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CliniCAPS

On-line version ISSN 1983-6007

CliniCAPS vol.2 no.5 Belo Horizonte Aug. 2008

 

ARTIGOS

 

Comentário de caso clínico: quando uma saída não soluciona o problema libidinal do sujeito

 

 

Cristiana Pittella de Mattos*

IPSM-MG

 

 


RESUMO

Trata-se do comentário de um caso clínico onde se trabalha o modo como o sujeito trata sua psicose e quais as conseqüências deste tratamento. Verifica-se que a maternidade não funciona como uma solução ao problema libidinal do sujeito - o que lhe daria uma estabilização -, pois não se alcança um tratamento de regulação do Outro e do gozo pela maternidade estar tomada no delírio do sujeito.

Palavras-chave: Psicose, Tratamento - Outro, Objeto, Gozo, Maternidade.


ABSTRACT

This paper is about a clinical case which concerns the way the subject treats her psychosis and the consequences of this treatment. It is observed that maternity does not solve the subject libidinal problem, which would offer accommodation, once it is embedded in the delirium.

Keywords: Psychosis, Treatment – Other, Object, Maternity.


 

 

Se partimos do tipo clínico da paranóia, esta moça não se enquadra totalmente ao tipo, tal como Simone enfatizou, por não apresentar convincentemente sintomas produtivos. É bem verdade que Simone interroga-se quanto ao valor das chamadas “mentiras crônicas” que têm, certamente, valor de construções delirantes.

B. ao tentar localizar o gozo no Outro, no significante, através de suas histórias delirantes de “ter uma criança...”, evita que ela mesma seja esse objeto e se entregue ao seu Outro, podendo ir ao extremo de colocar em jogo sua própria vida. É também o que ela coloca em cena, em um dos retornos ao tratamento, quando tem “ideação suicida”, revelando o índice zero de sua significação fálica.

Em Clínica Irônica J.-A.Miller, vai dizer que na paranóia, “a palavra não é suficientemente o assassinato da coisa”, o que determinará um modo de relação do sujeito com o Outro. A palavra por não matar suficientemente a coisa, não torna para o paranóico o Outro inexistente; tal como na neurose que vai inventá-lo tanto na crença quanto na suposição.

Estes pontos de certeza, em que se estruturam estas “histórias” para B., muitas vezes vão empurrá-la colocando-a a mercê do Outro - em sua particularidade a série dos homens -, revelando uma relação típica da paranóia com o Outro: um Outro gozador que exige do sujeito ser seu objeto de gozo. E o sujeito, nesta posição, vai fazer tudo para salvaguardar e manter o Outro completo.

B. revela-nos que desde criança seu Outro, é um Outro da necessidade: um Outro portanto, que não lhe dava significantes. Se há algo que uma mãe, um peito, deva dar à sua criança, são significantes: “minha mãe sempre foi burra e ignorante, queria mostrar que era melhor que os outros e nunca teve nada a dar aos filhos a não ser fazer comida e limpar”. B. revela, com suas duras palavras, uma radical falta do Outro do desejo e do amor.

Sempre que queria ser amamentada, aproximava-se da mãe, batendo nesta com uma vara (não se tratava portanto, de uma demanda mas, sim, de uma exigência e de arrancar deste Outro o objeto - pois, este o teria no bolso. É o contrário de uma mãe do desejo e do amor, aquela proposta por Lacan, com a imagem de Santa Águeda: aquela que tem os seios decepados e ofertados em uma bandeja. Para aquele que assumiu a lei da castração - que o Nome-do-Pai operou na estrutura -, seu Outro será esvaziado de gozo, a castração opera separando-o do objeto. O gozo se localizará no objeto, este perdido, representado pelo significante fálico (a/-?), funcionando para o sujeito como causa do desejo – lugar também de um filho para uma mulher, o que a tornará uma mãe. Este sujeito mãe, separado do objeto, aqui no caso o seio, é por estar submetido a esta falta, castração, que seu filho será causa de desejo, ou seja, enquanto uma mãe desejante ela poderá interpretar com seus significantes o choro e necessidades dele, dando a ele não só o alimento mas também seu amor). Essa bizarrice (bater na mãe com a vara) - que B. manterá até os 9 anos de idade -, parece revelar a não extração do objeto em seu Outro.

B. também revela sua solidão extrema desde a mais tenra idade: “ não tinha amigos, apenas o meu pé de ameixa e de amora que ficava em cima deles o dia todo... não comia nada, apenas guisadinho que as crianças faziam e os pombos que criava...”.

Se o pai aparece na história, só é para demonstrar o quanto está casado com sua garrafa: não ocupa o lugar de provedor, seja da família, seja satisfazendo sua esposa enquanto mulher, o que liberaria os filhos deste encargo. Ao contrário, B. ressalta: ele “saía muito, bebia e a mãe tirava as coisas da gente para dar para ele...”; dizendo, lucidamente, quanto os filhos eram sacrificados para manutenção do gozo do pai.

Em sua puberdade, B. encontra o sexo de forma não menos violenta - seja no abuso sofrido pelo cunhado -, como, fundamentalmente, pela não inscrição deste ato no Outro: “a mãe não acreditou, comecei a ficar mal .... só chorando”. B. não encontra no Outro um dizer que enquadre e fixe este ato.

Essa não inscrição no Outro - de seu encontro com o sexo -, que lhe possibilitaria uma significação fálica, vai ter um valor, ao nosso ver, real para esta moça, que a lança ao pior revelando um impossível de suportar. Esse momento crucial do início de uma mulher ao fim de uma criança , é vivido por essa moça como um excesso de gozo que invade seu corpo e, sua errância é uma tentativa de inscrição no laço social. Ela vive à margem - com os marginais -, e, se ela se lança ao encontro com os homens, numa série metonímica, isso não é para ela algo estabilizador, ao contrário, fica à mercê deles entregando seu corpo.

Podemos nos perguntar como ela faz para não servir ao gozo do Outro?

É nessa série com os homens que B. vai “inventar suas histórias”. Essas histórias parecem ser uma tentativa de significação do gozo, desse excedente que não se traduz em representação. Isso lhe é único e é o que está em sofrimento, ou seja, esta parte do ser que é uma verdade em sofrimento e que se goza no silêncio da pulsão de morte, levando-a ao pior: entregar seu corpo.

Enquanto mãe, B. não se encontrou em condições de bancar o Outro materno para seu filho, revelando um desejo anônimo. Este Outro, ela só poderia sustentar se seu Outro fosse castrado - mesmo que sob o signo da angústia, de não saber o que fazer, já que não há um saber natural para ser mãe. Ou seja, é porque falta algo ao Outro que uma mãe se coloca a ocupar-se do filho e amá-lo, tendo o filho assim um valor fálico para ela.

A maternidade poderia ser para B. uma tentativa de estancar o empuxo ao feminino, que Lacan qualificou de “sardônico” em L’etourdit para sublinhar o aspecto dele estar fora da medida fálica.

Parece-nos que sem dúvida a criança - seja o filho que ela teve, os abortos ou as outras crianças (abandonadas e seqüestradas) que aparecem sempre na vida libidinal de B. quando ela está com um homem -, seja uma forma em que ela tenta, por este objeto, uma certa extração do gozo.

Mesmo que delirantemente - em suas histórias, nas tentativas de seqüestro, nas sensações de estar sendo vigiada e perseguida -, B. tem uma relação frequentemente maléfica com o objeto pulsional, chegando a dizer que não consegue comer, dormir, “é como se tivesse alguém atrás de mim o tempo todo”; presentificando um olhar que se mostra prevalente, daí o sentimento dela de estar sendo vigiada.

B. tenta assim localizar o gozo no lugar do Outro , tal como nos indica Lacan ser o trabalho típico da paranóia, o lugar típico do retorno do gozo (in Ornicar n°38 Apresentação da tradução francesa das Memórias). Ela dispõe de uma certa mobilização do significante e o delírio vem como uma defesa contra o gozo, como uma tentativa de cura. Ao localizar o gozo no Outro, como uma alteridade, o gozo que estava sem localização fica preso ao significante através do delírio que designa o ser do sujeito como objeto de gozo do Outro. A certeza se instala dando-lhe um lugar no significante e um sentido à existência do sujeito.

Certamente em suas histórias delirantes ela elabora uma resposta inédita para tratar de cifrar esse real que irrompeu, buscando assim produzir-se como efeito de significação. É um trabalho do sujeito com o seu Outro, permitindo-o recompor a sua realidade e contendo um pouco, o gozo que o invade.

No entanto, mesmo quando teve de fato seu filho ele não adquire um valor fálico para que ela viesse a se ocupar dele, nem mesmo a separa do Outro, ao contrário ele está estritamente vinculado ao delírio. O que se presentifica então para B. é um Outro gozador que quer arrancar-lhe seu filho - Outro encarnado pelo pai da criança, ou ainda, a sua própria mãe, quando ela lhe dá seu filho. Ou seja: tudo para o Outro, nada para si - relação típica da paranóia quanto ao objeto anal - se por um lado podemos encontrar aqueles sujeitos que não se separam de alguns dejetos, pequenos objetos, outros como B. podem chegar a dar tudo ao Outro.

Ela está diante um Outro que lhe exige o objeto, um Outro que não é regulado pela lei significante, tal como em sua infância também lhe era retirado tudo para seu pai beber.

Por conseqüência, na ausência da metáfora paterna não há separação do objeto e o sujeito entrega-se como objeto para manter o Outro completo. Esse objeto, para B. uma paranóica, está a mais e ela deve restituí-lo ao seu Outro, para que não lhe falte nada e assim permaneça absoluto.

B. também não deixa - ao acusar o Outro -, de permanecer em sua inocência paranóica, posição de objeto deste, mesmo que sua reivindicação seja uma tentativa de emergir enquanto sujeito. Se ela dá seu filho para a mãe - o objeto -, não é senão para acusá-la de maltratá-lo e assim reivindicar sua guarda - aquela guarda, que ela mesma oferecera à mãe.

Neste sentido, parece-nos que a maternidade também não estabiliza para B. a relação do sujeito com seu Outro e com o objeto. Ao contrário, como remarcou Simone, há uma estagnação do sentido pois, quando ela é interrogada sobre o que é ser mãe, ela vai responder fixamente: “tô grávida”.

A maternidade e o filho não funcionam para ela como uma solução singular.

A pergunta que nos colocamos é: como então favorecer neste caso, a invenção de um sintoma susceptível de vir a condensar o gozo e extraí-lo do corpo?

Sintoma de um estilo (que faça suplência) em direção ao “melhor” (já que o que ela demonstra ser uma saída revela seu impossível de suportar e a leva ao pior). Ou seja, uma invenção inédita - que evidentemente não será um sintoma paterno da norma edipiana (norme mâle), mas, que também não se confunda com o delírio que vem justificar o que é encontrado e, sim, que venha descompletá-lo e possa cernir o que se experimenta e não se traduz – aproximando-nos do que Lacan em 70 define como a letra, diferenciando-a do significante.

A letra que interdita o Outro – possibilitando-a passar do empuxe à mulher à ironia.

A letra diferenciada do significante que possibilita a deposição, portanto, não consiste na elaboração de romances (suas histórias e interpretações delirantes); ou seja, um escrito para não ser lido. Seria uma singularidade que não designa, mas sim, faz um enlaçamento do I,S,R.

 

 

* Membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Psicose do IPSM-MG. Coordenadora do CIEN-Brasil (Centro de Estudos Interdisciplinar sobre a criança). Endereço: Avenida Afonso Pena 2522 sala 1503 CEP30130-007. E-mail:cristianapittella@yahoo.com.br

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