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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.4 no.2 Juiz de fora dez. 2011

 

ARTIGOS

 

Avaliação da prosódia emocional em adultos com lesão de hemisfério direito1

 

Emotional prosody assessment in adults with right brain damage

 

 

Thiago Ferreira MuceneckiII; Karina Carlesso PagliarinII; Fabíola Schwengber CasarinII; Rochele Paz FonsecaII,2

IUniversidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Santiago, Brasil
IIPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

 

 


RESUMO

Uma lesão de hemisfério direito pode gerar alterações comunicativas, comprometendo habilidades dos processamentos discursivo, pragmático-inferencial, léxico-semântico e prosódico (nos níveis compreensivo e expressivo). Uma das sequelas que vem sendo estudadas é a disprosódia. No entanto, o conhecimento sobre os instrumentos de avaliação para seu diagnóstico ainda é restrito. Este artigo visa a apresentar uma revisão sistemática sobre os instrumentos de avaliação da prosódia emocional em estudos de pessoas com lesão de hemisfério direito. Fez-se uma busca de resumos nas bases SciELO, LILACS e PubMed, com as palavras-chave "hemisfério", "direito", "prosódia" e "emocional". Encontraram-se 14 estudos apenas na base PubMed. A maioria utiliza tarefas experimentais, com pouca frequência de testes padronizados, sendo que seis investigações tiveram a participação de um mesmo pesquisador. Ressalta-se o caráter relativamente recente e incipiente dos estudos internacionais sobre a avaliação de déficits prosódicos após lesão cerebral direita, havendo uma importante lacuna nacional nessa área de diagnóstico neuropsicológico.

Palavras-chave: Avaliação Neuropsicológica, Comunicação, Prosódia Emocional, Hemisfério Direito, Lesão de Hemisfério Direito


ABSTRACT

A right hemisphere brain damage can cause communicative impairments, compromising skills in discursive, pragmatic-inferential, lexical-semantic, and prosodic (at the comprehensive and expressive levels) processing. One of the sequelae which has been studied is dysprosody. However , the knowledge of the assessment instruments for its diagnosis is yet uncertain. The aim of this article is to present a systematic review on the emotional prosody assessment instruments in studies of people with right hemisphere brain damage. Abstracts were searched for in SciELO, Lilacs and PubMed databases, using the keywords "right", "hemisphere", "emotional" and "prosody". 14 studies were found only in Medline database. Most of them use experimental tasks, with standardized tests being less frequent, and six investigations were conducted by the same researcher. The relatively recent and incipient nature of the international studies on the assessment of prosodic deficits after right hemisphere brain damage must be highlighted, as well as an important national gap in this field of neuropsychological diagnosis.

Keywords: Neuropsychological Assessment, Communication, Emotional Prosody, Right Hemisphere, Right Brain Damage


 

 

No que se refere aos aspectos históricos, desde a segunda metade do século XIX, os estudos referentes ao papel do hemisfério esquerdo (HE) na cognição, mais especificamente acerca das alterações adquiridas de linguagem (os distúrbios afásicos), foram o foco de pesquisa sobre as funções cognitivas e a noção de dominância cerebral. Entretanto, depois das duas grandes Guerras Mundiais, a compreensão sobre a especialização do hemisfério direito (HD) começou a ser mais bem delineada e as manifestações clínicas de déficits comunicativos, cognitivos e emocionais e suas relações com o comportamento humano começaram a ser descritos na literatura com maior sistematicidade (Code, 1987; Joanette, Goulet, & Hannequin, 1990; Tompkins, 1995; Myers, 1999; Van Lancker, 1997; Côté, Payer, Giroux, & Joanette, 2007).

Atualmente, o papel do HD tem sido cada vez mais investigado pela Neuropsicologia (por exemplo, Marini, Carlomagno, Caltagirone, & Nocentini, 2005; Cutica, Bucciarelli, & Bara, 2006; Prat, Long, & Bynes, 2007; Ross & Monnot, 2008; Hoekert, Vingerhoets & Aleman, 2010), o que mostra que esse hemisfério deixou de ser negligenciado. Quanto aos aspectos clínicos, a literatura refere que aproximadamente 50% dos indivíduos com LHD apresentam algum tipo de distúrbio cognitivo/comunicativo adquirido (Brookshire, 2003; Côté, Moix, & Giroux, 2004), englobando déficits em uma ou mais funções cognitivas da atenção, percepção, memória, praxias e funções executivas. Quanto ao processamento emocional, esse quadro engloba dificuldades de compreensão e produção de emoções a partir de expressões faciais e/ou emissões vocais e alterações neuropsiquiátricas (Harciarek & Heilman, 2009). Os déficits nas habilidades comunicativas abrangem alterações nos componentes discursivo, pragmático, léxicosemântico e prosódico (Fonseca et al., 2006; Joanette et al., 2007). Assim, uma das alterações que pode estar presente nesse quadro neuropsicológico é a disprosódia - déficit no processamento do componente prosódico da comunicação (Brookshire, 2003; Joanette et al., 1990). Esse último consiste no conjunto de habilidades cognitivas que permitem a produção ou a compreensão da mensagem verbal com base em variações da entonação, pausas e diferenças de intensidade vocal. Em geral, dois tipos principais de prosódia são abordados na literatura: a emocional e a linguística (Joanette et al., 2007, Harciarek & Heilman, 2009). A primeira é uma função neuropsicológica que engloba os aspectos não-verbais da linguagem, os quais são necessários para transmitir e reconhecer emoções na comunicação, possibilitando diferenças de expressão e compreensão de tristeza, alegria, raiva etc. O padrão de entonação que acompanha o enunciado sugere qual o estado emocional do falante (Mitchell & Ross, 2008).

Em complementaridade, a segunda prosódia atua nos níveis fonológico e sintático e, devido a ela, os indivíduos podem expressar o sentido específico de um enunciado, dando ênfase a partes das palavras e frases, transmitindo uma mensagem afirmativa, interrogativa ou imperativa, por exemplo (Rymarczyk & Grabowska, 2007). Assim sendo, os indivíduos com lesão de HD (LHD) podem ter dificuldades importantes em produzir entonações vocais indicativas de emoções, assim como de compreendê-las, o que os leva a um importante prejuízo de interação social por meio da comunicação. Nesse contexto, fica evidente que o estudo do processamento cognitivo em interação com o emocional é essencial na Psicologia, mais especificamente na área de interface com a Neuropsicologia, e o processamento prosódico emocional é demasiadamente importante nessa interação.

No que concerne à avaliação das sequelas neuropsicológicas pós-lesão de HD, tendo em vista a diferença de mais de um século entre as pesquisas envolvendo o HE e o HD, é possível entender o predomínio de instrumentos neuropsicológicos que avaliam alterações pós-lesões do primeiro. Apenas a partir da década de 1980, começaram a ser elaborados instrumentos específicos para avaliar os déficits cognitivos e comunicativos adquiridos por lesões de HD (Fonseca & Parente, 2007). Em meta-análises feitas por Brookshire (2003) e Côté et al. (2007), são enumerados os instrumentos internacionais disponíveis para o exame de habilidades cognitivas e/ou comunicativas relacionadas a especializações do HD: Mini Inventory of Right Brain Injury (MIRBI), Ross Information Processing Assessment (RIPA), Rehablitation Institute of Chicago Evaluation of Communication Problems in Right Hemisphere Dysfunction-Revised (RICE-R), Right Hemisphere Language Battery (RHLB), Communicative Abilities in Daily Living II (CADL-2) e Protocole Montréal d'Évaluation de la Communication (Protocole MEC). Todos esses instrumentos foram construídos com a finalidade de examinar um conjunto de habilidades de ativação hemisférica direita predominante, ou seja, são baterias genéricas, não sendo nenhuma específica para a avaliação da prosódia, embora alguns contenham subtestes voltados para o diagnóstico de disprosódia emocional. Além disso, parece haver um maior enfoque na literatura internacional para tarefas e instrumentos de percepção da emoção em faces (por exemplo, Straube et al., 2010).

Dessa forma, uma das demandas é investigar quais instrumentos estão sendo utilizados para avaliar cada manifestação neuropsicopatológica relacionada a lesões de HD. O conhecimento sobre os procedimentos de avaliação e instrumentos utilizados em pesquisas de exame da prosódia emocional, mediante uma revisão sistemática da literatura, pode contribuir para a atualização de informações sobre o tema em nosso país. Isso porque o papel do HD, as sequelas de quadros neurológicos envolvendo-o e os procedimentos diagnósticos específicos para tais déficits são ainda pouco conhecidos no Brasil.

Nesta revisão sistemática, busca-se responder às seguintes questões de pesquisa:

1) Quais os objetivos dos estudos incluídos?

2) Quais os tipos de instrumentos de avaliação da prosódia emocional usados nos estudos analisados? Qual a frequência de cada tipo?

3) Os instrumentos foram utilizados apenas com amostras de pessoas com LHD?

4) Os níveis de compreensão e de produção de prosódia emocional são igualmente investigados?

 

Método

Foi realizada uma busca nas bases de resumos LILACS, SciELO e PubMed com as seguintes palavras-chave: "right", "hemisphere", "emotional" e "prosody". Nos sistemas de busca LILACS e SciELO, não foram selecionados limites inferior e superior de datas. No PubMed, foram analisados resumos de 1997 a 2010. A presente busca foi realizada no mês de setembro de 2010. Nas bases LILACS e SciELO, não foram encontrados estudos com as referidas palavras-chave. No PubMed, foram analisados os resumos dos 53 artigos encontrados, tendo sido excluídos 39 estudos de acordo com os seguintes critérios: ausência de indivíduos com LHD na amostra, ou seja, inclusão de amostra composta apenas por outras populações clínicas que não a de LHD (lesão cerebral bilateral, lesão de HE, psicopatologias como Síndrome de Asperger e esquizofrenia, quadros neuropsiquiátricos como demências etc.); participação exclusiva de crianças e/ou adolescentes; tipo de pesquisa estudo de revisão; e ausência de avaliação de aspectos da prosódia emocional. Os 14 artigos dos resumos selecionados foram analisados com ênfase nas seções Introdução e Método. Fez-se uma análise descritiva para caracterizar os estudos quanto aos seguintes aspectos: objetivo geral, amostra, investigação dos níveis de compreensão e de produção de prosódia emocional e tipo de instrumento utilizado.

 

Resultados

Na Tabela 1, são apresentados os 14 estudos selecionados, os quais se encontram listados e numerados, com a apresentação de sua autoria e objetivos. Os objetivos estão descritos conforme tradução adaptada do inglês dos artigos originais.

A partir da observação dos objetivos expostos na Tabela 1, nota-se que a maioria dos estudos incluídos tem por finalidade averiguar questões sobre as especializações hemisféricas no processamento prosódico (seis estudos: 1, 2, 4, 10, 11 e 13). A segunda finalidade mais frequente nesse grupo de estudos foi investigar o processamento emocional em populações clínicas de adultos com lesão cerebral unilateral, sejam LHD ou LHE (três estudos: 5, 8 e 12). Outras três categorias de objetivos gerais foram observadas, com menor frequência: descrever e caracterizar o perfil clínico prosódico de grupos de LHD (dois estudos: 3 e 6), pesquisar correlatos neurais do HD no processamento prosódico (dois estudos: 7 e 9) e comparar populações com psicopatologia com pacientes com lesão cerebral unilateral (um estudo: 14).

Além de uma análise do objetivo geral de cada estudo, eles foram divididos em quatro grupos nas Tabelas 2 a 5 conforme o tipo de instrumento de avaliação utilizado, para que as demais características metodológicas, mais especificamente amostrais, pudessem ser descritas para cada paradigma: 1) estudos que envolviam avaliação da prosódia emocional e da prosódia linguística associada ao exame do processamento emocional de faces (Tabela 2); 2) estudos que envolviam avaliação da prosódia emocional e da prosódia linguística não associada ao exame do processamento emocional de faces, ou seja, somente com exame do processamento emocional vocal (Tabela 3); 3) estudos que envolviam avaliação da prosódia emocional associada ao exame do processamento emocional de faces (Tabela 4); e 4) estudos que envolviam avaliação da prosódia emocional não associada ao exame do processamento emocional de faces (Tabela 5). Nas Tabelas 2 a 5, são descritos os instrumentos utilizados e a respectiva amostra que participou do estudo, sendo avaliados por esse paradigma tamanho amostral de LHD, LHE, participantes controle (PC) e outras populações clínicas de comparação (OPC), esses últimos quando presentes.

Dos instrumentos de avaliação das prosódias emocional e linguística com exame do processamento facial utilizados nos estudos descritos na Tabela 2, nota-se uma igualdade entre o número de tarefas experimentais (estudo 5) e instrumentos padronizados (estudo 9). Quanto aos participantes, no estudo de grupo 5, formaram a amostra LHD, LHE e PC, enquanto no estudo de caso 9, apenas um LHD.

A partir da observação dos instrumentos processamento facial. Pode-se, também, notar a expostos na Tabela 3, percebe-se o uso exclusivo participação apenas de indivíduos LHD e PC, com de tarefas experimentais para avaliação das ausência de participantes LHE em quase todos os prosódias emocional e linguística sem exame do processamento facial. Pode-se, também, notar a participação apenas de indivíduos LHD e PC, com ausência de participantes LHE em quase todos os estudos, exceto em uma investigação (estudo 12).

A análise dos instrumentos utilizados nos estudos agrupados na Tabela 4 possibilita observar que há um predomínio de tarefas experimentais (estudos 8, 11 e 13) em relação ao uso de instrumentos padronizados (estudo 3) e mistos - experimentais e clínicos padronizados (estudos 10 e 14) para avaliação da prosódia emocional com exame do processamento facial. No que diz respeito à amostra, nota-se uma igualdade em relação ao número de pesquisas que envolvem participantes LHD, LHE e PC (estudos 10 e 13) e pesquisas que envolvem participantes LHD e LHE, sem PC (estudos 8 e 11). Uma pesquisa (estudo 3) envolve participantes LHD e PC sem LHE, e outra (estudo 14) envolve LHD, LHE, PC e Transtorno do Estresse Pós-Traumático.

Na Tabela 5, apenas um instrumento foi apresentado, caracterizado por tarefas experimentais para avaliação da prosódia emocional sem exame do processamento facial. Participaram indivíduos LHD, LHE e PC.

 

Discussão

Esta revisão de literatura, que teve como objetivo verificar quais os instrumentos de avaliação da prosódia emocional são utilizados em pacientes com LHD, permitiu responder às questões de pesquisa formuladas no presente trabalho, que serão apresentadas a seguir.

No que diz respeito à primeira questão sobre instrumentos de avaliação da prosódia emocional em indivíduos com LHD, "Quais os objetivos dos estudos incluídos?", a maioria dos estudos analisados visou a investigar as especializações hemisféricas no processamento prosódico. Esse interesse pelas dissociações entre o papel do HD e o do HE a partir do paradigma da lesão vem sendo cada vez mais observado na literatura de Neuropsicologia na medida em que as funções predominantemente realizadas pelo HD ainda estão sendo delimitadas e a cooperação interhemisférica ainda é um enigma para os pesquisadores dessa área (Joanette et al., 2007; Hoekert et al., 2010). Além disso, as investigações neuropsicológicas sobre o papel do HD na cognição e na comunicação são feitas a partir de estudos com indivíduos que sofreram lesão de HD e/ou com indivíduos neurologicamente normais. O paradigma da lesão fundamenta o método anátomo-clínico tradicional da Neuropsicologia (Filskov, Grimm, & Lewis, 1981) e os estudos sobre o impacto de uma lesão vascular unilateral possibilitam a identificação da contribuição real do hemisfério lesado.

Quanto à segunda questão de pesquisa, "Quais os tipos de instrumentos de avaliação da prosódia emocional usados nos estudos analisados? Qual a frequência de cada tipo?", de um modo geral, encontraram-se pesquisas com instrumentos de avaliação da prosódia emocional com e sem exame do processamento facial e estudos com instrumentos de avaliação das prosódias emocional e linguística com e sem exame do processamento facial, não havendo predominância de um desses tipos. Essa distribuição igualitária explica-se por duas tendências evidentes na literatura: 1) as prosódias emocional e linguística são investigadas, geralmente, em conjunto, por serem os componentes do processamento prosódico afetados após uma LHD; 2) o processamento emocional ocorre tanto pela prosódia quanto pela expressão facial, complementares da compreensão e produção de emoções no dia a dia (Joanette et al., 2007).

No entanto, a distribuição não foi igualitária entre instrumentos experimentais e clínicos padronizados, sendo os primeiros muito mais frequentes, presentes em dez dos 14 estudos consultados, e apenas três estudos com instrumentos padronizados e um com misto, unindo esses dois tipos. Nota-se, nessa frequência, a grande e importante influência da Psicologia Experimental para o desenvolvimento da avaliação neuropsicológica (Kristensen, Almeida & Gomes, 2001). Os achados obtidos a partir de tarefas experimentais são muito úteis para a construção de tarefas que compõem instrumentos clínicos padronizados na medida em que colocam em evidência quais variáveis devem ser consideradas influentes, sendo controladas ou manipuladas na avaliação do desempenho neuropsicológico (Willmes, 1998). Embora os pressupostos da Psicologia Experimental sejam essenciais para a área da avaliação neuropsicológica, a reduzida frequência de estudos com instrumentos padronizados é preocupante. Além disso, tarefas que examinem as funções cognitivas e comunicativas, tais como as prosódicas emocionais, de um modo mais naturalístico e ecológico, próximo da demanda do dia a dia, também são necessárias (Brookshire, 2003) e foram pouco observadas nesta revisão.

Em resposta à terceira questão de pesquisa, "Os instrumentos foram utilizados apenas com amostras de LHD?", constatou-se que, na maioria das pesquisas, participam LHD e LHE com ou sem grupo controle. Essa composição de amostra justifica-se pela preocupação dos pesquisadores em evitar que o efeito de lesão de HD encontrado seja atribuído a uma lesão cerebral vascular em geral, e não especificamente de HD. Comparando-se LHD com LHE, o efeito da lesão é neutralizado (Brookshire, 2003; Tompkins, Fassbinder, Lehman-Blake, & Baumgaertner, 2002).

No que concerne aos níveis de prosódia emocional avaliados - quarta questão de pesquisa: "Os níveis de compreensão e de produção de prosódia emocional são igualmente investigados?" - a partir da análise da descrição dos objetivos (Tabela 1) e das tarefas (Tabelas 2 a 5), nota-se que a compreensão prosódica emocional é alvo de mais estudos do que a produção. Os estudos 3, 5, 6, 7, 10, 12, 13 e 14 examinaram o nível compreensivo ou perceptivo. As pesquisas 1, 2, 9 e 11 investigaram tanto o nível compreensivo quanto o expressivo ou produtivo. O nível produtivo foi objeto exclusivo de estudo apenas na investigação

8. Desse modo, no total, a compreensão de prosódia emocional foi examinada em 12 estudos, enquanto a produção desse tipo de prosódia foi avaliada em apenas cinco pesquisas. Essa distribuição não se justifica teoricamente na medida em que a lesão de HD pode acarretar prejuízo tanto na compreensão da prosódia emocional quanto em sua produção repetida ou espontânea, em discursos conversacionais, por exemplo (Fonseca, Fachel, Chaves, Liedtke, & Parente, 2007), sendo necessário e importante estudar ambos os níveis de processamento prosódico afetivo.

Além das questões de pesquisa inicialmente previstas, um aspecto observado por meio desta revisão sistemática merece ser brevemente discutido. Dos 14 estudos analisados, seis foram conduzidos por um mesmo pesquisador, professor Marc Pell, da McGill University, Canadá. Isso sugere que, mesmo internacionalmente, há, ainda, poucos grupos de pesquisa voltados para a investigação da avaliação da prosódia emocional em adultos com LHD. Tal investigação mostra-se necessária não apenas para essa população de pessoas com lesão cerebral na metade direita do cérebro, mas também para outros quadros neurológicos que podem ter, dentre suas sequelas neuropsicológicas, dificuldades de reconhecimento emocional, tal como demência do tipo Alzheimer (Drapeau, Gosselin, Gagnon, Peretz, & Lorrain, 2009).

 

Conclusão

Com a presente revisão sistemática sobre avaliação da prosódia emocional em pacientes com lesão no lado direito do cérebro, observou-se que há, ainda, uma reduzida quantidade de estudos envolvendo instrumentos com tal fim em nível internacional, sendo que, em nível nacional, não foram encontradas investigações. Os instrumentos mais frequentemente usados nos estudos analisados foram tarefas experimentais, com pouca frequência de testes padronizados e com participantes LHD e LHE em sua maioria. À medida que um processo de avaliação cada vez mais acurado das sequelas cognitivas e comunicativas dessa população neurológica é necessário, torna-se essencial a realização de mais estudos sobre instrumentos padronizados de diagnóstico clínico de tais déficits. Ressalta-se o caráter relativamente recente e incipiente dos estudos internacionais sobre a avaliação de déficits prosódicos após lesão cerebral direita, havendo importante lacuna nacional nessa área de diagnóstico neuropsicológico.

Por fim, estudos que promovam melhor compreensão da dissociação e associação entre déficits compreensivos e expressivos, assim como entre disprosódia linguística e emocional por estímulos vocais ou faciais fazem-se relevantes para a clínica neuropsicológica. Um melhor entendimento do quadro de disprosódia emocional é fundamental para o desenvolvimento de técnicas cada vez mais acuradas de avaliação padronizada e de métodos de reabilitação.

 

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Recebido em: 28/09/10
Aceito em: 09/09/11

 

 

1 Apoio: CNPq, FAPERGS e CAPES
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