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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.2 no.2 Juiz de fora dez. 2009

 

ARTIGOS

 

Questões sociais e engajamento dos jovens na vida sociopolítica1

 

Social issues and youth's political participation

 

 

Júlio Rique2; Tiago J. S. de Lima; Camila B. Nóbrega; Cássio C. M. Andrade ; Caroline C. G. Alencar3

Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil

 

 


RESUMO

Este trabalho foi um estudo de validação de duas escalas que visam verificar a relação entre a importância atribuída a questões sociais contemporâneas e o engajamento político dos jovens na sociedade. A cidadania foi definida como uma atitude heterogênea, motivada por diversos interesses que se adequam a um modelo tripartite: voto, ajudar na comunidade, e se fazer ouvir. Duzentos jovens de ambos os sexos, com idade média de 18 anos, estudantes do ensino médio de escolas públicas e privadas e de uma universidade pública responderam a três escalas objetivas: Informações Sócio-demográficas, Importância das Questões Sociais e Engajamento Social. Os resultados mostraram forte consistência interna para as escalas de importância das questões sociais (α = 0,94) e de engajamento político (α = 0,96) e uma boa adequação do modelo de três fatores da cidadania aos dados obtidos. Estudantes de escola pública mostraram um maior engajamento na sociedade do que estudantes de escolas privadas ou universitários. Em geral, os jovens mostraram maior interesse pela Ajuda na Comunidade do que por Se fazer Ouvir. O Voto recebeu a menor média de importância pelos jovens.

Palavras-chave: Juventude, Cidadania, Socialização Política


ABSTRACT

This study aimed at validating two scales designed to assess the relationship between the importance attached to contemporary social issues and political engagement of youth in society. Citizenship was defined as heterogeneous and motivated by various interests to suit a tripartite model: voting, helps the community and to be heard. 200 young people of both sexes with an average age of 18 years, high school students in public schools and private and a public university responded to three objective scales: Socio-demographic Information, Importance of Social Issues and Social Engagement. The results showed strong internal consistency for the scales of importance of social issues (α = 94) and political engagement (α = 96) and a good model fit of three factors of citizenship to the data obtained. Public school students showed a greater engagement in society than students from private schools or universities. In general, young people showed greater interest in the Help in the Community than by Being Heard. The Vote has received the lowest average importance by the young.

Keywords: Youth, Ethics, Political Socialization


 

 

De acordo com Mullins (2008) a cidadania pode ser definida como "o status de pertencer a uma nação, com todos os direitos, sendo o direito ao voto um direito fundamental, e responsabilidades como, por exemplo, obedecer às leis, servir em júri etc." (p. 79). Complementando essa definição, alguns autores entendem a noção atual de cidadania como relacionada à antiga noção de civismo, que sofreu transformações durante o processo de democratização do país (Rique, 2009) e englobando, além do voto, que é um direito fundamental, interesses e comprometimentos diversos (Lister et al., 2002). Estudar a cidadania pelo ponto de vista dos jovens é relevante porque a sociedade é rotineiramente informada da falta de motivação da juventude para se engajar na vida cívica e política da sociedade. Visando contribuir com o aprofundando do conhecimento sobre como os jovens expressam sua cidadania, este estudo procura investigar, primeiramente, se este fenômeno é real e recente. Além disso, considerando que a cidadania engloba interesses e comprometimentos diversos, pretende delimitar quais as questões sociais que os jovens consideram como sendo mais importantes e em que grau eles se engajam em comportamentos e atitudes que ajudam a resolver essas questões. Para tentar responder a essas perguntas, este estudo faz uma revisão da literatura e propõe a construção de duas escalas. As escalas se referem à importância que os jovens atribuem a Questões Sociais Contemporâneas e quanto eles mostram Engajamento Político na defesa dessas questões. Para construção das escalas, considerou-se o modelo tripartite concebido por Haste e Hogan (2006), que definiu três domínios da cidadania: votar, ajudar na comunidade e se fazer ouvir. Por último, buscou-se também verificar a validade estatística das escalas e saber se os graus de importância e de engajamento nas questões sociais pelos jovens dependem da idade e do tipo de educação recebida: pública versus privada.

 

A falta de participação dos jovens na política social

A revisão da literatura, tanto em psicologia, sociologia e ciência política, quanto na mídia, indicou que quando a questão é referente à participação dos jovens na vida política vigente, em diversas sociedades, o otimismo da população perante o futuro é baixo (La-Taille & Menin, 2009; La-Taille, 2006; Jost, Glaser, Kruglanski & Sulloway, 2003; Lister et al., 2002). Por outro lado, os dados das pesquisas feitas no Brasil mostram que o número de jovens eleitores brasileiros é grande e, portanto, o interesse para participar da vida política do país varia em forma e grau. Segundo os dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral, em maio de 2006, o número de eleitores brasileiros com idades entre 16 e 17 anos - a quem o voto é facultativo - cresceu mais de 39,3% nos últimos anos. Isso significa três milhões de jovens, representando 2,45% do total de 125,9 milhões de eleitores no Brasil (dados do IBGE, em 2006). Com relação aos jovens brasileiros, o portal da União Nacional dos Estudantes (UNE, 2006) informou que os jovens de 16 e 17 anos estão cada vez mais interessados em participar da vida política do país. Informou também sobre campanhas realizadas para aumentar a politização dos jovens estudantes secundaristas. O estudo de La-Taille e Harkot-de-La-Taille (2006), com estudantes de ensino médio de escolas públicas e privadas, verificou que entre cinco noções apresentadas (moral, política, religião, ciência e arte) 59% dos jovens consideram a moral como o fator mais importante para a construção da sociedade, seguida da ciência, com 15,3% das escolhas. A política ficou com 10,7%, a religião com 10,2% e a arte com 4,7%. Esses resultados indicam uma possível descrença na política como fator importante para o desenvolvimento social. Nesse sentido, pode-se esperar uma baixa motivação dos jovens para atos isolados como, por exemplo, votar nas eleições. O Instituto de Educação Superior de Brasília - IESB, em 2006, após entrevistar 691 jovens com idades entre 16 e 17 anos, constatou que a maioria (61,6%) pretendia votar, outros (24,5%) estavam indecisos e o restante (13,9%) informou que não irá votar de jeito algum. As razões apresentadas pelos jovens que estão indecisos e pelos que haviam decidido não votar foram: falta de segurança nas cidades e ausência de candidatos honestos e competentes. Nesse resultado, nota-se que o problema não é a falta de motivação, mas a crença nos políticos como personalidades confiáveis e a falta de solução para o problema da violência no Brasil. O jornal Estado de São Paulo (edição de 18 de Julho de 2010) reportou que mulheres e jovens tendem a uma maior volatilidade na hora do voto.

Encontrar uma variação no interesse dos jovens em participar da vida política nas sociedades não é um fenômeno novo. Torney-Purta (1990) realizou uma revisão da literatura em psicologia que incluiu estudos publicados desde o final da II Grande Guerra. Os resultados mostraram, em diversas gerações, uma baixa motivação dos jovens para participar na política. Haste e Hogan (2006) observaram, em democracias emergentes, que as pessoas geralmente consideram votar como importante, apesar das suas motivações variarem na hora de exercer o voto. As autoras também notaram que faltava às pessoas o entendimento sobre como fazer valer os seus direitos pelo voto. Muitas sentiam uma desilusão com a situação social e não acreditavam que o voto ajudaria a resolver os problemas sociais. Outras, que tinham uma maior esperança, achavam que, com o voto, conseguiriam mudanças para melhor. As pessoas que acreditavam no voto disseram que, embora a participação política possa ser seguida da desilusão, o sentimento de participação na construção da sociedade persistiu naqueles que se engajaram e permaneceu como uma fonte de motivação.

Modelos explicativos

Segundo Torney-Purta (1990), um dos problemas para se entender o fenômeno da falta de motivação dos jovens para participar da vida política do país é a falta de consenso, entre os pesquisadores, sobre a forma de participação. A cidadania compreende uma diversidade de interesses e a presença de valores ideológicos que muitas vezes são contraditórios no pensamento das pessoas.

Para alguns autores, uma forma de participar na vida política contemporânea é se tornar membro de grupos organizados, a partir de interesses comuns. Dessa forma, os jovens, por razões até mesmo relacionadas com a idade, organizam e participam de diversos grupos e atribuem diferentes graus de importância a cada grupo. Ao justificar seus interesses por esses grupos, as pessoas apresentam razões ideológicas contraditórias. Diante de diversos interesses, a mesma pessoa pode ser conservadora com relação a algumas questões (p. ex., contra a união homoafetiva) e liberal com relação a outras (p. ex., a favor da descriminalização do aborto). Segundo Jost et al. (2003), essa ambiguidade no pensamento é vista como uma contradição por modelos essencialmente cognitivos, que não consideram a influência dos afetos no pensamento político. Isto significa dizer que, na vida política, a razão para o engajamento é muito próxima dos interesses pessoais.

Haste e Hogan (2006) foram mais fundo, ao discutir a questão das ambiguidades ideológicas. Essas autoras definiram o pensamento político como heterogêneo, ou seja, com interesses e necessidades variadas. Porém, defenderam que a heterogeneidade ideológica no pensamento político pode ser abarcada por três domínios relacionados, mas com conotações diferentes: votar, ajudar na comunidade, e se fazer ouvir. Esses domínios são amplos e compostos por conteúdos dinâmicos, que congregam diferentes ideologias (liberais, comunitárias ou conservadoras, etc.) e interesses, que variam geográfica e historicamente.

De acordo com as autoras, votar é central e fundamental na democracia. É através do voto que os cidadãos depositam crédito nas propostas ou nas personalidades políticas para a defesa de seus interesses. O direito de votar é exercido através do comportamento convencional de comparecer às urnas durante eleições. Isto é verdadeiro tanto para o comparecimento obrigatório, quanto para o comparecimento voluntário, em eleições de diversos tipos, como, por exemplo, para cargos executivos e legislativos, direção de grêmios esportivos, clubes sociais e de ajuda à comunidade, etc. Para alguns cidadãos, o próprio ato de votar já representa um engajamento político que não exige maiores esforços de compreensão. Para outros cidadãos, votar é apenas uma forma, embora fundamental, de atuar na defesa de interesses, independentemente das ideologias.

Ajudar na comunidade diz respeito a se tornar membro de grupos e associações comunitárias, organizações filantrópicas, ONGs e clubes esportivos, entre outros. A ação diz respeito também a colaborações práticas, contribuições monetárias e serviços de voluntários, que ajudam a comunidade e mostram interesse em cooperar para a solução de problemas sociais. Para os defensores da ideologia comunitária ou conservadores, a vida social na comunidade é central na participação política. Por outro lado, os liberais divergem sobre a importância do voluntarismo e da participação comunitária em clubes ou grupos sociais. O voluntarismo local indica uma visão social limitada, em comparação com as lutas por mudanças estruturais e pelos direitos universais. Nesse debate, destacam-se os estudos de Yates (1999) e Haste (2004), que indicaram uma união ideológica a partir dos comportamentos de ajuda. A despeito de suas condições econômicas e de serem minoria racial, adolescentes negros e pobres, que voluntariavam em abrigos para mendigos, ganharam autoconfiança, desenvolveram talentos a partir da experiência e modificaram a percepção sobre aqueles que necessitavam de assistência social. Ao mesmo tempo, os jovens questionavam a ausência do governo na promoção de leis e obrigações com os direitos dos necessitados. Esses exemplos servem para mostrar como o comprometimento com princípios comunitários podem se unir a princípios universais e visões políticas liberais.

Ainda em acordo com Haste e Hogan (2006), ajudar na comunidade é um domínio que mostra a relação entre o pensamento moral e o pensamento político. A disposição para ajudar na comunidade é motivada pelo que Rest (1994) chamou de sensibilidade moral, ou seja, pela capacidade de interpretar uma situação como sendo de necessidade e de importância ética e moral.

Por último, Haste e Hogan (2006) definiram o domínio se fazer ouvir pelas ações de reivindicação e protesto pela inserção, manutenção ou alteração de leis e direitos. Muitas vezes, se fazer ouvir contraria o consenso da maioria e o status quo do sistema. Para se fazerem ouvir, as pessoas precisam de maior motivação, pois este ato exige que elas saiam de suas rotinas e se engajem em comportamentos que irão fazer soar suas vozes. Nos estudos da moral, se fazer ouvir é mais complexo do que ajudar na comunidade, pois vai requerer, além da sensibilidade moral, o julgamento moral, a motivação moral (priorizar as lutas mais importantes) e o caráter (i. e., disposição, persistência, coragem etc.) para participar em comportamentos de protesto (Rest, 1994).

Em conclusão, Haste e Hogan (2006) criaram um modelo de três domínios independentes e relacionados: votar, ajudar na comunidade e se fazer ouvir. Os domínios atuam quando as pessoas avaliam questões sociais, refletem e decidem participar da vida política. Essa participação geralmente é circunscrita à associação com grupos da comunidade que defendem causas de interesse comum aos membros do grupo, seja ajudando, protestando e/ou votando. As causas podem ser locais ou universais. Verificou-se também que ajudar na comunidade requer sensibilidade moral e se fazer ouvir requer maior grau de motivação moral do que cooperar ou votar. Por outro lado, votar requer uma compreensão do direito que é fundamental para a sustentabilidade das democracias.

Para que se possa usar este modelo nas pesquisas sobre cidadania, os autores do presente trabalho criaram duas escalas de avaliação sobre a importância das questões sociais e o grau de engajamento político dos jovens nessas questões sociais. Perguntou-se também se o grau de importância das questões sociais e do engajamento político diferem significativamente com relação à idade e ao tipo de educação recebida: pública versus privada.

 

Método

A presente pesquisa se caracteriza por seu caráter exploratório, visando a correlação e a validação de dois instrumentos de avaliação do pensamento político dos jovens.

Procedimentos para a construção das escalas

Para a construção das escalas, considerou-se que a motivação dos jovens para a participação na vida política depende (a) do julgamento da importância das questões sociais e (b) do engajamento nas questões consideradas mais importantes. A importância e o engajamento são construtos distintos, porém relacionados. Sendo assim, esperou-se uma relação positiva e significativa entre eles. Em seguida, adotou-se o modelo tripartite de Haste e Hogan (2006) e cada escala foi composta internamente por três fatores independentes e relacionados: voto, ajudar na comunidade e se fazer ouvir. Para a escolha do conteúdo dos itens em cada escala, consideraramse as possibilidades de participação em clubes, organizações sociais e eleições federais, estaduais e municipais para o voto. Para os outros domínios, efetuou-se uma análise de conteúdo dos Parâmetros Curriculares Nacionais: Temas Transversais no Brasil (Ministério da Educação e do Desporto, 1998) e do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), a fim de levantar questões sociais contemporâneas na educação e na política. Os resultados mostraram os seguintes temas: desenvolvimento de uma cultura da paz, ações afirmativas para os indígenas e afrodescendentes, preocupações com o meio ambiente e a ecologia, igualdade de direitos para as orientações sexuais e garantia do direito ao trabalho. Esses temas foram considerados na criação dos itens das duas escalas. Por último, foi feita uma listagem de 35 itens, que foram escolhidos pela maioria do grupo para compor as duas escalas. Os itens possuem temas semelhantes nas duas escalas.

Expectativas

Quatro expectativas orientaram as análises deste trabalho:

1. Cada escala deveria apresentar três fatores: votar, ajudar na comunidade e se fazer ouvir, com confiabilidade interna (Alfa de Cronbach) satisfatória;

2. Foi esperada uma correlação positiva e significativa entre o grau de importância das questões sociais e o grau de engajamento político;

3. Foi esperado que os jovens atribuíssem, às questões sociais, um maior grau de importância do que de engajamento político;

4. Perguntou-se se haveriam diferenças significativas nos graus de importância e de engajamento político por idade e tipo de educação recebida: pública versus privada.

Amostra

Participaram deste estudo 200 estudantes, com idades entre 16 e 25 anos (M = 17,70; DP = 1,93). Deste total, 105 (52,5%) eram mulheres e 95 (47,5%) eram homens, provenientes de escolas públicas e privadas e de uma universidade pública da cidade de João Pessoa, na Paraíba.

Instrumentos

1. Dados sócio-demográficos. Esta medida verificou as seguintes variáveis: idade, sexo, nível e procedência educacional (escola pública ou privada e universidade pública).

2. Escala de importância das questões sociais. Este instrumento foi composto por 35 itens objetivos sobre questões sociais, medidos em uma escala de 5-pontos (1 = nenhuma importância e 5 = total importância). Os participantes foram solicitados a indicar o grau de importância de cada item. Para uma melhor orientação, pediu-se aos respondentes para pensar sobre a importância de "___________ (completar a frase pensando em cada item do instrumento)". Por exemplo, (a) contribuir com campanhas em defesa do verde na comunidade, (b) votar em eleições federais e (c) escrever cartas de reivindicação para autoridades. O escore total da escala variava de 35 a 175 pontos.

3. Escala de Engajamento Político. Este instrumento foi composto por 35 itens objetivos e medidos em uma escala de 5-pontos (1 = nenhuma participação e 5 = total participação). Os participantes foram solicitados a indicar o grau de participação para cada item. Para uma melhor orientação, pediu-se aos respondentes para pensar sobre: O quanto eu participo "_____________ (completar a frase pensando em cada item da escala)". Por exemplo, (a) com contribuições para campanhas em defesa do verde na comunidade, (b) com o meu voto em eleições federais e (c) escrevendo cartas de reivindicação para autoridades. O escore total da escala varia de 35 a 175 pontos.

Procedimentos para a coleta de dados

A pesquisa seguiu as recomendações éticas estabelecidas para pesquisas com seres humanos. As medidas foram organizadas de forma que o primeiro instrumento utilizado foi o questionário de informações demográficas. As duas outras medidas foram ordenadas aleatoriamente, para evitar o efeito de ordem nas respostas. Os questionários foram aplicados em salas de aula, com duração média em torno de 20 minutos. Todos os participantes foram convidados verbalmente para responder individualmente os questionários e, após estarem cientes das condições de participação na pesquisa, assinaram um termo de consentimento.

 

Resultados

Análise da estrutura interna das escalas

Primeiramente, com relação à estrutura das escalas de importância e de engajamento social, foram observados índices satisfatórios tanto para a matriz de correlações (KMO = 0,89 para a escala de importância e KMO = 0,93 para a escala de engajamento), quanto para o teste de esfericidade (Bartlett's = 561 e p < ,001 para a escala de importância e Bartlett's = 595 e p < 0,001 para escala de participação). Em seguida, realizou-se uma análise dos componentes principais, usando rotação varimax, sem fixar o número de fatores. Finalmente, efetuou-se uma análise paralela, para verificar se o número de fatores foi inflacionado pela análise e buscou-se a parcimônia, com uma adequação de fatores ao modelo tripartite de voto, cooperação e protesto. Os resultados foram os seguintes:

Escala de Importância. Três fatores foram responsáveis pela explicação de 48,31% da variância total. Adotando-se o critério de carga fatorial igual ou superior a 0,44, como mostra a Tabela 1, o primeiro fator reuniu 14 itens (α = 0,89) e foi interpretado como Ajudar na Comunidade, pois os itens se referiam à importância da ajuda na comunidade local, nacional e internacional e na defesa da ecologia, das escolas (educação) e dos Direitos Humanos. O segundo fator agrupou nove itens (α = 0,87) e foi chamado de Se Fazer Ouvir, porque apresentava contextos de lutas contra discriminações e pela defesa da igualdade de direitos. O terceiro fator agrupou oito itens (α = 0,86) e se referia a Voto e Reivindicações. A escala total apresentou uma forte consistência interna (α = 0,94).

Escala de Engajamento. Três fatores explicam 61,16% da variância total. Todos os itens apresentaram uma carga fatorial superior a 0,40. Como mostra a Tabela 2, o Fator I reuniu 25 itens (α = 0,97) que uniram os domínios de Ajudar na Comunidade (ex., ser membro de órgãos que lutam pelos direitos) e Se Fazer Ouvir (ex., participar de passeatas contra a violência e pela paz.) O Fator II agrupou cinco itens (α = 0,88) que se referem ao Voto. O Fator III agrupou cinco itens (α = 0,78) e foi chamado de Convencional, pois incluiu itens referentes a Atitudes Interpessoais entre Iguais, Valorização do Trabalho e Obediência às Leis. A escala total apresentou uma forte consistência interna (α = 0,96).

Para verificar a relação entre a importância das questões sociais e o engajamento político, efetuouse uma correlação de Pearson, considerando o escore total de cada escala. O resultado mostrou uma correlação positiva e significativa (r = 0,48) entre as variáveis.

Análise descritiva e comparação das escalas

Para verificar se as médias das escalas de importância (M = 120,82; DP = 22,12) e de engajamento (M = 79,35; DP = 29,27) eram significativamente diferentes, efetuou-se um teste-t para amostras relacionadas. Os resultados mostraram uma diferença significativa (t = 21,849, df = 199, p < ,000) e forte (Cohen'd = 1,60).

Uma ANOVA one-way foi efetuada para verificar se existiam diferenças entre os graus de importância e de participação, como variáveis dependentes, de acordo com a procedência educacional: escola pública, privada e universidade. Os resultados mostraram que existe um efeito significativo da procedência educacional no tocante ao engajamento político (n = 200, F197, 2 = 5,097, p < ,007). O teste LSD de Fischer foi efetuado em seguida e mostrou que a média de engajamento político foi significativamente superior para os estudantes das escolas públicas (n = 52, M = 90,15, dp = 32,98), em comparação com os estudantes das escolas privadas (n = 108, M = 76,22, dp =29,55, p < 004) ou universitários (n = 40, M = 73,73, dp = 18,40, p < 007).

Em seguida, foi realizada a comparação entre as médias dos três fatores internos de cada escala, para verificar se existiam diferenças significativas entre eles, através de testes-t para amostras relacionadas. Na escala de importância, os resultados mostraram que o Fator I, Ajudar na Comunidade, recebeu média (M = 51,40; DP = 9,33) significativamente maior do que o Fator II, Se Fazer Ouvir (M = 31,29; DP = 7,50, t = 40,54, gl = 199, p < ,000) e que o Fator III, Voto e Reivindicações(M = 26,28; DP = 6,76, t = 49,14, gl = 199, p < ,000). O Fator II, Se Fazer Ouvir, também foi significativamente diferente do Fator III, Voto (t = 10,57, gl = 199, p < ,000). Note-se que os jovens mostraram maior interesse por Ajuda na Comunidade do que por Se fazer Ouvir.O Voto recebeu a menor média de importância pelos jovens.

Na escala de engajamento político os resultados mostraram que o Fator I (Ajuda na Comunidade e Se Fazer Ouvir) recebeu média (M = 49,89; DP = 23,91) significativamente maior do que o Fator II, Voto (M = 12,13; DP = 6,31, t = 24,01, gl = 199, p < .000) e que o Fator III, Convencional (M = 17,32; DP = 4,78, t = 20,51, gl = 199, p < .000). O Fator II, Voto, também se diferenciou significativamente do Fator III, Convencional (t = -10,49, gl = 199, p <. 000). Esses resultados indicam que os jovens buscam ajudar na comunidade com maior força do que votam ou influenciam as atitudes no grupo de iguais. Entretanto, o voto ainda é menos considerado como parte de um engajamento político do que a ajuda na comunidade e o se fazer ouvir em relação a atitudes interpessoais de encorajamento da quebra dos preconceitos e do respeito às leis e ao direito ao trabalho.

 

Discussão

Com relação aos objetivos deste trabalho, os resultados mostraram que o modelo proposto por Haste e Hogan (2006) é razoável de ser adotado. As escalas mostraram uma confiabilidade interna bastante satisfatória. As análises fatoriais e de conteúdo das escalas de importância e de participação refletiram a heterogeneidade do pensamento político e uma adequação relativamente boa ao modelo tripartite.

No tocante à escala de importância das questões sociais, verificou-se, no fator denominado de Ajuda na Comunidade, que os itens enfatizam a proteção, defesa e ajuda em quatro grandes temas: ecologia, melhoria da comunidade, ajuda ao outro através de associações nacionais e internacionais e direitos humanos. O fator denominado de Se Fazer Ouvir foi substanciado pela importância das lutas contra discriminações e pela igualdade de direitos humanos. Foi interessante notar que esse fator também agrupou as atitudes interpessoais de desencorajamento do uso dos preconceitos entre amigos. Este resultado indica que as atitudes interpessoais se inserem nas ações de protesto e busca de mudanças sociais. Isto é importante para a educação, no sentido de promover programas que desenvolvam o pensamento sobre cidadania, partindo da perspectiva interpessoal nas relações entre iguais e descentrando para uma perspectiva nacional, internacional e universal. Finalmente, junto com a importância atribuída ao voto, apareceram os itens de reivindicação de escrever cartas, que deveria ocorrer como um comportamento para se fazer ouvir. Talvez os jovens entendam essa ação como um direito de protestar por dentro do sistema. Nessa perspectiva, votar e escrever cartas de reivindicação soam como ações individuais direcionadas a outra pessoa, que exerce ou que busca exercer cargos públicos. Essas ações são diferentes de participar dos protestos públicos e coletivos (ex., passeatas de protesto).

Quanto à escala de engajamento político, os resultados mostraram que a Ajuda na Comunidade e Se Fazer Ouvir se uniram em um único fator. Esse resultado é satisfatório porque, ao considerar a questão importante, a pessoa motivada para a ajuda vai se engajar em um comportamento que demonstre esse interesse. Contemporaneamente, ser membro de organizações internacionais e nacionais significa concordar e participar tanto através de passeatas, quanto através de abaixoassinados por email, que é uma ação semelhante a escrever cartas de reivindicações em defesa da ecologia, Paz, Direitos Humanos, etc. Deve-se levar em conta, também, que atualmente essas organizações de defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania recrutam membros pela internet ou por outros meios de acesso fácil aos jovens. Ou seja, hoje essas ações são compreendidas como formas de demonstrar o engajamento político.

Com relação ao Voto, este trabalho mostrou a tendência, já apontada por alguns autores e pela mídia, do jovem não lhe conceder tanta importância e por ele não se engajar. Permanece a questão de saber o que levou a essa descrença, o que pode ser abordado em um próximo trabalho.

A comparação entre o grau de importância e o grau de engajamento mostra a existência de uma defasagem. Não obstante, pode-se verificar que os estudantes da rede pública mostraram maior engajamento político do que os demais grupos. Nesse caso, talvez a qualidade da educação possa ajudar a compreender o que estaria levando esses estudantes a uma maior participação em sociedade. Como informou a UNE, as escolas estão promovendo campanhas sobre a importância da ecologia e da politização, como parte da educação dos jovens. A propósito, para efeito de futuros trabalhos a nível regional, seria importante verificar se os programas das escolas públicas da cidade de João Pessoa estão desenvolvendo bem os temas incluídos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais: Temas Transversais.

Em conclusão, as teorias conservadoras defendem éticas comunitárias ou coletivistas. Essas teorias proclamam que os problemas sociais advêm da influência dos valores liberais na formação dos jovens que desrespeitam as tradições. Outras teorias dizem que a crise na sociedade vem do fato de se encarar as ações políticas e sociais como monólitos ideológicos, divididos entre movimentos de direita ou de esquerda, esquecendo-se da diversidade e heterogeneidade de valores que caracterizam o pensamento social. Por último, todos proclamam uma separação entre a política e a moral. Este estudo demonstra que os jovens (principalmente os jovens na rede pública de ensino) ajudam na sociedade, ao mesmo tempo em que se fazem ouvir e atuam entre os amigos contra as discriminações e pela inclusão de novos direitos nas políticas públicas. Infelizmente, o respeito ao direito fundamental do voto ainda se encontra com baixo índice de importância na defesa pela cidadania.

 

Referências

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Recebido em: 10/04/09
Aceito em: 19/04/10

 

 

1 Apoio: CNPq.
2 Contato: julio.rique@uol.com.br
3 Júlio Rique é Professor Doutor da UFPB; os demais autores são bolsistas de iniciação científica.

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