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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.5 no.1 Juiz de fora jun. 2012

 

ARTIGOS

 

O desenvolvimento da carreira de pessoas com deficiência em empresas: dificuldades e perspectivas

 

The career development of people with disabilities in companies: difficulties and perspectives

 

 

Marcelo Afonso Ribeiro1; Flávio Ribeiro

Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo investigou as estratégias de desenvolvimento de carreira de pessoas com deficiência, as oportunidades e barreiras para suas carreiras em empresas e como as empresas têm manejado essa questão por meio de programas de gestão e desenvolvimento de carreira, realizando 20 entrevistas semiabertas com pessoas com deficiência que trabalhavam em empresas e uma análise dos conteúdos emergentes. Os resultados apontaram uma dificuldade inicial dos participantes na experiência de trabalho, mas também seu reconhecimento como trabalhador, a possibilidade do desenvolvimento da identidade no trabalho e a necessidade do enfrentamento dos conflitos gerados, assim como assinalaram a importância da existência de programas de desenvolvimento da carreira. Como conclusão, as oportunidades de carreira em empresas para pessoas com deficiência têm estimulado um espaço de trabalho mais receptivo baseado na diferença e na possibilidade de construção de uma identidade no trabalho apesar da grande dificuldade de estar inserido nesse processo marcado por muitos conflitos.

Palavras-chave: Deficiente, Desenvolvimento de Carreira, Gestão da Diversidade


ABSTRACT

This study investigated the career development strategies of people with disabilities, the opportunities and the barriers of their careers in companies, and how the companies have managed this issue by means of career management and development programs, conducting twenty semi-open interviews with people with disabilities who worked in companies, and an analysis of the emerging contents. The results suggested an initial difficulty of the participants in the work experience, but also their acknowledgement as workers, the possibility of developing their identities at work, and the need to face the generated conflicts, and they highlighted the importance of the existence of career development programs. In conclusion, the career opportunities for people with disabilities in companies have stimulated a more receptive working space based on the difference and on the possibility of building an identity at work, in spite of the great difficulty of being inserted into this process, which is marked by several conflicts.

Keywords: People with Disabilities, Career Development, Diversity Management


 

 

As empresas, em muitos países dos continentes americano e europeu, estão hoje obrigadas a receber as pessoas com deficiência como empregados, o que tem causado impactos e mudanças, frequentemente radicais, em seu trabalho diário, envolvendo todos nas empresas. As pessoas com deficiência têm tido a oportunidade de trabalhar, os trabalhadores sem deficiência agora têm convivido tão perto dos problemas causados pela deficiência, o setor de Recursos Humanos (RH) tem mediado o processo de ajuste mútuo e os novos conflitos potenciais, e a gestão da empresa tem incorporado mudanças espaciais e sociais em sua estrutura e em suas estratégias e ações.

Nesse cenário, a pesquisa aprofundada desse fenômeno psicossocial se faz necessária para aumentar as dimensões de sua análise. Do ponto de vista das pessoas com deficiência, com uma base de análise centrada no processo psicossocial (proposto por Pichón-Rivière, 1983), e pela utilização da literatura que será indicada no corpo do texto, os objetivos desta pesquisa foram a exploração qualitativa para a análise e compreensão das principais experiências, percepções e representações de um grupo de pessoas com deficiência em três aspectos de sua relação com o trabalho: representações do trabalho, oportunidades e barreiras para o desenvolvimento de suas carreiras e gestão da diversidade pelas empresas.

 

Desenvolvimento da organização do trabalho e suas relações com a diversidade

O trabalho pode ser considerado a dimensão central da subjetividade e o modelo para a sociabilidade humana, pois os processos do trabalho sempre sobredeterminaram a experiência humana e, com o capitalismo, foram sistematizados como processos de organização do trabalho que apontavam as regras da estruturação e funcionamento dos processos do trabalho e da inserção dos trabalhadores.

Ao longo do século XX, a organização do trabalho apontou uma estrutura de mundo marcada pela normalidade, homogeneidade, carreira organizacional e grande dificuldade de relação e integração do diferente, na qual foi construído um mundo sociolaboral conduzido pelos estereótipos que delimitavam o normal e o anormal. Assim, as pessoas tiveram que se adaptar a uma estrutura predefinida, e todos aqueles que não se ajustassem às regras eram segregados e separados da possibilidade de participar das relações sociais, criando os preconceitos e os estigmas (Blanch, 2003; Castel, 2009; Goffman, 1988; Silva, 2005).

Essa realidade começou a mudar, gradualmente, depois da Segunda Guerra Mundial com o início da entrada mais significativa da mulher no mercado de trabalho e a necessidade da reinserção dos homens que desenvolveram algum tipo de deficiência física ou transtorno mental por causa da guerra.

Esse movimento gerou o início da discussão das políticas de acesso ao mercado de trabalho para essas pessoas e ficou conhecida como políticas da igualdade de oportunidades (Equal Opportunities Policies), baseadas no paradigma da integração, ou seja, o mercado se abriu para a entrada das pessoas com deficiência e, em contrapartida, elas tiveram que se adaptar às estruturas e modos de funcionamento vigentes (Ribeiro & Ribeiro, 2008).

Em geral, essa entrada ocorria por intermédio de uma lei de cotas, baseada no princípio da ação afirmativa, no qual se buscava a implementação efetiva do princípio da igualdade ao apontar que a sociedade deve se redimir das injustiças cometidas e facilitar processos que permitam às pessoas vítimas da exclusão que deixem esse lugar e ocupem um outro lugar mais justo e cheio de cidadania, como as instituições educacionais e o mercado de trabalho (Bahia, 2006; Cox, 1994; Cox & Blake, 1991; Moore, 1999).

A ação afirmativa obriga a inclusão, mas não garante a consciência social, nem a ruptura dos estereótipos e preconceitos, podendo se converter num novo mecanismo perverso de segregação, pois garante oportunidade, no entanto não efetiva a integração (Figiel & Sasser, 2010; Goldman & Lewis, 2009; Quintão, 2005).

A situação mundial começou a mudar nos anos 1970 em função da globalização econômica, do avanço tecnológico e da necessidade do aumento da produtividade e da competitividade no mercado de trabalho. O mundo ingressava num momento de transição assinalado pela flexibilização do trabalho, fragilização das estruturas sociais e das concepções de normalidade e dificuldade de definição clara dos papéis sociais. Esse movimento deixou as pessoas sem uma referência fixa, mas, entretanto, tem quebrado paradigmas absolutos geradores de exclusão (Castel, 2009; Castells, 1997; Touraine, 1998).

Essa situação de estruturação do mundo afetou profundamente as empresas que tiveram que rever seus processos para sobreviver num mundo em constante transição que, de um lado, pressionava por processos mais flexíveis para garantir a agilidade produtiva e a competitividade e que, por outro lado, exigia uma consciência e ações no sentido da inclusão da diversidade no trabalho que ganharam o nome de responsabilidade social (Ribeiro & Ribeiro, 2008, p. 125).

O mundo do trabalho vem passando por transformações significativas em função da flexibilização da organização do trabalho e da pressão para que todos possam ter oportunidades de inserção e crescimento no trabalho, o que inclui as pessoas com deficiência, implicando mudanças conceituais e práticas nos processos de ingresso, permanência e desenvolvimento no interior das empresas, no sentido de abarcar a diversidade (Shore et al., 2009).

Um dos aspectos importantes nesses processos de mudança é a possibilidade do desenvolvimento de uma carreira por parte das pessoas com deficiência. Para compreender a dimensão das carreiras no público estudado, faz-se necessário, primeiramente, refletir sobre como estão se constituindo as carreiras nas empresas atualmente, que, também, vem passando por transformações significativas. Em um segundo momento, analisar as concepções de diversidade nas empresas e como elas estão lidando com essa diversidade por meio dos chamados programas de gestão da diversidade. Para, em um terceiro momento, examinar, com atenção, as resultantes do processo de inclusão e integração das pessoas com deficiência nas empresas. Nesse sentido, tomar-se-á a carreira como dimensão significativa para a análise das dificuldades e perspectivas para a inserção e desenvolvimento das pessoas com deficiência nas empresas contemporâneas.

Carreira: transformações conceituais e práticas na contemporaneidade

A carreira surgiu como uma forma de estruturação da trajetória dos funcionários no interior das empresas com base na sistematização prévia de um caminho a percorrer composto de cargos e funções a serem desempenhadas, que estabeleciam o progresso das pessoas nessas empresas, na chamada carreira organizacional (Van Maanen, 1977).

A carreira organizacional, ao privilegiar a inscrição em um sistema sociolaboral reconhecido, gerador de pertença social, estabilidade e segurança, conferia aos trabalhadores uma identidade no trabalho determinada pela identidade organizacional e construída pela identificação da pessoa à organização de trabalho, sendo definida por Demazière e Dubar (2006) como forma identitária estatutária.

Em função da flexibilização, heterogeneização e complexificação do mundo do trabalho contemporâneo, a carreira passou por mudanças em sua estrutura, concepção e desenvolvimento, gerando a fragmentação da carreira organizacional e sua ampliação para além dos limites das empresas, alcançando o mundo do trabalho como um todo, tendo se convertido em uma construção mais dinâmica e mais heterogênea determinada pela adaptação mútua entre as necessidades das pessoas e das empresas, e gerando estruturas mais individualizadas, que exigiriam maior proatividade (Arthur & Rosseau, 1996; Gingras, Spain, & Cocandeau-Bellanger, 2006; Hall, 2002).

A carreira passa a ser mais individualizada, conforme preconiza o modelo da carreira de Proteu (Hall, 2002), pode ser desenvolvida dentro e fora das empresas, nas chamadas carreiras sem fronteiras (Arthur & Rosseau, 1996), e de uma maneira menos previsível e predeterminada, como apontam as concepções da carreira portfólio, caleidoscópio e multidirecional, todas elas carreiras flexíveis (Bendassoli, 2009; Ribeiro, 2009).

Segundo Demazière e Dubar (2006), essas carreiras mais flexíveis geram modalidades distintas de identidade no trabalho, pois se constroem dispersas numa rede social não-institucionalizada (forma identitária narrativa) ou então levam as pessoas a se adaptarem a situações sociolaborais incertas mediante relações de descompromisso e sem projetos futuros (processo de difusão adaptativa).

É importante lembrar que tanto as carreiras organizacionais tradicionais quanto as carreiras flexíveis coexistem no mundo do trabalho atual (Ribeiro, 2009; Young & Collin, 2000).

Assim, os planos de carreira não seriam mais genéricos, mas interacionais, que é o desafio atual do setor de RH: o planejamento e a gestão da carreira, que deve tentar combinar as necessidades de seus empregados com as necessidades da empresa e com a influência significativa do mercado de trabalho e da sociedade (Gunz & Peiperl, 2007).

Como pensar a questão da carreira e do desenvolvimento da carreira para as pessoas com deficiência? Para tal reflexão, é mister a análise das questões da diversidade e da deficiência, relacionando-as com a dinâmica e a estruturação tanto do mundo do trabalho quanto das empresas.

Conceitos chaves para refletir acerca da diversidade e da deficiência

A diversidade se define como qualquer atributo visível ou invisível de uma pessoa que a faça ser vista como diferente das outras (atributos físicos, raça, gênero, orientação sexual, etnia, nacionalidade, religião, idade). Ela pode ser vista como uma essência ou como uma produção relacional e pode-se analisar que, em um mundo em mudança como o atual, a ideia das essências não mais se aplica, pois novas estruturas estão se constituindo, e seria importante compreender a diversidade como uma construção das relações humanas (D'Neto & Sohal, 1999; Friday & Friday, 2003; Scott, 2005; Smith, Smith, & Markham, 2000).

Scott (2005) diz que a grande questão em relação à diversidade seria desconstruir a falsa dicotomia existente entre igualdade e diferença, pois, para a autora, a verdadeira dicotomia se dá entre uma situação de igualdade e uma situação de desigualdade social e de direitos, pois a diferença é a marca constitutiva da humanidade. A questão central não seria a ausência de ou a eliminação da diferença, mas, sim, o reconhecimento da diferença e a decisão de ignorá-la ou levá-la em consideração, transformando-a em um atributo que traria vantagens ou desvantagens sociais.

Reconhecer determinado atributo como diferença é torná-lo um atributo de diversidade, pois a igualdade é um ato de escolha marcado sócio-historicamente. Por exemplo, a deficiência numa pessoa é considerada diversidade, porque a sociedade ocidental do século XX escolheu colocar qualquer tipo de deficiência como diferença, e a ausência de deficiência como padrão normativo social transformou a deficiência em uma desvantagem social e, consequentemente, dificultou a construção da vida social para as pessoas com deficiência.

A deficiência não é um problema aprioristicamente definido, mas a desvantagem social potencial que uma pessoa com deficiência possui advém do fato do reconhecimento da deficiência como diversidade e da determinação que não ter deficiência seria a norma, pois o diferente é uma relação: ele só existe na e pela relação com o igual ou normal (Frayze-Pereira, 1982).

Nesse sentido, a diversidade pode ser vista como um conceito que depende: da relação (a diferença surge da comparação entre pessoas e gera processos de generalização ou discriminação), da seleção (algumas características serão eleitas como indicadores da diversidade; por exemplo, a impossibilidade de ouvir) e da segregação (processo que destaca da estrutura o que é definido como diferente).

Vista como uma forma de diversidade (Dipboye & Colella, 2005; Shore et al., 2009), as preocupações com a deficiência podem ser desprezadas ou escondidas nas empresas em comparação com outras formas de diversidade (Olkin, 2002).

Segundo Moore (1999), quatro tipos de culturas organizacionais distintas são geradas nas empresas analisadas pela ética da diversidade: paroquial (organizações cegas à diversidade, nas quais essa não é uma questão), etnocêntrica (organizações hostis à diversidade, nas quais ela é considerada um fator de dificuldade e não é desejada), ingênua (organizações ingênuas quanto à diversidade, nas quais ela é considerada intrinsecamente boa) e sinérgica (organizações que fazem a integração da diversidade).

Segundo Domina (2011), Figiel e Sasser (2010) e Goldman e Lewis (2009), as empresas, então, teriam como possibilidades de relação com as pessoas com deficiência uma postura de: 1) Exclusão organizacional com estigmatização; 2) Integração sem mudança organizacional; e 3) Inclusão, tomando a diversidade como cultura organizacional.

Diferença, deficiência e mundo do trabalho

Na organização tradicional do mundo do trabalho, a lógica da normatização, na qual não havia lugar para a diferença, sobredeterminava, hegemonicamente, a exclusão das pessoas com deficiência do trabalho, fazendo com que elas fossem marginalizadas, estigmatizadas e tuteladas pelas práticas da saúde e da assistência social, sem espaço no mundo do trabalho.

Nessa forma de concepção do mundo, a questão da deficiência tem relação direta com a questão da eficiência, colocada como o princípio geral básico pelo capitalismo, que busca sempre o protótipo da perfeição e da eficácia, como protótipos básicos para o ser humano e para as relações psicossociais que ele estabelece (IBDD, 2004; Quintão, 2005).

A deficiência, no contexto capitalista, se relaciona a uma falta, uma imperfeição, ou seja, é a própria negação da eficiência necessária ao funcionamento sociolaboral e, além disso, denuncia a imperfeição humana no espaço social privilegiado pelo capitalismo, que é o mundo do trabalho, tendo, logo, que ser estigmatizada e segregada, para a plena realização capitalista (Ribeiro & Ribeiro, 2008, p. 131).

A contemporaneidade rompe, parcialmente, a normatização moderna e provoca rupturas na lógica normatizante com uma consequente fragilização das estruturas sociais e das concepções de normalidade e uma transformação do projeto social com uma dupla consequência: de um lado, há a perda de referências sociais e laborais, o que tem deixado os trabalhadores um pouco desorientados, mas, de outro lado, há uma relativização dos padrões absolutos de exclusão, o que tem aberto novas possibilidades a grupos detentores de algum atributo que os coloca como diversos e lhes confira alguma desvantagem social.

Dessa maneira, a atitude dominante de homogeneização, normatização e segregação teve que, parcialmente pelo menos, dar lugar, como discurso e como prática, a um discurso mais heterogêneo, que contenha a diferença e seja mais inclusivo, dando espaço, na sociedade em geral e no mercado de trabalho especificamente, para princípios como os da responsabilidade social e da gestão da diversidade (Bahia, 2006; Cox, 1991; MacMillan-Capehart, 2004; Ribeiro & Ribeiro, 2008; Sinclair, 2000; Smith, 2002; Woodhams & Danieli, 2000).

Esses princípios buscam uma integração entre duas racionalidades a priori antagônicas e com objetivos distintos: a razão econômica, que busca a adaptação das empresas a um mercado de trabalho mutante para se manter produtiva e competitiva; e a razão sociocultural, que almeja superar práticas discriminatórias e excludentes e promover a ideia de que a diferença é inerente ao humano e não se constitui em um fator negativo para o mercado de trabalho (Ribeiro & Ribeiro, 2008, p. 128).

Nesse contexto, vive-se um estado de transição com dupla consequência: 1) De um lado, há o reforçamento de padrões antigos e a produção de novos padrões de exclusão com formas mais heterogêneas de vida precária, de espaços de exclusão e de abandono social, gerando um grupo maior de desfiliados [Castel (1995), define desfiliação como a impossibilidade de fazer vínculos com dadas dimensões da realidade]. 2) De outro lado, há a produção de oportunidades de emancipação e de constituição de formas diferenciadas de relação social, o que se constituiria numa nova oportunidade de retorno de grupos tradicionalmente excluídos à possibilidade de inclusão, via trabalho.

Vários estudos sobre a questão da inclusão das pessoas com deficiência no mundo do trabalho apontam que a contemporaneidade tem gerado novos fatores de exclusão e preconceito em função da inserção no trabalho pela Lei de Cotas.

Entretanto, também tem propiciado maior oportunidade para que as pessoas com deficiência tenham um trabalho e desenvolvam uma carreira, existindo como trabalhadores, auxiliando na construção do mundo social pelo trabalho e, consequentemente, constituindo uma identidade no trabalho para além da identidade estigmatizada de pessoa com deficiência (Carvalho-Freitas, 2009; Domina, 2011; Figiel & Sasser, 2010; Goldman & Lewis, 2009; Hamner, Hall, Timmons, Boeltzig, & Fesko, 2008; Hartley & Sutphin, 2011; MacMillan-Capehart, 2004; Ribeiro & Ribeiro, 2008; Wilton & Schuer, 2006).

As políticas de ação afirmativa e a gestão da diversidade nas empresas têm questionado os princípios modernos de normatização e exclusão, pois, por força da lei em vários países dos continentes americano e europeu, as pessoas com deficiência estão presentes no mercado de trabalho, o que deveria ter resultado em uma mudança radical de postura nas empresas. Essa mudança não tem acontecido de maneira efetiva, porque as pessoas são contratadas e as empresas não têm mudado em função disso (Dibben, James, Cunningham, & Smythe, 2002).

Segundo Jones e Schmidt (2004), a contratação das pessoas com deficiência deve ser uma política associada a medidas práticas de provisão de ambientes de trabalho que sejam apropriadas, à retenção desses trabalhadores e à oferta de possibilidades de desenvolvimento e ascensão da carreira, tudo isso apoiado em uma cultura organizacional de inclusão que, explicitamente, envolva a diversidade em seus princípios e práticas.

Embora, como apresentado anteriormente, levar em conta a diversidade não implica, necessariamente, em proporcionar a inclusão e a integração no local de trabalho (Dipboye & Colella, 2005), porque, em geral, os empregadores seguem a letra da lei, mas não seguem o espírito da lei, e mantêm as pessoas com deficiência em situação de exclusão, só que agora como trabalhadores, mas nunca vistos como um empregado igual aos outros.

As pessoas com deficiência teriam, segundo essa lógica, dois lugares possíveis na relação sociolaboral: a de lugar negado (negação da deficiência como possibilidade de existência) e a de lugar tutelado (afirmação do assistencialismo como única possibilidade para a pessoa com deficiência, o que lhe infantiliza e despotencializa) (Ribeiro & Ribeiro, 2008, p. 132).

Faltaria a criação efetiva de um lugar legitimado para as pessoas com deficiência, com o consequente reconhecimento de um lugar no mundo do trabalho. O que vem acontecendo com as pessoas com deficiência nessa situação?

A literatura mais recente na área aponta dificuldades e potencialidades com a entrada e permanência das pessoas com deficiência no mundo do trabalho, principalmente no interior das empresas (Batista, 2004; Carvalho, 2008; Carvalho-Freitas, 2009; Domina, 2011; Figiel & Sasser, 2010; Goldman & Lewis, 2009; Hamner et al., 2008; Hartley & Sutphin, 2011; Kulkarni & Valk, 2010; Wilton & Schuer, 2006).

De um lado, as principais dificuldades apontadas com a diversidade nas organizações seriam: a permanência da cultura de tutela e do preconceito, conflitos constantes com pessoas "tidas" como sem deficiência, subvalorização da capacidade e das competências das pessoas com deficiência, dificuldades de relacionamento nas relações sociais mais amplas e não protegidas, defasagens acumuladas por uma vivência na tutela e uma postura em relação à diversidade tomada como obrigação jurídica, não como cultura organizacional.

De outro lado, as principais conquistas, muitas vezes mais potenciais do que reais, com a diversidade nas organizações seriam: a possibilidade de inserção e desenvolvimento no trabalho, o reconhecimento como trabalhador, a possibilidade da construção identitária no trabalho, para além da identidade estigmatizada de pessoa com deficiência, a ruptura da sensação de incapacidade, o investimento em ações de qualificação, as mudanças na postura da família em relação à deficiência e a necessidade de convivência ampliada.

Em termos de desenvolvimento da carreira, há uma mudança significativa em seus padrões para todos os trabalhadores, e as pessoas com deficiência estão, também, inseridas nesse processo.

O que tem acontecido às pessoas com deficiência na realidade brasileira? Levantar e analisar como um grupo de pessoas com deficiência tem vivido e tem representado essa situação sociolaboral no Brasil mediante suas principais experiências, percepções e representações em três aspectos de sua relação com o trabalho (representações do trabalho, oportunidades e barreiras para o desenvolvimento de suas carreiras, e a gestão da diversidade pelas empresas), foi o propósito desta investigação.

 

Método

Tipo de pesquisa

A pesquisa teve um caráter de exploração, já que foi elaborada com o objetivo de proporcionar maior familiaridade com o objeto de estudo. Por conta disso, optou-se por utilizar um método qualitativo, buscando averiguar e analisar conteúdos emergentes, que pudessem ser indicativos das experiências, percepções e representações dos participantes da pesquisa (temas que figuram nos objetivos da pesquisa).

O entendimento das atitudes, percepções e experiências de uma pessoa demanda a compreensão do contexto no qual ela se insere. Nesse sentido, a realização de uma pesquisa qualitativa privilegiaria a observação dessas dimensões para tratar que o "fenômeno ou processo particular não seja excluído do contexto mais amplo que o determina e com o qual mantém determinados tipos de relações" (Sato & Souza, 2001, p. 31).

É uma estratégia rica para a compreensão das relações e práticas cotidianas dos agentes de uma organização nas três dimensões do processo psicossocial descritas por Pichón-Rivière (1983): dimensão intrasubjetiva (a pessoa em relação com os outros), dimensão intersubjetiva (dimensão das relações do grupo) e dimensão transubjetiva (dimensão institucional do grupo).

Participantes

Vinte pessoas com deficiência trabalhavam em quatro empresas, com culturas organizacionais diferentes, importadoras e revendedoras de alimentos. Elas tinham os seguintes tipos de deficiência: dez pessoas com deficiência auditiva, quatro com deficiência visual, quatro com deficiência mental e duas com paralisia cerebral. A faixa etária foi de 20 a 45 anos, sendo dez homens e dez mulheres, todos(as) sem formação profissional universitária. Em geral, seus postos de trabalho eram: ajudantes de padaria, auxiliares de empacotamento, auxiliares de armazém, ajudantes gerais e auxiliares do setor de RH. Não se levaram em conta na análise diferenças de idade, tipos de deficiência, gênero ou áreas das atividades laborais.

Instrumentos

Foram utilizados dois instrumentos para a coleta de informações: a observação de campo e o registro em um diário de campo obtidos por meio do contato direto entre o investigador e o fenômeno observado, para recolher as ações dos atores em seu contexto social, a partir de sua perspectiva e de seus pontos de vista; e entrevistas semiabertas.

A escolha da entrevista semiaberta se justificou em razão de que o objetivo definido foi obter respostas espontâneas sobre as regiões de experiência do entrevistado e não relativas a um tema específico. A observação do campo buscou compreender a realidade estudada por um contato direto entre o investigador e o investigado no contexto em que foram obtidos e analisados os dados, permitindo o contato com as experiências diárias das pessoas e a compreensão dos significados e das representações atribuídas à realidade e às suas ações.

Tratamos de registrar e analisar a vida cotidiana dos participantes por meio de diversas estratégias, tais como conversas informais e observação direta ou indireta. Supondo que não se pode reduzir a realidade a uma teoria sobre a realidade, o uso conjunto de entrevistas semiabertas e a observação de campo cumpriram a função de estratégias complementares (Chizotti, 1991; Triviños, 1987).

Procedimentos

Foi realizada uma busca nas empresas que poderiam ser entrevistadas. Depois das autorizações para a realização do estudo, ocorreram algumas observações de campo para identificar os trabalhadores com deficiência, que foram convidados a participar da pesquisa, sendo os dados obtidos por entrevistas fora do contexto de trabalho. Os resultados foram apresentados às quatro empresas e para os entrevistados da pesquisa na forma de uma devolutiva.

Tratamento das informações

As transcrições das entrevistas e as anotações das observações de campo, consideradas suficientes para emprender uma sólida categorização, permitiram, por sua vez, uma boa análise, interpretação e teorização, conduzindo a resultados valiosos (Martinez, 2006). Os dados foram analisados pela proposta de análise de conteúdo de Bardin (1977) mediante uma sistemática, na qual o conteúdo foi ordenado, classificado e dividido em quatro grandes categorias empíricas de análise.

O processo da categorização teve como objetivo classificar as partes em relação ao todo e atribuir categorias, cujo conteúdo representava uma ideia importante ou área específica pertinente a ser explorada. A unidade temática (ou categoria) abarcou um conjunto de experiências, percepções e representações dos participantes acerca de sua integração social e laboral nas empresas onde estavam trabalhando. Ao final, essas categorias foram interpretadas.

 

Resultados e discussões

A classificação realizada gerou quatro linhas de reflexão, que serão apresentadas e interpretadas, a fim de permitir uma leitura de algumas das dimensões das possíveis relações entre as pessoas com deficiência (participantes) e o trabalho desenvolvido nas quatro empresas estudadas.

As categorias temáticas são: (1) representações do trabalho, (2) oportunidades e barreiras para suas carreiras nas empresas, (3) gestão da diversidade pelas empresas e (4) aspectos positivos e negativos para o desenvolvimento de carreira nas empresas.

Representações do trabalho

Os participantes parecem associar o trabalho com a possibilidade de reconquistar um lugar produtivo no mundo, deixando a condição de tutelados e tomando para si uma posição de atividade, a qual é muito interessante, mas também requer: compromisso, "ações para o desenvolvimento", "tolerância à frustração", "confiança em si mesmo" e "a necessidade de seguir lidando com os preconceitos", como assinalou Moore (1999).

Deixaram claro o vínculo da oportunidade de trabalho com a possibilidade de recuperar uma vida com significado e desenvolvida pelas relações psicossociais. No entanto, vários fatores parecem contribuir para que isso não aconteça como "o medo de não satisfazer as expectativas", "a falta de estímulo da família", um desejo social de que sigam ocupando um lugar de inatividade, a "desqualificação", o que reforça a ideologia moderna da estigmatização da deficiência. Esses fatores têm impedido ainda a busca de um melhor posto de trabalho no grupo estudado, apesar do reconhecimento de sua importância, como apontaram Hartley e Sutphin (2011), Quintão (2005) e Smith (2002).

Todos os participantes se mostraram satisfeitos com sua atual condição de trabalhadores e com a possibilidade de ter uma trajetória contínua e valorizada no mundo do trabalho, mas sabiam que "sem a ajuda da empresa e dos companheiros de trabalho, isso não seria possível".

Disseram que, desde que a Lei de Cotas lhes havia dado uma oportunidade de emprego, eles deveriam se envolver mais em seu trabalho por meio de ações de desenvolvimento, de educação e da melhora de suas capacidades, para construir uma carreira. Muitos falaram da "felicidade de ver companheiros com deficiência que se promovem ou se transferem a outro lugar onde teriam uma melhor colocação". No entanto, apontaram, com pesar, que muitos empregados com deficiência não suportaram muito tempo no trabalho, porque ainda tinham uma vida marcada pela tutela e "não teriam disponibilidade para ser mais autônomos", como indicado por Domina (2011) e Goldman e Lewis (2009).

Oportunidades e barreiras para suas carreiras nas empresas

Os empregados com deficiência relataram uma dificuldade inicial, pois, em geral, ou nunca haviam trabalhado, ou então vinham de trabalhos nos quais foram segregados e tutelados. A dificuldade vinha em função da exigência de produtividade, de ações de desenvolvimento e da requisição de integração contínua demandada pela empresa, às quais eles tinham que rapidamente se adaptar, mas sempre com o apoio dos líderes imediatos e do setor de RH.

Uma parte menor dos participantes apontou que "as dificuldades foram pouco a pouco minimizadas através de ações de integração, de treinamentos e de orientações dos profissionais responsáveis pelos Recursos Humanos". Um exemplo disso ocorreu em uma das empresas na qual os empregados sem deficiência auditiva aprenderam a comunicação básica pela linguagem de sinais e tiveram palestras sobre os tipos de deficiências, realizadas pelos próprios empregados com deficiência, criando uma grande mudança na cultura organizacional. Essa integração ocasionou em todos, com exceções obviamente, "uma maior motivação e vontade de trabalhar geradas pela melhora na relação interpessoal" e, principalmente, pelo exercício da cidadania reforçado pelo sentimento de equidade, o que não vem ocorrendo na maior parte das empresas pesquisadas (Bahia, 2006; Cox, 1991; Figiel & Sasser, 2010; Moore, 1999).

Outro ponto importante foi o apoio da empresa na solução dos conflitos com consumidores e a tentativa de esclarecer a eles a necessidade da gestão da diversidade para a sociedade em geral, o que foi realizado por meio de palestras e oficinas, coordenadas pelos próprios empregados com deficiência, em um dos contextos. Apontaram que a possibilidade de auxiliar na construção de uma cultura organizacional, baseada na diversidade, trouxe apoio para a construção de uma identidade para além da identidade focada na tutela ou na segregação, o que aqueles que chegaram com essa cultura já instalada também relataram como essencial para o desenvolvimento de carreira.

Nesse sentido, assinalaram que o apoio da cultura organizacional, a aceitação dos outros empregados e o incentivo dos líderes imediatos e dos consumidores auxiliaram para o seu reconhecimento como trabalhador e para o progresso profissional, estimulando a possibilidade de planejamento de carreira, o que redundou na saída de muitos empregados a assumir funções mais altas em outras empresas, como haviam indicado Smith et al. (2000).

Apesar disso, eles disseram, também, que "o preconceito ainda é intenso e é muito complicado lidar com ele", como apontado por Goldman e Lewis (2009). Assim, três empresas pesquisadas ainda tinham uma visão mais paroquial ou etnocêntrica da diversidade (Moore, 1999), o que reforçava a segregação e a cultura de tutela, fazendo com que os empregados com deficiência continuassem a viver centrados nessa cultura.

Alguns empregados com deficiência tiveram a atitude de que eles tinham o direito de ficar ali independente do que fizessem, o que era, segundo os participantes, contrário à filosofia das empresas que desejavam sair da cultura de tutela (Bahia, 2006). A insistência da permanência nessa posição poderia levar à demissão induzindo "muitos empregados com deficiência não suportarem muito tempo no trabalho".

Interessante notar que a maioria dos participantes declarava que um dos aspectos mais importantes de estar trabalhando numa empresa era ter um vínculo estável e seguro de trabalho, o que possibilitava a construção de sua identidade no trabalho focada na identidade organizacional (forma identitária estatutária descrita por Demazière e Dubar, 2006), sem indicar, como os estudos atuais de carreira colocam, um movimento de construção de uma carreira mais flexível, o que leva a formular a hipótese da importância da predeterminação organizacional da carreira para o grupo de pessoas com deficiência para um contexto de trabalho mais seguro.

A gestão da diversidade pelas empresas

Os trabalhadores com deficiência demonstraram estar muito agradecidos com a possibilidade de voltarem a contribuir na construção do mundo e pela oportunidade de constituírem uma identidade no trabalho para além do estereótipo apesar de apontarem "a dificuldade de estar inseridos nesse processo". Muitos assinalaram a importância da gestão da diversidade e dos programas de desenvolvimento de carreira para sua inclusão efetiva na empresa, apontando a necessidade de se sair de uma cultura paroquial, etnocêntrica e ingênua, e ingressar em uma cultura de sinergia, como mencionado por Moore (1999).

Em uma empresa pesquisada, na qual existiam tais programas e os entrevistados eram ativos, eles apontaram conquistas, como também haviam indicado as pesquisas desenvolvidas por Cox e Blake (1991), Hartley e Sutphin (2011), MacMillan-Capehart (2004), Ribeiro e Ribeiro (2008), Sinclair (2000) e Smith (2002). As principais conquistas foram: "a possibilidade de inserção", desenvolvimento laboral e da ruptura da cultura de assistência e do sentimento de incapacidade; "a necessidade de sair da proteção dos grupos de iguais" e da convivência ampliada e o enfrentamento dos conflitos gerados; "o reconhecimento como trabalhador"; e "o desenvolvimento da identidade profissional".

Os programas de desenvolvimento de carreira em empresas foram considerados "importantes para ajudar a manter e desenvolver as habilidades e competências" dos empregados com e sem deficiência, assim como lhes possibilitaram planejar suas carreiras em termos de estratégias de desenvolvimento que pudessem garantir seu lugar no mundo do trabalho.

Apontaram também "a importância de que as pessoas com deficiência não tenham programas específicos de desenvolvimento de carreira, mas que eles possam ingressar em programas destinados a todos os empregados", pois todos eles necessitam de ajuda. O setor de RH não deveria passar por mudanças profundas, mas adotar a filosofia genérica de selecionar, avaliar e desenvolver todos os empregados com foco nas competências, nunca na deficiência, visando à manutenção dos empregados como um conjunto (Dipboye & Colella, 2005).

Essa foi a realidade dos participantes de uma empresa investigada, enquanto que os outros "têm tido muita dificuldade em manter o trabalho", porque as demais empresas estudadas contratavam pessoas com deficiência, mas não ofereciam programas de desenvolvimento de carreira ou ações para ajudá-las na integração com o trabalho e com os outros empregados. Apontaram a necessidade de a empresa ofertar a todos esses programas, pois a ausência deles tem feito com que muitos empregados com deficiência tivessem dificuldades em seu trabalho e em suas relações interpessoais.

Novamente, percebeu-se que, em geral, as empresas estão marcadas por culturas organizacionais paroquiais, etnocêntricas e ingênuas, da mesma maneira que a maioria das empresas foram definidas em estudos anteriores (Dibben et al., 2002; Figiel & Sasser, 2010, Moore, 1999).

Podemos, então, afirmar que o trabalho, como o modelo da sociabilidade humana, gera não somente a construção de uma identidade no trabalho, mas também a possibilidade de construir um lugar no mundo que não seja marcado pela exclusão, o que se constitui de extrema importância para as transformações psicossociais necessárias à efetivação de uma cultura da diversidade. No entanto, se a cultura de tutela não mudar, o trabalho continuará a ser algo alienante e fonte de sofrimento para as pessoas com deficiência.

Aspectos positivos e negativos para o desenvolvimento de carreira nas empresas

O desenvolvimento de carreira é um processo psicossocial, que se define pela relação e pelas possibilidades de vinculação entre a pessoa, o trabalho, a empresa e os demais trabalhadores, sendo um processo tradicionalmente predefinido pela empresa (carreiras organizacionais), mas que agora tem demandado mais atividade dos trabalhadores (carreiras flexíveis).

Segundo Pichón-Rivière (1983), todos os laços estabelecidos devem ser examinados a partir de três dimensões: intrasubjetiva, intersubjetiva e transubjetiva, as quais foram utilizadas para fazer uma síntese dos resultados obtidos, organizando a apresentação dos aspectos positivos e negativos do bom desenvolvimento de carreira para as pessoas com deficiência nas empresas estudadas (Tabela 1).

É importante recordar que essas três dimensões não se manifestam sozinhas, e uma mudança em uma delas cria necessariamente um impacto na outra. A divisão se fez mais para uma apresentação didática dos resultados como um retrato da realidade, que sempre é dinâmica e processual em sua essência. Deve-se sempre considerar esses aspectos de maneira conjunta. A análise das dimensões utilizadas demonstrou quais aspectos contribuem e quais aspectos dificultam a construção de uma carreira nas empresas para as pessoas com deficiência que, como já indicado por Gunz e Peiperl (2007), seria mais dinâmica e baseada na interação e adaptação mútua entre as necessidades das pessoas e das empresas, gerando estruturas mais psicossociais, que exigiriam uma pró-atividade das pessoas e das empresas.

Esse ponto é importante, porque o resultado da inter-relação entre as dimensões assinaladas aponta o quanto é necessário levar em conta todas elas, não tentando encontrar uma variável mais importante que a outra. Em geral, os entrevistados demonstraram esse tipo de atitude quando atribuiram o êxito de alguém, por exemplo, ao fato de que essa pessoa tenha capacidade interpessoal (intrasubjetividade) ou que ela trabalhe em uma empresa com uma cultura organizacional sinérgica (transubjetividade).

As questões que facilitariam o desenvolvimento de carreira e que apareceram como mais importantes foram: "a confiança em si mesmos", "o apoio dos outros" e programas de gestão de diversidade com "foco no desenvolvimento de carreira", como disseram Dipboye e Colella (2005) e Kulkarni e Valk (2010). Enquanto o que impediria o desenvolvimento de carreira seria: "preconceito consigo mesmo", "dificuldades de avaliação das potencialidades das pessoas com deficiência pelas empresas" e "preconceito" (Shore et al., 2009).

Pode-se ver que os aspectos positivos para o desenvolvimento de carreira são os fatores mais gerais, que são básicos para todas as pessoas (com e sem deficiência), enquanto os aspectos negativos são mais específicos e relacionados com a questão da deficiência. Esses aspectos requerem uma pesquisa quantitativa mais detalhada, para que sejam confirmados como dimensões importantes de influência, sendo este um dos objetivos desta pesquisa, a saber, assinalar as variáveis possíveis que se convertem em hipóteses potenciais para futuras pesquisas.

 

Conclusão

Os resultados indicaram que o mundo sociolaboral tem atravessado um momento de transição, no qual convivem as formas tradicionais de organização do trabalho e a normatização social da modernidade. No entanto, novos modelos para a sociedade e para o mercado de trabalho estão surgindo, nos quais novas formas de exclusão aparecem e alcançam novos grupos de pessoas. Nesse contexto, as tradicionais formas de exclusão têm sofrido uma fragmentação; portanto, seguem funcionando, ainda que não de maneira absoluta como antes.

Como sugeriram Silva (2005) e Touraine (1998), os imperativos da lógica econômica parecem dominar o cenário do mundo do trabalho e prevalecer sobre a lógica da cultura. Nesse sentido, têm desestruturado os estigmas tradicionais pela necessidade de aumentar a produtividade e a competitividade, que podem incluir as pessoas com deficiência em seu funcionamento se elas conseguem produzir, ainda que de uma forma diferente da maioria, por conta da flexibilização atual do trabalho.

A impressão é que o atual modelo de organização flexível do trabalho permitiria a emancipação mais que a alienação, o que não é correto, porque há mais exclusão do que inclusão. No entanto, uma nova oportunidade para as pessoas tradicionalmente excluídas, como as pessoas com deficiência, tem surgido neste novo cenário.

Apesar das dificuldades, as possibilidades de inserção laboral e desenvolvimento de carreira em empresas assinalaram um grande progresso para a condição humana das pessoas com deficiência pela chance de construção de uma identidade no trabalho e de um lugar valorizado nas relações sociais, principalmente pelos modelos tradicionais da carreira organizacional, que oferecem mais segurança e estabilidade, e possibilitam a construção de formas identitárias estatutárias marcadas pela inscrição em um sistema sociolaboral reconhecido, gerador de pertença social, não obstante quão difícil seja estar inserido nesse processo (Demazière & Dubar, 2006).

A implantação e a execução dos programas de gestão da diversidade e de desenvolvimento de carreira apresentaram, em geral, tanto dificuldades quanto possibilidades. No entanto, demonstraram que a inserção no mercado de trabalho de pessoas com deficiência é factível e pode ser uma experiência de êxito, tanto econômica como social, e que uma cultura organizacional baseada na diversidade e na responsabilidade social faz-se necessária e objetivamente possível.

Embora os resultados ainda tenham indicado um predomínio das culturas organizacionais definidas pelo estigma e pelo preconceito, a preocupação pela inclusão e pela integração, que não existiam, tem começado a surgir e demonstrar sua importância (Figiel & Sasser, 2010; Hamner et al., 2008; Kulkarni & Valk, 2010; Moore, 1999; Ribeiro & Ribeiro, 2008; Shore et al., 2009; Wilton & Schuer, 2006).

Como conclusão, as oportunidades de carreira em empresas para pessoas com deficiência têm estimulado um espaço de trabalho mais receptivo baseado na diversidade, ao mesmo tempo em que as empresas têm uma extrema dificuldade para fazer essa tarefa, que aparece como uma consequência do necessário e constante processo de mudança causado por essa nova situação, que pode ser apoiado por programas de desenvolvimento de carreira. São necessários estudos posteriores para aprofundar e confirmar as hipóteses aqui levantadas.

 

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Recebido: 27/11/2011
Aceito: 19/03/2012

 

 

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