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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.2 no.2 Juiz de fora dez. 2009

 

ARTIGOS

 

Sentidos sobre a ética para psicólogos que realizam práticas grupais1

 

Meanings of ethics for psychologists working with groups

 

 

Emerson Fernando Rasera2; Emília Cristina A. A. Freitas

Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo descreve os sentidos de prática grupal e conduta ética profissional de psicólogos que atuam com grupos nas áreas clínica e organizacional. Os dados foram construídos junto a dez psicólogos por meio de entrevistas semiestruturadas sobre princípios éticos, cuidados e dilemas éticos, formação ética profissional, os sentidos de ética grupal. Os dados foram analisados qualitativamente, por meio de uma análise de conteúdo temática. Os principais entendimentos apontam para: uma formação ética marcada por influências pessoais e profissionais; formações profissionais que não são específicas para a coordenação de grupos; o sigilo como princípio fundamental para a prática grupal; uma separação entre a ética que se vive na prática e a ética do Código; e por uma exigência e compromisso ético maiores na condução de grupos. Estes entendimentos convidam a uma reflexão sobre a formação dos psicólogos que trabalham com práticas grupais e as implicações para o fazer ético.

Palavras-chave: Psicologia, Ética Profissional, Trabalho em Grupo


ABSTRACT

This study describes the meanings of group work and ethical decision making among clinical and organizational psychologists. Data was collected through semi-structured interviews with ten psychologists about ethical principles, ethical dilemmas, professional ethics training and group ethics. It was analyzed qualitatively accordingly to content analysis. The main results pointed to: an ethical conduct based on personal and professional experiences; an absence of professional training for group work; the confidentiality as a fundamental principle for group work; a distinction between ethics-in-use and that proposed by the Code of Ethics; the perception of a greater ethical demand in group work. These understandings invite a reflection about the psychologists' training for group work and its implications for an ethical practice.

Keywords: Psychology, Professional Ethics, Group Work


 

 

Em nossa sociedade, o estudo sobre a ética tem resultado em concepções diversas. Etimologicamente, a palavra ética deriva do grego ethos, que significa costumes (Vásquez, 1997). Contudo, ao longo do tempo, as descrições sobre ética foram ganhando diferentes sentidos.

Alonso (2002) e Vasquez (1997) concebem a ética como a ciência da moral, ou seja, como uma ciência que tem como objeto de estudo a moral. Pinney (1996), por outro lado, acredita que a ética está relacionada com as ações de uma determinada pessoa diante de uma situação inesperada. De forma complementar, Pelloso e Ferraz (2005) entendem a ética para além de ações, na medida em que a concebem como um movimento produtor da subjetividade e da realidade psicossocial, realidade esta que se constitui pelo indivíduo e suas interações sociais, econômicas,lingüísticas e culturais.

A construção de um ser em toda a sua subjetividade e a forma de reagir perante as situações sociais vão sendo possíveis por meio do estabelecimento de diversos tipos de relações, as quais são definidas por uma ética relacional, considerada como um elemento essencial na origem das relações (Depraz, 2005). Gergen (1997) ainda acrescenta que somente quando as pessoas estão em relação é que elas podem realizar uma ação moral, o que é possível por meio das narrativas partilhadas socialmente, pois estas permitem situar os indivíduos diante das possibilidades de agir eticamente. A ética, a partir de uma perspectiva relacional, cria espaço para o acolhimento de diferenças que se dão no encontro entre as pessoas, na interação em grupos (Andrade & Moratto, 2004).

Figueiredo (1995), na tentativa de traçar um histórico sobre os caminhos percorridos pelo debate sobre a ética, apresenta algumas categorizações tais como ética coesiva, ética da excelência, ética da eficácia, ética disciplinar, ética romântica e ética sobrevivente. Da mesma forma, Pegoraro (2002) propõe outras categorias de análise, descrevendo a bioética secular, a bioética confessional, o principialismo e a bioética fenomenológica.

No campo profissional, tradicionalmente, a ética é definida em uma perspectiva deontológica. Segundo Canãs-Quirós (1998), a deontologia pode ser definida como um conjunto de comportamentos exigíveis dos profissionais, especialmente quando tais comportamentos não são regulamentados juridicamente; e ainda, como a ética profissional das obrigações práticas que têm como base a ação livre da pessoa e o caráter moral.

Aproximando a ética do contexto grupal, Weil (2002) fala sobre a participação política dos indivíduos nos pequenos e grandes grupos sociais e ressalta que a ética sob a ótica dos grupos cria espaço para que o próprio grupo decida os motivos de sua existência ou sobrevivência, por meio da combinação entre desejo individual e práticas sociais.

Na prática grupal em contextos psicoterápicos, a conciliação entre desejos individuais e práticas sociais gera, muitas vezes, uma série de questões éticas. Gumpert e Black (2006) apresentam questões relativas à comunicação entre os membros do grupo, especialmente em encontros fora do grupo; aos conflitos entre interesses individuais e grupais; aos conflitos entre as normas e valores do grupo e da sociedade; à saída antecipada de algum membro do grupo; à falta de sigilo de membros do grupo; e à falta de democracia nas decisões. A preocupação com o sigilo é freqüente em diversos estudos, sendo concebida como ponto fundamental para que se possa respeitar e proteger as informações trazidas durante a terapia de grupo (Pinney, 1996; Lasky & Riva, 2006).

Para que tanto o sigilo como outros dilemas éticos que podem decorrer da prática grupal sejam cuidados, é importante que o terapeuta de grupo tenha domínio das ferramentas éticas, situando as tensões emocionais e conflitos que podem surgir nos clientes e nos próprios terapeutas (Mangione, Forti & Iacuzzi, 2007). A concepção de ética não pode ser concebida como algo dado, mas construída por meio da prática diária.

A ética grupal surge, muitas vezes, de um bom relacionamento entre o coordenador e os membros do grupo, que tem como ponto de partida o estabelecimento do contrato de trabalho (Mackenzie, 1999; Mullan, 1987). Esse relacionamento depende da postura de liderança exercida, a qual pode ser percebida pelos participantes do grupo de forma autoritária ou legítima. Se a liderança é percebida como legítima, os membros do grupo tendem a confiar mais no trabalho desenvolvido pelo coordenador, o que pode contribuir para um contrato de trabalho que faça sentido também para os participantes do grupo. Considerando tal questão Corey, Williams e Moline (1995) discutem o papel do coordenador de grupo como um líder, ressaltando que a conduta pessoal deste pode influenciar o agir ético profissional em diversos momentos.

Apesar das contribuições dos autores aqui apresentados, a pesquisa bibliográfica realizada na literatura nacional e internacional, resultou em poucos estudos empíricos sobre as questões éticas abordadas no contexto de atuação profissional. Mais restritos ainda foram os resultados da busca por investigações que enfocassem as questões éticas no contexto grupal. Nesse sentido, foram encontrados alguns estudos para o contexto clínico e a maioria tratava de questões relativas à confidencialidade.

A busca por trabalhos que têm como propósito investigar as questões éticas das práticas grupais no contexto organizacional não trouxe resultados. Entretanto, considerando as questões éticas apenas no contexto organizacional, sem referenciar as práticas grupais, Monteiro, Santo e Bonacina (2005) apontam o crescimento da preocupação sobre a ética e a moral nas empresas, a prática comum de criação de um código de ética interno para direcionar as práticas na organização e o fato da reflexão ética ajudar a manter a coesão organizacional diante das exigências empresariais da modernidade, como a competitividade e eficiência.

A reflexão sobre os estudos apresentados nos convida a analisar a relação entre os princípios éticos que sustentam o Código de Ética do Psicólogo e sua relação com a prática grupal. Sabese que o Código de Ética do Psicólogo quase não traz orientações voltadas para o contexto grupal. O Código é definido como um recurso que vai além de um conjunto de normas a serem seguidas, ou seja, como um meio de reflexão, considerando que o Código não prevê todas as situações que permeiam a prática profissional, mas oferece direcionamentos para isto. Em sua seção de apresentação, o Código de Ética do Psicólogo traz considerações sobre o fato de que a missão deste documento é propiciar e assegurar um padrão de conduta, mediante os valores da sociedade e as práticas profissionais desenvolvidas, e não de estabelecer normas ou regras para a natureza técnica do trabalho (Código de Ética Profissional do Psicólogo, 2005). Contudo, os profissionais que trabalham em grupo se defrontam em seu cotidiano com uma série de questionamentos próprios deste contexto de atuação. A tarefa de tradução de tais orientações éticas gerais presentes no Código para a prática grupal é, muitas vezes, feita de forma isolada e situacional pelo profissional, dificultando o pleno exercício ético e reflexivo de seu fazer.

Sensível a essa necessidade dos profissionais e considerando a diversidade de definições sobre ética, bem como, a escassez de literatura sobre ética na prática grupal do psicólogo, este estudo se propõe a identificar os usos de definições de ética e sua pertinência a diferentes contextos de atuação em Psicologia (especialmente, o clínico e organizacional); identificar as práticas grupais e os cuidados éticos realizados pelos coordenadores no desenvolvimento das mesmas; analisar a formação e o conhecimento ético dos coordenadores de grupo; e apontar as dificuldades e os desafios existentes em tal forma de prática profissional3 .

 

Método

O presente estudo situa-se no campo das pesquisas qualitativas, focando-se no processo de construção de sentidos. Dessa forma, busca-se conhecer os sentidos de ética para os psicólogos entrevistados, abandonando-se verdades universais e reconhecendo a construção social do fato científico.

Participantes

Foram entrevistados dez psicólogos querealizam práticas grupais na cidade de Uberlândia, sendo que cinco são da área clínica e cinco da área organizacional. Todos os psicólogos graduaram-se em uma universidade pública da região, em média, há oito anos e meio. Dos dez entrevistados, cinco fizeram ou fazem mestrado e três fizeram especialização. A média de idade destes profissionais é de trinta e três anos, sendo o mais novo com idade de vinte e cinco anos e o mais velho com idade de quarenta e cinco anos. Apenas um dos entrevistados é do sexo masculino. Os profissionais da área clínica trabalham em clínica privada, sendo que três deles trabalham também em instituições de saúde da cidade. Já os profissionais da área organizacional trabalham em diferentes empresas da cidade. Os profissionais entrevistados foram devidamente informados sobre os objetivos da pesquisa e sobre a condição de participação na mesma por meio do termo de consentimento livre e informado. Todos os nomes utilizados no artigo são fictícios. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia (CEP 060/06)

Construção e Análise dos Dados

O processo de construção dos dados se deu a partir da realização e transcrição literal de entrevistas semi-estruturadas sobre a formação ética, a prática grupal, as concepções sobre ética e sobre o Código de Ética do Psicólogo.

A análise dos dados foi influenciada pela proposta da análise de conteúdo temática (Bardin, 1977), seguindo duas etapas: a) pré-análise e exploração do material: por meio da leitura flutuante do material foi possível observar regularidades, identificando determinados temas emergentes, marcados pelos objetivos da pesquisa; b) tratamento dos resultados e interpretação: com base nos temas, reviu-se o material, analisando as diferenças e nuances na apresentação de cada um deles ao longo de todo o material. A análise dos temas propiciou a reflexão sobre as falas dos entrevistados de forma articulada e contextualizada. Além disso, contribuiu para que se visualizassem as semelhanças, divergências e peculiaridades presentes nas falas dos entrevistados.

 

Resultados e Discussão

Considerando o método de análise de dados, os dados serão apresentados por meio das seguintes categorias temáticas: formação ética profissional; os princípios e dilemas éticos; origem da conduta ética; conversando sobre o Código de Ética; e conversando sobre grupo.

A formação ética profissional

No que diz respeito à formação ética profissional dos entrevistados, foram levantados dados relacionados à preparação para trabalhar como coordenadores de grupo, à formação ética para o exercício profissional, ao modelo teórico ou orientação que norteia a conduta ética profissional, à avaliação dos entrevistados sobre os próprios conhecimentos éticos profissionais, as opiniões sobre a atualização profissional para trabalhar com grupos e sobre a prática de supervisões e consultas a colegas de profissão diante de algum dilema ético.

A maior parte dos psicólogos entrevistados não possui uma formação específica para o trabalho com grupos, notadamente os psicólogos da área organizacional. Como mencionado, dos dez entrevistados, oito fizeram especialização ou mestrado, mas apenas quatro deles têm formações específicas para exercer práticas grupais, sendo três da área clínica e um da área organizacional.

As formações complementares voltadas para o trabalho com grupos, seja no contexto clínico ou organizacional, são descritas em termos da natureza técnica do trabalho, ou seja, por meio de propostas de aprimoramento ou introdução de novas técnicas. Contudo, é possível notar que não há um preparo sobre o que pode surgir cotidianamente no decorrer da utilização destas técnicas em termos de dilemas éticos. Considerando esta situação, é possível pensar, que muitas vezes a opção por obter algum tipo de formação adicional sobre a prática grupal, é feita tendo como principal objetivo atender às exigências do contexto de trabalho. Tal situação se faz presente nas falas dos entrevistados diante das motivações para se trabalhar com grupos:

(...) Bom o grupo tá muito atrelado à minha atividade né. (...) não é que eu escolhi, "Ah vou trabalhar com grupos né", mas é a minha prática, que envolve pessoas. (Gabriela, p.3)

Porque é o seguinte: desde que a [empresa] começou a fazer a seleção interna, ela adota procedimentos grupais. (Gustavo, p.5)

Quando indagados sobre a formação ética para o exercício profissional, os profissionais são quase que unânimes em criticar a formação acadêmica, ressaltando a ausência de ligação entre teoria e prática:

Olha, eu diria que em termos de disciplinas, ela foi muito pequena, porque eu me lembro de ter uma disciplina que era Ética e da disciplina ser muito chata. (...) era ler textos, era muito pouco de vivenciar, muito pouco prática. Era uma coisa meio distante. (Giulia, p. 10)

(...) A formação é muito precária. Eu senti muita falta. Nós não vemos as questões éticas permeando o nosso trabalho. A gente sabe que tem uma ética que permeia, mas a gente não tem noção de que ética é essa, a não ser que a gente procure. (Débora, p. 16)

Além disso, as falas trazem que apenas a formação teórica sobre ética, obtida na disciplina de Ética, que faz parte do currículo dos cursos de graduação em Psicologia em todo o país, é considerada como preparação para o exercício ético profissional. Nesta ocasião, pouco se relata sobre as posturas éticas exigidas pela prática de estágios. Tem-se a impressão da utilização de uma descrição deontológica de ética, na medida em que esta é percebida como um tratado que implica em um conjunto de deveres, princípios e normas e que as situações que envolvem a ética são estáticas e imutáveis.

Os estudos de Iema (1999) sobre a formação do psicólogo para trabalhar no contexto organizacional também apontam para a importância da interação entre teoria e prática quando o assunto é ética. O autor propõe que:

A formação deve desenvolver a capacidade de problematizar e buscar soluções. Teoria e prática, assim como formação científica e profissional são indissociáveis. A formação ética deve situar-se como figura, em uma disciplina, mas principalmente como fundo das várias atividades do curso. (p.35)

Além dessa visão negativa da formação ética acadêmica, aparecem os discursos voltados para uma conduta profissional que tem como base os preceitos éticos pessoais, provenientes da educação familiar.

Minha formação ética? Eu acho que começou dentro da minha casa sabe assim, da minha história né, na relação com os meus pais (...). (Paula, p.16)

Olha eu venho de pai e mãe de uma formação católica intensa, então isso me marcou enquanto pessoa. (...) Então eu diria que a minha formação ética são os meus valores e eu fui muito atrás. (Gustavo, p.15)

A partir dessas falas, é possível pensar que a atuação ética destes profissionais é fortemente marcada por condutas e referências pessoais, o que pode estar em associação com as opiniões de que a formação ética recebida pelas instituições de ensino não é suficiente para dar suporte à atuação profissional.

As características referentes ao modelo ou orientação teórica que norteia a atuação profissional destes psicólogos aparecem bastante diversificadas, especialmente entre os psicólogos da área clínica. Os psicólogos da área organizacional, em sua maioria, não utilizam um modelo teórico definido, apresentando uma orientação vinculada com a política da empresa, tal como referencia Monteiro, Santo e Bonacina (2005) sobre a criação freqüente de um código de ética interno nas empresas para permear as relações profissionais.

Além disso, os entrevistados foram questionados a respeito de como o modelo teórico ou a orientação que norteia a prática profissional oferece condições para a realização de uma atuação ética, bem como sobre a relação entre tais orientações e as prescrições atuais presentes no Código de Ética:

(...) a gente enquanto tá atuando não tá pensando na teoria, mas quando você para pra avaliar o que você tá fazendo (...) Eu acho que nesse sentido o modelo teórico dá suporte sim. (Luiza, p.10)

Eu acho, pensando em organizações, a prática ética é aquilo mais ou menos o universal, todo mundo segue, mas vai muito de cada empresa também. Você tem que conhecer o local de trabalho, a cultura da empresa pra verificar quais são as condutas éticas de cada um. (Mariana, p.13)

É possível observar que os psicólogos acreditam que a orientação ou modelo teórico que seguem oferece espaço para uma atuação ética, mas não sabem explicar realmente de que maneira isto é possível. Tal situação traduz um jeito de lidar com a ética, que pode ser expresso por uma dificuldade de falar sobre ética. Colocar em prática os preceitos teóricos e manejar as situações dilemáticas parece ser algo que gera menos dificuldades que justificar de forma organizada e retoricamente persuasiva como o ato ético é possível.

A auto-avaliação sobre os conhecimentos em ética feita pelos entrevistados, aponta, em grande parte, para uma avaliação positiva, apesar de muitos nunca mais terem tido contato com o Código de Ética depois de formados ou não terem o hábito de consultá-lo quando ocorre alguma dúvida. Sendo assim, pode-se pensar que os próprios conhecimentos pessoais em ética e a experiência empírica destes profissionais têm exercido um peso maior no cotidiano do que as orientações regulamentadoras da profissão.

Os psicólogos acreditam que a atualização profissional é algo extremamente importante para conduzir o trabalho. E quando indagados sobre a forma como esta atualização pode ser feita, nem sempre as respostas apontam para uma atualização no sentido teórico ou técnico, mas para uma que apresenta características vivenciais, descrita em termos de uma formação baseada nas experiências de vida e no cuidado de si próprio:

(...) As pessoas mudam, você também tem que mudar junto. Ah, eu acho que conversando, participando, focando mais na área da Psicologia, participando de reuniões, sabendo que a Psicologia como um todo entende o que é adequado, o Código de Ética, se tem alguma transformação, alguma mudança, se não. (...) Eu acho que participando da vida, participando da profissão, você se recicla o tempo inteiro. (Gabriela, p.11)

(...) se atualizando, no caso, além do aspecto técnico em si, é importante que ele esteja se cuidando também, aquela coisa do psicólogo mesmo, pra estar cuidando do outro, a gente tem que tá bem cuidado também. (Fabiana, p.8)

Com relação a consultas a colegas de profissão sobre a ética profissional, pode-se constatar que é uma prática recorrente e considerada de extrema importância, pois é vista como uma troca de experiências e representa a possibilidade de um olhar diferente sobre a relação que se forma entre o coordenador de grupo e o grupo de pessoas envolvidas. As supervisões com outros profissionais, para a maior parte dos entrevistados não são permanentes, ocorrendo somente em momentos de maior necessidade.

Os profissionais da área organizacional, aqui entrevistados, não têm o hábito de fazer supervisões periódicas diante de algum dilema ético, entretanto, é comum neste contexto, os profissionais participarem de encontros com colegas da área para dividir as experiências e dificuldades encontradas durante a prática:

(...) eu tava desenvolvendo um trabalho com determinado grupo, outra psicóloga com outro grupo e outra com outro né, então a gente sempre tinha aquela coisa de trocar informações, os relatórios, colocar as dificuldades (...).
(Fabiana, p. 9)

(...) A gente tem trocas né, igual eu te falei tem a equipe, então entre a equipe tem reuniões pra falar sobre o que vem acontecendo, sobre o que a gente fez, o que não fez, como que pode melhorar e o que não pode. (Gabriela, p.11)

A partir de tais considerações, é possível reconhecer um olhar sobre a formação ética que, especialmente na graduação, é focado em conteúdos teóricos. Há uma idealização sobre a interação entre teoria e prática ética sugerida pelas instituições de ensino, não se conseguindo conceber as determinações mútuas entre teoria e prática. A falta de credibilidade dispensada para a formação ética recebida durante a graduação, que aparece focada apenas em torno da disciplina "Ética Profissional", é refletida na falta de hábito em consultar o Código e por uma atenção maior às condutas éticas pessoais e experiências éticas vivenciadas por colegas de profissão.

Os princípios e dilemas éticos

A construção dos dados quanto aos princípios e dilemas éticos dos psicólogos entrevistados foi possível por meio de questionamentos em torno da influência da ética na prática profissional, dos principais cuidados éticos a serem tomados na área em que atuam e dos principais dilemas e problemas éticos que surgem durante a condução de um grupo.

Os cuidados éticos mais citados foram o sigilo, o respeito, a transparência, o reconhecimento dos próprios limites profissionais, a neutralidade, a consciência de conceber as pessoas que procuram o profissional como seres humanos e não apenas como instrumentos de trabalho e a responsabilidade de não enquadrar as pessoas por meio de conclusões estereotipadas ao utilizar um referencial teórico. Todos estes cuidados éticos foram mencionados tanto por psicólogos da área clínica como psicólogos da área organizacional. Dessa forma, é possível notar que há uma grande coincidência de opiniões no que diz respeito aos princípios e cuidados éticos considerados mais importantes e que norteiam a condução de grupos nas duas áreas.

Além desses, dois tipos de cuidados específicos apareceram nos discursos dos psicólogos organizacionais. Estes cuidados dizem respeito ao contexto de trabalho e são definidos por meio do cuidado durante o intercâmbio de informações entre diretoria e funcionários e também pela cautela em não transformar um processo seletivo em atendimento clínico com fins diagnósticos.

No que tange à influência da ética na prática profissional dos entrevistados, as entrevistas trazem que:

(...) eu tento sempre, fazer aquilo que eu gostaria que as pessoas fizessem pra mim, então essa é a grande influência.
(Mariana, p.6)

(...) acho que a ética é tudo, por isso eu acho que em todos os momentos a gente tem que pensar: eu estou agindo corretamente? (...) Eu estou realmente pensando em valores, princípios que tanto a minha profissão tem como eu como ser humano penso como inserida numa sociedade maior. (Gabriela, p. 6)

A partir de tais falas, é possível perceber o reconhecimento da ética como algo importante para o exercício profissional, na medida em que esta se encontra presente em grande parte dos momentos da prática. Além da presença constante da ética na atuação profissional dos entrevistados, pode-se falar em uma noção de ética que é pautada pela preocupação em se colocar no lugar do outro e por uma influência que envolve a pessoa completamente, em termos profissionais e pessoais.

Os relatos que apontam os princípios, cuidados e dilemas éticos mais recorrentes durante a prática grupal são:

(...) quando eu penso em princípio ético, eu penso no sigilo das informações, que é muito importante, penso no próprio respeito que você tem que ter com a pessoa que você tá trabalhando, na neutralidade. (Fabiana, p. 5)

(...) você tem que ter a capacidade de ver o outro como gente, não como o seu paciente, aquele que vai te trazer dinheiro em cada sessão ou que vai te trazer dinheiro num processo de seleção. (Gustavo, p.9)

Eu acho que uma das coisas é a gente tá atento à questão da teoria né, porque na Psicologia existe uma dimensão grande de teorias, tá atento a qual teoria a gente tá usando pra fazer a leitura da pessoa, pra gente não enquadrá-la como uma pessoa doente ou não, como uma pessoa que tá agindo de forma inadequada ou adequada. (Carolina, p.10)

A neutralidade surge como um princípio ético, na medida em que o coordenador deve saber controlar as suas preferências pessoais e sentimentos, para que nenhum membro do grupo se encontre em posição privilegiada perante os demais. Ademais, a percepção por parte dos membros do grupo de algum tipo de parcialidade do coordenador pode comprometer o processo de interação grupal.

Os recursos para conduzir um grupo podem ser definidos em termos de recursos profissionais (teoria e técnica) e recursos pessoais (habilidade e experiência). Mackenzie (1999) ressalta a importância do coordenador de grupo ter a consciência de suas limitações e competências para dirigir um grupo efetivamente. O reconhecimento dessas limitações pode resultar em um encaminhamento do paciente a outro profissional ou em uma supervisão, aumentando, assim, as possibilidades de que as pessoas recebam um tratamento adequado.

A transparência, a honestidade, a capacidade de legitimar o outro ou considerá-lo em sua integridade são princípios que informam o Código de Ética do Psicólogo e que aparecem nas falas dos entrevistados como resultantes de uma vivência pessoal.

A contextualização da teoria aparece como uma forma importante de se manter a ética profissional, por meio da percepção de que as pessoas são diferentes e que nem sempre determinados tipos de conteúdo teórico são suficientes para dar suporte para uma atuação ética.

O sigilo é o princípio mais apontado pelos profissionais entrevistados e é considerado como um princípio básico para que todos os outros princípios éticos sejam mantidos. Da mesma forma, Lasky e Riva (2006) apontam a confidencialidade como um princípio ético fundamental para que todos os outros princípios sejam mantidos. A manutenção do sigilo e a possibilidade de rompimento do sigilo durante a coordenação de grupos podem ser entendidas como:

(...) eu acho que ele sempre deve ser mantido. Ele só vai ser quebrado caso a informação que foi dita no grupo venha causar prejuízos pra empresa ou pra alguma pessoa do grupo e com a anuência das pessoas envolvidas. (...) E aí também é como eu falei e nesse caso ainda ele não vai ser quebrado, ele vai deixar de ser sigilo, por anuência das pessoas. (Giulia, p.8)

(...) Tem um problema ético grave, por exemplo, de alguém que começa contar lá fora as coisas dos outros que estão compartilhando aqui, por exemplo, ou então começa a fazer algum tipo de chantagem com as coisas que fica sabendo aqui e aproveitando. (...) Isso deve ser colocado e tudo de uma forma a ter muita proteção do grupo e até mesmo a pessoa que está fazendo isso. (Débora, p.7)

Alguns psicólogos mencionaram também que situações de quebra de sigilo previstas no contrato inicial, quando ocorrem durante os encontros grupais e exigem tal postura, não são percebidas como quebra de sigilo. Por meio das falas dos entrevistados é possível notar que a responsabilidade pela manutenção do sigilo não é somente do coordenador de grupo, mas de todos os membros participantes do grupo.

Quando indagados sobre as situações possíveis de rompimento do sigilo, as respostas mostram que a situação mais comum se dá por meio da percepção de que um membro do grupo possa oferecer algum dano à própria vida, à vida de outras pessoas ou à existência da empresa.

A origem da conduta ética: Profissional e/ou pessoal?

Conhecer a origem da conduta ética dos profissionais entrevistados foi possível por meio da investigação sobre as concepções de ética profissional, a formação ética para o exercício profissional e a influência dessa formação na prática. Distante de uma descrição simplista sobre essa temática, as falas dos entrevistados mesclam diferentes influências em sua prática profissional:

(...) o psicoterapeuta não é uma pessoa à parte da Carolina como pessoa, eu não sou duas pessoas ao mesmo tempo, eu sou uma só, e o meu jeito, meu caráter, meu jeito de ser está no meu papel de psicoterapeuta, não tem como eu negar as minhas experiências, as minhas vivências pra viver o meu papel de psicoterapeuta (...). (Carolina, p.6)

(...) Eu não consigo perceber a ética profissional distante da ética pessoal, então eu vejo uma questão de postura mesmo, uma postura de vida, uma postura ao lidar com as coisas, que agora passa a não ser só mais da pessoa e está ligada à profissão. (Débora, p.3)

Então assim quando fala de ética eu acho que isso dá uma limitada no nosso campo e a mim me conforta, me dá rumo, me dá norte, me dá compromisso. (...) Agora eu também não fico presa nas... porque eu acho que a gente precisa entender bem o que é ética, que eu acho que não é só um conjunto de normas, regras e valores, eu acho que a ética tem a ver com as relações, ela se dá nas relações.
(Dalva, p.6)

Estas falas trazem aspectos relevantes sobre o reflexo da formação pessoal e profissional na conduta ética exercida pelos psicólogos entrevistados. Não é possível dizer que a atuação profissional dos mesmos é permeada apenas por influências profissionais, ou seja, pelos conhecimentos teóricos adquiridos na faculdade e pelas experiências obtidas por meio de estágios; ou pessoais, como a educação recebida pelos pais e tendências religiosas. Pode-se afirmar que há uma interação entre estes dois tipos de influência, pois não há um seguimento rígido das prescrições do Código de Ética sem que se leve em consideração os valores pessoais de cada profissional. As prescrições éticas demandam interpretações, as quais são produzidas a partir de perspectivas pessoais e profissionais.

Outro ponto importante diz respeito à menção de uma ética que se dá por meio das relações, ética esta que só é possível por meio da consideração de que cada grupo e cada membro do grupo traz necessidades específicas que não deverão ser encaradas da mesma maneira, ainda que se trate, aparentemente, de um mesmo problema. Tal contexto pode ser estendido para o campo da ética, na medida em que não é possível proporcionar um tratamento que atenda às necessidades do grupo por meio de uma interpretação reducionista e acrítica sobre as orientações da profissão. Assim, as relações que vão se estabelecendo durante as práticas grupais vão permitindo um fazer ético baseado em tais relações.

Os preceitos éticos da profissão são encarados como importantes para orientar a prática, mesmo que passem por uma adequação ou representem uma postura de vida que está ligada à profissão, ainda assim, são vistos como parâmetros que trazem responsabilidade e conforto. É curioso notar que os entrevistados não mencionam o Código quando perguntados sobre suas concepções éticas. As falas trazem o reconhecimento do quanto a ética é orientadora do exercício profissional, entretanto, esta ética não parece ser a que está presente no Código. Parece que as experiências vivenciadas durante o ensino formal se refletem nas respostas que não identificam o Código como um recurso ético relevante, na medida em que a formação desses profissionais aponta para uma formação teórica sobre ética sem ligação com a prática. É como se, paradoxalmente, as orientações do Código não fizessem sentido para a prática cotidiana. Assim, a ênfase pessoal e vivencial na explicação da origem da conduta ética dos psicólogos entrevistados pode estar relacionada com a crença de que a formação recebida durante a graduação e as orientações presentes no Código não são suficientes para uma atuação profissional ética.

Conversando sobre o Código de Ética do Psicólogo

As conversas sobre o Código de Ética do Psicólogo permitiram traçar algumas considerações acerca das definições dos psicólogos entrevistados sobre o mesmo. Assim, foram levantadas informações relacionadas ao código e suas eventuais mudanças, bem como sugestões para a composição de um Código de Ética adequado. Além disso, conversou-se também sobre o conhecimento das atualizações do Código de Ética do Psicólogo, revisado em 2005.

As falas dos profissionais apontaram para a falta de hábito em consultar o Código e para a crença de que as experiências vivenciadas na prática é que dão suporte para uma postura ética. Entretanto, muito do que se acredita estar fazendo tendo como base as experiências profissionais, está previsto no Código. Assim, é importante refletir de que forma determinadas resoluções servem para contemplar as situações do dia-a-dia.

A postura dos participantes durante a entrevista aponta para uma mistura momentânea de vergonha e receio ao assumir que não lêem o Código. Este fato se justificava a partir da afirmação de que o Código não dá respaldo para as dificuldades éticas encontradas no dia a dia. Em consonância com as definições de ética relatadas pelos profissionais anteriormente, novamente, se produz uma distinção entre a ética do Código e aquela que se vive durante a prática profissional. Os profissionais valorizam o aprendizado resultante da experiência e decorrente dos valores morais.

(...) pra te dizer a verdade, eu fui ler o Código de Ética dois anos depois de formado quando eu precisei saber quem era o seu cliente em Psicologia Organizacional, então aí eu fui ler o Código de Ética pra achar essa resposta e não achei. (...) O Código de Ética tem uns princípios bons, agora só ele não vai resolver nada, porque ética tá relacionado com caráter, com valor. (Gustavo, p.15)

(...) Eu acho que às vezes a gente vai muito pelo dia-a-dia e eu tinha que estudar mais, tinha que ler mais, acho que nesse ponto eu tenho que procurar mais. Eu falo de ir lá pegar o Código, ler e colocar na prática. (Mariana, p.13)

Outros profissionais dizem ter o costume de consultar o Código em momentos de necessidade e acreditam que este pode se configurar como um recurso norteador da atuação profissional, mas ainda assim, a questão da vivência e da prática são mencionadas. A presença marcante de uma postura vivencial frente às condutas éticas pode estar relacionada com a opinião de que o Código não abarca todas as questões que surgem na prática cotidiana:

Lendo o Código, às vezes indo atrás mesmo depois de ler o Código, porque o Código não explica muita coisa não. (...) Tem muitas questões éticas que não estão previstas no Código. (Débora, p.16)

Eu procuro sempre ler. Tenho o Código, recebo o jornal né. (...) E também eu faço uma reflexão, que tem regras que norteiam a gente do Código de Ética, mas tem algumas coisas do cotidiano ali que você as vezes não vai seguir a regra do Código, porque a situação te pede pra fazer algo diferente. (Carolina, p.18)

Essa fala de Carolina, se analisada superficialmente, leva a um entendimento que vai de encontro ao que se exige de postura ética do psicólogo, mas considerando o contexto geral da entrevista e mesmo do trecho, percebe-se que não se trata de descumprir as regras ou de adotar posturas que não estão previstas pelo Código, mas de realizar uma aplicação de tais regras baseada em uma atitude de reflexão e decisão que pode ser exigida por uma determinada circunstância. Tratase de um agir que vai além do que as prescrições determinam, conservando, contudo, o conteúdo ético primordial de cada princípio. Esta reflexão que vai além do que está prescrito, indica, mais uma vez, um referencial pessoal de conduta ética, o qual vai construindo um sujeito ético a partir das diversas relações que ele constrói.

Da mesma forma, as relações estabelecidas com o Código não são de simples aceitação, como apontam as respostas:

Olha, é uma falha minha, mas eu sai da escola e nunca mais peguei em um. Falar assim um código, um artigo lá, não sei te falar, mas não me faz falta, infelizmente não faz, porque eu acho que eu vou mais assim pelo o que já foi construído mesmo e a referência que eu tenho pelo trabalho.
(Mariana, p.14)

Assim eu não tenho ainda uma opinião formada acerca se ele está adequado ou se ele está inadequado. (...) É uma orientação. E que tem coisas no cotidiano que não estão previstas lá no Código. (Carolina, p.18)

Estas afirmações traduzem a tentativa de justificar ou tornar menos problemático o fato de não se conhecer o Código, as quais podem ser entendidas seja como uma forma de reconhecimento da importância do Código para a profissão, que exige assim que se justifiquem posturas que sugerem que ele não o seja, ou proteção contra entendimentos depreciativos de quem sustente tal postura.

Quanto ao conhecimento do Código de Ética atualizado em 2005, os entrevistados relataram não ter clareza das alterações promovidas pelo processo de atualização:

Eles mandaram pra mim, mas eu te confesso que eu não abri por falta de tempo. (...) Eu incluiria a cidadania. (...) A gente precisa desenvolver princípios de cidadania.
(Gustavo, p. 9 e 16)

Sim, recebi um. Agora, no momento, eu não consigo pensar porque eu não tô com ele claro na mente né. (...) ele protege demais o cliente, o paciente, mas dá pouco parâmetro pro profissional. (Débora, p.17)

Apesar dos psicólogos não terem muito contato com o Código de Ética do Psicólogo, eles conseguem sugerir mudanças para que se tenha um Código de Ética mais adequado:

(...) Eu acho que ele precisa ter elementos que englobem sabe, todas as áreas que a Psicologia se propõe né, a executar sabe. (...) Eu acho que tem elementos que são comuns a todas as áreas sabe, mas eu acho que tem coisas que sejam específicas e que talvez tem hora que a gente peca por não ter uma referência do que fazer. (Paula, p.18)

(...) eu acho que o Código de Ética tem que se aproximar bastante da realidade, ele precisa ser construído com o grupo, com a pluralidade, para garantir um pouco essas mil possibilidades que existe dentro do contexto do exercício da profissão do psicólogo. (Dalva, p.19)

Além disso, é possível que exista uma relação entre considerar o Código inadequado e não ter o hábito de consultá-lo, já que as propostas de mudanças parecem se basear nas experiências profissionais cotidianas. Parece que a visão de que o Código é inadequado, ao invés de fazer com que os profissionais se unam para transformá-lo, contribui ainda mais para que ele seja colocado em segundo plano.

Praticamente, todos os profissionais entrevistados mencionaram, como relatado anteriormente, o fato de o Código não apresentar prescrições que atendam demandas específicas, para áreas específicas. Além disso, especialmente os profissionais da área organizacional apontaram o fato das formulações do Código atender especialmente à atuação clínica.

Outros profissionais propuseram também como adequações para o Código um melhor direcionamento quanto à tabela de valores para atendimentos psicoterapêuticos:

(...) tem algumas práticas que a gente não vê de maneira nenhuma, porque nós quando formamos somos empresários. O profissional liberal é um empresário. E a gente não aprende a lidar com isso. (Débora, p.16)

Uma das coisas é a relação nossa com o dinheiro, assim no Código prevê que você não pode fazer propaganda de valores do seu trabalho e tudo, isso o Código de Ética não permite. Então eu não posso fazer essa divulgação via valores. Eu não tô querendo que a gente possa fazer uma divulgação no nosso mercado em relação ao quanto eu cobro e chamar clientes pelo meu valor, não. Mas uma das coisas que a gente não aprende na faculdade e que a gente tem dificuldades e que perpassa também pelo comportamento se é ético ou não, é quanto cobrar. Como fazer meu negócio ser auto-sustentável? (Carolina, p.18)

A percepção da atuação de psicólogo como um empreendimento a ser administrado e rentável, aponta para uma ética que redimensiona o cuidado com o outro, passando por questões econômicas. A questão ética ocupa o psicólogo na medida em que há uma preocupação em cobrar por valores que estejam dentro do normatizado e que o supram financeiramente.

Conversando sobre grupo

As conversas sobre grupo englobaram descrições sobre a prática grupal no que diz respeito à sua estrutura e objetivos, planejamento e avaliação, bem como os cuidados éticos dessa prática e a ética que a permeia.

No que se refere à descrição da prática grupal quanto ao número de encontros, participantes e objetivos, é possível constatar algumas diferenças entre a prática de psicólogos clínicos e organizacionais; entretanto, quase todos os profissionais trabalham com objetivos definidos para cada grupo e tanto o número de encontros como o número de participantes variam de acordo com estes objetivos.

Os objetivos que levam à formação de um grupo no contexto clínico e organizacional também diferem. Nos grupos terapêuticos, procura-se, na maioria das vezes, agrupar pessoas que apresentam a mesma queixa ou necessidade de tratamento, seguindo padrões da faixa etária. Assim, o grupo é formado a partir de uma triagem sobre o motivo pelo qual cada membro que irá compor o grupo procurou pela terapia. Já no contexto organizacional, os grupos são formados por funcionários da empresa e por candidatos a vagas de emprego. As motivações para se trabalhar em grupo dentro do contexto organizacional dependem, em grande parte das vezes, de um levantamento das necessidades vivenciadas pela empresa na tentativa de melhorar relações interpessoais no trabalho, de propor treinamentos para a efetivação de tarefas e de conduzir processos seletivos mais eficazes.

Todos os profissionais entrevistados dizem ter o hábito de fazer um planejamento de cada encontro, bem como de realizar avaliações sobre as técnicas escolhidas. As avaliações, geralmente, são feitas a partir de relatos dos próprios participantes do grupo. Os profissionais consideram que o planejamento e a avaliação da prática grupal são de extrema importância para que se possa ter um parâmetro da qualidade e efetividade do trabalho proposto.

No que diz respeito às diferenças de conduta ética diante da prática individual ou grupal, as falas apontam para os mesmos tipos de cuidados, descritos principalmente em torno do sigilo e do respeito. Entretanto, ficam evidentes as considerações de que com grupos os cuidados devem ser redobrados para que se tenha um bom nível de relacionamento entre o coordenador e os membros do grupo e, principalmente, entre os próprios membros. Segundo os entrevistados, o processo grupal faz com que as situações que ocorrem em um grupo se tornem mais imprevisíveis do que no contexto individual, pois são várias pessoas com opiniões, vivências e valores diferentes em interação.

Grupo é mais difícil, porque são misturas de pessoas, são éticas diferentes interagindo. Trabalho individual é você com o paciente, ali é uma relação dual. Agora na relação grupal, cê tem que tá com essa preocupação muito mais autêntica, porque você não controla o grupo, cê não tem acesso a tudo. A outra não, a outra nasce da própria relação. (...) Então eu acho que grupo é mais preocupante ainda. Vai aparecer mais dilemas éticos pra você lidar.
(Gustavo, p.13)

(...) talvez seja assim uma exigência maior ainda, porque acho que é um compromisso maior, digo exigência, porque é mais difícil ainda, porque ai você tem que se despir de você de algum modo, conseguir estar em grupo e ao mesmo tempo não se destituir de você, desqualificar. (Dalva, p.4)>

(...) da nossa parte é a mesma coisa, do psicólogo, do profissional, da parte dos participantes, você depende mais de outras pessoas pra que elas entendam o formato do trabalho, o objetivo do trabalho e que elas têm que respeitar o limite de cada um. (Fabiana, p.7)

Dessa forma, é importante que o coordenador esteja preparado para lidar com questões que não foram programadas, com as divergências e com a falta de compatibilidade entre os membros. A ética no contexto grupal não se concentra somente no papel do terapeuta, é preciso que os próprios membros se respeitem, aprendendo a ouvir a dificuldade e a opinião do outro. Entretanto, para que isso aconteça é necessário que o coordenador assuma uma postura de liderança pautada por uma relação de confiança.

Considerando as semelhanças e distinções éticas na prática psicológica grupal e individual, pode-se entender que o hábito de planejar os encontros grupais e de obter avaliações por parte dos membros do grupo sobre tais encontros pode estar associado à descrição do trabalho com grupos como sendo mais exigente. Contudo, mesmo com a idéia de que diante da coordenação de grupo as exigências para a conduta ética são maiores, é interessante destacar que não são citadas pelos entrevistados, espontaneamente, situações éticas particulares ao contexto grupal. Parece não haver um discurso elaborado e compartilhado pelos psicólogos sobre as principais questões do trabalho grupal em sua dimensão ética.

 

Considerações Finais

Este estudo teve como propósito compreender e refletir sobre a ética nas práticas grupais realizadas por psicólogos clínicos e organizacionais. Os principais entendimentos decorrentes da análise apontam para: formações profissionais que não são específicas para a coordenação de grupos; uma formação ética marcada por uma interação entre condutas pessoais e profissionais; o sigilo como um princípio fundamental para a prática grupal; uma separação entre a ética que se vive na prática e a ética do Código; e uma exigência e compromisso ético maiores na condução de grupos.

Estes entendimentos incitam a reflexões sobre as dificuldades de se falar sobre a ética no contexto profissional e a necessidade de construir um discurso ético, especialmente, sobre a prática grupal. Por um lado, parece haver um silenciamento discursivo sobre a ética que pode ser associado ao grande tabu que existiu, e ainda existe, quando o assunto são as posturas éticas profissionais, fomentado por uma certa cultura psicológica e profissional marcada por uma prática fechada em si mesma, intimista, individualizante, elitista, que não precisa, e não deve, falar de si, remetendo-se apenas aos sujeitos envolvidos. Uma implicação dessa cultura acaba sendo o tratamento das questões éticas como referentes a uma dimensão privada que apaga e desloca o âmbito político do debate ético, tanto em seus fundamentos sociais, como na organização da vida em sociedade. Por outro lado, esse silenciamento gera uma lacuna na descrição da prática profissional e na experiência dos psicólogos. Nesse sentido, as dificuldades da articulação de um discurso sobre a ética nas intervenções grupais parecem ser o efeito ampliado de um impasse comum ao exercício profissional. Tal efeito é produzido por certas formas de prática grupal que ameaçam a estabilidade daquela cultura psicológica, aumentando o conjunto de atores e instituições envolvidos, trazendo diversidade, diferença e questionamento e a necessidade de outros dizeres. Permanece, assim, o desafio de construir um discurso que faça pensar a ética nos grupos.

A crítica à precária formação sobre ética na graduação em Psicologia, a valorização da experiência profissional e do respeito aos valores pessoais na configuração da atuação ética, e o distanciamento dos dizeres do Código de Ética como elementos discursivos justificadores da reflexão e das decisões éticas, tal como presentes nas falas dos entrevistados, exigem outra forma de promover a discussão sobre ética no contexto de atuação psicológica.

É preciso reconhecer a dimensão situacional, relacional e contextualizada da reflexão ética (Gergen, 1997), incentivando o exercício do pensamento e a difusão do discurso ético como prática cotidiana. Não se trata apenas de treinar os psicólogos para melhores decisões éticas frente a situações dilemáticas, ou aprimorar novamente o Código de Ética do Psicólogo. Se, em várias situações, talvez essas sejam as ações necessárias, em muitas outras, trata-se de conceder ao discurso ético o mesmo privilégio que é dado à Teoria e Técnica psicológicas, superando uma visão reguladora e formal do fazer ético.

Assim, seria possível ao psicólogo reconhecer a ética presente em suas ações, articulá-la às especificidades de seu contexto, forma de atuação, e formação pessoal, bem como, valorizar a flexibilidade e riqueza dos princípios éticos oferecidos por um Código de Ética, que exige do profissional sua interpretação para cada momento da relação com o outro, que não lhe dá uma segurança apaziguadora e inquestionável, mas permite um exercício dialógico que faz a ética viver em seu fazer profissional.

 

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Recebido em: 25/05/10
Aceito em: 31/05/10

 

 

1 Apoio: CNPq.
2 Contato: emersonrasera@gmail.com
3 Este estudo é parte de uma investigação mais ampla na qual são estudados os sentidos de ética para psicólogos que trabalham em diferentes contextos profissionais. Neste artigo, apresentaremos apenas os resultados relativos aos psicólogos que atuam em clínica e organização.

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