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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versión On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.5 no.2 Juiz de fora dic. 2012

 

Resiliência em adolescentes em situação de vulnerabilidade social

 

Adolescent resilience in socially vulnerable situations

 

 

Karla Rafaela HaackI,II,1; Josinéia dos Santos de Lemos VasconcellosII; Sílvia Dutra PinheiroII; Laíssa Eschiletti PratiII

IUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Brasil
IIFaculdades Integradas de Taquara, Taquara, Brasil

 

 


RESUMO

O estudo da resiliência é um fenômeno ainda novo nas ciências humanas e na saúde. Nestas áreas, o fenômeno é entendido pela capacidade de recuperar-se positivamente de situações adversas. O presente artigo caracteriza a resiliência em adolescentes em situação de vulnerabilidade social do Vale do Paranhana, RS. Para tanto, utilizou-se a Escala de Resiliência numa amostra de 35 adolescentes com idade entre 12 e 15 anos. Além da análise geral da escala foram verificadas diferenças entre quinze adolescentes que participaram voluntariamente de uma atividade de intervenção social-comunitária (Programa Identidade) com o grupo que não pode participar da intervenção. A análise dos dados indicou adolescentes com bons índices de resiliência em ambos os grupos. Características de autoconfiança e independência, além de impedimentos de horário, indicaram uma tendência a não adesão ao programa social oferecido. Além disso, características de perseverança e determinação facilitam a permanência dos adolescentes em programas oferecidos a essa população.

Palavras-chave: Adolescência; Resiliência; Vulnerabilidade; Vulnerabilidade Social.


ABSTRACT

Resilience studies are somewhat new in human and health sciences. In these areas, the phenomenon is understood by the ability to positively recover from adverse situations. This paper characterizes the resilience among adolescents living in socially vulnerable situations in the Paranhana Valley, RS. For such, a Resilience Scale was used in a sample of 35 adolescents between the ages of 12 to 15. Further the general scale analysis, differences between 15 adolescents who participated voluntarily in a social-communitarian intervention activity (Identity Program) were verified with those who could not participate. Data analyze showed adolescents with a good Resilience score in both groups. Characteristics of self-confidance and independence, as well schedule impediments, indicated a tendency of not getting involved in the Social Program offered. Besides, characteristics such as perseverance and determination facilitated the permanence of the students in programs offered to them.

Keywords: Adolescence; Resilience; Vulnerability; Social Vulnerability


 

 

Todas as pessoas passam por momentos difíceis, entretanto, o que diferencia uma pessoa da outra é como esta responde às situações aversivas e quais as estratégias que utiliza (Rutter, 1987). Estas dificuldades acompanham o ser humano em todas as fases do ciclo vital. Em decorrência do aumento das expectativas atuais da sociedade moderna (crescimento do consumismo, necessidade de geração de renda e crescimento populacional), torna-se evidente o aumento de fatores de risco que expõem o ser humano a situações de vulnerabilidade (Sapienza & Pedromônico, 2005).

Em especial, a adolescência é um período marcado por diversas mudanças na área biopsicosocial, bem como um período que propicia a sensação de vulnerabilidade para muitos adolescentes. Nesta fase, o adolescente rompe os vínculos parentais e passa a valorizar os vínculos com os seus pares. Na busca de conhecer e explorar situações novas, ele se expõe a fatores de risco (Cecconello, 2003; Prati, Couto & Koller, 2009). Além de fatores de risco externos, que podem prejudicar o desenvolvimento dos adolescentes, é importante a identificação de fatores de risco internos que podem ampliar a vulnerabilidade dos adolescentes (Ceconello, 2003). Portanto, o adolescente precisa desenvolver maneiras adequadas de lidar com este momento de crise, mudança e readaptação, para que as demais fases do desenvolvimento não sejam comprometidas.

Com base nisso, surge uma demanda de especificar aspectos sobre a resiliência, já que é conceito recente dentro da área da Psicologia. Entende-se que a resiliência é um conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possibilita ao indivíduo ter uma vida saudável em um ambiente de risco (Rutter, 1993). Assim, o presente artigo apresenta a caracterização da resiliência em 35 adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Todos os adolescentes tiveram a oportunidade de participar de um programa de prevenção primária desenvolvido no contexto escolar, entretanto, apenas 15 aderiram à intervenção. Sendo assim, esse artigo, após uma breve revisão teórica, apresentará a proposta de intervenção desenvolvida, caracterizará a configuração socioeconômica dos adolescentes e apresentará dados sobre a resiliência neste grupo. Além disso, procura descrever características diferentes entre os participantes e não participantes da intervenção, buscando compreender possíveis motivos para a não adesão.

 

Adolescência

Uma das fases do ciclo vital de maiores mudanças e transformações é a adolescência. O termo adolescência vem do latim adolescere e significa um período de crescimento e desenvolvimento para atingir a fase de maior responsabilidade - a adultez (Silva, 2008). Esta fase marca o intermediário da infância para a vida adulta, ocorrendo, assim, mudanças físicas, sexuais e psicossociais no indivíduo (Atkinson, Smith, Nolen-Hoeksema & Bem, 2002; Peres & Rosenburg, 1998). É na adolescência que ocorre também a formação da identidade adulta, a vinculação no grupo de iguais e o desempenho de novos papéis sociais. Para isso, é fundamental o desenvolvimento da autoestima e autoconfiança (Luisi & Filho, 1997; Newcombe, 1999). A adolescência é uma preparação para a vida adulta, que se caracteriza pela fragilidade das transformações físicas, cognitivas e psicossociais (Busnello, Schaefer & Kristensen, 2009).

De acordo com Outeiral (2008), a interação grupal na fase da adolescência é de fundamental importância na estruturação da identidade, já adquirida na infância, mas reconstruída e firmada na adolescência. O grupo assume um importante papel na vida de cada adolescente. Atua como contribuinte para a formação, facilitando ou impedindo esse processo evolutivo. O grupo pode colocar o indivíduo em situações de risco (Newcombe, 1999). Na luta de conquistar a sua independência e ser aceito pelo outro, o adolescente pode se sujeitar às regras impostas. Conforme o grupo, a regra pode ser usar drogas, praticar atos condenáveis à sociedade ou expor-se a risco. Ao mesmo tempo, o uso de drogas faz com que o adolescente se associe a outros usuários, mantendo ou incrementando o envolvimento com as drogas (Pechansky, Szobot & Scivoletto, 2004).

É característica da adolescência a busca por aventura, não medindo consequências e riscos que possa enfrentar. Uso de drogas lícitas e ilícitas, atividades sexuais pouco seguras, e acidentes de trânsito são exemplos de situações que adolescentes tendem a se arriscar (Câmara & Sarriera, 2003; Sarriera, Paradiso, Mousquer, Marques, Hermel, & Coelho, 2007). As mudanças normais da sexualidade podem ser manifestadas de diferentes formas na adolescência. É necessário desenvolver neste adolescente o autoconhecimento, a capacidade de escolha, a postura crítica, a responsabilidade, o estímulo para autonomia e o exercício da sexualidade (Newcombe, 1999).

Ao longo do desenvolvimento, os adolescentes sofrem influências positivas e negativas do meio em que estão inseridos. Crescer num contexto de pobreza, consumo de substâncias psicoativas, violência, ruptura na família de origem, perdas de pessoas importantes, rede de apoio social e afetiva fragilizada (considerados eventos estressores) pode prejudicar o desenvolvimento biopsicosocial do adolescente. Indivíduos que apresentam ausência de possibilidades e expectativas positivas para superar desafios e obstáculos podem sinalizar um agravante para a vulnerabilidade, dificultando, assim, o desenvolvimento e fortalecimento dos processos de resiliência (Rutter, 1987; Pesce, Assis, Santos, & Oliveira, 2004).

 

Vulnerabilidade social e resiliência

O termo vulnerabilidade surgiu na década de 90, originado do latim vulnus que significa "ferida". Não há como evitar a experiência de eventos negativos ao longo do desenvolvimento. Contudo, há pessoas que estão mais suscetíveis à vulnerabilidade social do que outras (Yunes & Szymanski, 2001). Qualquer pessoa pode estar em situação desfavorável em consequência do outro, bem como do meio em que está inserido (Zuben, 2007). Antes de analisar a gravidade do evento de risco, deve-se considerar e avaliar os níveis de exposição aos eventos de risco, o número total desses eventos, o período de tempo, as limitações de cada pessoa, o momento da exposição ao risco e o contexto em que esta pessoa foi submetida (Pesce et al., 2004).

Desde os anos 90, o termo resiliência tem sido usado no campo da Psicologia. É um conceito agregado da física, e refere-se à capacidade dos materiais sofrerem uma intensa pressão, sem perder a capacidade de retornar ao seu estado anterior. No caso do ser humano, há processo de superação ou adaptação frente a um evento estressor (Junqueira & Deslandes, 2003). O termo resiliência originou-se do latim resilio o que indica retornar ao estado anterior (Monteiro, Pereira, Sarmento, & Mercier, 2001). Nas ciências humanas, o termo é compreendido como sendo um conjunto de processos intrapsíquicos e sociais que favorecem um desenvolvimento sadio, mesmo que o indivíduo esteja inserido num ambiente desadaptativo (Rutter, 1987). É possível o indivíduo estar num ambiente desadaptativo e não ser sucumbido por ele, atribuindo assim, um significado diferente para o problema (Junqueira & Deslandes, 2003).

A resiliência não é uma característica específica do indivíduo (Rutter, 1987). A interação do sujeito com o meio é que influenciará como este lidará com eventos de risco. Cada pessoa encontra uma maneira de lidar com as situações de estresse, acionando recursos individuais e de sua rede social. Estas situações são descritas na literatura como fatores de risco ao desenvolvimento.

São considerados fatores de risco os eventos que dificultam o desenvolvimento saudável. Estar exposto a situações de violência, rupturas na dinâmica familiar, baixo nível sócio-econômico comparado ao número de integrantes da família, baixa escolaridade, catástrofes urbanas, ataques terroristas, assassinato, pode aumentar a vulnerabilidade gerando resultados negativos no desenvolvimento (Pesce et al., 2004; Oliveira, Reis, Zanelato, & Neme, 2008). Já os fatores de proteção são divididos em três grupos: os "fatores individuais", compreendidos como autocontrole, boa autoestima, expectativa de futuro, tolerância ao sofrimento, habilidades para resolver problemas, assertividade, estabilidade emocional, autonomia, flexibilidade e afetuosidade; os "fatores familiares", entendidos como a coesão, boa comunicação, afetividade, consistência, qualidade nas interações, estabilidade, respeito mútuo, apoio/suporte. Existem ainda "fatores relacionados à rede de apoio" que atuam como moderadores do desenvolvimento. Por exemplo, o bom relacionamento estabelecido com as pessoas que desempenham o papel de referência e ambiente tolerante aos conflitos (Brooks, 1994, Pesce et al., 2004; Yunes & Szymanski, 2001).

Os fatores de proteção desempenham um papel fundamental na modificação da resposta do indivíduo aos processos de risco. Há quatro funções importantes que eles possuem: 1) reduzir o impacto dos riscos; 2) reduzir as reações negativas em cadeias que seguem a exposição do indivíduo à situação de risco; 3) desenvolver e manter a autoestima e autoeficácia, por meio de estabelecimento de relações de apego seguras e o cumprimento de tarefas com sucesso; 4) criar oportunidades para reverter os efeitos do estresse (Rutter, 1987).

A fase da adolescência pode ser um período de vulnerabilidade, já que o adolescente encontra-se numa fase de desenvolvimento biopsicosocial. Para se ter um crescimento adaptativo, adolescentes podem se desenvolver dentro de uma dinâmica familiar coesa e que lida bem com conflitos, estar vinculado a uma rede de apoio social e afetiva, ou não. O importante é encontrar um espaço que propicie o desenvolvimento de características individuais como autoestima e autonomia. O apoio social é definido pelas relações que a pessoa estabelece entre ela e o conjunto de sistemas e pessoas significativas para ela própria. Já o apoio afetivo é caracterizado pelo desempenho para construir e manter este apoio. Quando a pessoa não dispõe destes recursos no seu processo de desenvolvimento, fica propensa a apresentar doenças e sintomas psicopatológicos (Brito & Koller, 1999).

Através de pesquisas que identificaram respostas de crianças e adolescentes frente a situações de vulnerabilidade social (Werner & Smith, 1982; 1989), percebeu-se que o desenvolvimento biopsicossocial significativo está vinculado a fatores resilientes. Alguns aspectos identificados foram um bom desenvolvimento intelectual; um bom nível de autocontrole, autoestima; famílias compostas por menos membros e menos incidência de conflito. O estudo de Alvarez, Moraes e Rabinovich (1998) com egressos de uma instituição de abrigo, identificou que a superação positiva de obstáculos presente neste grupo, possibilitou a estes indivíduos a capacidade de adaptar-se às normas sociais vividas após a saída da instituição. Uma pesquisa realizada por Poletto, Wagner e Koller (2004) identificou que meninas que vivenciaram situações de risco (cuidavam da casa e de irmãos menores) encontraram maneiras saudáveis de lidar com situações adversas, encontrando espaço para planejar um futuro em uma situação diferente da que estavam vivenciando.

 

O Programa Identidade

No primeiro semestre do ano de 2010, iniciou-se um programa de intervenção com adolescentes de um bairro vulnerável do município de Taquara-RS, denominado Programa Identidade. A opção pelo bairro foi resultado de uma reunião das estagiárias do Centro de Serviço em Psicologia (CESEP) com profissionais que trabalham em órgãos municipais da infância e juventude: a Secretaria da Educação, o Conselho Tutelar, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDICA) e a Secretaria de Saúde. Nesta reunião, foi feito um levantamento das necessidades dos bairros do município. Diante das demandas levantadas, o grupo de estagiárias realizou uma visita ao bairro para conhecer as suas necessidades específicas. O bairro possui histórico de tráfico de drogas, exploração sexual infantil e violência. Além disso, está localizado em uma área de risco por ser facilmente inundado (em função da proximidade a um rio). A maioria das casas é construída em madeira e são prejudicadas por alagamentos; não existe abastecimento de água, rede de esgoto ou pavimentação de via (Prefeitura Municipal de Taquara, 2009).

Este bairro possui uma escola com 260 alunos, local onde foram realizadas as intervenções com os adolescentes. Foi realizada uma reunião com a direção da escola a fim de estabelecer uma parceria e desenvolver o Programa Identidade com os adolescentes. Definiu-se por intervenções grupais, semanais e com duração de uma hora e meia, num período de oito meses. As estagiárias e a direção da escola visitaram as salas de aula da sexta a oitava série, ficando o grupo constituído por 15 adolescentes. A intervenção visava a possibilitar aos adolescentes a construção de novas habilidades para administrar situações de risco, além de ampliar a rede social e a consequente promoção da resiliência, já que eles vivem em um ambiente de vulnerabilidade social. Antes de iniciar a intervenção foi feita uma aplicação coletiva de instrumentos (que serão descritos no método) a todos os alunos destas séries. Esse artigo apresenta uma análise descritiva dos resultados desta aplicação de instrumentos, buscando caracterizar a resiliência nos adolescentes estudantes nesse contexto escolar, comparar os resultados apresentados por dois grupos de alunos (os que participaram do Programa Identidade com aqueles que não participaram do Programa) e problematizar os motivos que podem influenciar na não adesão a programas de intervenção propostos aos adolescentes.

 

Método

Delineamento: pesquisa comparativa de cunho exploratório.

Participantes: participaram desta pesquisa 35 adolescentes em situação de vulnerabilidade social, estudantes da sexta a oitava série do ensino fundamental de uma escola do município de Taquara/RS no ano de 2010. O método de escolha dos participantes foi por conveniência. Todos os alunos das três séries participaram da aplicação de instrumentos e foi oferecida a possibilidade de participação em um Programa de Intervenção. Entretanto, apenas 15 envolveram-se com a atividade e compuseram o grupo de intervenção (participantes voluntários do Programa Identidade). Os demais 20 adolescentes, por não participarem do Programa foram considerados grupo de não participantes. Portanto, ao compararem-se os grupos, todos os alunos da escola foram participantes deste estudo.

Instrumentos: foram aplicados dois instrumentos antes da realização da Intervenção: a) Ficha sociodemográfica - questionário breve especificamente elaborado para este estudo investigando dados relativos à idade, sexo, escolaridade, nível socioeconômico, caracterização familiar, comportamento sexual, nível de conhecimento sobre DST's e sobre drogas lícitas e ilícitas; b) Escala de Resiliência (Wagnild & Young, 1993) - verifica os níveis de adaptação psicossocial positiva do indivíduo. De acordo com os autores que traduziram e adaptaram esta escala para o Brasil (Pesce, Assis, Avanci, Santos, Malaquias & Carvalhaes, 2005), não há apontamento de outras escalas na realidade brasileira para mensurar o mesmo fenômeno.

Considerações éticas: Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética das Faculdades Integradas de Taquara - Faccat (protocolo n° 556/2010), de acordo com as normas da Resolução n°196/96 sobre Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, do Conselho Nacional de Saúde (1996).

Procedimentos para coleta e análise dos dados: Os instrumentos foram aplicados coletivamente com a permanência das estagiárias junto ao grupo, a fim de esclarecer qualquer dúvida que surgisse. Os dados foram tratados através do pacote estatístico SPSS, a fim de responder os objetivos do estudo. Foram utilizados testes de estatísticas descritivas bem como testes de comparação de médias entre grupos (Teste T de Student). Quanto à comparação entre os grupos serão discutidos apenas os itens que indicaram diferenças estatisticamente significativas.

 

Análise e Discussão dos Resultados

A análise das variáveis sociodemográficas indicou que os adolescentes tinham, em média, 13,4 (SD= 0,2). Pode-se observar que 20% são filhos únicos, 51,4% têm de um a três irmãos e 28,6% têm quatro ou mais irmãos. A maioria afirma já ter usado substâncias psicoativas lícitas (álcool e cigarro), sem, contudo, ter experimentado substâncias ilícitas. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2009), 59,9% são da classe C ou D, 34,3% da classe B2 e 5,7% da classe B1. Quanto a informações sobre sexualidade, os alunos afirmaram conversar com adultos (professores e pais) sobre o tema. Entretanto, a maioria afirmou não saber o que são doenças sexualmente transmissíveis (DST's). O tema de maior interesse abordado nos encontros foi à sexualidade (questões referentes às DST's, a prevenção à gravidez indesejada na adolescência e a exploração sexual de crianças e adolescentes).

Com relação aos níveis de resiliência, através da média geral dos escores da escala likert, o índice de 5,01 (DP=0,82) demonstrou um bom nível de resiliência no grupo total de adolescentes (n=35). Como o valor médio máximo é de sete pontos (em função da escala), foi considerado um nível bom de resiliência aqueles maiores do que cinco pontos. Outros estudos utilizam o somatório dos itens para caracterizar a resiliência. Através do somatório dos escores, foi possível verificar que a média dos escores de resiliência ficou em 122,52 (DP=21,85). Neste sentido, estes dados confirmam estudos anteriores de que os fatores de risco não impedem o desenvolvimento da resiliência (Pesce et al., 2004; Oliveira et al., 2008). Apesar de não se ter utilizado um instrumento estruturado para verificação de fatores de risco, estes foram observados durante a inserção das pesquisadoras no campo. Desde a escolha do local da intervenção até as colocações dos adolescentes durante os encontros ficou evidente a desorganização no funcionamento familiar, vulnerabilidade social e exposição a risco pessoal e grupal (como enchentes, por exemplo).

Os dados relacionados à vida cotidiana dos adolescentes, como atividades domésticas, ser "cuidador" de irmãos menores, o uso de substâncias psicoativas (álcool principalmente) e a falta de um espaço mais adequado para esclarecimento de dúvidas sobre a sexualidade demonstram claramente a situação de vulnerabilidade social em que vivem. Neste sentido, é possível observar que, apesar de terem um bom desempenho nos níveis de resiliência (Tabela 1), os alunos desta escola revelam a necessidade de serem cuidados, instruídos sobre como lidar com um contexto de risco e lidar de forma adequada com as situações conflitantes.

Entre as afirmações que obtiveram um escore baixo de resiliência, salientam-se algumas que configuram a característica de impulsividade e inconsequência, esperadas no comportamento do adolescente. Na afirmação "Eu sinto que posso lidar com várias coisas ao mesmo tempo" (m=2,91, sd=2,07) o baixo índice de concordância pode indicar que os adolescentes do estudo não se percebem com condições de administrar sua vida, independentemente do grupo de amigos ou cuidadores. Em situações complexas, podem necessitar de supervisão para sentirem-se capazes de administrar conflitos.

A identidade de um adolescente não se forma somente copiando os comportamentos de outras pessoas (modelo). Além disso, é fundamental integrar estas identificações com as características pessoais possibilitando a formação de uma nova estrutura psicológica. Para criar uma identidade, o adolescente deve organizar suas habilidades, suas necessidades, seus interesses e desejos para serem expressos em um contexto social (Papalia, Olds, & Feldman, 2006). Sendo assim, a baixa concordância com a afirmação "Eu raramente penso sobre os objetivos das coisas" (m=3,30, sd=2,23) pode indicar uma tentativa de independência e tomada de decisão própria ao avaliarem o objetivo do que lhes é apresentado.

Sapienza e Pedromônico (2005) observam que a vulnerabilidade implica em estressores biológicos e psicossociais. O indivíduo pode tornar-se vulnerável por várias condições que podem ser baixo peso ao nascer, família disfuncional, desnutrição, pobreza, desemprego, dificuldade de acesso à saúde e educação, entre outros. Através da afirmação "Eu não insisto em coisas as quais eu não posso fazer nada sobre elas" (m=3,40, sd=2,24) percebe-se que, apesar destes adolescentes encontrarem-se em uma condição vulnerável, possuem uma disposição por tentar melhorar sua situação. Ou seja, a média baixa de concordância com essa afirmativa indica que os adolescentes persistem com os objetivos que perseguem não desistindo fácil quando a situação indica não poder ser alterada.

Já as afirmações com escores mais altos como "Minha vida tem sentido" (m=6,20 sd=1,41), "Eu sinto orgulho de ter realizado coisas em minha vida" (m=6,56, sd=1,40) indicam uma adequada autoestima e uma valorização de suas conquistas. Isto está diretamente ligado a comportamentos e estilos de vida saudáveis, sendo relacionadas a fatores de proteção (Bolognini, Plancherel, Bettschart, & Halfon, 1996).

Outro ponto de destaque é a frase "Eu tenho energia suficiente para fazer o que eu tenho que fazer" (m=6,37 sd=1,42), que é uma característica da adolescência. Neste período do ciclo vital, é esperado que o indivíduo apresente sentimentos positivos em relação a si mesmo e a sua família, que desenvolva habilidades para formar e manter relacionamentos próximos. Espera-se, ainda, que seja capaz de atender às demandas do meio no qual está inserido com energia e vitalidade (Dell'Aglio, Benetti, Deretti, D'Íncao & Leon, 2005).

No tocante a comparação entre grupos, observou-se que não houve diferença no escore total de resiliência (p>0,05). A maior parte dos itens da escala também não indicaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.

Entretanto, o grupo de adolescentes que se inscreveu para participar do Programa Identidade apresentou um escore maior de resiliência nas seguintes questões: "Quando eu faço planos, eu levo até o fim" (p<0,05); "manter interesse nas coisas é importante para mim" (p<0,01); "Eu sinto orgulho de ter realizado coisas em minha vida" (p<0,01); "minha crença em mim mesmo me leva a atravessar tempos difíceis" (p<0,05). Pode-se sugerir que uma forte característica destes adolescentes é a determinação, o que pode ter se tornado um fator que contribuiu para que estes adolescentes tenham se candidatado voluntariamente a participar do Programa Identidade.

Já o grupo de não participantes, demonstrou escores maiores de resiliência nas seguintes questões: "Eu posso estar por minha conta se eu precisar" (p<0,05); "quanto eu estou numa situação difícil eu normalmente acho uma saída" (p<0,01). Estas questões denotam características de competências pessoais, sugerindo autoconfiança, independência e perseverança. Essas características parecem relacionadas a outros motivos pelos quais estes adolescentes não puderam participar do Programa Identidade: muitos adolescentes possuíam outras atividades no horário do Programa, tais como atividades de auxílio aos pais, grupo da igreja e compromissos de trabalho, que impediam a sua participação.

 

Considerações finais

Estudos sobre resiliência em adolescentes em vulnerabilidade social tornam-se fundamentais para a construção de alternativas que diminuam o impacto de fatores de risco, possibilitando um desenvolvimento menos prejudicado. As intervenções que gerarem aumento dos níveis de resiliência deverão ter sua inserção ampliada, tendo em vista a capacidade de facilitar o desenvolvimento de recursos que promovem a saúde mental e o desenvolvimento saudável.

Neste estudo específico, ficou evidente que, apesar dos adolescentes desta escola apresentarem um bom nível de resiliência, características pessoais podem dificultar ou facilitar o acesso a programas de prevenção propostos por políticas públicas. Alguns dados práticos impediram a participação de muitos adolescentes no Programa Identidade (especialmente o fato de terem que trabalhar para auxiliar na renda familiar). Essa realidade parece estar relacionada ao fato dos adolescentes se sentirem autoconfiantes e independentes. Frente a isso, os dados indicam uma tendência a não adesão a programas sociais. Apesar de não serem investigados todos os motivos para a não adesão, é possível levantar algumas hipóteses para isso: entre elas, por não percebê-los como úteis para si, não acreditar na proposta ou por outros problemas de relacionamento (na escola ou em casa). Ainda refletindo sobre os resultados encontrados, os adolescentes com maior característica de perseverança e determinação aderem mais facilmente aos programas oferecidos a essa população. Esses alunos mostraram-se comprometidos não apenas com a atividade do Programa, mas com outras atividades semanais (como as aulas de catequese e aulas de reforço escolar).

Este estudo foi uma tentativa de contribuir com as pesquisas na área da resiliência na população adolescente em vulnerabilidade social. Ainda configura-se como um estudo exploratório e procura auxiliar no desenvolvimento do constructo. Mesmo sabendo dos avanços nos estudos sobre resiliência nos últimos anos, cabe salientar a necessidade de um maior arcabouço teórico deste constructo em populações específicas. Estudos nessa área podem ser uma forma adequada de auxílio às políticas de saúde e bem estar, gerando estratégias claras e aplicáveis à população em estudo. Sendo assim, faz sentido transformar as investigações sobre o assunto em atividades práticas que gerem mudança no cotidiano dos adolescentes.

 

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Recebido em: 31/05/2011
Aceito em: 29/06/2012

 

 

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