SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.5 issue2Adolescent resilience in socially vulnerable situationsConstruct validity of the set of crystallized intelligence tests from higher-order cognitive factors kit author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

On-line version ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.5 no.2 Juiz de fora Dec. 2012

 

Estilos parentais em famílias com filhos em idade escolar

 

Parenting styles in families with school age children

 

 

Denise Falcke1; Larissa Wolff da Rosa; Victor Amadeu Thomazi Steigleder

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Brasil

 

 


RESUMO

Os estilos parentais referem-se ao padrão de práticas educativas que os pais utilizam com seus filhos. Para conhecer os estilos educativos de pais de crianças em idade escolar, foi realizada uma investigação com 153 pais de estudantes de nove escolas da região do Vale do Rio dos Sinos. Como instrumentos foram utilizados uma ficha de dados sociodemográficos, a Escala de Estilos Educativos e o Inventário de Estilos Parentais. Preponderou o estilo autoritativo, seguido pelo autoritário e, por fim, pelo permissivo. Além disso, verificou-se que 28,6% dos pais classificaram-se como tendo estilo parental ótimo, 26,5% regular acima da média, 33,7% regular abaixo da média e 11,2% estilo parental de risco. Constata-se que, ainda que seja preponderante o estilo parental ótimo e autoritativo, é elevado o número de pais que se classificam como regular abaixo da média ou de risco (44,9%), o que demanda um olhar atento para futuras intervenções.

Palavras-chave: Estilos Parentais; Família; Práticas Educativas; Abuso Físico


ABSTRACT

Parenting styles refer to the standard of educational practices that parents use with their children. With a view to investigating the educational style of parents of school-age children a research program with 153 parents of children from nine schools in the region of Vale do Rio dos Sinos was carried out. Parents answered a questionnaire consisting of socio-demographic data, Scale of Education Styles and Inventory of Parenting Styles. The authoritative style prevailed, followed by authoritarian and finally permissive. Moreover, 28.6% of parents classified themselves as having very good parenting style, 26.5% regular and above average, 33.7% regular and below average and 11.2% at risk. It appears from this study that although the very good and authoritative parenting style is predominant, there is a high number of parents who classified themselves as below average and at risk (44.9%), a fact which demands a closer look for future interventions.

Keywords: Parenting Styles; Family; Educational Practices; Physical Abuse


 

 

A família tem papel essencial no processo de socialização infantil, constituindo-se, na maioria dos casos, no primeiro agente de inserção social das crianças. Desde o princípio da vida, há uma busca por parte dos pais em direcionar os comportamentos de seus filhos com vistas à aquisição de hábitos que os conduzam à autonomia e à responsabilidade (Pacheco, Silveira & Schneider, 2008). A figura dos pais influencia no desenvolvimento social, cognitivo e psicológico da criança, sendo que é a relação estabelecida entre eles que constitui a base de referência para o filho e transmite as primeiras informações relacionadas ao mundo. Essa relação entre pais e filhos é estudada a partir das práticas educativas parentais (Salvador & Weber, 2005). Kobarg e Vieira (2008) exaltam que as formas de orientação derivadas das práticas parentais perpassam a cultura e o contexto familiar, consistindo não apenas em respostas ao comportamento dos filhos, mas sim no processo de transmissão de valores e normas características de determinado contexto social.

As práticas educativas parentais podem ser delineadas como estratégias ou técnicas que os pais utilizam para orientação de seus filhos, no que diz respeito aos seus comportamentos frente a diferentes situações (Paiva & Ronzani, 2009; Weber, Brandenburg & Viezzer, 2006). A partir de uma abordagem tipológica para análise das práticas parentais, são determinados diferentes estilos educativos de acordo com o padrão de comportamento preponderante dos pais na educação dos filhos (Teixeira, Oliveira & Wottrich, 2006). O estilo educativo é definido a partir das experiências vivenciadas pelos pais na sua família de origem e de uma série de características pessoais dos mesmos, somado ao contexto no qual se realiza a socialização, sendo que este pode variar conforme crenças, normas e os valores culturais compartilhados (Moraes, Camino, Costa, Camino, & Cruz, 2007). Vale ressaltar ainda que o estilo vai sendo construído na interação com os filhos, ou seja, as características dos filhos também devem ser levadas em conta na definição do estilo parental. Assim sendo, entende-se que o estilo parental é um padrão global de características construído na relação educativa dos pais com os filhos (Cecconello, De Antoni & Koller, 2003).

Os estilos parentais remetem a duas grandes dimensões educativas: responsividade e exigência (Costa, Teixeira & Gomes, 2000; MacCoby & Martin, 1983; Pacheco, Silveira & Schneider, 2008). A dimensão denominada responsividade refere-se às atitudes de compreensão que os pais manifestam com seus filhos, visando beneficiar o desenvolvimento da autonomia e da autoafirmação destes, por meio de apoio emocional (Costa, Teixeira & Gomes, 2000). Por sua vez, a dimensão exigência se caracteriza quanto à disponibilidade dos pais em desempenharem o papel de agentes socializadores, através de supervisão/monitoramento, estabelecimento de expectativas de desempenho, cobrança e da disciplina consistente e contingente (Pacheco, Silveira & Schneider, 2008). As autoras ainda trazem que, mesmo que a dimensão de exigência se refira ao controle da conduta dos filhos e a implantação de limites, não existe correlação direta desta dimensão com estratégias aversivas, como punição, por exemplo. Ou seja, esclarecem que os pais podem ser exigentes quanto ao comportamento de seus filhos através de práticas consistentes, firmes e claras, sem uma conotação coercitiva.

Em busca de uma identificação dos estilos e práticas sobre o exercício da parentalidade, já em 1966, Baumrind apresentou um primeiro modelo classificatório, consistindo em três estilos, denominados autoritativo, autoritário e permissivo. Baumrind (1966) caracterizou que pais autoritativos seriam aqueles que instruiriam seus filhos quanto a seu comportamento e atividades de modo coerente. Os pais autoritativos, também denominados autorizantes (Boeckel & Castellá Sarriera, 2005; Reichert & Wagner, 2007), cooperativos (Villar Torres, Luengo Martín, Gómez Fraguella & Romero Triñanes, 2003), democráticos (De Bem & Wagner, 2006) e educadores (Bom Sucesso, 1999) são os que dão muito afeto aos filhos e, ao mesmo tempo, têm um bom controle sobre eles. Assim, fariam incentivos ao diálogo, incitariam o filho a pensar sobre suas próprias atitudes, dariam voz à criança quando ela se opusesse a algum acontecimento, exercendo um controle sólido quando ocorressem desacordos. A autora traz que os pais autorizantes reconhecem o interesse de suas crianças, porém não tomam decisões somente a partir do interesse destas, assumindo seu papel como adultos em posição hierárquica diferenciada. Já os pais autoritários, segundo Baumrind (1966), se caracterizariam por controlarem o comportamento de suas crianças estabelecendo regras de conduta em geral totalitárias. Deste modo, prezam a obediência como algo essencial e não têm restrições em tomar alguma medida de punição ao se depararem com um conflito de ideais com seu filho. O terceiro estilo é característico de pais permissivos. Para a autora, estes pais realizam esforços para não punirem o comportamento de seus filhos e, desta maneira, passam a atender excessivamente os pedidos da criança, propiciando que, no imaginário da criança, sejam vistos como instrumento para suas realizações e não como exemplo a ser seguido.

Alguns anos mais tarde, MacCoby e Martin (1983) sugeriram uma revisão acerca dos estilos parentais propostos por Baumrind, propondo uma subdivisão do estilo permissivo em indulgente e negligente. Segundo os autores, pais com estilo indulgente proporcionam um alto grau de envolvimento afetivo, mas, em contraponto, exercem uma baixa monitoração e pouco controle parental. Podem ser identificados como pais tolerantes, que não fazem questão de que os filhos demonstrem um comportamento maduro, ocorrendo uma autoregulação por parte da criança (Reichert & Wagner, 2007). Teixeira, Oliveira e Wottrich (2006) exemplificam situações em que há um esforço parental para que um filho desenvolva um senso de autonomia, situações nas quais os pais estimulam os filhos a desenvolverem suas próprias ideias, dando o seu máximo nessas tarefas. Os autores ressaltam, todavia, que nem sempre este investimento ocasionará resultados planejados pelos pais, visto que o modo de agir em relação aos filhos muitas vezes incide em valores aos quais esses pais não se dão conta. Deste modo, através do estilo indulgente, existe a promoção de uma pseudoautonomia e pseudoindependência deste sujeito, que se torna responsável por suas atitudes antes mesmo de ter condições psíquicas para assumir suas próprias decisões, o que acaba por promover a inibição de valores, tais como solidariedade e justiça.

Quanto às famílias negligentes, Reichert e Wagner (2007) revelam que estas são carentes das duas dimensões de apoio, não sendo nem exigentes e nem responsivas. Não existe um monitoramento do comportamento das crianças e elas ficam sem uma base segura para suas demandas. Os pais negligentes mostram-se mais direcionados à resolução de seus próprios problemas, não se engajando com seus encargos parentais.

Existem diferentes concepções e estudos que abordam os estilos parentais. Alguns autores trabalham com os estilos parentais tipologicamente bem definidos (Baumrind, 1966; MacCoby & Martin, 1983), já outros (Gomide, 2006) analisam as práticas educativas que contribuem para um comportamento pró-social ou antissocial, dependendo das estratégias educacionais que os pais utilizam com os seus filhos.

No modelo de Gomide (2006), existem sete práticas educativas que caracterizam o estilo parental, sendo que destas, cinco estão relacionadas a comportamentos antissociais (negativas) e duas ao comportamento pró-social (positivas). As práticas educativas relacionadas a comportamentos pró-sociais são a monitoria positiva e comportamento moral, já as práticas educativas relacionadas a comportamentos antissociais são a negligência, a punição inconsistente, a monitoria negativa, a disciplina relaxada e o abuso físico. Foi baseada nestas práticas parentais que a autora desenvolveu o Inventário de Estilos Parentais com o objetivo de identificar as práticas parentais positivas e negativas utilizadas pelas famílias (Gomide, Salvo, Pinheiro & Sabbag, 2005).

Em um estudo que identificou os estilos parentais mais utilizados em nosso contexto (Porto Alegre - RS), através da opinião de 378 adolescentes, Costa, Teixeira e Gomes (2000) constataram que houve a predominância do estilo autoritativo (37%), seguido pelo negligente (36%), pelo indulgente (15%) e, por fim, o autoritário (13%). Ainda com relação à prevalência dos estilos, pesquisa realizada por Weber, Brandenburg e Viezzer (2004), com 239 crianças de nove a 12 anos e seus pais, constatou que 45,4% dos pais foram classificados como negligentes, 32,8% como autoritativos, 11,8% como indulgentes e 10,1% como autoritários. Neste estudo, embora os pais tenham se avaliado como mais responsivos e exigentes do que seus filhos, os autores constataram uma correlação positiva significativa entre as respostas dadas pelas crianças e por seus pais.

Uma pesquisa que investigou a influência dos estilos parentais no desenvolvimento do otimismo nas crianças constatou que a maioria das mães e dos pais ou são muito exigentes e muito responsivos (autoritativos) ou são pouco exigentes e pouco responsivos (negligentes). Em relação ao estilo parental predominante, o estilo autoritativo apresentou maiores médias de otimismo e o estilo negligente menores médias (Weber, Brandenburg & Viezzer, 2003).

Partindo da definição dos estilos parentais apresentada e da importância destes na vida dos filhos, o presente trabalho se propõe a uma análise dos estilos preponderantes na perspectiva de pais de crianças em idade escolar na região do Vale do Rio dos Sinos. Sendo assim, definem-se, para este trabalho, os seguintes objetivos.

 

Objetivos

Objetivo geral

- Identificar os estilos parentais em famílias com filhos em idade escolar.

Objetivos específicos

- Mensurar os níveis de monitoria positiva e negativa, comportamento moral, punição inconsistente, negligência, disciplina relaxada e abuso físico como práticas educativas.

- Correlacionar os resultados de duas escalas que avaliam os estilos parentais.

 

Método

Delineamento

O presente estudo caracteriza-se como quantitativo, com delineamento descritivo e correlacional. A medida foi obtida em uma única etapa, caracterizando o estudo como transversal.

 

Amostra

Todos os participantes são pais/mães de alunos do 1° ao 5° ano do ensino fundamental de nove escolas da região do Vale do Rio dos Sinos/RS da rede pública, selecionadas pelo critério de conveniência. A partir do número total de crianças, considerando um erro amostral de 5%, estabeleceu-se 150 sujeitos como tamanho amostral. A amostra final foi composta por 153 participantes, sendo 24 pais e 129 mães, que foram os primeiros a encaminharem os questionários, distribuídos a todos os alunos das séries eleitas, de volta à escola. A idade dos sujeitos variou entre 23 e 65 anos (M=37,46; DP=8,32). O nível de escolaridade distribuiu-se da seguinte forma: ensino fundamental (42,5%), ensino médio (29,1%), ensino superior (28,3%). Com relação ao estado civil, a maioria (75,8%) estava casada ou vivendo em união estável, seguida pelos solteiros (11,4%), separados/divorciados (8,7%) e viúvos (4%). O número de filhos variou entre um e 10 filhos (M=2,09; DP=1,39). O nível socioeconômico dos participantes era predominantemente baixo, com renda pessoal média entre um e três salários mínimos (51% da amostra).

 

Instrumentos

a) Ficha de dados sociodemográficos: uma ficha com intuito de coletar informações sobre os participantes. Dentre os itens requeridos estão o sexo, a situação conjugal, a escolaridade, quem mora na casa, dentre outros.

b) Escala de Estilos Educativos (Gómez Fraguela & Villar Torres, 2005): composta por 12 itens que investigam condutas educativas dos pais, considerando os estilos parentais permissivo, autoritário e cooperativo. Deve ser respondida em uma escala Likert de cinco pontos (nunca, poucas vezes, algumas vezes, muitas vezes, sempre). Três itens investigam o estilo parental permissivo, três investigam o estilo autoritário e seis itens investigam o estilo cooperativo. Os coeficientes alpha obtidos neste estudo em cada uma das subescalas foram: estilo permissivo = 0,603; estilo autoritário = 0,341; estilo cooperativo = 0,734. Observa-se que a escala de estilo autoritário obteve um coeficiente baixo e, a partir de uma análise das questões, verifica-se que uma delas, por apresentar uma dupla negativa, está comprometendo o índice da escala.

c) Inventário de Estilos Parentais (Gomide, 2006): avalia as práticas parentais através de 42 questões. As respostas são dadas com base em uma escala Likert de três pontos (0=nunca; 1=às vezes; 2=sempre). O IEP (Índice de Estilo Parental) fornece um escore que é resultado da subtração da soma das práticas negativas da soma das práticas positivas. O IEP é um escore bruto que deve ser consultado nas tabelas normativas, encontrando-se os percentis referentes aos valores obtidos. Através do valor percentual, identifica-se o estilo parental predominante (estilo parental ótimo, regular acima da média, regular abaixo da média e de risco). Este é um instrumento que foi construído e validado em população brasileira pela própria autora (Gomide, 2006). Os coeficientes alpha encontrados neste estudo, variando entre 0,61 (monitoria negativa) e 0,87 (abuso físico), são semelhantes ao estudo de validação do instrumento e indicam a confiabilidade do instrumento.

 

Procedimentos de coleta e análise de dados

Inicialmente, o projeto foi submetido à aprovação pelo Comitê de Ética da Unisinos (Parecer n. 018/08), foram realizados contatos com as escolas e distribuídos os questionários para todos os alunos das turmas de 1o ao 5o ano do ensino fundamental, solicitando que os pais os respondessem separadamente. O questionário foi encaminhado em um envelope, possibilitando que os participantes lacrassem após terem respondido. Após responder, eles enviaram para a escola, através de seus filhos, onde foram recolhidos. O estudo foi realizado a partir dos primeiros 153 questionários que foram devolvidos pelos alunos. Foram realizadas análises estatísticas buscando analisar as variáveis do estudo, através do Programa Estatístico SPSS (versão 17.0).

 

Apresentação e discussão dos resultados

Inventário de Estilos Parentais (IEP)

A medida global do IEP que é obtida através da diferença entre as práticas parentais positivas (monitoria positiva e comportamento moral) em relação às práticas negativas (punição inconsistente, negligência, disciplina relaxada, monitoria negativa e abuso físico), possibilitando classificar o estilo educativo dos pais em ótimo, regular acima da média, regular abaixo da média e estilo parental de risco, evidenciou os seguintes resultados:

O Gráfico 1 evidencia que 44,9% dos pais classificam-se com estilos regular abaixo da média ou de risco, o que remete à necessidade de indicações de possíveis intervenções psicológicas para acompanhamento destes pais. Sendo assim, é bastante elevado o número de pais que demandam atenção, ainda que a maioria (55,1%) esteja entre os que têm estilo parental ótimo ou regular acima da média.

 

 

Considerando as práticas parentais positivas avaliadas na escala, o Gráfico 2 indica a distribuição:

 

 

A monitoria positiva refere-se à obtenção de informações por parte dos pais sobre a localização, as atividades, os gostos e as preferências de seus filhos (Gomide, 2009). Constitui-se em uma dimensão positiva que, no presente estudo, recebeu uma boa pontuação, revelando que 66,9% dos pais estão em um nível ótimo de monitoria, 25,2% no nível regular acima da média e 7,9% no nível regular abaixo da média. Nenhum pai teve indicação de risco no que se refere à monitoria positiva.

Ainda quanto às práticas educativas positivas, o comportamento moral, de acordo com Bolsoni-Silva, Brandão, Versuti-Stoque e Pinola (2008) implica em uma promoção de fatores que favorecem o desenvolvimento de virtudes, tais como empatia, senso de justiça, responsabilidade e trabalho. Esta dimensão também foi pontuada de forma muito positiva neste estudo (66,7% ótimo, 25,5% regular acima da média, 7,8% regular abaixo da média, 0% de risco). Pode-se constatar que, nesta amostra, os pais demonstraram envolvimento com os filhos de forma consistente.

Considerando as práticas parentais negativas, o Gráfico 3 demonstra a distribuição.

Com o Gráfico 3, pode-se visualizar que em relação à punição inconsistente (punição que difere de um momento para outro), negligência (abandono ou descaso emocional) e disciplina relaxada (permissividade com relação às normas instituidas) há uma distribuição equiparada entre os níveis ótimo, regular e de risco. No entanto, o mais surpreendente é o índice muito elevado de situações de risco com relação à monitoria negativa (excesso de instruções e ameaças, ainda que nem sempre sejam cumpridas) e abuso físico (uso de força física contra a criança, seja por palmadas ou agressões mais graves). Dimensões essas que foram as responsáveis pelos indicativos de risco na dimensão da escala como um todo. Estes resultados revelam o quanto, no contexto da amostra investigada, a utilização de ameaças e agressões físicas contra crianças ainda é algo muito presente.

 

Escala de estilos educativos

A Escala de Estilos Educativos (Gómez Fraguela & Villar Torres, 2005) é composta pelas doze questões descritas na Tabela 1.

Os resultados desta escala corroboram os achados do IEP que evidenciam um bom envolvimento dos pais com os filhos, ainda que também chame a atenção o uso excessivo de ameaças e castigos. Mesmo que essa escala não faça referência direta ao abuso físico, as questões relacionadas ao uso de castigo e ameaças foram pontuadas, fazendo se aproximar a média obtida para o estilo autoritário (M=7,65; DP=2,25) daquela obtida no estilo autoritativo (M=9,57; DP=2,05). A média do estilo permissivo foi bem inferior (M=3,34; DP=2,37).

 

Correlação entre as duas escalas

Observou-se uma correlação moderada e positiva (r=0,547; p<0,001) entre os resultados do IEP e a sub-escala de estilo autoritativo e, por outro lado, negativa com o estilo permissivo (r=-0,492; p<0,001). Esses dados evidenciam a coerência entre as medidas, uma vez que revelam que um aumento na medida de estilo autoritativo equivale a um aumento na pontuação do IEP, que equivale a uma maior aproximação com o estilo ótimo. Considerando o estilo permissivo, o que ocorre é o inverso, indicando que maior permissividade indica pior estilo parental (risco).

Com relação ao estilo autoritário, não foi encontrada correlação (r=-0,102; p=0,329). Uma análise mais apurada sobre o que pode ter ocasionado a não correlação do IEP especificamente com a subescala de estilo autoritário evidencia que isso pode ter ocorrido pela inconsistência de um dos itens da subescala (questão 3) que, por apresentar uma dupla negativa, prejudicou a coerência nas respostas e comprometeu a avaliação da fidedignidade. Ainda que a tradução tenha sido feita de maneira equivalente ao original em espanhol, para futuros estudos, sugere-se rever a escrita da questão, suprimindo a dupla negatividade. Outro fator pode ter sido a forma mais sutil de avaliação do abuso que não é tão direta como na medida do IEP.

 

Considerações finais

Mapear a predominância dos estilos parentais na região do Vale dos Sinos possibilita a ampliação sobre o conhecimento em torno de como as famílias contemporâneas se portam em nosso meio social, bem como lança luz sobre como os filhos estão sendo preparados para compor a sociedade através dos valores adquiridos. Fazendo uma alusão ao futuro, é possível identificar que o estudo dos estilos parentais, ao se reportar ao direcionamento da educação de nossas crianças, pode contribuir para a prevenção de sequelas psíquicas relevantes em seus comportamentos e ao mesmo tempo promover benefícios sociais.

Com este estudo, pode-se constatar que existe uma preponderância de cunho positivo na relação de práticas parentais. O aparecimento do estilo autoritativo em maior escala é significativo, visto que este estilo contém uma base saudável de educação de filhos, sendo caracterizado por uma presença clara de parâmetros para o comportamento das crianças com uma negociação razoável e racional dentro dos limites estabelecidos (Weber, Brandenburg, & Viezzer, 2004; Abar, Carter e Winsler, 2009). Embora ocorra a predominância positiva, o índice alto de violência é preocupante.

Hipoteticamente, este índice pode se relacionar ao fato de que o estudo em sua maior parte se deu em contextos socioeconômicos baixos. Palazzo, Kelling, Béria, et al. (2008) explicitam que a pobreza está intimamente relacionada ao problema da violência. Neste contexto, o uso da violência seria mais comum, pois existiria uma menor capacidade de simbolização por parte dos indivíduos envolvidos, então, estes recorreriam a atitudes mais primitivas de abordagem.

Em nosso contexto, socialmente tem-se a idéia de que o estilo permissivo tem preponderado em relação ao estilo autoritário (Costa, Teixeira & Gomes, 2000). No entanto, observa-se através deste estudo, o quanto a utilização de ameaças e da violência física ainda é uma prática comum. Utilizada, segundo os pais, como uma forma de controlar o comportamento infantil, fica difícil estabelecermos o limite entre a "palmada educativa" e a violência que caracteriza o abuso físico, pois o limiar que distingue uma da outra é bastante sutil (Falcke, 2006).

Além disso, os estilos parentais são estabelecidos conforme as experiências que as pessoas vivenciaram na infância. De acordo com Kitamura, Shikai, Uji, et al. (2009), os estilos parentais são construções em parte de como os pais perceberam sua própria criação. Sendo assim, o trabalho com os estilos parentais na geração atual oportuniza uma importante possibilidade de intervenção terapêutica com vistas às gerações futuras. Fica, então, aqui a sugestão de uma continuidade deste estudo, através de novas pesquisas aliadas a intervenções com os pais através de grupos sistematizados, palestras ou um trabalho em conjunto das redes de atendimento da região, possibilitando que se reflita sobre os aspectos educativos dos filhos. É comum considerar-se que a sabedoria sobre a educação dos filhos é natural e inata. Todavia, muitos estudos indicam que o acompanhamento dos pais e a instrumentalização com estratégias educativas eficazes e construtivas são, não só necessárias, mas promotoras de saúde para as famílias e para as gerações futuras.

 

Referências

Abar, B. & Carter, K. L. (2010). The effects of maternal parenting style and religious commitmenton self-regulation, academic achievement, and risk behavior among African-American parochial college students. Journal of Adolescence, 32, 259-273.         [ Links ]

Baumrind, D. (1966). Effects of authoritative parental control on child behavior. Child Development, 37, 887-907.         [ Links ]

Boeckel, M. G. & Castellá Sarriera, J. (2005). Análise fatorial do Questionário de Estilos Parentais (PAQ) em uma amostra de adultos jovens universitários. Psico USF, 10 (1), 01-09.         [ Links ]

Bolsoni-Silva, A. T., Brandão, A. S., Versuti-Stoque, F. M. & Pinola, A. R. R (2008). Avaliação de um programa de intervenção de habilidades sociais educativas parentais: Um estudo-piloto. Psicologia: Ciência e Profissão, 28 (1), 18-33.         [ Links ]

Bom Sucesso, E. de P. (1999) Afeto e limite: Uma vida melhor para pais e filhos. São Paulo: Dunya.         [ Links ]

Cecconello, A. M., De Antoni, C. & Koller, S. H. (2003). Práticas educativas, estilos parentais e abuso físico no contexto familiar. Psicologia em Estudo, 8, 45-54.         [ Links ]

Costa, F. T., Teixeira, M. A. & Gomes, W. B. (2000) Responsividade e Exigência: Duas Escalas para Avaliar Estilos Parentais. Psicologia: Reflexão e Crítica, 13 (3), 465-473.         [ Links ]

De Bem, L. A., & Wagner, A. (2006). Reflexões sobre a construção da parentalidade e o uso de estratégias educativas em famílias de baixo nível sócio-econômico. Psicologia em Estudo, 11 (1), 63-71.         [ Links ]

Falcke, D. (2006). Filho de peixe, peixinho é: a importância das experiências na família de origem. Colóquio, 3 (2), 83-97.         [ Links ]

Gómez Fraguela, J. A. & Villar Torres, P. (2005). Los padres y madres ante la prevención de conductas problematicas en la adolescencia: la aplicación del programa Construyendo Salud: Promoción de habilidades parentales. Retrieved October 22, 2012, from http://ampamisioneras.galeon.com/prevencionadoles.pdf         [ Links ]

Gomide, P. I. (2009). A influência da profissão no estilo parental materno percebido pelos filhos. Estudos de Psicologia, 26 (1), 25-34.         [ Links ]

Gomide, P. I. (2006). Inventário de Estilos Parentais: Modelo teórico, manual de aplicação, apuração e interpretação. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Gomide, P. I., Salvo, C. G., Pinheiro, D. N. & Sabbag, G. M. (2005). Correlação entre práticas educativas, depressão, estresse e habilidades sociais. Psico-USF, 10 (2), 169-178.         [ Links ]

Kitamura, T., Shikai, N., Uji, M. et al. (2009). Intergenerational transmission of parenting style and personality: Direct influence or mediation? Journal of Child and Family Studies, 18 (5), 541-556.         [ Links ]

Kobarg, A. P. & Vieira, M. L. (2008). Crenças e práticas de mães sobre o desenvolvimento infantil nos contextos rural e urbano. Psicologia:Reflexão e Crítica, 21 (3), 401-408.         [ Links ]

MacCoby, E. & Martin, J. (1983). Socialization in the context of the family: Parent-child interaction. In: E. M. Hetherington & P. H. Mussen (orgs.). Handbook of child psychology (pp. 1-101). (Vol. 4). New York: Wiley.         [ Links ]

Moraes, R., Camino, C., Costa, J. B., Camino, L., & Cruz, L. (2007). Socialização parental e valores: Um estudo com adolescentes. Psicologia: Reflexão e Crítica, 20 (1), 167- 177.         [ Links ]

Pacheco, J. B., Silveira, L. B. & Schneider, A. A. (2008). Estilos e práticas educativas parentais: análise da relação desses construtos sob a perspectiva dos adolescentes. Psico, 39 (1), 66-73.         [ Links ]

Paiva, F. S., & Ronzani, T. M. (2009). Estilos parentais e consumo de drogas entre adolescentes: Revisão sistemática. Psicologia em Estudo, 14 (1), 177-183.         [ Links ]

Palazzo, L. S., Kelling, A., Béria, J. U. et al. (2008). Violência física e fatores associados: Estudo de base populacional no sul do Brasil. Revista de Saúde Pública, 42 (4), 622-629.         [ Links ]

Reichert, C. B. & Wagner, A. (2007). Autonomia na adolescência e sua relação com os estilos parentais. Psico, 38 (3), 292-299.         [ Links ]

Reinherz, H. Z., Giaconia, R. M., Hauf, A. M. C., Wasserman, M. S. & Paradis, A. D. (2000). General and specific childhood risk factors for depression and drug disorders by early adulthood. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 39 (2), 223-231.         [ Links ]

Salvador, A.V. & Weber, L. D. (2005). Práticas educativas parentais: Um estudo comparativo da interação familiar de dois adolescentes distintos. Interação em Psicologia, 9 (2), 341-353.         [ Links ]

Teixeira, M. P., Oliveira, A. M. & Wottrich, S. H. (2006). Escalas de Práticas Parentais (EPP): Avaliando dimensões de práticas parentais em relação a adolescentes. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19 (3), 433-41.         [ Links ]

Villar Torres, P., Luengo Martín, M. A., Gómez Fraguella, J. A., & Romero Triñanes, E. (2003). Una propuesta de evaluación de variables familiares en la prevención de la conducta problema en la adolescência. Psicothema, 15 (4), 581-588.         [ Links ]

Weber, L. N. D., Selig, G. A., Bernardi, M. G., & Salvador, A. P. V. (2006). Continuidade dos estilos parentais através das gerações: transmissão intergeracional de estilos parentais. Paidéia, 16 (35), 407-414.         [ Links ]

Weber, L. N. D., Prado, P. M., Viezzer, A. P., & Brandenburg, O. J. (2004). Identificação de estilos parentais: O ponto de vista dos pais e dos filhos. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17 (3), 323-31.         [ Links ]

Weber, L. D., Brandenburg, O. J. & Viezzer, A. P. (2003). A relação entre o estilo parental e o otimismo da criança. Psico-USF, 8 (1), 71-79.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 22/06/2011
Aceito em: 26/06/2012

 

 

1 Contato: dfalcke@unisinos.br