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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.4 no.spe Juiz de fora dez. 2011

 

ARTIGOS

 

Empreendimentos econômicos de catadores de resíduos e legislações vigentes: avanços e limites1,2

 

Economic enterprises of waste pickers and current legislation: progress and limits

 

 

Rafaela Francisconi GutierrezI,3; Maria ZaninII

IUniversidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil
IIUniversidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo apontar alguns avanços, limites e desafios dos empreendimentos econômicos solidários (EES) de catadores para a promoção da melhoria das condições de trabalho e para o avanço na cadeia produtiva da reciclagem. A partir da sistematização de informações disponíveis no Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária foi elaborado um panorama geral de EES de catadores no Brasil considerando suas formas de organização e as dificuldades enfrentadas na comercialização dos produtos, entre outros aspectos. Neste artigo, também foram abordados alguns avanços nas legislações para o setor da reciclagem dos resíduos e para esse tipo de empreendimento. Espera-se que os resultados e reflexões apresentados possam contribuir com informações relevantes para direcionar políticas públicas, fomentar investimentos, colaborar em processos de assessorias e para o desenvolvimento de novos trabalhos a serem realizados para e com os catadores.

Palavras-chave: Empreendimentos Econômicos Solidários, Cooperativas de Catadores, Legislações, Políticas Públicas


ABSTRACT

This article aims to point some advances, limitations and challenges of the Solidarity Economic Enterprises (SEE) of waste pickers to promote the improvement in their work conditions and the advance in the chain of production of recycling. With the systematization of the information available on the National System of Solidarity Economy (SIES) we elaborated an overview of ESS pickers in Brazil considering its forms of organization, the difficulties experienced in the commercialization of the products, among others. We also discussed some legislation advances for the waste recycling sector and for these enterprises. It is expected that the results and reflections presented here can contribute with relevant information to guide public policies, to encourage investment, to collaborate with consulting processes and to develop new works to be done for and with waste pickers.

Keywords: Solidarity Economic Enterprises, Waste Pickers Cooperative, Legislation, Public Policies


 

 

Uma das grandes discussões da atualidade quando se pretende aliar a manutenção do equilíbrio ambiental e a qualidade de vida é o aumento do padrão e do poder de consumo da população associados à produção dos resíduos e seu destino final. Um dos aspectos relevantes dessa questão no cenário brasileiro é o papel que desempenham milhares de catadoras e catadores ao coletar, separar por categorias, compactar, acondicionar e comercializar os resíduos que são descartados pela sociedade. Ao exercerem essa atividade, são os maiores responsáveis no Brasil para a inserção dos materiais recicláveis na cadeia produtiva da reciclagem de resíduos. No entanto, essas catadoras e catadores, que trabalham de maneira individual nas ruas ou organizados em cooperativas e associações, são ainda o elo mais frágil e penalizado dessa cadeia produtiva. Presentes no cenário dos resíduos há diversas décadas, esses profissionais vêm ampliando suas atividades na tentativa de se fortalecerem e avançarem na cadeia produtiva da reciclagem, principalmente por meio de organizações coletivas, quer seja no campo da produção (trabalho associado, formação de redes de comercialização e beneficiamento dos resíduos) ou como movimento social.

Estima-se que existam no Brasil mais de 800 mil catadores de materiais recicláveis (MNCR, 2009), sendo que aproximadamente 13 mil são organizados nos 506 empreendimentos econômicos solidários4 (EES) de serviços de coleta e triagem de resíduos5 identificados pelo Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária6(SIES, 2007). Juntamente com o processo de busca por maior representatividade, reconhecimento e tentativa de avanço na cadeia produtiva da reciclagem, os empreendimentos econômicos solidários (cooperativas e associações) de catadores começam a conquistar seu espaço como consequência da promulgação de leis e decretos que vêm sendo criados tanto no âmbito nacional como estadual e municipal, que incentivam a formação da gestão compartilhada dos resíduos sólidos.

Neste trabalho, a partir de reflexões e sistematização de diversos estudos publicados pelas autoras, será abordado, inicialmente, um panorama geral de EES de catadores no Brasil, suas formas de organização, as dificuldades enfrentadas na comercialização dos produtos e, consequentemente, no avanço na cadeia produtiva da reciclagem de resíduos e a importância das entidades de apoio e fomento no fortalecimento desses empreendimentos. De forma breve, também serão abordados alguns avanços nas legislações para o setor da reciclagem dos resíduos e para esse tipo de EES.

 

O panorama dos empreendimentos econômicos solidários de catadores do Brasil

A cadeia produtiva de reciclagem de resíduos envolve diversos atores (indústrias, empresas, órgãos públicos, cidadãos e catadores) que desempenham funções diferenciadas. O papel desempenhado por catadores de resíduo reciclável é reconhecidamente importante nessa cadeia, pois seus trabalhos agregam - aos resíduos descartados - valores econômicos, sociais e ambientais. Contudo, dentre os atores envolvidos nessa cadeia, os catadores são os que se encontram em situação mais fragilizada, enfrentando inúmeras dificuldades para continuar exercendo suas funções de maneira digna e com maior sustentabilidade.

Conforme representado na Figura 1, dos 506 empreendimentos econômicos solidários de serviços de coleta e triagem de resíduos identificados pelo Sistema Nacional de Informação de Economia Solidária (SIES) em seu levantamento de 20077, 36% são ainda grupos informais. Isso significa que esses grupos vivem na ilegalidade e não podem participar, na maioria das vezes, de contratos e convênios com as prefeituras locais, bem como de editais e financiamentos de uma maneira geral. Situação semelhante também é registrada nesses tipos de empreendimentos no estado de São Paulo, conforme Zanin e Gutierrez (2011). A maioria dos EES de catadores (51%) do estado de São Paulo não são formalizados, 38% são cooperativas e 11% são associações.

 

 

Em relação ao controle de seus meios de produção, esses EES de catadores ainda são relativamente dependentes dos apoios recebidos, pois, conforme representado na Figura 2 sobre a situação da sede ou local de funcionamento do empreendimento, apenas 13, 73% do total de EES de catadores possuem sede própria e a grande maioria, 60,39% dos locais de funcionamento dos EES, é cedido ou emprestado. Isso significa que os catadores estão em uma situação muito desfavorecedora para conquistar a autonomia do empreendimento, bem como a propriedade ou maior controle dos seus meios de produção. Cabe ressaltar que a propriedade coletiva do meio de produção é uma das bases da autogestão que caracteriza os empreendimentos econômicos solidários.

Outro aspecto relevante é a relação de trabalho configurada por esses empreendimentos de catadores no ciclo local ou regional da cadeia produtiva da reciclagem. É conhecido que essa cadeia envolve ciclos e interações relativamente complexos por integrar atividades de naturezas distintas e envolver diversos tipos de agentes (cidadãos, catadores, sucateiros, poder público e empresas de recuperação, reciclagem e transformação). Os sucateiros são conhecidos como os responsáveis pelo envio do resíduo coletado nas ruas por catadores autônomos, para outras cidades, geralmente localizadas na região metropolitana dos Estados. Esse agente específico recebe o nome de atravessador, revendedor, intermediário ou sucateiro, dependendo da região do país em que se aborde o tema.

Conforme a nossa sistematização dos dados do SIES (2007) apresentados na Figura 3, em 56% dos empreendimentos de catadores analisados, a comercialização de seus produtos e/ou serviços é realizada diretamente aos revendedores, isto é, aos atravessadores. Essa venda direta aos atravessadores pode implicar a exploração em relação ao valor do produto, já que muitos empreendimentos não possuem uma diversidade de compradores para poder exigir e buscar melhores preços. A maioria dos empreendimentos de catadores no Brasil não consegue vender diretamente às indústrias, seja pela falta de estrutura física, pela quantidade insuficiente de material ou pela falta de conhecimento da cadeia produtiva da reciclagem de resíduos sólidos. Estudos realizados por Bosi (2008) sobre o trabalho dos catadores informais indicam que o trabalho dos catadores de recicláveis no Brasil está integrado ao processo de acumulação de capital e que a suposta situação de exclusão dos catadores (desempregado, baixa escolaridade, faixa etária elevada) os qualifica para esse tipo de ocupação. No caso dos catadores organizados, observa-se que eles mantêm essa relação de trabalho atrelada aos sucateiros, que é traduzida por eles como dificuldades de comercialização dos produtos ou serviços oferecidos pelos EES, conforme constatado a partir da análise das informações do banco de dados do SIES (2007).

A Tabela 1 relaciona as principais dificuldades de comercialização dos produtos ou serviços oferecidos pelos EES. Dentre as principais dificuldades enfrentadas, o preço inadequado dos produtos, a exigência dos compradores em comprar os produtos em grande quantidade e o monopólio do mercado pelos atravessadores foram as mais apontadas.

Para iniciar as atividades, 47% dos empreendimentos econômicos solidários de catadores receberam doações de alguma entidade de apoio e 28%, ou seja, aproximadamente 142 empreendimentos, começaram suas atividades com recursos próprios, conforme ilustra a Figura 4. Esses dados sugerem que grande parte dos catadores conseguiu iniciar suas atividades, como empreendimento econômico solidário, em função das doações recebidas. Isso demonstra a importância das Entidades de Apoio, Assessoria e Fomento em promover oportunidades para a constituição de novos empreendimentos

A partir do panorama apresentado, podemos concluir que esses empreendimentos de catadores de resíduos recicláveis ainda possuem diversas condições desfavorecedoras para se efetivarem com maior autonomia na cadeia produtiva. Como já mencionado, a cadeia produtiva da reciclagem de resíduos urbanos é uma estrutura piramidal formada em sua base pelos catadores informais, empreendimentos de catadores (associações e cooperativas), seguidos pelos intermediários (sucateiros, empresas recuperadoras ou beneficiadoras) e, finalmente, no seu ápice, empresas de reciclagem propriamente dita (reprocessamento e transformação). Não resta dúvida de que o maior valor agregado ao produto ocorre no topo dessa pirâmide. Os catadores, os maiores responsáveis pela inserção dos materiais recicláveis na cadeia produtiva da reciclagem, são ainda o elo mais frágil e precarizado. Por outro lado, alguns decretos e leis promulgados podem contribuir para mudar esse cenário, como veremos a seguir. No entanto, eles ainda estão integrados ao processo de acumulação de capital.

 

O avanço nas legislações e as cooperativas de catadores de resíduos

No Brasil, as primeiras iniciativas legislativas para a definição de diretrizes voltadas aos resíduos sólidos surgiram no final da década de 80. Desde então, foram elaborados mais de 100 projetos de lei, os quais, por força de dispositivos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, encontram-se apensados ao Projeto de Lei n. 203, de 1991, que dispõe sobre acondicionamento, coleta, tratamento, transporte e destinação dos resíduos de serviços de saúde, estando pendentes de apreciação (Carta ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República n. 58/MMA/2007, Projeto de Lei que Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos).

Como apresentada na carta ao presidente da República em 2007, a luta por leis que discutam a questão da gestão dos resíduos sólidos não é recente, bem como não é de hoje que se busca a inclusão de catadores na legislação de gestão dos resíduos sólidos. A gestão dos resíduos sólidos, até o ano de 2010, estava apoiada no Projeto de Lei n. 203, de 1991, e a discussão com diferentes interesses (consumidores, fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e gestores públicos) fez com que a nova política demorasse cerca de 20 anos para ser aprovada.

Atualmente, a gestão dos resíduos sólidos no Brasil está apoiada na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (Lei n. 12.305), decretada e sancionada em 2 de agosto de 2010. Essa Lei estimula o estabelecimento de parcerias entre governos e cooperativas de catadores para a coleta seletiva solidária. A PNRS também diz respeito ao tratamento de resíduos sólidos e define os tipos de resíduos e a responsabilidade dos grandes geradores e dos consumidores comuns. Ela define o sistema de logística reversa, no qual o gerador é responsável pelo destino final de seu produto pósconsumo (logística reversa), além da inclusão de empreendimentos de catadores nas ações que envolvam o fluxo de resíduos sólidos. Essa Lei prevê incentivos aos municípios, para que priorizem a participação de cooperativas de catadores e outras formas de associação nos serviços de gestão de resíduos e incentivos econômicos e financiamentos para essas cooperativas.

No entanto, um ano após a aprovação da Lei ainda não existem regras específicas para a logística reversa, por exemplo, para o descarte dos resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos. A Lei depende de um acordo setorial que começou a ser elaborado em abril de 2011, com a criação de um comitê no governo federal, que ficou responsável pelo trabalho de implementação da nova política de descarte no país (Serrano, 2011).

Decretos governamentais, como Decreto n. 5.940, de 25 de outubro de 2006, também fazem parte da Política Nacional de Resíduos Sólidos, o qual institui a coleta seletiva solidária em órgãos e entidades da administração pública federal, bem como a destinação a associações ou cooperativas que sejam formalmente constituídas, ou seja, que possuam CNPJ, tenham na catação sua única fonte de renda, não possuam fins lucrativos, possuam infraestrutura para o beneficiamento e apresentem sistemas de rateio de sua receita. Esse Decreto prevê a criação da Comissão para a Coleta Seletiva Solidária, visando à supervisão do órgão e da organização de catadores e estabelecendo o princípio da intercooperação entre as diferentes organizações. O Decreto Federal trouxe, ainda, instrumentos para que fossem criados decretos estaduais e municipais instituindo a coleta seletiva solidária em órgãos e entidades da administração pública, como, por exemplo, no estado do Rio de Janeiro (Decreto Estadual n. 40.645, de 8 de março de 2007) e no município de Duque de Caxias.

Além da Política Nacional de Resíduos Sólidos, existem políticas estaduais anteriores que buscam a gestão integrada desses resíduos, como é o caso da Política Estadual de Resíduos Sólidos de São Paulo (Lei n. 12.300, de 16 de março de 2006), que institui princípios e objetivos relacionados aos catadores, ou seja, ela possibilita a inserção de catadores, associações e cooperativas no processo de coleta, separação e comercialização dos resíduos sólidos urbanos.

Essas políticas de gestão dos resíduos sólidos apresentam uma tentativa de gestão integrada e compartilhada de resíduos sólidos. Segundo Gonçalves et al. (2002, p. 26 apud Ribeiro et al., 2009), a gestão integrada engloba "uma série de componentes que abrangem as áreas de educação, saúde, meio ambiente, promoção de direitos, geração de emprego e renda e participação social" (p. 36). Um conjunto articulado de ações (normativas, operacionais e financeiras; de planejamento; administrativas; sociais; de monitoramento, supervisão e avaliação) comporia a administração dos resíduos sólidos desde a sua geração até a sua disposição final, a fim de obter benefícios ambientais, otimização econômica e aceitação social (Ribeiro et al., 2009).

Diferentes iniciativas de reconhecimento do trabalho dos catadores/catadoras e de promoção de sua integração na dinâmica das cidades estão sendo instituídas, como a Política Nacional de Saneamento, Lei Federal n. 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. Com essa Lei, o setor de saneamento terá a possibilidade de viabilizar novos arranjos integrados para a adequada gestão dos resíduos sólidos, possibilitando a isenção de necessidade de licitação para a contratação de cooperativas e associações de catadores.

Outra vitória conquistada pelos catadores foi o reconhecimento da atividade de catador como ocupação legal, com sua inclusão na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). O catador de material reciclável possui o número 5192-05 como código (CBO, 2002) e também pode ser denominado, segundo a CBO, como "catador de ferro-velho, catador de papel e papelão, catador de sucata, catador de vasilhame, enfardador de sucata (cooperativa), separador de sucata (cooperativa), triador de sucata (cooperativa)". A classificação dessa profissão é feita em seis itens, nos quais todas as características e peculiaridades do trabalho dos catadores podem ser observadas e entendidas (CBO, 2002).

Segundo Pinhel, Zanin e Mônaco (2011), ter a sua atividade reconhecida pela CBO tem uma dimensão estratégica importante na medida em que, com a padronização de códigos e descrições por essa classificação, pode ser utilizada pelos mais diversos atores sociais do mercado de trabalho. Tem relevância também para a integração das políticas públicas do Ministério do Trabalho e Emprego, sobretudo no que concerne aos programas de qualificação profissional e intermediação da mão de obra, bem como no controle de sua implementação. Esse reconhecimento do trabalho dos catadores pela CBO foi, sobretudo, graças à luta do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), sendo considerada uma das primeiras conquistas do Movimento.

No âmbito municipal, algumas iniciativas estão incluindo as cooperativas de catadores no processo de gestão dos resíduos sólidos. Podemos destacar a Lei n. 14.480, de 27 de maio de 2008, que dispõe sobre a Política Municipal de Limpeza Urbana e Manejo de Resíduos Sólidos do município de São Carlos/SP. Essa Lei aponta diretrizes, responsabilidades, objetivos e princípios para a gestão de resíduos e limpeza urbana no município. Prevê, ainda, a coleta seletiva de recicláveis, a formação de convênios com cooperativas e associações de catadores e a construção de centros de triagem (ponto de entrega voluntária - PEV), onde poderão atuar cooperativas de catadores. A Prefeitura Municipal de São Carlos, desde 2010, também possui um contrato de prestação de serviço com os cooperados da cidade. Esse tipo de contrato, ainda pouco utilizado nos municípios brasileiros, é uma importante política pública, já que reconhece o catador como prestador de serviços municipais (Martins & Sorbille, 2011).

Portanto, o que se pode notar é que existem avanços em relação à legislação brasileira para a inclusão de cooperativas de catadores no processo de gestão dos resíduos sólidos. No entanto, é preciso que essas leis sejam cumpridas e que os governos, principalmente os municipais, efetivem contratos com essas cooperativas.

 

Considerações finais

Como já apresentado, as atividades das cooperativas de catadores agregam valores econômicos, sociais e ambientais aos resíduos que estariam sendo desperdiçados pela sociedade se essas atividades não existissem. Entretanto, a partir das informações selecionadas da base de dados do SIES (2007), observamos que esses empreendimentos de catadores possuem algumas dificuldades na comercialização de seus produtos por diversos motivos: dependência em relação aos atravessadores e por consequência baixo preço dos produtos, dificuldades em vender diretamente às indústrias por não acumularem o volume de resíduos suficientes, falta de capital de giro e outros. A não legalidade de muitos empreendimentos também dificulta a participação desses empreendimentos em diferentes tipos de financiamentos, editais e outros. A falta do controle dos meios de produção por muitos empreendimentos, como a posse do espaço físico, pode refletir em sua autonomia e, consequentemente, no grau de sustentabilidade do empreendimento.

Em relação ao gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos, as diversas leis e decretos criados, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos/2010 e o Decreto n. 5.940/2006, buscaram incluir os empreendimentos de catadores na gestão compartilhada dos resíduos sólidos urbanos. Porém, isso ainda não é suficiente para sua inclusão na cadeia produtiva com valores igualitários aos outros setores ou elos da cadeia. É preciso que os municípios e os Estados direcionem políticas públicas para promover o fortalecimento desses empreendimentos dentro da cadeia produtiva.

A abordagem deste trabalho indica alguns avanços, limites e desafios desses empreendimentos coletivos de catadores para a promoção da dignificação do trabalho dessas trabalhadoras e trabalhadores numa alternativa de trabalho baseada nos princípios da economia solidária e ao mesmo tempo altamente inserida em uma cadeia produtiva dominada por interesses do modo capitalista. Espera-se que esses resultados e reflexões apresentados possam contribuir com informações relevantes para direcionar políticas públicas, fomentar investimentos, colaborar em processos de assessorias e para o desenvolvimento de novos trabalhos a serem realizados para e com os catadores.

 

Referências

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Recebido em: 10/08/11
Aceito em: 28/11/11

 

 

1 As autoras agradecem o SIES/SENAES, pela disponibilização da base de dados
2 Apoio: FAPESP
3 Contato: rafaela_fg@yahoo.com.br
4 Os Empreendimentos Econômicos Solidários compreendem as organizações coletivas, tais como: associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de produção, organizações de finanças solidárias, clubes de troca, redes e centrais etc. (Decreto Federal n. 5.940, de 25 de outubro de 2006).
5 O termo "Empreendimentos Econômicos Solidários de Serviço de Coleta e Reciclagem de Materiais" é a denominação utilizada pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES).
6 Segundo o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), a economia solidária é "fruto da organização de trabalhadores e trabalhadoras na construção de novas práticas econômicas e sociais fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, em vez da acumulação privada de riqueza em geral e de capital em particular. Esta economia solidária além da ação econômica se baseia em valores de solidariedade, cooperação e de autogestão" (FBES, 2006, p. 3).
7 Essa base de dados do SIES (2007) é resultado da aplicação de um questionário com 72 questões abordando temas variados, tais como: gênero, forma de organização dos empreendimentos, finanças, acesso a fomento, instâncias de participações políticas, infraestrutura e outros. No levantamento de 2007, foram visitados 21.859 Empreendimentos Econômicos Solidários, abrangendo 2.274 municípios.