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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.1 no.2 Juiz de fora dez. 2008

 

RESENHA

 

Psicologia social: articulando saberes e fazeres

 

 

Adriano Roberto; Afonso Nascimento*

Uniiversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

 

 

Mayorga, C. e Prado, M.A.M. (Orgs). (2007). Psicologia social: Articulando saberes e fazeres. Belo Horizonte: Autêntica.

Resultado de uma parceria entre a ABRAPSO - Regional Minas e a editora Autêntica, a obra "Psicologia social: articulando saberes e fazeres" já diz, no título, o que pretende. Formalmente, o livro está dividido em duas partes. Na primeira, intitulada "Interlocuções histórico-conceituais em um campo de fronteiras", o investimento dos autores deveria, pelo título, ser mais claramente argumentativo. Na segunda (Fronteiras de saberes e fazeres), mais descritivo. Deveria, se esse não fosse um livro da área de psicologia social (em letras minúsculas, como parece ter sido a opção dos autores). Como os próprios organizadores reconhecem na Apresentação, a interlocução entre prática e teoria marca todos os textos da coletânea. Aliar o "pensar sobre" ao "pensar com" talvez seja uma das estratégias que têm possibilitado a vitalidade da área. Há, também em todos os textos, inclusive nos "mais históricos" (digo inclusive, mas não acredito que não devesse acontecer dessa forma), uma preocupação muito clara com os impactos do que tem sido produzido, como prática e como chave para leitura do cotidiano, pela psicologia social. Tornamo-nos especialistas em nos mantermos alertas contra os deslizes dos nossos próprios discursos e intervenções (sim, eles acontecem). Dessa especialidade parece vir a tensão que acompanha todos os textos da coletânea. Dessa especialidade é que os autores partem para as fronteiras com os outros saberes e fazeres. Voltarei a essa característica dos textos (e da área) após uma apresentação resumida dos capítulos que compõem a coletânea.

No prefácio da obra, Maritza Montero discute o caráter originariamente pluridisciplinar da psicologia social, admitindo que a questão das fronteiras entre a psicologia social e os outros campos de conhecimento continua sendo inquietante. No capítulo de apresentação, de Claudia Mayorga e Marco Aurélio Máximo Prado, estão explicitadas as características mais gerais da coletânea, com destaque para a problematização das relações entre saberes e fazeres em contextos hierarquizados. Abrindo a Parte 1 (Interlocuções histórico-conceituais em um campo de fronteiras), com o capítulo "Notas sobre a psicologia social e política no Brasil", Odair Sass, a partir de duas obras, uma de Oliveira Vianna (Instituições Políticas Brasileiras -1949) e a outra de Gustave Le Bon (Psicologia dos novos tempos -1922), explora as relações entre psicologia, psicologia social e a história social e política brasileira na primeira metade do Século XX. Em seguida, Ana Maria Jacó-Vilela apresenta, seguindo as bases intelectuais européias e norte-americanas do início do Século XX, os contextos da emergência do campo psicossocial no Brasil e da consolidação da psicologia social como disciplina universitária no capítulo "O estatuto da psicologia social - contribuições da história da psicologia social". Maria Ignez Costa Moreira, no terceiro capítulo da coletânea ("A formação em psicologia social"), discute três percepções recorrentes sobre a psicologia social entre iniciantes no campo: "toda psicologia é social", "a psicologia social trabalha com os pobres" e "psicologia social é essencialmente crítica". Em "Revisitando a Pedagogia do oprimido: contribuições à psicologia social comunitária", Claudia Mayorga analisa a obra mais conhecida de Paulo Freire, uma das referências mais caras à psicologia social brasileira pós-ABRAPSO, destacando sua importância no campo da psicologia social comunitária na América Latina. Kety Franciscatti, no capítulo "Entre o gris e a irisação: limites da teoria e da práxis ante a ideologia afirmativa do existente", recorre a T.W. Adorno para, a partir de considerações sobre a relação entre teoria e práxis, retomar a discussão sobre o valor epistemológico da arte, considerando-se a possibilidade de seu entendimento como historiografia do sofrimento humano. No capítulo "Fronteiras negadas: contribuições da psicologia política para a compreensão das ações políticas", Marco Aurélio Máximo Prado mostra a relação intermitente entre psicologia e política ao longo do Século XX, apontando impasses e avanços no tratamento dessa relação na sociologia, na ciência política e na psicologia social e identificando as bases históricosociais da constituição do campo da psicologia política. No texto seguinte ("Minorias, reconhecimento e fronteirização de saberes e experiências militantes"), Cristiano Rodrigues se insere no debate sobre a questão do reconhecimento de/em minorias sociais nas sociedades ditas democráticas, argumentando em defesa de uma "epistemologia marginal" para o enfretamento do ainda espinhoso problema da interlocução entre saberes. Mônica Bara Maia, em "Gênero - um conceito em movimento", retoma a discussão sobre a (não) equivalência entre gênero e sexo, problematizando as possíveis linhas interpretativas no tratamento contemporâneo da categoria Gênero. Também discutindo Gênero, Alessandra Sampaio Chacham mostra, no capítulo "Direitos sexuais, direitos de gênero: novos desafios conceituais e políticos", o complexo jogo de avanços e retrocessos na luta pelo reconhecimento dos direitos sexuais como item a ser considerado no debate internacional sobre os direitos humanos.

Abrindo a segunda parte da coletânea (Fronteiras de saberes e fazeres), no capítulo "A Psicologia frente às políticas públicas", Marcia Mansur Saadallah descreve e discute os dilemas da busca de estratégias para a inserção da psicologia no campo das políticas públicas. Em "A participAÇÃO de mulheres, negras, jovens: da construção da identidade à ação política", Cássia Reis Donato e Larissa Amorim Borges, a partir do entrelaçamento das categorias Gênero, Etnia e Geração, descrevem as estratégias de empoderamento da Organização de Mulheres Negras Ativas, de Belo Horizonte/MG. Mary Garcia Castro também elege a discussão sobre a participação efetiva dos jovens, da formulação ao acompanhamento, nas políticas públicas de juventudes no capítulo "Políticas públicas de juventudes - questões para a participação". No capítulo seguinte (Dilemas contemporâneos dos movimentos sociais GLBT), Carlos Magno Fonseca, Lucia Aparecida do Nascimento e Frederico Vianna Machado abordam a intricada rede de discursos sobre/nos movimentos sociais GLBT, apontando a negociação de valores exigida pelo processo de tradução de saberes nesse campo. Resultado de dois momentos de compartilhamento na construção de significados sobre uma trajetória de vida, a elaboração do relato e a redação do texto, o capítulo "O sentido do viver criativo - reflexões sobre a trajetória de vida da líder Valdete do Alto da Cruz", de Adriana Dias Gomide e Valdete Cordeiro, apresenta a negociação cotidiana entre as referências da memória pessoal e o contexto atual de participação comunitária de uma das co-autoras. Partindo de duas histórias de vida, Vanessa Andrade de Barros, Adriana Dias Gomide e Maria Luisa M. Nogueira defendem a necessidade da articulação teórica entre trabalho e território de existência para o entendimento de sujeitos sociais (Território e trabalho: condições e limites para as ações do sujeito social). Luciana Kind, em "Aproximações entre psicologia social e saúde coletiva", discute as proximidades e os desencontros entre esses dois campos do conhecimento, indicando possibilidades de sua conjugação na prática do psicólogo na área da saúde. No capítulo "Psicologia social e saúde coletiva", Cornelis Johannes van Stralen analisa o contexto sócio-histórico do surgimento de termos como "psicologia médica", "medicina comportamental" e "psicologia crítica da saúde" e demonstra o quanto tem sido difícil uma associação, tanto teórica quanto prática, entre psicologia e saúde em uma perspectiva efetivamente psicossocial. Em "Psicologia social em uma instituição escolar: relato de uma experiência com jovens e adultos", Cássia Beatriz Batista, Jacqueline Alves de Oliveira e Markelly Ortlieb Cardoso relatam um processo de intervenção em uma escola formal, com o objetivo de criação de uma turma para Educação de Jovens e Adultos (EJA). No último capítulo da coletânea (Desafios da parentalidade com adolescentes: como enfrentar os riscos?), Márcia Stengel identifica, na fala de pais de adolescentes, estratégias de negociação de sentidos e práticas em famílias vivendo em uma sociedade percebida como "perigosa".

A diversidade de temas contemplados pela obra é evidente. Também evidente é a diversidade de interlocutores, o que me permite retomar, agora considerando a possibilidade de outros agrupamentos entre os textos, a questão das fronteiras e a tarefa de articulação entre saberes e práticas. Já fiz referência à tensão presente nos textos e já admiti que ela é própria da área. Na minha avaliação, ela vem, como sugerem os organizadores, da disposição hierarquizada na qual se encontram a psicologia social e seus interlocutores (campos de saber e sujeitos sociais). Como indício dessa disposição, identifico, por exemplo, uma tendência, que vem ganhando corpo, de construir/retraçar as bases históricas da área. De forma clara, ao buscarmos esquadrinhar a emergência histórica das abordagens psicossociais, tendo como período privilegiado a passagem do Século XIX ao Século XX, nos interessa, além de eventuais acertos de rota no nosso trabalho atual, propor as bases para desenvolvimentos futuros da área no Brasil. Robert Farr (1998), em As Raízes da Psicologia Social Moderna, já demonstrou que a eleição de ancestrais e fundadores pode dizer mais do presente de uma área, e de qual futuro esse presente possibilita vislumbrar, do que propriamente do seu passado. Essa é sim uma questão de fronteiras. Nossa histórica e atual busca de diálogo com outras áreas (sociologia, antropologia, ciência política, filosofia, história...) nos coloca recorrentemente o problema da especificidade do nosso conhecimento, como Maritza Montero admite no prefácio do livro. Aqui o risco é sempre o de se perder no outro, de assumir o discurso do outro, de "pôr em prática" o discurso do outro. Por isso chamei de "tenso" o tom dos capítulos. A pergunta que ainda não conseguimos responder de forma satisfatória, se é que ela tem sido considerada importante pelos psicólogos sociais brasileiros, é se a psicologia social é um campo na(s) fronteira(s), um campo de fronteira ou um que não reconhece a existência dessas fronteiras. Pensar criticamente como se dá a nossa relação com outras áreas é tarefa para a própria constituição da nossa especificidade. Se é certo que essa especificidade não pode estar baseada em um "não-ser" ("não ser" sociologia, "não ser" filosofia, etc), o fato é que recorrentemente utilizamos conceitos formulados em outras áreas para dialogarmos com e intervirmos na realidade. Aprendi, no início da minha formação (e acho que isso é comum), que não há uma psicologia, há várias. Hoje é recorrente a afirmação "não há uma psicologia social, há várias". Mesmo entendendo que essa é uma exigência de uma área que precisa de inserção efetiva na realidade social, sempre em movimento, preocupa-me admitir que, em breve, cada uma dessas psicologias sociais terá se transformado também em várias. A discussão sobre a interlocução entre saberes científicos e "populares", na pauta de nossas discussões, exige investimento na interlocução interna, sob o risco de nos perdermos nos entraves da constituição de um campo que pode estar sempre no "entre". É recorrente nos capítulos do livro a busca de psicólogos sociais por espaços nos campos da saúde e da educação e nos movimentos sociais. É parte da nossa atuação a procura insistente pelo diálogo, pelas formas de conjugar nossas práticas com as práticas do(s) outro(s). O livro organizado por Claudia Mayorga e Marco Aurélio Máximo Prado vem contribuir para essa procura e para a sua problematização. Leitura essencial para estudantes, profissionais da área e interessados no diálogo.

 

Referências

Farr, R. (1998). As Raízes da Psicologia Social Moderna (1872-1954). (Pedrinho A. Guareschi e Paulo V. Maya, trad.). Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Mayorga, C. e Prado, M.A.M. (Orgs). (2007). Psicologia social: articulando saberes e fazeres. Belo Horizonte: Autêntica.         [ Links ]

 

 

* E-mail para correspondência: fgian@uol.com.br

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