista a importância dos estilos de apego para o desenvolvimento e saúde mental, o presente estudo se dedica a analisar a história de vida e do relacionamento amoroso de adolescentes em medida socioeducativa de internação que foram apreendidas com seus parceiros, a fim de compreender aspectos e eventos que ocasionariam risco ao cometimento de um ato infracional.

 

Método

Delineamento

Tratou-se de pesquisa qualitativa a fim de compreender a experiência humana particular dentro de um contexto cultural, temporal e local (Flick, 2004). O delineamento foi estudo de casos múltiplos (Yin, 2005). A estratégia principal de levantamento dos dados foi entrevista narrativa.

Participantes

Participaram da pesquisa três adolescentes (Iolanda, Nicole e Emanuelly - nomes fictícios) do sexo feminino em cumprimento de medida socioeducativa de internação em estabelecimento educacional em uma unidade mista do Brasil. O critério de inclusão para o estudo foi: relatar voluntariamente ter sido apreendida por força policial junto com parceiro amoroso, ao menos uma vez durante sua adolescência. Compreendeu-se por parceiro amoroso aquele com a qual a adolescente nutria relação afetiva não-esporádica. As adolescentes que foram apreendidas com parceiro amoroso, mas estavam em outra medida (Internação Provisória ou Sanção) não foram incluídas no estudo. Dentre as adolescentes que corresponderam ao critério de inclusão: todas tinham entre 16 e 17 anos, duas encontravam-se no Ensino Fundamental e uma no Ensino Médio, duas estavam em responsabilização por ato infracional contra patrimônio (roubo e furto) e uma por ato contra a vida (latrocínio).

Contexto

A unidade de internação onde o estudo foi conduzido atende adolescentes de ambos os sexos, sendo dois módulos para acolhimento feminino. Um módulo de convivência é composto por 10 quartos. As adolescentes realizavam atividades no período compreendido entre 8h e 17h (exceto no período destinado ao almoço, de 11h30 às 14h), o restante desse período elas ficavam em seus quartos. Além disso, recebiam acompanhamento sistemático realizado pela equipe técnica, composta por psicóloga, pedagoga e assistente social.

Procedimentos

As adolescentes foram entrevistadas na fase final de uma inserção ecológica (Cecconelo & Koller, 2016). A inserção ecológica trata-se de um método de pesquisa e intervenção com enfoque no desenvolvimento humano sistêmico e contextual a partir da imersão no contexto. No desenvolvimento deste método, o primeiro autor conviveu na instituição em que as adolescentes estavam por quatro meses, com cerca de duas visitas semanais com duração média de 3h cada, totalizando aproximadamente 100h de interação no contexto institucional.

O levantamento empírico principal foi realizado por meio de entrevistas narrativas (Jovchelovitch & Bauer, 2002). Esta técnica busca motivar a informante a contar a história sobre acontecimentos importantes de sua vida. A entrevista narrativa divide-se em quatro fases. A primeira corresponde ao momento de explicitação dos objetivos e apresentação da tarefa. A segunda fase é a coleta da narrativa central. A terceira fase busca esclarecer a narrativa central. No caso desta pesquisa, nesse momento, foi necessário o uso de uma seta desenhada em papel para organização dentro de uma dimensão temporal dos fatos citados pelas adolescentes. A última fase das entrevistas narrativas destina-se ao fechamento da entrevista, momento em que se averigua o bem-estar emocional da entrevistada e se validam alguns indicadores percebidos.

A proposta inicial previa a realização de três sessões de entrevista com cada adolescente. Realizaram-se, porém, três sessões de entrevista individual com Nicole, duas sessões com Iolanda e uma com Emanuelly. A diferença no número de entrevistas individuais decorreu de sobreposição do agendamento da entrevista com outra atividade pedagógica (dando-se preferência a esta) e equipe de segurança reduzida, o que inviabilizou a retirada da adolescente de seu alojamento para a sala de atendimento. As dificuldades institucionais motivaram a realização de uma entrevista conjunta que cobriu os tópicos faltantes com as duas adolescentes que não tinham completado as 3 entrevistas (Iolanda e Emanuelly). A adaptação realizada ocasionou dificuldade no aprofundamento sobre alguns momentos da vida individual, porém viabilizou que as adolescentes negociassem sentidos a respeito de fenômenos tidos como comuns para elas.

Instrumentos

Foram construídos três roteiros de entrevista narrativa. Utilizou-se o seguinte texto como disparador para coleta da narrativa central da pesquisa: "Uma história tem vários momentos e no passar da história várias emoções surgem. Lembre-se de um livro que tenha lido recentemente ou de algum conto, como eles organizam a história com o passar do tempo, tendo um começo, um meio e um fim. Durante o relato, vários personagens surgem, eles têm alguma função na vida da protagonista. Esta entrevista quer saber sobre a sua história, em especial, sobre a sua vida. Você pode começar com "Era uma vez" e seguir do jeito que fizer sentido para você, não existe uma forma certa ou errada de contar." O trecho em negrito foi substituído em cada uma das sessões de entrevista por "sobre seu relacionamento amoroso" ou "sobre seu tempo de internação", de acordo com o objetivo da sessão de entrevista. As entrevistas foram ordenadas da seguinte forma: 1) História de vida: explorou-se local de nascimento, configuração familiar, memórias da infância, eventos marcantes, pessoas que foram relevantes para seu desenvolvimento, relação com a escola e com outras instituições; 2) Vida amorosa: investigou-se o primeiro relacionamento amoroso, expectativas, decepções, atividades conjuntas, rotinas, aspectos positivos e negativos da relação; e 3) Vida institucional: explorou-se a adaptação à medida, figuras que favoreceram a adaptação, sofrimentos, sucessos, relacionamentos amorosos durante o cumprimento da medida.

Aspectos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Brasília, (CEP/CHS - UNB, CAAE: 08915218.1.0000.5540). As participantes expressaram concordância em participar por meio dos Termos de Assentimento para entrevista e para a inserção ecológica e Autorização para gravação de som de voz. Assegurou-se a participação voluntária e a possibilidade de desistência sem prejuízo. A pesquisa foi autorizada pela Vara de Execução e pela Subsecretaria do Sistema Socioeducativo, ambas corresponsáveis legais pelas adolescentes inseridas no contexto de internação. Todos os nomes e referências de endereço apresentados na descrição dos casos são fictícios.

Análise de dados

O corpus de dados foi composto pela transcrição das entrevistas e registros constantes em diário de campo concernentes às categorias temáticas estabelecidas pela análise temática. As entrevistas passaram por transcrição seguida de análise temática (Braun & Clarke, 2006). O tratamento dos dados seguiu as seis fases indicadas para o método: familiarização com os dados por meio de várias leituras; construção de indicadores iniciais; busca pela estruturação de temas a partir das relações existentes entre indicadores; revisão da pertinência e adequação dos temas; definição de temas/categorias analíticas e sua nomeação; e estruturação e escrita dos resultados da pesquisa para cada uma das adolescentes - a entrevista realizada em conjunto foi analisada após o tratamento das entrevistas individuais. A imersão prolongada em campo foi utilizada como estratégia de validação dos dados coletados no processo de pesquisa (Cresswell, 2007).

 

Resultados e discussão

Os resultados da pesquisa são apresentados em três partes: a primeira trata da apresentação dos casos. A segunda se destina à apresentação das categorias temáticas. Por fim, apresenta-se a "Figura 1: diagrama da relação história de vida x categoria temática", cujo objetivo é apresentar o cruzamento entre as categorias temáticas e a história de vida das adolescentes.

Apresentação dos Casos

As famílias das adolescentes entrevistadas tinham renda per capita entre meio e um salário-mínimo. As três adolescentes viveram em regiões em estruturação, nas quais havia poucos aparelhos públicos de garantia de direitos. As suas comunidades eram marcadas pela violência e pelo tráfico de drogas. Destaca-se que o perfil apresentado está em consonância com levantamento oficial prévio que indica a condição de vulnerabilidade socioeconômica que circunscreve a família de adolescentes que cometeram ato infracional (Brasil, 2019b). A condição de vulnerabilidade social familiar pode condicionar o aumento de tensão sobre os cuidadores principais, diminuindo sua capacidade de responsividade e disponibilidade para o cuidado, isso se relaciona com a compreensão da existência de uma ecologia que suporta ou dificulta os processos de apego no âmbito familiar (Pontes, Silva, Garotti, & Magalhães, 2007).

Os dados também corroboram com desigualdades decorrentes das relações de gênero no que concerne ao cuidado familiar, sendo que os pais das adolescentes se mostraram ausentes tanto do suporte financeiro, quanto afetivo e educacional, gerando em contrapartida sobrecarga para as mães (Saffioti, 2015). Nesse contexto, compreende-se que a família pode se configurar tanto como um contexto de risco como também de proteção ao desenvolvimento, sendo que essa concepção não deve embasar discursos culpabilizadores - antes é uma percepção fundamental para a articulação de políticas públicas que possam dar suporte à família no alcance de sua função protetiva a crianças e adolescentes (Damasceno & Lordello, 2020).

Iolanda

A adolescente relatou que seus pais foram presos por cometimento de tráfico de drogas, quando ela tinha cerca de 3 meses. Iolanda não voltou a morar com os pais até o início da adolescência, apesar de a sentença aos genitores ter sido de 3 anos. Durante a infância ficou aos cuidados dos avós, cuja relação foi descrita como harmoniosa, porém, sempre sentia falta dos pais. O processo de transição para a adolescência foi mencionado como conturbado e, a fim de ter mais liberdade, decidiu ir morar com os pais. Por volta de seus 12 anos, o pai foi novamente preso, o que foi considerado como um evento de muito sofrimento.

Iolanda iniciou namoro aos 13 anos com um traficante de sua região (cerca de 8 anos mais velho que ela) - destaca-se que esta situação configura estupro de vulnerável pelos dispositivos legais atuais. Para viver a relação, a adolescente fugiu da casa dos pais. O término do relacionamento aconteceu após a avó denunciar o caso à polícia. O segundo namorado foi com quem o comportamento de risco tornou-se mais proeminente, pois por um período tentaram sustentar-se com o dinheiro obtido pelo tráfico de drogas.

Ao esclarecer sobre o ato infracional que cometeu junto com o namorado, Iolanda informou que os dois estavam separados, porém, o namorado queria que vivessem juntos novamente. Assim, ele se preparou para cometer um roubo e chamou o irmão de Iolanda; ela ouviu e decidiu participar. Os três foram apreendidos e sentenciados à medida socioeducativa de internação em estabelecimento educacional. Iolanda cita que o processo de adaptação à vida institucional da Unidade foi difícil, pois se envolveu em faltas disciplinares de agressão às demais adolescentes.

A partir dos dados coletados da história de vida e vida institucional, foi possível perceber que Iolanda apresentava um estilo de apego marcado pela necessidade de proximidade e ansiedade de separação. O modelo funcional inferido a partir do discurso, reiteradamente, apresentava maior valência do outro e associava-se a uma autopercepção negativa. Considerando-se os estilos de apego, a configuração apresentada pode ser categorizada como de apego preocupado (Bartholomew & Horowitz, 1991). Os eventos de separação vividos tiveram grande impacto na trajetória de vida e foram, na perspectiva da adolescente, o motivo da adesão ao "projeto de vida do crime". O estilo de apego inferido relaciona-se com processos de vitimização por violência em relacionamentos íntimos, o que, de fato ocorreu com a adolescente (McClure & Parmenter, 2017). Além disso, a maior valência dada aos parceiros amorosos foi fundamental para a adesão a modelos relacionais autossacrificiais (Barcinski, Capra-Ramos, Weber, & Dartora, 2013), os quais contextualizaram uma ressignificação do risco atrelado ao relacionamento amoroso, conforme será visto na Tabela 1.

Emanuelly

A adolescente lembrou que a prisão de sua mãe ocorreu quando ela tinha cerca de 5 anos. A genitora foi presa por tráfico junto com o companheiro e ficou 4 anos em restrição da liberdade. Emanuelly relatou que sofreu abuso sexual pelo filho do padrasto e a isso atribui o fato de ter se tornado uma criança difícil, motivo que ocasionou sua mudança entre as casas das tias e o período em acolhimento institucional. O abusador foi denunciado, mas Emanuelly não soube discorrer sobre o possível processo de responsabilização criminal dele. A transição para a adolescência teve como tensão o não reconhecimento da genitora como uma figura de autoridade. Além disso, Emanuelly afirmou que queria ter roupas de marca, as quais a mãe não tinha condições financeiras para obter.

O primeiro relacionamento amoroso dela se estabeleceu com um jovem da comunidade conhecido pelo envolvimento com o roubo e desmontes de carros, que foi visto como alguém que poderia dar-lhe de presente os itens que desejava. A adolescente fugiu da casa da mãe para morar com o namorado. O fim desse relacionamento ocorreu após intervenção da genitora, que retirou Emanuelly da casa onde morava com ele e cortou seus cabelos como punição.

A primeira apreensão de Emanuelly ocorreu na casa de Renato (segundo namorado). No momento da apreensão, Renato solicitou que ela assumisse a posse da droga e dos demais itens ligados ao tráfico, por ele ser maior de 18 anos. Após esse relacionamento, Emanuelly afirmou ter conhecido uma mulher que a convenceu a ir para outro Estado para cometer atos infracionais e, em virtude disso, cometeu o furto à loja pelo qual respondia à medida socioeducativa de internação. A adolescente afirmou nunca ter se envolvido com qualquer falta disciplinar na instituição.

Emanuelly foi a adolescente que trouxe mais queixas com relação à convivência na Unidade de internação, demonstrando alta ambivalência em suas interações, o que se relacionou com a queixa de sofrimento psicológico mais acentuado apresentado durante a pesquisa. A adolescente exigia de modo ascendente compreensão e afeto dos demais, apresentando uma conduta difusa com relação às respostas que recebia. Quando recebia atenção e compreensão, não se sentia confortável; quando não o recebia, narrava sentir-se frustrada. A configuração observada, portanto, corresponde ao estilo de apego medroso (Bartholomew & Horowitz, 1991).

A adolescente sempre pontuou seu descrédito quanto à capacidade do outro em atender às suas necessidades afetivas e de compreensão, o que fragilizava seus vínculos afetivos. A genitora foi representada por diversas vezes como injusta, fato que se relaciona com o estilo de apego (Abreu, 2019). Porém, a partir do processo de cumprimento da medida socioeducativa foi possível perceber uma ressignificação a respeito dessa relação. Nesse sentido, destaca-se a possibilidade de atuação que ocorre ao longo do cumprimento de medida de adolescentes revisarem seus padrões relacionais, o que pode favorecer relações mais saudáveis no âmbito familiar e também comunitário.

A vida de Emanuelly também destaca a contradição existente entre processos de subjetivação que valorizam o consumo, dinâmica própria do capitalismo, e a desigualdade social, os quais no ato infracional encontram uma de suas formas de expressão (Lopes de Oliveira, Costa, & Camargo, 2018). Assim, consumir, a partir das narrativas apresentadas pela adolescente, foi central à sua representação do que seria o adolescer, significado que encontra ancoragem na cultura. As restrições impostas pelo pertencimento a classes empobrecidas, motiva a busca por alianças e atividades que a permitam ser autêntica dentro dos padrões culturalmente estabelecidos no que concerne ao consumo.

Nicole

Nicole relatou que a infância foi marcada pelo processo de separação dos pais. A mãe discutia com o pai de Nicole em virtude de ele sair à noite. Durante a entrevista, Nicole lembrou-se dos amigos da infância de modo marcante, citando sua saudade, pois vários já vieram a óbito. A adolescente afirmou ter assistido três episódios de violência doméstica, duas em que o pai agrediu a mãe e uma em que a mãe revidou uma agressão sofrida. A transição para a adolescência foi descrita também como conturbada. Nicole esclareceu que começou a faltar aulas para sair com amigos e que apanhou por conta desse comportamento, motivo pelo qual passou a mentir para a mãe. A genitora era a provedora principal e por conta da longa jornada de trabalho não conseguia acompanhar a vida escolar da filha.

O primeiro relacionamento amoroso da adolescente foi avaliado como um "namoro de portão", o qual foi informado e autorizado pela genitora. No segundo namoro, que ocorreu por volta dos 14 anos, ela decidiu fugir de casa e morar com o namorado para ter maior nível de liberdade. À época, Nicole já estava envolvida com o comércio de drogas e a genitora concordou com a relação, na esperança de que a adolescente reduzisse o comportamento de risco. A adolescente compreende que a relação foi um evento positivo para reduzir seu envolvimento com atos infracionais.

O envolvimento dos dois com um ato infracional para Nicole foi um evento fortuito. O casal estava separado. Passados alguns meses, o então ex-namorado chamou Nicole e suas amigas para passearem. Na ocasião do passeio, ele viu a "oportunidade" para o cometimento de um roubo, o que ocasionou o processo de responsabilização para ambos (o ato ocasionou a morte da vítima). Nicole teve faltas disciplinares dentro da Unidade de internação em virtude de ter beijado o último namorado (outro adolescente da unidade em que cumpria a medida) em momento inadequado, segundo as normas institucionais. A adolescente compreende que a medida socioeducativa de internação tem sido proveitosa para se tornar mais responsável.

Nicole demonstrou elevado grau de ansiedade de separação durante as entrevistas. Por outro lado, ela foi a adolescente que demonstrou maior capacidade de conviver com a proximidade em âmbito institucional e na sua trajetória de vida. Apesar de vários relatos de episódios que ocasionaram sofrimento psicológico, ainda foi possível observar confiança em si e na possibilidade de buscar apoio e conforto emocional em figuras de apego. Essa característica demonstrou ser um recurso importante para lidar com o estresse da vida em privação da liberdade. Infere-se que Nicole apresentaria um estilo de apego preocupado, porém com maiores recursos para lidar com estresse emocional (Bartholomew & Horowitz, 1991).

Tendo em vista que as três adolescentes apresentaram uma desorganização em seus processos de apego, seria recomendável para a instituição o desenvolvimento de estratégias que pudessem atualizar os modelos relacionais. A literatura aponta, entretanto, que as unidades de internação brasileiras ainda se marcam por um funcionamento punitivo, o que é um obstáculo importante para o desenvolvimento de relações saudáveis e promotoras de desenvolvimento (Coscioni, Costa, Rosa, & Koller, 2017). Além disso, o envolvimento em ocorrências disciplinares de agressão a outra adolescente pode embasar-se em questão relativa às relações de gênero, dentro das quais o poder feminino busca a submissão de outras, promovendo conflitos e competição (Barcinski, 2009). Nesse sentido, é fundamental que a instituição adote medidas para promover outras sociabilidades. Porém, novamente o machismo figura como obstáculo cujo enfrentamento é fundamental, tendo em vista que unidades de internação tendem a reproduzir em suas relações tratamentos estereotipados a partir de compreensões machistas (Lopes de Oliveira, Costa, & Camargo, 2018).

Apresentação das Categorias Analíticas

A Tabela 1 apresenta trechos elucidativos das entrevistas que contribuíram para a construção das categorias analíticas. Estruturaram-se os dados em 4 categorias temáticas: 1 - a transição para a adolescência e o comportamento de risco; 2 - a atração por parceiro envolvido com ilicitude; 3 - a fuga do lar decorrente da fragilização de vínculos; e 4 - a influência do parceiro no envolvimento. Esclarece-se que o "155" referido por Nicole significa a prática de ato infracional análogo a furto e que "X" representa a omissão do nome de uma quadra onde ocorria a prática infracional.

A transição para a adolescência e o comportamento de risco

A transição para a adolescência foi um período avaliado pelas adolescentes como conturbado, pois aumentaram os conflitos com suas responsáveis. A necessidade de distanciamento das figuras de apego na primeira parte da adolescência tem sido um fenômeno descrito como comum e associa-se à construção da identidade adolescente (Dalbem & Dell'Aglio, 2005). Ademais, nesse período, as adolescentes relataram terem experimentado uso de drogas e o lazer com pares envolvidos com ilicitudes (os "frevos"). Destaca-se que as participantes, em relação ao uso de drogas, não relataram o acesso a abordagens acolhedoras, antes foram alvo de medidas associadas à cultura de "guerra às drogas", as quais utilizam dos sistemas de responsabilização penal e infracional aos usuários, ao invés de estruturar estratégias de cuidado e não estigmatização (Santoro & Pereira, 2018). Essa categoria analítica relacionou-se ainda com a fuga do lar no sentido de que o anseio pela liberdade seria um dos motivadores para sair da casa da família.

Bowlby destaca a característica ativa dos indivíduos em seus processos de apego (busca por proximidade), não sendo somente depositários das experiências vividas (Bowlby, 1982, 2002). Essa característica torna-se mais proeminente na adolescência e pode ser observada na trajetória de vida das adolescentes. Nesse sentido, o processo de construção da identidade pode ocasionar tensão no âmbito familiar. Destaca-se assim a necessidade de ampliação de intervenções preventivas, as quais possam trabalhar a dinâmica familiar trazendo potencialização dos fatores protetivos existentes nas relações familiares (Abreu, Miranda, & Murta, 2016). Outro ponto a ser refletido é a possibilidade de construção de novas sociabilidades para os adolescentes, as quais fomentassem o seu protagonismo, o exercício da cidadania e a inserção produtiva como meios para construção de sua identidade (Lopes de Oliveira, Costa, & Camargo, 2018).

Além disso, as práticas educativas perpassadas pelo uso de punição física e vexatória foram relatadas pelas adolescentes como um aspecto que as distanciou de suas genitoras. A presença de violência intrafamiliar tem sido relatada pela literatura como um fator desorganizador do sistema de apego e dos vínculos familiares (McClure & Parmenter, 2017). Por outro lado, analisando-se em uma interação dinâmica, o comportamento de risco das filhas pode ter sido um evento emocionalmente desorganizador para suas genitoras (as quais estavam também sobrecarregadas com outros papéis). Nesse sentido, seria importante que a rede de atendimento pudesse abordar essas famílias com vistas a reorganizar os papéis dentro do sistema familiar, promovendo habilidades sociais educativas, bem como dando suporte pela inclusão em outros programas, inclusive de transferência de renda se necessário. A partir de uma abordagem complexa é possível atuar com vistas a estruturar uma ecologia favorável aos processos de apego (Pontes, Silva, Garotti, & Magalhães, 2007).

A atração por parceiro ligado à ilicitude

Iolanda e Emanuelly avaliam que buscaram ativamente parceiros ligados à ilicitude. A primeira afirma que viveu um momento de grande confusão, em que seu projeto de vida era a "vida do crime". Emanuelly avalia que se atraiu pelo estereótipo associado à imagem de homens envolvidos com a ilicitude, primeiro, pela dimensão financeira. Os relatos das adolescentes dialogam com a literatura existente, ao assinalarem seus processos protagônicos de envolvimento com atos infracionais, porém esta agencialidade ocorre a partir do estabelecimento de uma relação amorosa, dinâmica que complexifica o fenômeno trazendo paradoxos entre prescrições e restrições relativas aos estereótipos sobre feminilidade (Barcinski & Cúnico, 2016; Santos, 2016).

A abordagem desse fenômeno, então, precisa estar aberta à visualização dos processos que ampliam os limites das concepções de gênero e que ancoram possíveis sentimentos de ser "uma mulher diferente" (Carvalhaes, Toneli, & Mansano, 2018). Ao mesmo tempo, não se pode perder de vista que o envolvimento feminino com ilícitos carrega diversos processos de subalternização e precarização de vida (Santoro & Pereira, 2018). Compreende-se ainda, que conforme estudos apontam, relacionar-se com um homem envolvido com a ilicitude pode ser fonte da sensação de prestígio (Aranzedo, 2015; Barcinski, 2009), o que condiciona uma assimetria no relacionamento que desfavorece a adolescente. Tem-se assim um contexto de risco aumentado para a experiência de vitimização por violência em relacionamento amoroso, o qual pode favorecer um ciclo de futuras violações se não for interrompido (Oliveira, Assis, Njaine, & Oliveira, 2011).

A fuga do lar decorrente da fragilização de vínculos

Nos três casos em análise, observa-se um processo de fragilização de vínculos familiares que culmina no início da adolescência com a fuga do lar da adolescente. A fuga do lar é um fenômeno com destaque dentro de trajetórias de envolvimento com infrações por adolescentes do sexo feminino (Herrera & Stuewig, 2017). A saída da casa da família tende a agravar o comportamento de risco devido às adversidades enfrentadas no que tange à subsistência e falta supervisão do comportamento. Nos casos sob análise, a saída da casa da família ocasionou para todas, a evasão ou a manutenção da evasão escolar. No caso de Iolanda, ocorreu a exposição à violência no namoro; e nos casos de Iolanda e Emanuelly, houve o fortalecimento de comportamentos de risco (uso e comércio de drogas).

A condição de gênero implica que a fuga do lar tenha um peso diferente nas trajetórias de envolvimento com atos infracionais (Herrera & Stuewig, 2017). Nesse sentido, os casos apontam que o público feminino estaria inserido em dinâmicas diferentes no que tange ao seu convívio na família em duas dimensões. A primeira seria o aspecto moral do controle sobre mulheres e adolescentes, pois o envolvimento com atos infracionais pode ocasionar o sentimento de culpa na adolescente, que faz com que fugir de casa se torne uma alternativa, fato que se materializa no discurso de Nicole (Carvalhaes, Toneli, & Mansano, 2018). A literatura aponta, ainda, que a fuga do lar por adolescentes pode ser decorrente das violências que estas sofrem no âmbito familiar (Herrera & Stuewig, 2017). Nesse sentido, ganham destaque os processos de controle que incidem sobre o público feminino e que tensionam para a permanência dentro de limites dos papéis tradicionais de gênero. Assim, a transgressão legal representa simultaneamente a transgressão desses limites e implica uma dupla punição das adolescentes e mulheres (Alves, 2017; Lopes de Oliveira, Costa, & Camargo, 2018). Além disso, por conta da necessidade de subsistência observou-se a aproximação com a prática de tráfico de drogas, fato que também foi observado com mulheres apenadas (Alves, 2017). Ademais, é fundamental manter em mente que o tráfico de drogas necessita ser tratado como a pior forma de trabalho infantil, por conta de seus efeitos deletérios ao desenvolvimento (Froemming, 2016).

A influência do parceiro no envolvimento com atos infracionais

Nenhuma das adolescentes relatou que seu parceiro fez encorajamento direto à prática de ato infracional, porém Iolanda e Emanuelly compreendem que a relação foi um importante fator para o envolvimento com infrações. Nicole, por outro lado, relatou que a relação auxiliou no sentido de se distanciar do envolvimento que tinha com o tráfico. O relato de Nicole evidencia que relacionamento amoroso também pode ter efeito de proteção, em especial, quando a relação é caracterizada por sua qualidade (Murta, et al., 2019; Backman, Laajasalo, Jokela, & Aronen, 2018). Considerar as relações amorosas com ambos os potenciais é fundamental para que não se dissemine discursos proibicionistas, os quais podem ter mais efeito de disfunção do que na promoção de competência para adolescentes lidarem com relações amorosas.

Compreende-se que, apesar de não existir relato de encorajamento por parte do parceiro, as adolescentes, em especial quando se relacionaram com parceiros maiores de idade, estiveram em uma condição de risco aumentada. Os dados mostraram indicadores de que os laços de afeto mais intensos justificariam que as adolescentes assumissem ato infracional por seus parceiros. As demais adolescentes relataram que assumiriam crimes e ato infracional por seus pais e irmãos. Por mais que o processo judicial não comporte somente depoimentos, esse indicador é importante para a prática de profissionais, pois seria mais uma forma de dominação e exploração feminina pelos dispositivos afetivos, os quais requerem sensibilidade para abordagem, pois estão arraigados em diversas práticas culturais (Saffioti, 2015). Além disso, a ausência do encorajamento direto aponta para as múltiplas formas de entrada no contexto infracional a partir do relacionamento amoroso, sendo necessário realizar reflexões junto com a adolescente, inclusive, para aprofundar a tomada de consciência a respeito (Barcinski, Capra-Ramos, Weber, & Dartora, 2013).

Destaca-se, ainda, que Iolanda ressignificou a experiência do relacionamento. Além de observar o relacionamento como uma forma de se inserir na vida do crime para auferir renda, ela nutria expectativas a respeito da possibilidade de que a relação tivesse um alto nível de comprometimento ("até a morte"), companheirismo ("ir roubar juntos, fazer tudo juntos"), figurando-se como uma base segura para o que tinha como projeto de vida ("vida do crime"). A confidência na "vida do crime" ressignifica o desfecho da prisão, fazendo com que a experiência tome uma dimensão de prova de amor. Esse relacionamento para Iolanda seria do tipo "Bonnie e Clyde", casal famoso historicamente por cometerem crimes juntos nos Estados Unidos.

A Figura 1 ilustra a síntese das relações estabelecidas ao longo da análise dos dados entre fenômenos constantes na história de vida das adolescentes e as categorias temáticas construídas na pesquisa. As categorias temáticas são apresentadas em balões, sendo que os índices temáticos estão alinhados próximos à categoria com a qual se relaciona. Dentro dos parênteses consta o registro a respeito da presença do fenômeno na vida de Iolanda (I), Nicole (N) e Emanuelly (E). A partir do cruzamento das categorias temáticas e história de vida, observou-se a importância da fuga do lar na determinação do risco para o envolvimento com atos infracionais. A transição para adolescência e comportamento de risco, a atração por parceiro envolvido com a ilicitude e a influência do parceiro se relacionaram com a fuga do lar, motivando-a ou dando contexto para sua manutenção.

 

Considerações finais

O fortalecimento das políticas públicas em prol da proteção a crianças e adolescentes demonstra ser fundamental para a prevenção de comportamentos de risco e envolvimento com atos infracionais, materializando direitos por meio de serviços de qualidade. Esse fortalecimento, mais do que uma necessidade pontual, tem aspectos históricos, observados no fato de duas das mães terem histórico de envolvimento com ilícitos juntamente com seus parceiros amorosos. Isto indica a permanência dos mesmos processos que implicaram em risco tanto na vida das genitoras como no desenvolvimento de suas filhas. Esse fortalecimento dialoga com a Psicologia Clínica, em especial quando se aborda a concepção de clínica ampliada, em que os conhecimentos dessa área são utilizados para além do setting clínico tradicional.

Além disso, a teoria do apego postula que a saúde psicológica se materializa em função das relações que se estabelecem, inclusive em instituições. O aparato estatal presente na vida das adolescentes foi diminuto durante seu desenvolvimento. A escola figurou como principal instituição presente, porém, não sem obstáculos. Nenhuma adolescente relatou acesso a instituição que promovesse a prática esportiva, a escola de línguas, a atividade cultural, ambientes que poderiam atualizar os estilos de apego e garantir uma rede de proteção que atuaria quando da apresentação de comportamento de risco. A vida das adolescentes, entretanto, indica que, quando apresentaram os primeiros comportamentos de risco, ficou a cargo da família exclusivamente a responsabilidade por cuidar e protegê-las, sem que houvesse suporte ao sistema familiar para o exercício de sua função protetora.

As adolescentes compreendem que buscaram ativamente amizades e parceiros envolvidos com ilicitudes. O posicionamento delas, por vezes, pode ocasionar estranheza em virtude da representação social de que práticas criminosas ou infracionais são exclusivas do público masculino. Nesse sentido, existe uma demanda para que se possa observar o envolvimento feminino por um prisma complexo e não estereotipado. A perspectiva desenvolvimental permitiu atrelar tanto o papel ativo da adolescente como também os fatores e eventos aos quais ela foi exposta, integrando diversas nuances.

Além disso, destaca-se que as relações amorosas que implicaram mais risco na vida dessas adolescentes foram interrompidas por mecanismo externo (por exemplo: mãe, avó, polícia, sistema judiciário). Porém, houve a repetição de envolvimento amoroso com homem/adolescente envolvido com ilicitudes, fenômeno que também pode ser alvo de pesquisas futuras. Nesse sentido, é pertinente a realização de pesquisas que se dediquem a compreender mecanismos que facilitam o processo de transição para relacionamentos que promovam proteção. Seria relevante a realização de mais pesquisas que enfocassem os impactos do estilo de apego na trajetória de vida e na vida institucional desse público, bem como estratégias de atualização.

Algumas limitações do presente estudo devem ser mencionadas. Uma primeira limitação refere-se ao fato de que a entrevista foi realizada somente com as adolescentes. As responsáveis, nesse sentido, poderiam prover percepções importantes dos relacionamentos amorosos e envolvimento com atos infracionais. Além disso, o uso de critério de inclusão pode ter ocasionado maior homogeneidade ao grupo entrevistado, reduzindo a variabilidade, o que pode ter excluído outras formas de influência entre relacionamento amoroso e envolvimento com atos infracionais. Haja vista o laço afetivo que ainda pode estar presente com a figura do ex-namorado, as adolescentes podem ter omitido informações para protegê-los.

 

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Correspondência para:
William Gualberto Gonçalves de Souza
Campus Universitário Darcy Ribeiro ICC Ala Sul
Brasilia -DF, Brasil
E-mail: william.psi.88@gmail.com

Submetido em: 09.02.2021
Aceito em: 23.06.2021

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