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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.6 no.1 Belo Horizonte jun. 2013

 

ARTIGOS

 

Os pomeranos e a violência: a percepção de descendentes de imigrantes pomeranos sobre o alto índice de suicídio e homicídio na Comunidade de Santa Maria de Jetibá

 

Pomeranians and violence: the perception of descendants of Pomeranians immigrants about the high rate of suicide and homicide in the Community of Santa Maria de Jetibá

 

 

Mariana Carneiro CapuchoI,1; Adriano Pereira JardimII

IFaculdade Pitágoras, Linhares, Brasil
IIUNIVIX Faculdade Brasileira, Vitória, Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo investigou a percepção de descendentes de imigrantes pomeranos acerca do alto índice de suicídio e homicídio na comunidade de um município do interior do Espírito Santo. Foi utilizado o método qualitativo fenomenológico para entrevistar os sujeitos da pesquisa que tivessem mais de 30 anos de idade, residissem no município de estudo e falassem português. A análise das 15 entrevistas concedidas pelos sujeitos da pesquisa permitiu relacionar fatores atuais com a agressividade discutida ao longo do estudo, sendo possível concluir que o pomerano se apresenta mais como um povo introspectivo, desconfiado e depressivo do que precisamente agressivo. Dos fatores relacionados, o alcoolismo, o abuso de drogas e a falta de apoio social aparecem como indicadores sociais.

Palavras-Chave: Violência, Suicídio, Homicídio, Fenomenologia, Pomeranos.


ABSTRACT

This paper investigated the perception of descendants of Pomeranian immigrants about the high rate of suicide and homicide in the community of a municipality in the interior of Espirito Santo state. The qualitative method of phenomenology was used to interview the subjects, who were over 30 years old, residing in the city under study and speaking Portuguese. The analysis of 15 interviews given by the research subjects allowed one to relate actual factors to the aggression discussed throughout the study. It is possible to conclude that the Pomeranians present themselves as a more introspective people, suspicious and depressed than just aggressive. As to the factors related, alcoholism, drug abuse and lack of social support appear as social indicators.

Key-words: Violence, Suicide, Homicide, Phenomenology, Pomeranians.


 

 

Os pomeranos constituem uma comunidade de imigrantes de regiões eslavas e germânicas que se fixaram na região serrana do Estado do Espírito Santo no final do século XIX. A comunidade possui duas características que a tornam peculiar em relação a outros grupos étnicos imigrantes: (a) o fechamento em relação a práticas culturais brasileiras (incluindo a preservação da língua, a resistência à miscigenação com outras etnias e a preservação de hábitos culturais próprios); e (b) a alta incidência de suicídios e homicídios entre imigrantes e descendentes.

Este estudo teve como objetivo investigar a percepção de imigrantes e descendentes pomeranos residentes na cidade de Santa Maria de Jetibá sobre seus hábitos de vida e sua relação com agressividade, violência e incidência de suicídios e homicídios na comunidade.

A introdução aborda os principais aspectos dessa comunidade, dividindo-se em três partes: 1.1 Os pomeranos - descreve a origem dos pomeranos na Europa ; 1.2 Os pomeranos no Brasil e no Espírito Santo - aborda a trajetória desse grupo étnico em sua chegada ao País e a imigração espírito-santense; e 1.3 Índices de suicídios e homicídios entre pomeranos - lista os dados estatísticos disponíveis atualmente.

Segue, no tópico dois, o método utilizado. E, no tópico três, a apresentação e discussão dos resultados.

Os pomeranos

Os pomeranos constituem, na atualidade, um grupo geograficamente isolado e de raízes consideradas simbólicas, já que se originaram em uma localidade já inexistente. Além disso, o grupo é encontrado em locais específicos e com pouca frequência no Brasil. Entre estes locais, o Estado do Espírito Santo se destaca, abrigando descendentes que ainda preservam sua cultura e tradições vivas. No Rio Grande do Sul, descendentes de pomeranos também são encontrados no interior do Estado.

Os Pommerer, como são chamados os pomeranos em língua pomerana, formam um grupo étnico descendente de tribos eslavas e germânicas que vivem na região histórica da Pomerânia, situada ao longo da costa do Mar Báltico, atualmente entre a Alemanha e a Polônia, conhecida hoje como Pomerânia Oriental. O idioma utilizado é a língua pomerana, uma língua baixo saxônica. Seus descendentes diretos (eslavos) incluem: kashubianos, que falam a língua kashubiana; eslovincianos; kociewiacy e borowiacy (Jacob, 1992).

A Pomerânia, a partir do final do século XVII, passou ao domínio prussiano e então, diversos acontecimentos de ordem social, econômica e religiosa dificultaram as condições de vida, ameaçando a sobrevivência das populações menos favorecidas (Jacob, 1992). Diante dessa realidade, a Pomerânia esteve envolvida em muitas lutas e guerras, em função de interesses externos e disputas de territórios por parte da Alemanha e da Polônia.

As condições desfavoráveis para a preservação de um modo de vida predominantemente agrícola dos pomeranos contribuíram para os movimentos migratórios na Europa e principalmente de imigração rumo aos novos continentes. O Brasil foi um dos destinos dos pomeranos descontentes com as condições impostas pelo desenvolvimento industrial europeu. O clima, as perspectivas de vida e a possibilidade de reproduzir o ambiente original foram aspectos importantes para a escolha do Brasil.

A seguir, aborda-se a chegada e instalação das comunidades pomeranas em terras brasileiras e espírito-santenses.

Os pomeranos no Brasil e no Espírito Santo

Com as guerras e lutas dentro de seu país de origem, a imigração do pomeranos foi dirigida inicialmente para a América do Norte. A partir do momento em que os pomeranos chegam à América, vivenciam dificuldades e, desempregados do campo, não tinham nenhuma perspectiva em curto prazo, até porque representavam uma mão de obra desqualificada e estavam à procura da "Terra Prometida". Em meados do século XIX, o Brasil necessitava povoar as regiões ainda não cultivadas e obter mão de obra para impulsionar as lavouras. Dessa forma, o governo incentivava a vinda dos imigrantes europeus para atingir seus objetivos.

Atualmente, a língua pomerana ocidental (existe mais de um tipo de língua pomerana) é falada apenas no Brasil: no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Espírito Santo. A língua já possui uma escrita, registrada pelo linguista prof. Dr. Ismael Tressmann (Tressmann, 2002). Nos municípios mais pomeranos do Estado do Espírito Santo, como Santa Maria de Jetibá, acontecem aulas da língua pomerana através do Programa de Educação Escolar Pomerana (PROEPO) (PMSMJ, 2011).

Em São Lourenço do Sul, no Rio Grande do Sul, existem políticas públicas que estão sendo implementadas para recuperação e preservação da tradição e patrimônio pomeranos, desde 2005. No local, a origem pomerana durante muito tempo era considerada uma representação identitária problemática, já que nos dias atuais a Pomerânia não se apresenta representada geograficamente, o que dificulta sua localização e definição. Hoje, a região se tornou importante com a implementação de uma política local de valorização da identidade original. Entre as políticas públicas com relação ao patrimônio e memória no Rio Grande do Sul, encontram-se as comemorações, rituais, e principalmente um circuito turístico chamado "Caminho Pomerano", que passa pela região rural, e envolve apresentações de danças e cantos típicos, visitas a criações de animais, entre outros (Caminho Pomerano, 2008).

No Espírito Santo, a comunidade pomerana encontrou condições diferentes das do sul do País. Por motivos culturais, a comunidade não foi submetida à pressão por assimilação em relação aos alemães, tendo encontrado condições para preservação dos seus hábitos culturais originais. Com a maior concentração de descendentes pomeranos depois de Santa Catarina, o estado do Espírito Santo possui uma estimativa de população com cerca de 120 mil descendentes dos 2.000 imigrantes pomeranos que lá chegaram ao fim do século XIX (Lima & Dias, 2007). Os municípios de Santa Maria de Jetibá e Vila Pavão são reconhecidos como os que mais preservaram a cultura pomerana.

Os primeiros pomeranos no Espírito Santo chegaram em 1847, com outros alemães, e não contavam mais do que sete integrantes. Em 1859, chegaram mais algumas dezenas deles e eles se originavam, de acordo com Gaede (1978), da Pomerânia Posterior (Hinterpommern) "que abrangia o Hinterland, o interior com muitas dificuldades e atraso. É dessa região que procede a maioria dos imigrantes capixabas" (Gaede, 1978, p. 3). Atualmente, estima-se que vivam no Espírito Santo aproximadamente 250 mil descendentes de imigrantes alemães (Lima & Dias, 2007). Apesar do constante crescimento, por conta da dificuldade de adaptação à alimentação disponível (feijão preto, mandioca e caça), além das dificuldades com cobras, insetos e pragas, nos primeiros dez anos a mortalidade chegou a superar a natalidade.

Atualmente, o município de Santa Maria de Jetibá desenvolve o trabalho de valorização e preservação da língua pomerana, através do PROEPO, que tem se ocupado do resgate da cultura dos imigrantes pomeranos através da perpetuação da língua, principal meio de integração da cultura local. Este trabalho está sendo facilitado devido ao lançamento em 2006, com o apoio da Prefeitura de Santa Maria de Jetibá, do primeiro dicionário mundial do dialeto pomerano produzido por Ismael Tressmann (PMSMJ, 2011).

A religiosidade é uma das características mais marcantes dos imigrantes luteranos, sendo a igreja, centro dos encontros e socialização. Além de ser o local de atuação religiosa, a igreja era o local de convívio social, permitindo o entrosamento entre as famílias das comunidades e servindo até mesmo de escola.

Um dos pontos importantes é a forma como os imigrantes foram ignorados pelo poder público, sem acesso ao ensino da língua portuguesa, por exemplo, fazendo com que ficassem isolados (Bahia, 2001). Comunicando-se raramente com pessoas de fora da colônia e dependendo quase que exclusivamente da iniciativa das igrejas para a educação de seus filhos, os colonos continuaram a falar o seu dialeto entre si. Apesar de existirem outros dialetos alemães nas colônias, a língua pomerana prevaleceu. O isolamento em que viviam, por vontade própria ou pelas circunstâncias em que viviam, fez com que as tradições tenham sobrevivido e o dialeto tenha sido preservado tanto entre os imigrantes, quanto em iniciativas de órgãos estaduais ou municipais.

Um exemplo é o Museu de Imigração Pomerana, que está instalado em uma casa típica do início da década de 1930, em Santa Maria de Jetibá, preservando a arquitetura das construções rurais do município. Além de expor mapas, documentos e fotografias, o museu exibe objetos típicos que contam a história da imigração e também das condições socioeconômicas e políticas da Pomerânia do século XIX (PMSMJ, 2011).

Tais condições sociais de isolamento pomerano no Espírito Santo podem ter relação com indicadores estatísticos de violência alterados. Tais indicadores são discutidos a seguir.

Índices de suicídio, homicídio e violência na comunidade pomerana

Para a Organização Mundial de Saúde (2001), suicídio constitui-se em "... um ato deliberado, iniciado e levado a cabo por uma pessoa com pleno conhecimento ou expectativa de um resultado fatal". Podemos verificar, dessa forma, que se convencionou chamar de suicídio apenas as mortes em que a pessoa, voluntária e conscientemente, executou um ato ou adotou um comportamento, que acreditava levá-la à morte (Cassorla, Werlang & Botega, 2004).

A palavra suicídio possui várias definições, de acordo com Werlang e Botega (2004), cuja ideia central se encontra no ato de "terminar com a própria vida", além de ideias menos evidentes relacionadas à motivação, à intencionalidade e à letalidade do ato. Também é considerado como comportamento autodestrutivo (comportamento suicida) nas diversas formas: com o uso de substâncias psicoativas, recusa a tratamento médico, determinados estilos de vida etc. Mello, Bertolote e Wang (2006) propuseram que as tentativas de suicídio também sejam chamadas de autoagressão ou parassuicídio, atos que também englobam atitudes e comportamentos variados, aqueles em que são necessárias hospitalizações, mas sem resultar em morte.

Algumas circunstâncias podem ser consideradas potenciais para o risco de suicídio, pelo fato de aumentarem o estresse, como a pobreza, o desemprego, a perda de entes queridos, o término de relação afetiva, os desentendimentos com familiares ou amigos, os problemas no ambiente de trabalho ou então legais (OMS, 2008).

Visto que esses problemas estão presentes no nosso cotidiano e que nem todas as pessoas cometem suicídio ao enfrentá-los, a possibilidade de existirem outros fatores que possam influenciar no processo de determinação do suicídio deve ser considerada. Podemos citar o uso abusivo de álcool e drogas, facilidade para efetuar o ato, violência sexual e/ou física na infância, isolamento social e distúrbios psíquicos (depressão, esquizofrenia ou falta de esperança) como alguns dos possíveis agravantes.

O suicídio tem sido uma prioridade pública em alguns países, sendo considerado como uma das dez principais causas de morte entre todas as idades e entre as três causas na faixa etária de 15 a 35 anos. A mortalidade por suicídio desafia autoridades e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, no entanto se constitui em tema crucial, pois quanto mais entendermos o fenômeno, melhor é a qualidade das ações que serão desenvolvidas e melhor é o aprimoramento das já realizadas.

No estudo de Macente, Santos e Zandonade (2009), que visou descrever o perfil da mortalidade por suicídio e das tentativas de suicídio no município de Santa Maria de Jetibá no período de 2001 a 2007, foram encontrados 80 Boletins de Ocorrência Policial (BOPs) referentes a casos de tentativas de suicídio e 28 referentes a casos de suicídios no município. Esse dado corresponde a um coeficiente de 11,4 tentativas de suicídio/ano. Um fato importante a ser destacado é que muitos dos casos de tentativa de suicídio passam pela emergência, e, portanto, não são registrados. Um exemplo disso foi que, ao buscarem os dados do Batalhão da Polícia Militar, os pesquisadores descobriram a existência de 539 tentativas de suicídio no período de 1996 a 2001, dos quais 124 ocorreram em 2000.

Com relação à idade, evidenciou-se que 41,3% das vítimas que tentaram suicídio se encontravam entre 25 e 35 anos, enquanto, entre as vítimas de suicídio, 32,1% se encontravam na faixa etária de 35 a 50 anos e outros 32,1%, acima de 50 anos. Quanto aos dias da semana com maior número de ocorrências, evidenciou-se que, para as tentativas de suicídio, predominaram o domingo (30,0%) e a segunda-feira (16,25%), enquanto, para os suicídios, a segunda (21,42%), a quarta e a sexta-feira (17,85% para ambos os dias). Ao se comparar tentativa e suicídio segundo sexo, as mulheres cometeram mais tentativas de suicídio que os homens. Entretanto, mais homens do que mulheres passaram da tentativa à concretização do ato. Outro dado importante presente na pesquisa realizada, com relação aos métodos utilizados para as tentativas e para os suicídios, é que, entre os casos de suicídio, o enforcamento (57,1%) é o mais usual e, para as tentativas de suicídio, destacou-se o envenenamento por agrotóxico (42,5%) (Macente, Santos & Zandonade, 2009).

Determinados indicadores sociais nessas comunidades podem sugerir fatores influentes que explicam ou elucidam parcialmente a ocorrência menor de suicídios entre mulheres: baixa dependência de álcool, maior religiosidade e maior envolvimento social. Além disso, as mulheres possuem um melhor reconhecimento sobre os riscos e sinais da depressão, suicídio e doença mental. Com relação aos homens, sobressaem comportamentos que predispõem ao suicídio, como a competitividade, a impulsividade e o maior acesso a tecnologias letais. É sabido também que os homens em geral são mais sensíveis às instabilidades econômicas, que são fatores potenciais que podem levar ao suicídio (Mann, 2002).

De acordo com os dados obtidos na Delegacia de Santa Maria de Jetibá (DSMJ, 2011), no ano de 2008 foram registrados na zona rural do município sete suicídios, sendo cinco do sexo masculino e dois do sexo feminino. Os homens tinham entre 35 e 56 anos, e todos utilizaram como método o enforcamento. As duas mulheres, uma de 22 e outra de 45 anos, envenenaram-se. Em 2009, foram registrados quatro casos, sendo três do sexo masculino, entre 32 e 62 anos de idade, e uma mulher com 37 anos de idade, todos por enforcamento. No ano de 2010, foram três casos de suicídio, sendo eles cometidos por homens entre 31 e 74 anos de idade, por enforcamento. Já em 2011, até o fechamento deste tópico, foi registrado um caso, do sexo masculino, também por enforcamento. É importante frisar que, de acordo com a delegacia de SMJ, muitos dos suicídios que ocorrem no município não são registrados ou então são registrados em algum município vizinho, como Itarana e Santa Teresa. Dessa forma, tais números fornecidos pela delegacia são somente os casos que chegaram até o departamento. Muitos outros não são registrados pela prefeitura. Esse fato demonstra que o número de suicídios ainda pode ser superior.

No que se refere ao grau de conflitos existentes na região, algumas mudanças que acontecem hoje em dia chamam a atenção: o aumento da ocorrência de alcoolismo entre os homens; o aumento do número de mães solteiras que permanecem junto às suas famílias; a participação de mulheres em cargos de importância na Igreja Luterana; e, finalmente, a reivindicação das mulheres ao sindicato de trabalhadores na tentativa de conseguirem direito à herança. Esses fatos influenciam na ocorrência e frequência de conflitos dentro do grupo, e, quando o suicídio acontece em um grupo etário, étnico, profissional ou isolado geograficamente, como é o caso de Santa Maria de Jetibá, deve-se questionar se esse evento estaria funcionando como um indicador de pressão na sociedade (Meneghel, Victora, Faria, Carvalho & Falk, 2004).

Um estudo realizado em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul trabalha a concepção da depressão em grupos étnicos. Entre os grupos estudados, os descendentes de alemães estavam incluídos. De acordo com a pesquisa, queixas de falta de energia física são citadas como principal sintoma de depressão entre os descendentes, fato que poderia estar relacionado com a enorme importância que o trabalho e a capacidade de trabalhar exercem neste grupo (Lin, Peruchi, Souza, Furlanetto & Langdon, 2008). Este dado remete ao hábito dos povos germânicos de relacionar o valor do indivíduo à sua capacidade de produção e trabalho, fator importante também nos processos socioculturais que impactam a saúde mental dos pomeranos.

De acordo com a OMS (2008), a média mundial de suicídio é de 14 a cada 100 mil habitantes, mais que o dobro do índice brasileiro (6,6 por 100 mil). Anualmente, estima-se uma incidência de suicídio, entre 10 e 20 a cada 100.000 indivíduos, na população mundial.

Entre os números que impressionam, está a taxa de suicídios, que cresceu 60% nos últimos 50 anos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, até o fim de 2007, a média mundial de suicídios chegaria à marca de uma morte a cada 30 segundos. Estima-se que, para cada pessoa que comete suicídio, existem pelo menos outras 20 que tentaram, mas não conseguiram consumar o ato. Esses números levaram a OMS a criar diversas iniciativas. Por exemplo, a instituição do dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, que acontece todo dia 10 de setembro. Essa iniciativa tem como objetivo conscientizar as pessoas e os governos sobre a importância do tratamento de doenças mentais e problemas psicológicos. Entre as principais causas que levam ao suicídio, estão a depressão, o abuso de drogas e situações temporais que despertam forte carga emocional, como o término de um relacionamento ou desemprego (CDC, 2006).

Tavares, Scheffer e Almeida (2012) propuseram que altos índices de consumo de álcool estão consistentemente associados a indicadores de violência e suicídio. Os mecanismos biológicos que alteram a inibição e a excitação potencializam comportamentos de risco, explicando a maior incidência de ocorrências problemáticas em períodos de aumento de consumo e em comunidades étnicas que desenvolveram hábitos culturais relacionando lazer à ingestão de bebidas alcoólicas. Entre povos germânicos e pomeranos, tais hábitos são marcantes e facilmente verificáveis.

No Brasil, o número de suicídios é bem menor do que a média mundial, mas de acordo com os dados do Ministério da Saúde (DATASUS 1996-2002) relativos ao ano de 2002, os índices alcançam um número de 719 suicídios durante o ano. Em dados gerais, 4,9 pessoas morrem por suicídio a cada 100 mil. De acordo com Souza, Minayo e Malaquias (2002), no Brasil, podemos destacar que os maiores índices são no Rio Grande do Sul (11 para cada 100 mil), sendo Porto Alegre a capital com maior taxa de suicídios (11,9 para cada 100 mil). A cidade brasileira com o maior índice de suicídio é o Município de Venâncio Aires, também no Rio Grande do Sul, que apresenta mais de 40 casos a cada 100 mil habitantes (Mello, 2009).

Diante dos dados brasileiros, aparentemente nos deparamos com números altos, mas não tanto se compararmos aos outros países, como os Estados Unidos, onde cerca de 32 mil pessoas se suicidam por ano (USA, 2009).

Citando os países ricos, o Japão tem a mais alta taxa de suicídios em relação à população, que alcança um número de 25 por 100.000 habitantes, o dobro encontrado para os Estados Unidos e seis vezes maior que o do Brasil. Em 2003, os suicídios atingiram o número recorde de 34.427 no país nipônico. Também podemos citar a Rússia, onde a taxa de suicídio é a segunda maior do mundo, quando todos os anos 60 mil pessoas põem fim às suas vidas.

Santa Maria de Jetibá apresentou, em 2008, três casos de homicídios de homens entre 18 e 64 anos, que morreram vítimas de arma branca e arma de fogo, de acordo com os relatórios. No ano de 2009, foram registrados quatro casos de homicídios envolvendo pomeranos, sendo três do sexo masculino e um do sexo feminino, entre 15 e 75 anos de idade, envolvendo também arma branca e arma de fogo. O número caiu em 2010, quando foram registrados dois casos de homicídio, sendo as vítimas do sexo masculino, um de 20 anos de idade e outro de 39, vítimas de instrumento contundente e arma de fogo respectivamente. No ano de 2011, até a presente data, foi registrado na delegacia um caso de vítima do sexo masculino, 39 anos de idade, havendo controvérsia sobre o instrumento, arma branca ou envenenamento (DSMJ, 2011).

O índice mundial de suicídio é de 0,14 por 1.000 habitantes e Santa Maria de Jetibá apresenta a mesma média entre os pomeranos em registros oficiais. Com relação a Tóquio, capital do Japão, que apresenta a maior média de suicídios do mundo (0,25 por 1.000 habitantes), o município fica abaixo dessa média, mas ainda assim os números da cidade merecem atenção, levando-se em consideração a subnotificação de casos e os números brasileiros, bem mais modestos.

Outro fator relacionado é o índice de violência que foi registrado durante os anos, em casos que envolveram a delegacia e que necessitaram da presença da polícia do município, apresentando-se em número inferior ao índice real. Em 2008, houve 122 ocorrências de lesões corporais (brigas), 107 em 2009, 135 em 2010 e, até março de 2011, 47 ocorrências. Os números se referem a ocorrências lavradas na Polícia Militar e Polícia Civil de Santa Maria de Jetibá. Para a OMS, taxas acima de 0,10 homicídios para cada 1.000 mil habitantes ao ano já são consideradas epidêmicas. Somente considerando os números de ocorrências registradas, constata-se que Santa Maria aparece com uma média de 0,11 homicídios por 1.000 habitantes, taxa que confirma o alto índice no município (OMS, 2001).

Dessa forma, podemos afirmar que há uma grande necessidade de se realizar discussões acerca da elaboração de programas para tratamento e prevenção para os grupos mais vulneráveis, os quais devem ser acompanhados por programas da atenção básica de saúde. Além disso, há ainda a importância do controle sobre a prescrição de medicamentos e agrotóxicos nessa comunidade, o que contribuiria para a diminuição da taxa de autoenvenenamento proposital, um método muito utilizado segundo pesquisas sobre suicídio no município.

Levando-se em consideração a inexistência de estudos realizados na área de psicologia quanto à percepção dos pomeranos residentes do município de Santa Maria de Jetibá sobre a alta incidência de suicídios e homicídios envolvendo seu grupo étnico, este estudo se constituiu a partir do seguinte objetivo: descrever as percepções de descendentes de pomeranos na cidade de Santa Maria de Jetibá sobre violência, agressividade, ocorrências de suicídio e homicídio na comunidade local.

 

Metodologia

Participantes

Foram participantes desta pesquisa 15 descendentes de pomeranos (filhos e netos de imigrantes pomeranos), nove homens e seis mulheres com idades acima de 30 anos, residentes no município de Santa Maria de Jetibá, interior do Estado do Espírito Santo.

O local foi escolhido por ser uma cidade que possui alto índice de homicídios e suicídios entre descendentes pomeranos. A faixa etária dos entrevistados foi escolhida de maneira a selecionar indivíduos que se apresentam menos sujeitos a influências culturais da modernidade, preservando parte da identidade e da cultura original. Além disso, os participantes deveriam falar em língua portuguesa, pois a tradução (língua portuguesa - dialeto pomerano) poderia acarretar desentendimentos e deturpação do significado das frases e, dessa forma, atrapalhar o entendimento entre entrevistador e participante.

Instrumentos

Foram utilizadas entrevistas qualitativas semiestruturadas com tópicos flexíveis (Bardin, 1979), com perguntas como: como você se sente sendo pomerano? Como você percebe a forma dos pomeranos se relacionarem? De que maneira os pomeranos resolvem suas diferenças? Você conhece algum caso envolvendo brigas ou disputas entre pomeranos? Como isso aconteceu? Você sabe de algum caso envolvendo suicídio na comunidade? Como isso aconteceu? (ver Anexo A).

Procedimentos

Foram realizadas 15 entrevistas qualitativas fenomenológicas com descendentes de pomeranos residentes do município de Santa Maria de Jetibá. Os participantes foram selecionados a partir de indicações de líderes locais (por exemplo, pastor da igreja) ou de representantes de instituições que têm contato com a comunidade (como Corpo de Bombeiros, Polícia, entre outros). As entrevistas foram realizadas em visitas às comunidades pomeranas, preferentemente nas residências dos participantes, com o consentimento dos participantes. E foram gravadas em audioteipe para posterior transcrição.

Critérios de análise

O presente trabalho segue os procedimentos do estudo qualitativo orientado pelas três etapas do método fenomenológico-semiótico - descrição, redução (análise indutiva) e interpretação (Gomes, 1998; Lanigan, 1988, 1992; Patton, 1990). Os dados também foram submetidos a uma perspectiva reversiva entre quantidades e qualidades emergentes dos relatos, compondo dados (ou data) e captados (capta) (Souza & Gomes, 2003).

A descrição qualitativa é a síntese geral do material coletado, elaborado a partir da transcrição literal das entrevistas. A síntese é preparada através de leitura cuidadosa do material da primeira etapa, na qual se demarca exaustivamente o modo como cada participante abordou os temas sugeridos em entrevista ou os temas que apareceram espontaneamente. Nessas duas fases iniciais, suspendem-se quaisquer julgamentos e interpretações teóricas para preservar a facticidade dos relatos (Souza & Gomes, 2003). Na descrição, circunscreveram-se e se contrastaram as percepções dos participantes sobre os índices de suicídio e homicídio e relações de violência entre eles. Na análise redutiva, identificaram-se os temas mais importantes para elucidação lógica do material como um todo. Finalmente, na interpretação, realizou-se um confronto dos dados da descrição e da redução com a literatura sobre o fenômeno em foco, buscando-se responder às questões que nortearam o atual trabalho.

Questões éticas

Durante a realização deste trabalho, houve a preocupação em seguir os aspectos éticos das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, previstas na Resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Para a realização das entrevistas fenomenológicas, foi utilizado o termo de consentimento para participação da pesquisa, que foi assinado pelos participantes, no qual foi garantida a ocultação das referências pessoais e nomes para a não identificação dos participantes.

Com a existência da complexidade das informações consentidas com relação aos homicídios e suicídios e outros dados públicos, todos os dados foram reunidos com o consentimento dos órgãos competentes (hospitais, Secretaria da Saúde, emergências, Polícia Militar etc.) e autorização deles para a sua publicação.

 

Resultados

Os resultados estão organizados em três grandes partes: 3.1 Descrição fenomenológica; 3.2 Redução fenomenológica; e 3.3 Interpretação fenomenológica.

Descrição fenomenológica

As entrevistas fenomenológicas dos participantes descendentes de pomeranos, por um lado, foram analisadas com o foco nos contrastes encontrados no discurso contido nas perspectivas dos participantes. Por outro lado, também se preparou uma síntese de cada entrevista, para que não se perdessem os contextos particulares presentes nas falas dos entrevistados. A partir dessas sínteses, optou-se por focar naqueles temas que funcionaram como elos significativos do discurso dos participantes. Tal opção permite a circunscrição dos elementos centrais que servem de base para as análises seguintes, na redução e na interpretação. Preparou-se, assim, a descrição dos temas que emergiram em cada caso.

A partir dos relatos dos participantes presentes nas questões propostas, relacionados à sua percepção quanto ao alto índice de suicídio e homicídio na comunidade de Santa Maria de Jetibá, os dados foram divididos em sete temas principais, que se seguem:

Ser pomerano

Para os participantes, em primeiro lugar, ser pomerano é motivo de orgulho. Além disso, é pertencer a um grupo que possui costumes e tradições diferenciados, pois é uma cultura que não se encontra facilmente pelo mundo e possui ancestrais que já não existem mais, sendo assim, é passar adiante uma cultura rara. O pomerano é um povo muito sofrido e trabalhador, visto como "desconfiado" por outras pessoas. Possuem uma paixão muito grande por música, instrumentos de sopro e a concertina, além de valorizarem muito a religião e o casamento.

A descoberta da descendência

Os participantes se descobriram descendentes a partir da análise da árvore genealógica, de histórias contadas pelas suas famílias sobre seus descendentes, da aproximação com a cultura de uma forma muito presente, ainda quando crianças.

Sentimento de ser pomerano e brasileiro

Os participantes relatam se sentirem muito bem e orgulhosos em serem descendentes de pomeranos, apesar de ser normal ser pomerano, pois residem no município. Além disso, sentem-se diferentes dos outros, por possuírem uma cultura bem diferenciada e não muito conhecida e também lamentam por sua cultura estar se perdendo cada vez mais. Com relação a ser brasileiro, sentem-se muito bem, privilegiados e orgulhosos, porém sentem seu orgulho diminuir quando se deparam com a violência e a corrupção no País. Relatam ainda terem que aceitar o fato de que são brasileiros, pois dizem que não possuem escolha com relação à sua nacionalidade.

A família pomerana

As relações dentro das famílias e entre famílias dos participantes foram descritas como de muito afeto e amor. Segundo eles, muitas delas hoje vivem em harmonia, mas, assim como qualquer outra família, já viveram crises e momentos de conflitos. Muitas vezes não há diálogo entre os integrantes da família, pela falta de tempo. A relação com outras famílias que não são pomeranas é referida como positiva.

Violência entre os pomeranos

Os participantes já presenciaram ou ouviram falar de situações de conflitos envolvendo os pomeranos, até mesmo dentro de suas próprias famílias e do seu círculo social. Muitas vezes as brigas e discussões, que ocorrem na maioria das vezes dentro de casa entre familiares ou nas ruas e bares, acabam na delegacia ou até mesmo em morte. São minorias as discussões e brigas que não terminam com a necessidade da ação dos policiais.

Suicídio e homicídio: os motivos, contextos e instrumentos

Os participantes relataram saber de vários casos de suicídio e homicídio envolvendo pomeranos, muitas vezes ocorridos perto de suas residências, mas em sua maioria, no interior do município. Com relação aos homicídios, que para os participantes são comuns, os participantes referem motivos de brigas, traições entre marido e mulher, utilizando armas brancas e armas de fogo. Já com relação aos suicídios, também são comuns e acontecem dentro das próprias residências em sua maioria, utilizando-se cordas, agrotóxicos, venenos e arma de fogo, além de ser apontado como um dos motivos de ocorrência a depressão comum entre os pomeranos e o alcoolismo. Ambos foram apontados como consequências do abuso do álcool e outras drogas.

Os pomeranos e a agressividade

Os participantes relataram que os pomeranos não são agressivos como um traço de personalidade, mas sim por consequência do alcoolismo que tem uma taxa muito elevada no município de Santa Maria de Jetibá. Conforme os participantes, os pomeranos são mais impulsivos, desconfiados, reservados do que as outras pessoas, e, quando há a combinação com o álcool, os tornam agressivos, por se sentirem mais corajosos para resolverem seus problemas. Apesar disso, há os que afirmam que os pomeranos são extremamente agressivos, pois eles desejam o que o próximo possui e também são pessoas muito materialistas e, dessa forma, brigam pelo que possuem e dão mais valor ao que conquistaram materialmente.

Redução fenomenológica

(1) "Violência envolvendo pomerano? Ih sim, sim. Aqui é muito comum briga! A gente sempre sabe de algum caso, tem briga em casa, tem briga na rua... e geralmente acaba na delegacia, com pomerano não tem conversa!"

Um dos principais assuntos tratados nas entrevistas foi a questão da violência envolvendo os pomeranos em Santa Maria de Jetibá. Entrevistados relataram que há muitos casos de violência no município, que vão desde discussões entre casais até as chamadas "brigas de rua", que muitas vezes só terminam com a ação da polícia. Também é apontado o fato do abuso do álcool ser frequente e considerado "comum" entre os pomeranos, desencadeando e/ou agravando mais as situações de conflitos. O tráfico de drogas no município também aparece como um agravante da situação, pois os que estão envolvidos se tornam agressivos e há o chamado "acerto de contas", gerando violência.

(2) "Ah, aqui são elas por elas. Tem morte com facada, tiro, machadada.... suicídio com veneno, tiro, ou corda... Geralmente acontece mais no interior, na casa das pessoas. Mas isso é a cachaça que faz!"

Os suicídios e homicídios apareceram como fatos recorrentes entre os pomeranos, considerados pelos participantes como "comuns", principalmente na zona rural do município. Entre os motivos de homicídio citados, foram referidas cobrança de dívidas, brigas entre familiares (principalmente casais, por motivo de traição), brigas de rua, conflitos por terra, mas todos direta ou indiretamente relacionados com o abuso do álcool; estes ocorrendo dentro das residências e na rua. Os instrumentos citados foram as armas de fogo e armas brancas, como faca, machado, facão e punhal. Com relação aos suicídios, depressão, dívidas, descontrole emocional, impulsividade, falta de diálogo e apoio social e familiar apareceram como motivos relacionados. Também é recorrente o alcoolismo como motivo ou fator desencadeador. Os instrumentos mais utilizados são as cordas (enforcamento), armas de fogo, veneno, agrotóxico (intoxicação), armas brancas. Acontecem geralmente dentro das próprias residências, mais frequentes no interior do município.

(3) "São agressivos sim, mas não como personalidade, entende? São desconfiados, fechados, impulsivos, muito materialistas... e como abusam do álcool, se tornam agressivos!"

A agressividade que os participantes relataram ser vista no comportamento do pomerano não é propriamente um traço de personalidade, mas sim uma forma que eles encontram de se defender do outro que o parece ameaçador, principalmente após abusar do álcool. Apesar do alto índice de suicídios e homicídios na comunidade, os participantes relatam que das principais características da personalidade do pomerano, a agressividade não se destacaria, mas a impulsividade, a desconfiança, além de serem considerados muito materialistas e "reservados", "de poucas palavras" (falta de diálogo que foi muito citada ao longo das entrevistas). Outro ponto importante é que os entrevistados citaram a presença da depressão (ou quadro depressivo) nos pomeranos, considerados por eles um dos traços principais.

Interpretação fenomenológica

Os resultados encontrados na descrição (estudos das díades) e na redução (contexto da percepção dos participantes, contexto narrativo e qualitativo) foram confrontados com os dados da literatura sobre a existência do alto índice de violência na comunidade de Santa Maria de Jetibá e organizados em torno de três questões norteadoras: 3.3.1 A violência envolvendo pomeranos; 3.3.2 Alto índice de suicídio e homicídio envolvendo pomeranos; e, por fim, 3.3.3 Os pomeranos e a agressividade.

A violência envolvendo pomeranos

Os conflitos envolvendo os pomeranos na comunidade de Santa Maria de Jetibá foram apontados pelos entrevistados como frequentes, incluindo desde discussões entre casais até as chamadas "brigas de rua", que muitas vezes só terminam com a ação da polícia. O abuso do álcool, bem como a percepção sobre um crescimento do alcoolismo masculino, revela-se como motivador ou agravante para a incidência desses eventos. Dessa forma, podemos perceber que, apesar da literatura atual não ser vasta sobre os motivos relacionados com a violência envolvendo os pomeranos, ela aponta para o abuso do álcool como fator agravante ou desencadeador. Além disso, há os traços culturais, percebidos como agravantes, como o materialismo (centrar a vida e o cotidiano da família no trabalho e em seu produto), certa impulsividade, fechamento, isolamento e desconfiança. Interpreta-se, assim, que a combinação de um modo de vida rural, centrado no cotidiano ligado ao cultivo da terra, bem como a ênfase no trabalho e na luta pela sobrevivência diária, combina-se com características sociais de um povo acostumado com dificuldades e restrições, criando um ambiente de repressão de sentimentos (Dubugras & Werlang, 2007). Tal repressão associada à liberação proporcionada pela utilização de bebidas alcoólicas cria condições para a expressão daqueles sentimentos preservados na vida interior dos pomeranos.

Alto índice de suicídio e homicídio envolvendo pomeranos

Sobre o tema "alto índice de suicídios e homicídios", os pomeranos nos relataram como fatos recorrentes e considerados "comuns", apontados como mais frequentes na zona rural de Santa Maria de Jetibá. Com relação ao homicídio, os motivos incidiram em cobranças de dívidas, brigas entre familiares (principalmente casais, por motivo de traição), brigas de rua, conflitos por terra, mas todos direta ou indiretamente relacionados com o abuso do álcool. Os instrumentos mais utilizados são as armas de fogo e armas brancas, como faca, machado, facão e punhal. De acordo com a literatura utilizada, as taxas acima de 0,10 homicídios para cada 1.000 mil habitantes ao ano são consideradas epidêmicas; Santa Maria possui a média de 0,11 homicídios por 1.000 habitantes, taxa que confirma o alto índice no município, mesmo os dados fornecidos não serem a totalidade real (OMS, 2001).

Ao se tratar de suicídios, também considerados pelos participantes como frequentes na região, são apontados como principais instrumentos cordas (enforcamento), armas de fogo, veneno, agrotóxico (intoxicação) e armas brancas, geralmente acontecem dentro das próprias residências. Com base no estudo quantitativo referenciado na literatura, o índice mundial é de 0,14 por 1.000 habitantes, e Santa Maria de Jetibá aparece com exatamente a mesma média, sendo importante frisar que são números de suicídios cometidos somente por pomeranos, além do fato de que com esses números, o município se encontra em estado de alerta. Os participantes relatam como principais motivos: as dívidas, o descontrole emocional, a impulsividade, a falta de diálogo e apoio social e familiar e a depressão. Além disso, o alcoolismo reaparece como motivo ou fator desencadeador. Também ressaltam os participantes que a falta de energia é citada como principal sintoma de depressão entre os descendentes de pomeranos, fato que poderia estar relacionado com a enorme importância que o trabalho e a capacidade de trabalhar exercem nesse grupo (Lin, Peruchi, Souza, Furlanetto & Langdon, 2008). Dessa forma, enfatiza-se que, com relação aos suicídios, a depressão, as dívidas, a falta de diálogo e de apoio social são os fatores que mais aparecem como motivadores. Interpreta-se que tal incidência pode estar relacionada a características contextuais referentes a uma vida marcada por um fechamento da comunidade, além de uma rotina muito marcada por poucas atividades sociais, especialmente no ambiente rural.

Os pomeranos e a agressividade

A agressividade que os participantes relataram ser percebida no comportamento do pomerano não é propriamente um traço de personalidade, mas uma forma que eles encontram de se defender do outro que o parece ameaçador. Tal fenômeno não é incomum entre etnias minoritárias que imigram para países distantes, com culturas muito diferentes das suas. Apesar do alto índice de suicídios e homicídios na comunidade, os participantes relatam que o pomerano não teria como uma de suas características marcantes a agressividade, mas a impulsividade e a desconfiança. Além de serem considerados muito materialistas e "reservados", "de poucas palavras" (falta de diálogo que foi muito citado ao longo das entrevistas). Outro ponto importante, é que os entrevistados citaram a depressão (ou quadro depressivo) como característica dos pomeranos, considerados por eles um dos traços principais da etnia. Entretanto, a agressividade aparece como ponto principal com relação aos homicídios e até mesmo os suicídios na comunidade de Santa Maria de Jetibá (Macente, Santos & Zandonade, 2009). Assim, interpreta-se que o pomerano parece menos inclinado à agressividade, mas, na sua própria percepção, inclinado à depressão, ao fechamento e a uma atitude hostil e desconfiada em relação ao outro. Muitas vezes essa atitude pode ser potencializada pelo uso do álcool, decorrente das poucas opções de lazer e socialização de uma vida voltada para o trabalho rural. Justificam-se assim os casos de violência entre pomeranos como decorrência dessa combinação entre fatores culturais e contextuais. A retração social decorrente da atitude fechada e a potencialização de traços depressivos e de uma vida focada quase exclusivamente no trabalho na terra poderia explicar a alta incidência de suicídios.

 

Considerações finais

O tema proposto neste artigo é complexo e foge da alçada desta pesquisa esgotar os elementos que compõem a sua complexidade. Partiu-se do objetivo de realizar uma investigação qualitativa pontual a fim de identificar elementos que pudessem colocar em discussão hábitos e circunstâncias do viver pomerano relativos aos problemas ligados à agressividade verificada nos índices descritos na introdução. Acredita-se que esta pesquisa aponta inicialmente um conjunto de elementos que merecem maiores investigações, uma vez que se constata uma associação de elementos contextuais e culturais na produção de fatores de risco para indicadores de violência e suicídio nas comunidades pomeranas investigadas. Assim sendo, para a continuidade desta investigação, indicam-se mais estudos qualitativos e quantitativos acerca do tema, com objetivo de confirmar ou refutar o presente estudo e, a partir deles, propor intervenções psicossociais de alcance direto e indireto na população descendente de pomeranos do município de Santa Maria de Jetibá.

 

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Recebido em: 13/02/2012
Aceito em: 19/10/2012

 

 

1 Contato: mary_capucho@hotmail.com

 

 

ANEXO A - Roteiro de entrevista fenomenológica com pomeranos

Abertura: Estou desenvolvendo uma pesquisa com o objetivo de levantar dados sobre a percepção dos imigrantes pomeranos sobre o alto índice de suicídio e homicídio na comunidade de Santa Maria de Jetibá. Eu tenho um roteiro de entrevista, mas o mais importante é o seu depoimento. A entrevista será gravada e o que você disser permanecerá confidencial. Você tem alguma dúvida?

Ser pomerano

Para você, o que é ser pomerano?

Como se descobriu sendo pertencente da etnia?

Como você se sente sendo pomerano?

1.1.4 Como se sente sendo brasileiro?

A família Pomerana

Como são as relações na família pomerana?

E os familiares, como se relacionam? Como se organizam?

Na sua família, as pessoas falam português ou pomerano? Como é a vida de vocês?

Como é o lazer na sua família?

1.2.5Como sua família se relaciona com famílias de outras etnias?

1.3 A percepção da agressividade entre os pomeranos

1.3.1 Você já presenciou situações de conflitos? Como que são resolvidos?

1.3.2 Já soube sobre casos de suicídios e homicídios na comunidade pomerana? Ao que estava relacionado?

1.3.3 Você acha que os pomeranos são muito agressivos? Porque? Em que contexto?

1.3.4 Como são realizados os homicídios e suicídios? Porque? Onde?

Fechamento: Muito obrigado pela sua participação. Os dados que você forneceu foram muito importantes para a minha pesquisa. Se você necessitar de alguma informação, eu estarei à sua disposição.