SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1 número1EditorialDa autonomia à responsabilidade relacional: explorando novas inteligibilidades para as práticas de saúde índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.1 no.1 Juiz de fora jun. 2008

 

EDITORIAL

 

O "Cadernos de Psicologia": metáfora de um tempo?

 

 

Marco Aurélio Maximo Prado*

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

 

 

O periódico científico "Cadernos de Psicologia" (CP) - revista do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) teve seu último número publicado em 2003, através do volume 13, sob minha coordenação. Naquele ano, o "CP" comemorava, com o seu término, uma longa trajetória, especialmente quando pensamos em todas as mudanças sociais, político-institucionais e acadêmicas que este periódico transpassou em seus quase vinte anos de existência.

Com 19 anos de idade, por uma decisão da Câmara Departamental, o "CP" terminou como uma revista científica do Departamento de Psicologia para dar nascimento a uma articulação interinstitucional entre as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) do Estado de Minas Gerais que possuem cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia com o intuito de construirmos um novo projeto - a revista científica eletrônica Gerais, que agora se torna pública com este primeiro número sob a coordenação de um grupo de professores das quatro universidades federais - Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), inaugurando, desta forma, uma relação mais objetiva entre os departamentos, institutos e programas de pós-graduação em psicologia das IFES do Estado de Minas Gerais que possuem cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia.

Com estas poucas linhas tenho quatro objetivos: a) registrar uma longa história que hoje deve ser vista por nós com orgulho, não só pela sua própria trajetória, mas também pelo fruto que esta trajetória gerou. Como o último editor responsável pelo CP, me senti obrigado a registrar algo desta passagem inovadora; b) homenagear os editores e equipes que me precederam, e aqui apenas cito o nome do professor Luis Flávio Couto que foi o editor do CP por um longo período, mas remeto o leitor a todos os volumes publicados que contém o registro devido de todos os professores que outrora se envolveram na tarefa de sustentação do CP; c) parabenizar a Câmara Departamental da época, pela atitude, pois naquele momento nós optamos, para além da nostalgia, pela construção de uma nova revista científica que estivesse agora calcada em uma relação menos encerrada na vida de um departamento e, por último, ainda tento aqui, para apenas imaginar, tal qual são os conectivos de elementos metafóricos, d) introduzir curtos elementos que podem revelar se a riqueza contida no CP não espelhava, em alguma semelhança, o debate público que estaria presente nas universidades, onde atualmente impera o silêncio e a famosa política "não mexe comigo, não mexo contigo".

Em 1984, o Departamento de Psicologia da UFMG iniciou, com os esforços de vários de seus professores, a editoria do conhecido periódico "Cadernos de Psicologia" - revista do departamento de psicologia da UFMG. O Cadernos de Psicologia (CP) tem uma longa história antes de seu término em 2003. Em 1984, o CP inicia sua exibição sob os cuidados de um grupo de professores que tinha como coordenadora a Professora. Leila Mariné da Cunha Guimarães. As professoras Ana Cecília Carvalho, Elza Lima, Riva Satovschi Schwartzman e os professores Jéferson Machado Pinto e José Renato Campos do Amaral participam, naquele momento, como assistentes docentes do que chamaríamos hoje um conselho de organização editorial do CP. Com uma intencionalidade de divulgar e publicizar produções científicas do Departamento de Psicologia da UFMG, tanto de seus docentes como discentes, o CP rapidamente se transformou em um espaço de debates e críticas acadêmicas que atualmente não encontraríamos com facilidade e mesma astúcia em nenhum periódico científico da área.

Quero dizer com isso que, folheando e lendo as várias páginas do início do CP, fica evidente que ali não era um espaço que encerrava seu destino na publicização, mas, sobretudo na valorização do debate acadêmico que se faz pela crítica séria e cuidadosa do conhecimento produzido. Inesperadamente para os dias atuais, encontramos no CP intensos debates teóricos entre os professores, revelando assim um clima de debate público que hoje não se vê tão facilmente nos corredores dos Departamentos.

Relendo alguns textos dos primeiros números do CP, é evidente o debate crítico entre professores do Departamento de Psicologia. Ainda que desde o seu nascimento e até o ano de 2003, o CP fosse objetivado como um canal de veiculação de produção departamental - o próprio nome revela isto - nunca esta publicização foi feita sem debate crítico. Há inclusive textos com tréplicas e réplicas de críticos, o que revelaria um departamento com intenso debate! Possivelmente, outros tempos da universidade pública. Se o CP poderia ser tomado como uma metáfora: poderíamos dizer que o departamento e a universidade eram mais públicos, pelo debate, e sua própria atitude de construir uma revista científica "do" departamento revelaria sua intencionalidade de disseminar para além dos seus muros, suas próprias idéias.

A estrutura do CP não era tão distinta dos periódicos atuais, sessões de artigos, resenhas e entrevistas eram as mais veiculadas. Todavia, dois elementos chamam a nossa atenção, já que o lemos com as lentes da contemporaneidade: os entrevistados escolhidos e a publicação de artigos produzidos individualmente por alunos da graduação.

Ora, hoje uma sessão de entrevistas de um periódico de Psicologia jamais teria como um de seus convidados o deputado federal Fernando Gabeira! Ou teria? Penso que não! E percebam que estamos falando de 1986 e não do Fernando Gabeira da atualidade. De fato, as trajetórias não podem ser tomadas somente pelo tempo cronológico. De 1986 a 2008 são apenas 22 anos, mas por outro lado, foi o suficiente para estranharmos que um político como Fernando Gabeira fosse convidado para dar entrevista a uma revista científica de Psicologia. Hoje jamais o seria, não por ser ainda político, mas, sobretudo porque os periódicos científicos sofreram muitas mudanças, contraditórias mudanças, mas ainda assim migraram de posições e patamares. Gabeira também, hoje é um crítico da esquerda e da direita, já tendo sido um expoente esquerdista dos mais radicais.

Ora isto quer dizer algo do CP e de sua vitalidade naquele momento. O outro ponto que vale a pena ser ressaltado era a publicação individual de alunos de graduação. Comparado aos periódicos científicos da área hoje, dificilmente um aluno de graduação conseguiria publicar um artigo sozinho. Não por que seu texto não teria qualidade, mas porque sua titulação não autorizaria a autoria entre nós em um momento de fortalecimento de tantas hierarquias. No entanto, naquela época, no CP isto era bastante comum, aparentemente, as hierarquias, mais tarde estabelecidas por nós mesmos, eram um tanto mais democráticas. Hoje no mesmo Departamento de Psicologia temos "periódico de alunos" e "periódicos de professores", os tempos mudaram!

Ora, o CP teve também a participação ativa do prof. Luis Flavio Couto, que foi o coordenador da comissão editorial (editor) durante boa parte da vida deste periódico. Sob a tutela do prof. Luis Flavio, o CP também se transformou. Mudou sua grafia, iniciou sua nacionalização e foi avaliado pelo sistema Qualis pela primeira vez. Nesta época, o CP passou a publicar artigos que em sua maioria era de autores vinculados ao Departamento de Psicologia ou a UFMG em geral, mas não só! E sua periodicidade anual acaba por ser consagrada naquele momento. Através do nome do Prof. Luis Flávio Couto faço aqui uma homenagem a todos os professores que trabalharam nas distintas equipes do CP em seus diferentes períodos históricos.

Tomando contato com os artigos publicados, é possível observar, através de um rápido levantamento, as principais temáticas ali abordadas. Há principalmente artigos na área de psicanálise, mas não só, podiam-se encontrar textos sobre literatura e psicanálise, antropologia, psicologia comunitária, psicossociologia, memória e semântica, investigações sobre o trabalho e movimentos sociais e muitos outros. No entanto, de longe não encontramos um título de periódico generalista, este adjetivo naquele momento não faria muito sentido. Os autores publicados, em sua grande maioria, eram vinculados ao Departamento de Psicologia, no entanto, por ali também transitaram idéias e ideais de autores como Diana Rabinovich, Welber da Silva Braga, Célio Garcia, Horácio Riquelme, Iray Carone e muitos outros pensadores das ciências humanas. No entanto a maior parte dos autores era vinculada ao Departamento de Psicologia ou a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, o que aos poucos foi também trazendo problemas para uma expansão do CP e para uma maior heterogeneidade na participação autoral.

Em 2002, o CP passou para minha responsabilidade como editor e como professor recém chegado no Departamento de Psicologia. Minha trajetória como editor anterior a minha entrada na UFMG, permitiu este passo. Aliás, um passo de enorme responsabilidade, pois a história ali cravada em cada página do CP era inteiramente desconhecida por mim. Mas, nas universidades federais muitas vezes acontecem coisas estranhas. Portanto, eu recém chegado na UFMG e em Minas Gerais (e sendo paulista!) assumo a coordenação do CP. Naquele momento organizamos um grupo com @s professor@s Karin von Smigay, Guilherme Massara e Carmem Flores, no entanto, o cotidiano do CP exigia uma presença mais ativa que foi feita por mim e por um grupo de alunos que logo se interessou em participar da construção, já com algum atraso, dos números do CP. Entre esses alunos e ex-alunos passaram por ali Luciana Kind, Cássia Beatriz, Flávia Abade e permaneceu Frederico Viana Machado. Aqui é importante ressaltar que a professora Lúcia Afonso foi uma rearticuladora desta última equipe, esforçando-se para reorganizar um grupo que se responsabilizasse pela edição do CP.

A responsabilidade exigia delicadezas de toda parte já que as novas avaliações de periódicos científicos no Brasil tinham, nos últimos dez anos, impetrado uma linha de trabalho que por vários motivos o CP se afastara: era um periódico anual, com grande participação de autores internos ao Departamento de Psicologia da UFMG e agora sem o apoio financeiro, como obtivera antes, da reitoria e da editora da UFMG. Na pesquisa e avaliação que a UFMG realizou, em 2003, dos periódicos científicos publicados pela universidade, que pode ser encontrada em http://www.ufmg.br/prpq/relatoriofinalrevistasUFMG2003.doc o CP aparece como um periódico com vários problemas dado os motivos já levantados acima. O que fora apenas o início de algumas barreiras importantes para a sua sobrevivência. Primeiro ponto importante foi sua sobrevivência financeira, já que todos os editais de apoio já não aceitavam propostas de periodicidade anual. Segundo, sua endogenia autoral era marcante e fazia com que sua classificação estivesse sempre localizada do ponto de vista de qualquer critério de abrangência e, por último, o Departamento também tinha mudado muito e poucos agora tinham como pretensão participar ativamente na construção, revitalização e reorganização de um periódico que já tinha sua própria história e que carregava no seu presente problemas para melhorar sua classificação no Qualis. Assim, apesar do esforço de alguns colegas, começamos a vislumbrar uma proposta mais atualizada, que cumprisse alguns objetivos que, naquele contexto, nos parecia intangíveis para o CP, dada a sua história.

Em 2004 propusemos, então, para a Câmara Departamental discutir a vida e a sobrevida do CP e possíveis propostas de encaminhamento. Naquela ocasião, a questão era relativamente simples para pensar o futuro, mas terminantemente complexa para analisar o passado. Como propor uma ruptura que não desconsiderasse esta importante história que o CP construiu -a de aglutinar o Departamento de Psicologia em torno de uma visibilidade de suas produções, mas ao mesmo tempo não se encerrasse na lógica departamental?

A saída, depois de inúmeras reflexões sobre o significado e o contexto atual da produção em periódicos científicos foi a de propor uma ação que congregasse duas vias: a articulação com as IFES do estado de Minas Gerais e a continuidade da expressão deste Departamento na construção de um periódico científico que também continuasse a evidenciar a necessidade de participação desta comunidade no âmbito nacional da produção científica.

Assim, exatamente por estes motivos e com esta intencionalidade que a Câmara Departamental do Departamento de Psicologia da UFMG aprovou em 2004 o fim do CP e o início de um projeto bastante pretensioso, o de articular os cursos de Psicologia das IFES que até então tinham pouca articulação entre si, e construir uma nova revista científica interinstitucional. E aqui chegamos, após esta trajetória.

A delicadeza de alguns colegas, a honestidade de outros e a competência de muitos dos professores do Departamento de Psicologia da UFMG, do Departamento das Psicologias da Universidade Federal de São João del Rei, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia e do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora sem dúvida foi a garantia mais importante para que a Gerais acontecesse.

A proposta logo que nasceu implicou em articular representantes destas IFES para iniciar o processo de construção da revista Gerais, que naquele momento não tinha nome. Conseguimos um grupo bastante expressivo, que logo se interessou e, hoje, temos, com algumas mudanças na equipe, o projeto objetivado. Fizemos algumas reuniões para construir a idéia, discutimos a situação dos periódicos no Brasil, avaliamos a estrutura de uma proposta baseada nos critérios de avaliação Qualis, refletimos e debatemos sobre as formas de participação de todas as IFES envolvidas. Foi também um longo processo de amadurecimento e respeito entre um grupo que se colocou com disposição para tal projeto.

Em 2006, o Prof. Gustavo Gauer assume, juntamente com outros colegas, a coordenação do projeto e o que vemos agora é a Gerais, que em certa medida é fruto do CP, mas sua ruptura também. Esta nova revista interinstitucional não só revela o esforço de todas as pessoas envolvidas neste projeto, mas também o sonho de articulação entre as Psicologias mineiras.

Parabéns ao Departamento de Psicologia da UFMG pela coragem que teve em 2004, parabéns aos outros órgãos das outras universidades federais (UFSJ, UFU e UFJF), seus professores de psicologia e, mais uma vez, agradecemos a trajetória do CP, pois sem ela não teríamos sido interpelados para este novo e instigante passo.

 

 

* Endereço eletrônico para correspondência: mamprado@ufmg.br

Creative Commons License