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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.3 no.1 Juiz de fora jul. 2010

 

ARTIGOS

 

O isomorfismo entre executivos nas maiores empresas brasileiras1

 

Isomorphism among executives in the largest brazilian companies

 

 

Lilian Bambirra AssisI,II,2; Juliana Oliveira AndradeII; Antônio Carvalho NetoIII; Betânia TanureIII; Alexandre CarrieriII

ICentro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIIPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

 

 


RESUMO

Neste trabalho, buscou-se retratar aspectos do isomorfismo do executivo, aqui entendido como uma convergência progressiva dos indivíduos a uma tendência, por meio da imitação, buscando a legitimação, nas principais empresas brasileiras. A identificação desse isomorfismo foi realizada pela da análise quantitativa em uma amostra de 965 executivos homens e mulheres e qualitativa, realizada com elementos da Análise do Discurso contidos em entrevistas e grupos de foco realizados com 263 executivos. A principal contribuição do trabalho foi iniciar a discussão sobre o isomorfismo de indivíduos, de classes; nesse caso, dos executivos. Verificou-se como o executivo legitima e perpetua as relações construídas socialmente, que acabam por pactuarem com as desigualdades de gênero e de poder.

Palavras-chave: Executivo, Isomorfismo, Institucionalismo, Legitimação


ABSTRACT

By means of this study, we sought to portray aspects of the isomorphism of the executive, here understood as a progressive convergence of individuals to a tendency, by means of the imitation, seeking legitimacy, in the main Brazilian companies. The identification of this isomorphism was made by means of the quantitative analysis in a sample of 965 male and female executives, and qualitative, with elements of discourse analysis contained in interviews and focus groups conducted with 263 executives. The main contribution of this work was to initiate the discussion of the isomorphism of individuals and classes, in this case the executives. It was verified how the executive legitimizes and perpetuates socially built relationships, which end up supporting inequalities of gender and power.

Key words: Executive, Isomorphism, Institutionalism, Legitimation.


 

 

O objetivo deste artigo é avaliar se há homogeneização entre os altos executivos brasileiros e, caso afirmativo, como ela se manifesta. Visitando-se os conceitos teóricos do institucionalismo, buscou-se observar se há categorias isomórficas tanto em relação às características pessoais quanto em relação ao discurso e aos hábitos sociais do executivo brasileiro que atingiu o primeiro, segundo e terceiro escalões das grandes empresas.

A Administração vem recorrendo a outras áreas do conhecimento para integrar os estudos organizacionais, que têm se mostrado cada vez mais complexos e diversificados. Nesse sentido, o institucionalismo tem contribuído especialmente para o entendimento do isomorfismo, o que possibilita uma reflexão e (re)leitura do ambiente organizacional. Mas, ainda que esse tema seja relevante, não se têm estudos sobre o isomorfismo de competências entre as pessoas, mais especificamente do executivo brasileiro. Apesar do discurso de valorização do indivíduo, como uma das fontes de vantagem competitiva para as empresas, será que de fato esses executivos representam diferenciais ou será que são isomórficos e, assim sendo, mais substituíveis nas organizações?

DiMaggio and Powell (1983) afirmam que as organizações tendem a utilizar linhas de ação já definidas na sociedade, que lhes permitam garantir sua sobrevivência e legitimidade, independente de sua eficiência, orientando-se pelo contexto, regras e significados já institucionalizados nas estruturas.

Nesse contexto, o isomorfismo pode ser entendido como uma convergência progressiva das organizações a uma tendência, por meio da imitação, buscando a legitimação. Ele pode ser: Mimético, quando uma organização adota procedimentos e arranjos já implementados por outras de seu ambiente específico; Normativo, quando se tem uma demarcação de condições, métodos e práticas comuns ao exercício de uma ocupação, definidas por meio de um compartilhamento de normas e conhecimentos com outros indivíduos, gerando uma similaridade entre diferentes organizações; e Coercitivo, que ocorre por intermédio de ações impostas pelo Estado ou por crenças simplesmente impostas pelo esquema interpretativo operante no ambiente. Mas será que também os indivíduos, no caso os executivos, tendem a ser isomórficos?

Para possibilitar a investigação sobre o isomorfismo dos executivos nas organizações, foram analisados os dados coletados em uma pesquisa realizada, entre fevereiro de 2005 e março de 2006, com executivos homens e mulheres. Para a concretização desta pesquisa realizada em 344 grandes empresas brasileiras, participaram da etapa quantitativa 965 executivos(as) que responderam a um questionário e 263 executivos(as), entre entrevistas individuais e participação em grupos de foco.

Na análise dos dados quantitativos, foram observados os seguintes tópicos, analisados em alguns casos separadamente por gênero, e em outros, no geral: Teoria de personalidade (tipo A e tipo B), Cargo ocupado, Idade, Estado civil e Quantidade de filhos. Já para a análise dos dados qualitativos, foram observados os seguintes tópicos, devidamente descritos no referencial teórico que se segue: Isomorfismo Coercitivo, Isomorfismo Mimético e Isomorfismo Normativo.

A análise dos elementos dos isomorfismos utilizada foi a Análise do Discurso, sendo identificados seus elementos, como os temas recorrentes nos discursos e a utilização de três estratégias de persuasão descritas por Faria e Linhares (1993): seleção lexical, construção das personagens e relação entre explícitos e implícitos. A partir das estratégias de persuasão, foram categorizados os principais temas: Lazer, Vida Pessoal e Ambiente Organizacional, cujas exemplificações foram feitas, na análise dos dados, por meio de fragmentos das entrevistas.

O texto está dividido em seis partes. A primeira é a contextualização do tema e o problema de pesquisa. No próximo tópico, é apresentado o referencial teórico que norteou todo o trabalho. Em seguida, a estratégia metodológica percorrida é explicada. Nos dois capítulos seguintes, têm-se as análises quantitativa, intitulada O Executivo Isomórfico: análise quantitativa; e a qualitativa, denominada Caracterização qualitativa do Executivo: o Discurso Isomórfico. Termina-se o artigo com as considerações finais e as referências.

 

Referencial Teórico

Apesar de o termo instituição ser muito empregado na sociologia e nos estudos organizacionais, trata-se de um conceito muito controverso. Um dos primeiros autores a utilizar essa nomenclatura foi Everett Hughes, que buscou na antropologia sua definição. Para ele, instituição é um empreendimento social implementado de maneira esperada e permanente. Esperada, porque os seres humanos se comportam em resposta ao comportamento dos outros; e permanente, porque decorre do fato de que as instituições satisfazem necessidades humanas (culturalmente definidas). Os primeiros estudos organizacionais adotam o conceito de instituição de um modo prescritivo, preocupados com as formas de uma organização tornar-se uma instituição. Ou seja, como ganhar legitimidade perante a sociedade e tornar-se permanente, sobrevivendo ao ambiente, incluindo o de negócios. Desenvolve-se aí a corrente de desenvolvimento institucional (Peci, 2005).

Peci (2005) cita Selznick (1957) como sendo o precursor da abordagem institucional ao interpretar as organizações como expressão estrutural da ação racional que, ao longo do tempo, são sujeitas às pressões do ambiente social e transformam-se em sistemas orgânicos, passando por um processo de institucionalização pelo qual os valores substituem os fatores técnicos na determinação das tarefas organizativas.

Segundo Selznick (1957), as organizações são descartáveis, podendo ser vendidas ou extintas, enquanto as instituições são valiosas e indispensáveis. É a partir desse entendimento o autor define institucionalização como sendo o processo pelo qual uma organização torna-se uma instituição. Esse processo ocorre ao longo do tempo quando uma organização é infundida com valores que vão além dos requisitos básicos necessários à realização das tarefas. Nesses termos, uma importante técnica de infusão de sentido seria a elaboração de mitos socialmente integradores. Isso significa que a institucionalização é um processo de formação do caráter organizacional, sendo este entendido como a maneira repetitiva de resposta a pressões externas e internas.

Outro aspecto importante de ser enfatizado é que, à medida que a organização ganha uma certa estabilidade, ela perde flexibilidade devido aos hábitos que surgiram, tornando mudanças cada vez mais difíceis (Selznick, 1957). Ainda para esse autor, os líderes assumem um papel essencial na institucionalização, uma vez que são eles os responsáveis pela definição da missão, organização dos conflitos internos e defesa da integridade institucional, sendo esta entendida como a persistência dos valores e papel de uma organização.

Assim, a teoria institucional (DiMaggio & Powell, 1983; Meyer & Zucker, 1989; Scott, 1987; Selznick, 1957; Stinchcombe, 1965) discute os processos de institucionalização que produzem estabilidade e permanência, contribuindo positivamente para a longevidade organizacional das burocracias weberianas. No longo prazo, no entanto, reconhece a teoria que tais processos acabam produzindo rigidez e resistência à mudança, o que afetaria negativamente a sustentação da vantagem competitiva.

Apesar das similaridades de conceito, é preciso destacar que, segundo Scott (1987), a teoria institucional é multifacetada. Apesar de as diferentes perspectivas tratarem de instituições e seus processos de institucionalização, os aspectos enfatizados variam. Um exemplo de tal pluralidade é a notória divisão de duas importantes correntes: o velho (VI) e o novo institucionalismo (NI). Enquanto o primeiro enfatiza processos, tais como: a infusão de valores pelos líderes (Selznick, 1957) e o trabalho de pessoas que forçam os indivíduos e as próprias organizações a se adaptarem às circunstâncias externas à instituição, Stinchcombe (1965), representante do novo institucionalismo, investiga os aspectos da agência humana nos processos de institucionalização.

Ao sintetizar a teoria institucional, Zucker (1987) afirma que tanto o velho (VI) como o novo institucionalismo (NI) propõem uma noção ambígua: ao mesmo tempo em que os processos de institucionalização aumentam as chances de sobrevivência, eles reduzem a eficiência. No VI, isso ocorre devido à rigidez e resistência à mudança; enquanto, no NI, os campos institucionalizados produzem isomorfismo e conformidade às regras e práticas institucionalizadas.

Entretanto, Machado-da-Silva, Fonseca e Crubellate (2005) questionam a visão dicotômica entre velho e novo institucionalismo. Para eles, a institucionalização é um processo recorrente, em que agência (VI), estrutura (NI) e interpretação são elementos fundamentais do processo, exercendo influência recíproca. Cochia e Machado-da-Silva (2003) afirmam que se, por um lado, as pressões ambientais geram tendências para homogeneização das formas e das práticas organizacionais, por outro, a atuação dos mecanismos isomórficos não elimina o sistema de interpretação cognitiva do contexto ambiental, pois é por meio dessa interpretação que a organização se estrutura e define suas estratégias de ação, cujo objetivo é atender aos seus interesses.

Sobre os mecanismos isomórficos, Zucker (1987) afirma que as pressões institucionais externas e internas levam as organizações a terem comportamentos similares, sendo esse o fator que leva ao isomorfismo, entendido como a similaridade de forma e estrutura com o ambiente institucional. Sobre esse tema, Machado-da-Silva e Fonseca (1993) argumentam que a teoria institucional indica que a sobrevivência das organizações depende da capacidade de atendimento a orientações coletivamente compartilhadas.

Diante do exposto, entende-se isomorfismo como uma convergência progressiva das organizações a uma tendência, por meio da imitação, buscando a legitimação. Esse conceito foi usado pela primeira vez por Meyer and Rowan (1977), indicando que ele proporciona à organização uma cobertura pela qual ela ganha proteção contra possíveis condutas reprováveis. É assim, pois, que a legitimação da organização ocorre, ou seja, por meio de uma proteção isomórfica.

É nesse sentido que DiMaggio and Powell (1983) afirmam que as organizações tendem a utilizar linhas de ação já definidas na sociedade, que lhes permitam garantir sua sobrevivência e legitimidade, independente de sua eficiência, orientando-se, pelo contexto, as regras e significados já institucionalizados nas estruturas. É, pois, diante da incerteza ambiental que a competição entre as organizações volta-se não apenas para recursos e consumidores, mas também para a legitimidade institucional, tornando suas práticas cada vez mais homogêneas dentro de um ambiente.

A gestão das organizações busca, então, adaptar suas estruturas e procedimentos às expectativas do contexto por meio dos mecanismos de isomorfismo. DiMaggio and Powell (1983) definem três mecanismos por intermédio dos quais ocorre a mudança isomórfica:

1. Isomorfismo Mimético - Ocorre quando a incerteza permeia o ambiente ou quando os objetivos organizacionais não estão bem claros. Nesse caso, a organização tende a se modelar em outra para se manter legitimada. Ou seja, seguir o líder parece ser a estratégia que a organização adota. Assim, fundamenta-se na adoção, por uma determinada organização, de procedimentos e arranjos já implementados por outras de seu ambiente específico.

2. Isomorfismo Normativo - Acontece quando se tem uma demarcação de condições, métodos e práticas comuns ao exercício de uma ocupação, definidas por meio de um compartilhamento de normas e conhecimentos com outros indivíduos, gerando uma similaridade entre diferentes organizações. Nesse caso, quanto mais similares forem as atividades entre as organizações em um mesmo ambiente e maior for a interação entre profissionais da mesma atividade, mais isomorfismo normativo se terá. Uma forma frequente desse isomorfismo é a profissionalização, sendo o sistema de ensino, em especial as universidades, veículos privilegiados que estabelecem o conjunto de normas, regulamentos e práticas comuns a uma determinada profissão.

3. Isomorfismo Coercitivo - Ocorre por meio de ações impostas pelo Estado ou por crenças simplesmente impostas pelo esquema interpretativo operante no ambiente. Resulta de pressões formais e/ou informais exercidas por uma organização sobre outra em condição de dependência. Implica a adoção "forçada" de formas pelas quais os processos da organização consolidam sua legitimidade institucional no ambiente. Um exemplo claro é quando a subsidiária é obrigada a adotar medidas que sejam adequadas às políticas da matriz.

Apesar das críticas que o isomorfismo e sua legitimidade recebem (Deephouse, 1996), Machado-da-Silva, Fonseca e Fernandes (2000) os defendem, afirmando que uma organização, ao atuar sob normas compartilhadas em um campo, pode conseguir reconhecimento externo e, assim, assegurar o seu desenvolvimento, criando melhores oportunidades de expansão. Essa afirmativa mostra a necessidade de uma organização se submeter às regras de um determinado campo, de forma que não haja afastamento da realidade institucional, assegurando, assim, seu papel legítimo.

É nesse sentido que Tolbert e Zucker (1998) advogam que a sobrevivência das organizações em um campo pode estar mais ligada à observação das estruturas formais legitimadas do que aos seus resultados ou desempenho em si. Como consequência, Carvalho, Goulart e Vieira (2004) afirmam que acaba assumindo a reprodução o lugar da transformação, e isso tem ocorrido, como mostra a pesquisa, em termos do perfil do executivo que ocupa o mais alto escalão das empresas brasileiras, conforme será abordado a seguir.

Com relação a esse perfil, na análise quantitativa foi utilizada a teoria de personalidade do tipo A e do tipo B. As pesquisas sobre essa classificação remetem aos estudos desenvolvidos pelos médicos cardiologistas Friedman e Rosenman (1974), que, em um livro publicado sobre o assunto, partiram do pressuposto de que o comportamento humano reflete fatores que podem desencadear doenças cardiovasculares. Eles constataram que os fatores preliminares da doença cardiovascular, notadamente hábitos relacionados ao tabagismo, hipertensão arterial e aumentos de colesterol, não eram suficientes para explicar o aumento da sua incidência. Nesse sentido, os pesquisadores descreveram os dois tipos de comportamento: mais (tipo A) ou menos (tipo B) propensos a esse tipo de doença.

Mathews (1982) enfatiza três componentes do comportamento do padrão do tipo A: luta competitiva, um senso de urgência e impaciência e agressividade-hostilidade. Segundo o autor, tem sido observado que o padrão de comportamento do tipo A faz mais esforços para controlar uma situação do que o padrão do tipo B, que, por sua vez, compete também, mas com serenidade.

Mais um ponto que merece ser destacado é que, ainda segundo Mathews (1982), altos níveis de comportamento tipo A são inversamente proporcionais ao nível de empatia, sugerindo que a competitividade, a impaciência e os sentimentos hostis a ele relacionados podem desviar o indivíduo da preocupação com o bem-estar dos outros. Esse dado serve de alerta aos executivos tipo A.

Para analisar os dados a partir do referencial estudado, foi adotada a estratégia metodológica descrita a seguir.

 

Estratégia Metodológica

Para possibilitar a investigação sobre as práticas de isomorfismo dos executivos nas empresas brasileiras, foram analisados os dados coletados em uma pesquisa realizada, entre fevereiro de 2005 e março de 2006, com executivos homens e mulheres. No caso específico deste artigo, a análise é mista, qualitativa e quantitativa. É de caráter descritivo, porquanto, segundo Bailey (1982), os estudos descritivos objetivam expor um fenômeno em detalhe, especialmente o que está ocorrendo.

A amostra para selecionar as 344 grandes empresas participantes da parte quantitativa foi definida de forma aleatória, utilizando-se a base das 500 Maiores e Melhores empresas de 2005 relacionadas no anuário da Revista Exame. A Tabela 1 ilustra a distribuição dos 965 executivos(as) respondentes das 344 empresas, homens e mulheres, por setor de atividade.

 

 

O método utilizado para a coleta dos dados quantitativos foi um questionário fechado, aplicado em 965 homens e mulheres executivos(as), entre presidentes, vice-presidentes, diretores(as) e executivos(as) de terceiro nível (imediatamente abaixo de presidentes, vice-presidentes e diretores). Dado o número de variáveis e o tamanho significativo da amostra quantitativa, foram utilizadas as seguintes ferramentas estatísticas para proceder ao tratamento dos dados: a) Teste Qui-Quadrado, b) Coeficiente de Kendall, c) Anova, d) Análise de Regressão Linear e e) Análise Fatorial.

Para a coleta dos dados qualitativos, foram entrevistados, por meio de roteiros semiestruturados, 263 executivos de dez grandes empresas nas mesmas posições hierárquicas descritas anteriormente, sendo 96 individualmente e 167 por grupos de foco. Os setores de atividade dessas dez empresas foram: indústria (de alimentos, automotiva e petroquímica), telecomunicações (equipamentos e prestadora de serviços de telefonia), bancos e outros serviços.

Para a análise dos dados quantitativos, foram observados os seguintes tópicos, analisados em alguns casos separadamente por gênero e, em outros, no geral:

a) Teoria de personalidade: tipo A e tipo B (em que tipo os respondentes disseram se encaixar)

b) Cargo ocupado

c) Idade

d) Relação afetiva considerada estável

e) Quantidade de filhos

Para a análise dos dados qualitativos, foram observados os tópicos listados a seguir, já apresentados e devidamente descritos no referencial bibliográfico:

a) Isomorfismo Coercitivo

b) Isomorfismo Mimético

c) Isomorfismo Normativo

A técnica qualitativa utilizada para a análise dos elementos desses isomorfismos foi a Análise do Discurso que, segundo Maingueneau (2000):

[...] visa a articular sua enunciação sobre um certo lugar social. Ela está, portanto, em relação com os gêneros de discurso trabalhados nos setores do espaço social (um café, uma escola, uma loja...) ou nos campos discursivos (político, cientifico...) (p. 13-14).

Para se realizar esta análise, foram identificados seus elementos, como os temas recorrentes nos discursos e a utilização de três estratégias de persuasão descritas por Faria e Linhares (1993):

a. Seleção lexical: a escolha do vocabulário usado no discurso não deve ser percebida como aleatória, pois é relevante recurso argumentativo, delimitando a perspectiva adotada pelo narrador.

b. Construção das personagens: as personagens não são criadas casualmente; encenam conflitos e dão legitimidade e credibilidade às narrativas.

c. Relação entre explícitos e implícitos: os implícitos não constituem o objeto nítido da enunciação, já que, por algum motivo, o narrador não desejou ou não pôde explicitá-los, mas aparecem a partir dos conteúdos explícitos.

Com a estratégia metodológica adotada, foram observados os seguintes temas: Lazer, Vida Pessoal e Ambiente Organizacional, cujas exemplificações foram feitas, na análise dos dados, por meio de fragmentos das entrevistas.

 

O Executivo Isomórfico: análise quantitativa

O primeiro dado analisado refere-se ao tipo de comportamento identificado no executivo: tipo A ou tipo B. Conforme descrito por Friedman e Rosenman (1974), historicamente, o padrão comportamental de tipo A é descrito como um fator de risco nas doenças cardiovasculares. As disposições comportamentais essenciais desses indivíduos seriam o sentimento de urgência do tempo e o investimento profissional excessivo.

Os dados de pesquisa mostraram que 62,9% dos entrevistados são do tipo A. O tipo B representou 37,1% dos executivos pesquisados. Os dados parecem indicar que pessoas com a personalidade tipo A tem maior chance de se tornarem altos executivos. O interessante é que alguns elementos identificados no discurso isomórfico dos entrevistados (esses dados são apresentados no próximo item) são compatíveis com as principais características do tipo A.

Para Mota-Cardoso e Coelho (1980), o padrão comportamental designado por tipo A é um complexo de respostas emocionais e motoras, que menospreza as eventuais circunstâncias adversas e tem inclinação especial para com o aproveitamento laborativo do tempo. Acrescentam, ainda, que, apesar de o adversário do conflito poder ser outro indivíduo (um colega competitivo, um superior opressor ou até mesmo um membro antagonista da família), o rival mais frequente é a falta de tempo em si. Assim, observa-se que a personalidade tipo A encontra-se intrinsecamente orientada pelo desejo de atingir um número cada vez maior de objetivos em um lapso de tempo cada vez menor. Nunca tem tempo suficiente, dado os desejos e os objetivos se embrenharem uns nos outros, mostrando-se apressado, com urgência e parcialmente frustrado por não realizar tudo o que deseja.

Quanto ao cargo ocupado, conforme pode ser observado na Figura 1, as mulheres são minoria, ou seja, a maioria dos executivos é masculina, representando 77% do total de entrevistados.

É curioso observar que o percentual de mulheres executivas, que já é bem menor que o de homens, torna-se comparativamente cada vez menor quanto maior o cargo ocupado. Ou seja, o sexo feminino, que ocupa 25,1% dos cargos de gerência, é reduzido para apenas 5,6% na presidência.

Ao analisar os dados da Tabela 2 e compará-los com a distribuição do cargo por idade, percebe-se que há um percentual maior de mulheres (66,1% das mulheres contra 46,8% dos homens) com idade até 40 anos e que é justamente até essa faixa etária que estão 55% dos gerentes de terceiro escalão. Ou seja, o percentual de mulheres é maior entre os cargos de gerência, pois há uma concentração de mulheres executivas nessa faixa etária. Mas aí aparece outro questionamento: por que, à medida em que a idade aumenta, o número de mulheres diminui? Talvez, devido a questões pessoais que aparecem em seu caminho, tais como filhos, como afirmam Betiol e Tonelli (1991) e Chinchilla and León (2005), poucas mulheres chegam ao topo da hierarquia empresarial, encontrando muitos obstáculos nesse caminho.

Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2006) coadunam com a ideia de que uma das explicações para a menor mobilidade da mulher pode ser explicada devido ao compromisso maior com a criação dos filhos, especialmente quanto à educação destes. O fator da diferença de geração também pode explicar: as mulheres que chegaram à diretoria são mais velhas que as do terceiro escalão. São de uma geração em que a mulher ainda não estava tão atuante no mercado de trabalho brasileiro.

Cabe aqui uma ressalva: não parecem ser apenas os aspectos pessoais que impõem obstáculos às mulheres. Uma outra razão são os determinantes estruturais, apontados por Chênevert and Tremblay (2002), que lembram, por exemplo, da existência de alguns trabalhos que são referidos como masculinos, nos quais a presença feminina não é bem aceita, tais como a indústria.

Com relação ao estado civil dos entrevistados, a pesquisa mostrou que 86,4% dos homens são casados ou têm uma união estável, enquanto apenas 13,6% são solteiros, separados, viúvos ou divorciados. Quando se trata das mulheres, esse último número sobe para 35,6%. Ou seja, apesar de a maioria ser casada, independente do gênero, existe uma porcentagem maior de mulheres solteiras ou separadas do que os homens.

Esse dado corrobora a pesquisa realizada por Hewlett (2002) nos EUA, com objetivo de explorar a vida profissional e privada de mulheres bem remuneradas e com elevado nível de instrução. A pesquisa demonstrou que, de modo geral, o homem bem-sucedido tem maiores chances de se casar e ter filhos. O contrário ocorre com as mulheres, especialmente para aquelas cujo salário é superior a 100.000 dólares por ano.

Um fator que pressiona a mulher executiva é a sobreposição de demandas profissionais e da maternidade. Os primeiros anos de ascensão da carreira profissional, que Evans and Bartolomé (1980) classificam como jovem executiva, que vai dos 27 aos 34 anos, se sobrepõem aos anos mais apropriados biologicamente para a maternidade. Dados científicos comprovam que, após os 35 anos, a fertilidade da mulher diminui drasticamente, atingindo menos de 3% ao mês após os 42 anos (Virtala, Kunttu, Huttunen, & Virjo, 2006). Portanto, a mulher que ainda não teve filho e está entre os 35 e 40 anos, por exemplo, já tendo alcançado algum grau de sucesso na carreira, fica extremamente pressionada exatamente quando a demanda da empresa aumenta em relação à sua dedicação ao trabalho. O relógio biológico é, portanto, mais severo com as mulheres do que com os homens (Tanure et al., 2006). Essa deve ser a explicação para o fato de 59,5% das mulheres entrevistadas terem filhos, contra 80,7% dos homens.

Diante de todo o exposto, percebe-se que os dados quantitativos apresentados até aqui mostram um isomorfismo entre os executivos brasileiros. Em geral, ele é do sexo masculino, tem entre 31 e 50 anos, é casado, tem filhos e o seu tipo psicológico é o A. Entre as mulheres, também são percebidas características em comum, como foi demonstrado até agora. Mas, além dos dados quantitativos, como será o discurso do executivo?

Será ele isomórfico também? Será que existem padrões de comportamento, lazer, família e ambiente que permitem identificar um executivo típico? O próximo tópico aborda essas questões.

 

Caracterização Qualitativa do(a) Executivo(a): o discurso isomórfico

Ambiente Organizacional

Um dos primeiros temas que surgiram nas entrevistas é ambiente organizacional. Segundo Evans and Bartolomé (1980), existe um desequilíbrio no uso do tempo do executivo para viver e aproveitar as outras dimensões de sua vida fora do trabalho. Essa assertiva fica clara no discurso do executivo, que afirma trabalhar em média de 12 a 14 horas por dia. Alguns chegam a falar de 17 horas de trabalho. Mas, apesar da valorização aparente desse número de horas de trabalho (1), chega-se ao implícito por meio dos vocábulos sublinhados nos fragmentos (2) e (3), que mostram uma sensação de dívida muito intensa por parte desses executivos. Eles sempre se preocupam em entregar mais do que aquilo que têm feito. Há uma sensação de que sempre existe algo a se fazer. Talvez, uma de suas causas seja o fato de a maioria dos entrevistados ser do tipo A, que, conforme descrito anteriormente tem uma insatisfação crônica com suas realizações. E essa insatisfação crônica é um motor muito bem explorado pelas empresas, que colocam metas quase inatingíveis, para tirarem o máximo da capacidade do executivo.

(1) "Pega bem ficar até mais tarde no trabalho. Sair às 18 horas, mesmo que seja possível, não é bem visto aqui na empresa".

(2)"Tenho uma sensação de estar sempre em dívida. Nunca consigo dizer: pronto, estou zerado em termos de trabalho a fazer".

(3) "São tantas demandas que é humanamente impossível atender a todas elas".

Outro fator responsável por essa sensação de dívida permanente, que não acaba nunca, são as mudanças organizacionais vividas pelos executivos. Cinquenta e cinco da amostra vivem mudanças radicais na organização, o que aumenta a sensação de dívida. Afinal, é tanta demanda que ele nunca acham que cumpriram o que deveria ter cumprido.

No caso de executivos que trabalham em filiais de empresas multinacionais, essa sensação é ainda maior. Uma das possíveis razões implícitas é o fato de o brasileiro se sentir inferiorizado (4) e trabalhar mais que o estrangeiro nesse tipo de empresa, pois precisa "provar para si mesmo que é bom". Um dos executivos chegou a explicitar isso ao dizer que os brasileiros têm metas maiores. Os executivos estrangeiros (europeus e norte-americanos) entrevistados mostraram-se impressionados com o excesso de horas trabalhadas pelos pares brasileiros.

(4) "Trabalhamos muito mais do que os nossos superiores e pares lá de fora. Temos sempre que provar que não existe cobra na Av. Paulista (risos)".

Um outro ponto interessante percebido nas entrevistas sobre a quantidade de trabalho é que os executivos explicitam que o que importa é a qualidade do tempo passado com a família, e não a quantidade. Porém, a qualidade do tempo depende da quantidade de tempo. Eles tentam demonstrar que conseguem se dedicar a outras esferas de suas vidas (5). Entretanto, implicitamente, percebe-se que o trabalho é, muitas vezes, sua maior fonte de prazer.

(5) "Tento conciliar meus papéis, mas é duro ver a minha filha atender ao telefone quando estava finalizando um relatório do trabalho aqui em casa e falar para a minha mãe: 'Vó, a mamãe não mora aqui, mora na EMPRESA X, ligue para lá!'".

Ainda existe mais um fator que diminui a quantidade de tempo disponível e que é explicitado de outra maneira: a tecnologia, que torna difícil a tênue divisão entre o que é trabalho e o que não é. Por exemplo: a maioria dos executivos afirmou que atende ao celular fora do horário comercial, fora os e-mails que são frequentemente acessados de qualquer lugar e em qualquer horário (6).

(6) "Fiz uma viagem com a família para um resort, mas fiquei lá, de celular e laptop ligados na praia. Foi até engraçado!"

Ainda sobre a quantidade de trabalho, observou-se que ela está associada à construção de personagens por meio do papel desempenhado na organização. A imagem do workaholic implicitamente significa eficiência. Explicitamente, o executivo reclama da falta de tempo e do estresse associado à vida que ele leva. Implicitamente, ele legitima sua imagem quando afirma estar cheio de trabalho, quando "dá o exemplo" e fica até mais tarde. Trata-se do jogo de cena comum ao meio. É o isomorfismo mimético. (7)

(7)"Pega bem ser workaholic!" (frase recorrente)

Alguns entrevistados reconhecem esse jogo, mas sempre em relação ao outro, afirmando que existe gente que "faz tipo", que usa excessivamente o celular ou o e-mail para representar, para demonstrar que é muito requisitado. O que se observou em relação a esse jogo de cena é que o chefe é quem dita, na maioria das vezes, qual o padrão do "teatro". Nesse caso, tem-se o isomorfismo normativo (8).

(8) "Eu tento dar o exemplo, sair daqui da empresa no máximo às 19h30min, mas eu sei que não sou o padrão de presidente".

Uma seleção lexical que sempre aparece e pode ser constatada nos relatos (9) e (10) é a sensação de orgulho que os executivos têm por terem chegado a ocupar seus cargos. A família não deixa de ser um fator significativo de pressão sobre o executivo que construiu boa parte de suas relações afetivas vinculadas ao papel de vencedor, de superprovedor (10). Em várias ocasiões, os executivos deixaram claro como os seus familiares dão importância ao seu cartão de crédito. É importante ressaltar também que existe uma quebra desse orgulho em algumas situações; por exemplo, quando a imagem do produto que se vende não é positiva ou quando a empresa não está apresentando os resultados esperados.

(9) "Sinto um orgulho imenso de ter chegado aonde cheguei".

(10) "Toda a minha família sente um grande orgulho de me ver tendo chegado até aqui".

Lazer

Outro tema recorrente nas entrevistas diz respeito ao lazer, que fica implícito estar vinculado ao papel que o executivo desempenha não apenas na empresa, mas na sociedade como um todo. Por exemplo, quando ele vai jantar ou vai a algum evento social (11). Nesse caso, o executivo não é o João ou o Pedro, mas, sim, o João Presidente ou o Pedro Diretor de tal empresa. A pessoa fica vinculada ao cargo que ocupa, que lhe confere status e respeito, apesar de essas palavras serem silenciadas. O interessante é que, apesar de alguns reclamarem dessa situação, quando a alusão ao cargo que ocupam não é feita, há um estranhamento por parte do executivo.

(11) "Saio para jantar em qualquer restaurante em São Paulo e continuo sendo tratado pelas pessoas que encontro como o X, presidente da empresa Y. Por isso que gosto de fugir para o interior no final de semana para me desligar um pouco do papel".

Segundo Bramante (1998), existe uma linha tênue que demarca lazer e trabalho, sendo imperceptível, às vezes, uma vez que os valores que reafirmam o trabalho podem estar presentes no lazer, e vice-versa. Para esse autor, uma experiência de lazer pode, frequentemente, ser determinada por regras, horários e responsabilidades para os indivíduos que vivenciam as experiências, aproximando-os dos valores do trabalho.

De maneira similar, Gomes (2004) entende o lazer a partir de sua inserção em um determinado contexto histórico e social, no qual ele é construído. Assim, o lazer, apesar de distinto do trabalho, está diretamente relacionado a ele, sendo utilizado para quebra de rotinas e compensação de frustrações no trabalho, entre outros.

O que se observou é que existe implicitamente uma associação entre alguns tipos de lazer e o cargo do executivo. Por exemplo: golfe é esporte de presidente de empresa. Já os gerentes jogam tênis. O esporte praticado legitima a posição ocupada na empresa. Segundo Pacheco (1992)

[...] há, dessa forma, uma certa invasão institucional sobre o seu cotidiano. Privado de meios de escolha - em função das coerções principalmente econômicas -, só lhes resta atender aos apelos da empresa (p. 251).

Assim, de certa forma, o que se observa no lazer do executivo é praticamente um isomorfismo coercitivo aliado ao mimético, uma vez que o cargo que ocupa lhe impõe determinados lugares a frequentar, esportes a praticar e lugares para onde viajar. O lazer acaba por legitimar a posição ocupada na empresa. Nesse sentido, cabe uma indagação: até que ponto os executivos têm lazer na prática?

Vida Pessoal

Os executivos afirmam trabalhar de 12 a 14 horas em média, sem considerar deslocamentos, viagens e eventos como jantares à noite, que são razoavelmente comuns, dormem cerca de seis a sete horas por noite e ainda encontram tempo para praticar exercícios físicos. Mas e a vida pessoal?

Os entrevistados são pessoas que geralmente simbolizam a representação de um determinado sucesso. Talvez, por essa razão, palavras como fracasso são silenciadas, ainda que façam alusão à vida pessoal (12). Conforme se observa neste depoimento, é difícil para o executivo admitir insucessos, seja ele na vida profissional ou pessoal.

(12) "Minha vida profissional está ótima. A empresa vai bem. Já minha vida pessoal depende do momento. Com meu filho, tenho momentos de love story e de alta tensão. Tive problemas com ele. Queria sair de casa. Mandei para fora estudar. A gente dá muita condição financeira para nossos filhos e eles ficam desestimulados para lutar pelos desafios da vida..."

A maioria dos executivos é casada. No caso das mulheres, muitos parceiros costumam ser colegas de profissão, capazes de entender o tempo que ela dedica ao trabalho. Porém, como a dominação é masculina, como diz Bourdieu (2003), eles não entendem de fato, pois são as executivas, mesmo casadas com executivos, que ficam com a dupla jornada familiar.

Nas entrevistas, a maioria dos executivos disse que não fuma e bebe apenas socialmente. É interessante refletir como o envolvimento do executivo conduz a um mascaramento do conflito entre capital, trabalho e políticas delimitadas pelas empresas, que levam o sujeito a assumir como seus os interesses que são, na verdade, da empresa. Vale lembrar que isso ocorre desde o tempo de Ford (1954), que administrava sua empresa e a vida de seus empregados. Beynon (1995) lembra que Ford impunha a seus empregados seu próprio modus vivendi. Ele não bebia, não fumava e acreditava nos benefícios de caminhadas ao ar livre. Acreditava nisso para ele e para seus empregados.

De certa forma, o que se observou é que isso ocorre até hoje, uma vez que o executivo é o exemplo a ser seguido, e suas atitudes servem de modelo. Interessante ressaltar o caso do presidente maratonista que fez com que praticamente toda a sua equipe passasse a correr também e introduziu na empresa grupos de corrida, para estimular a prática desse esporte (13). Essa prática, sem dúvida saudável, muitas vezes é uma imposição, relacionada ao isomorfismo coercitivo. Não foram

poucos os relatos de executivos que odeiam tênis e ginástica, entre outros, mas ainda assim os praticam em seu tempo de "lazer".

(13) "Aqui, na empresa, temos vários maratonistas e grupos de corrida. Sinceramente, eu não tinha o menor interesse pelo esporte, mas o pessoal aqui me incentivou e agora já faço provas pequenas de 10 km".

 

Considerações Finais

A noção de sucesso organizacional está implicitamente ligada às ideias de vantagem competitiva. Mas, para conseguir essa vantagem competitiva, é necessário que se tenha um diferencial. Existe um discurso de que esse diferencial está nas pessoas. Mas até que ponto elas não apresentam comportamentos homogêneos?

Pretendeu-se, por meio deste artigo, discutir o isomorfismo do executivo que alcançou posições de destaque nas grandes empresas do Brasil. Em um contexto no qual o discurso de valorização do indivíduo aparece, sendo comum ouvir frases que reverenciam as pessoas como sendo o grande diferencial das organizações, colocou-se em dúvida como essas pessoas podem apresentar esse diferencial, sendo isomórficas em tantos aspectos. Os discursos da alta administração foram apreendidos como definidores da realidade organizacional dos seus membros, por meio da manipulação e do uso de símbolos, metáforas e imagens, para criar significações e identidade homogêneas na organização.

A análise das entrevistas com os executivos possibilitou verificar que eles são isomórficos tanto com relação a características de personalidade quanto em relação ao discurso e determinados comportamentos relacionados à vida pessoal e organizacional, incluindo o lazer. Nesse sentido, foi constatada a utilização de rituais, no caso desta pesquisa, rituais de lazer que permitem que as emoções, sentimentos, medos, ódios, amores e crenças dos homens se manifestem, sendo justamente nesse momento que regras, normas, relações de poder e valores sociais se materializam e se legitimam, refletindo a realidade do grupo, da empresa. Isso fica claro quando se observa que um executivo diretor que não gosta de golfe fica de fora da network dos colegas e do próprio presidente da empresa.

Constatou-se que existe uma articulação entre os três mecanismos de isomorfismo em direção à homogeneização das ações organizacionais pertencentes a um mesmo campo organizacional apesar de o peso de cada um depender do tema tratado. Também, observou-se que o comportamento seguido pelo executivo dissemina ideias de como os funcionários devem se comportar, pensar e viver socialmente. Cabe, entretanto, enfatizar que existem reproduções de representações sociais, carregadas de preconceitos, que, por sua vez, delimitam os papéis sociais de funcionários, reproduzindo os padrões de comportamento pré-estabelecidos. Ficou comprovado na pesquisa que as condutas "reprováveis" no mundo da alta gestão, no Olimpo empresarial dos executivos, são aquelas que admitem a falibilidade, a intuição. Os "fracos" não têm voz nesse mundo. Mostrar que tem dúvida é conduta "reprovável".

Ao mesmo tempo em que os processos de institucionalização de pessoas produzem estabilidade e permanência, eles também provocam rigidez e resistência à mudança. O fato é que, para inovar, precisa-se de pessoas que sejam diferentes umas das outras. Mas se todos são iguais, como inovar? O formalismo homogeiniza e institucionaliza, uma vez que é necessário estar calcado em crenças e valores para que se consiga a legitimação.

Esta pesquisa buscou trazer uma contribuição para os estudos organizacionais, já que permitiu investigação teórica e prática a partir da reflexão de fenômenos que influenciam as interações dos executivos na dinâmica e nos resultados da organização. Muitos estudos sobre o tema foram feitos, mas todos ligados aos mecanismos isomórficos das organizações. Nesse sentido, a principal contribuição desta pesquisa foi iniciar a discussão sobre o isomorfismo de indivíduos, de classes; nesse caso, dos executivos. Dessa forma, verificou-se como o executivo legitima e perpetua as relações construídas socialmente, que acabam por pactuar com as desigualdades de gênero e de poder.

Mas ficam duas indagações suscitadas pela pesquisa: se os executivos são isomórficos, eles são facilmente substituíveis nas organizações. Sendo assim, eles deveriam buscar a diferenciação para se manterem no espaço de poder que tão duramente conquistaram como estratégia de sobrevivência no médio e longo prazos. Mas como se diferenciar e obter a legitimação necessária se o filtro para subir na hierarquia organizacional é determinado por uma cultura que exclui quem não é igual? Ou seja, como se diferenciar e ao mesmo tempo obter a legitimação necessária? Fica aqui uma reflexão: será que isso é possível?

 

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Recebido em: 16/11/10
Aceito em: 11/12/10

 

 

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