SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 issue1Relations between proactive behavior and organizational commitmentSalih, S. (2012): Judith Butler e a Teoria Queer. Belo Horizonte: Autêntica author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

On-line version ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.6 no.1 Belo Horizonte June 2013

 

REVISÕES CRÍTICAS DE LITERATURA

 

Violência conjugal contra o homem: uma análise bibliométrica

 

Marital violence against man: a bibliometric analysis

 

 

Ana Cláudia Ferreira Cezario1; Lélio Moura Lourenço

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Brasil

 

 


RESUMO

A violência é um fenômeno social e um problema de saúde pública. Uma face desta, encontrada nas famílias, é denominada como violência conjugal. Contudo, em alguns casos, esta se refere apenas à mulher como vítima e ao homem como seu respectivo agressor; sem a perspectiva de que o oposto também possa ocorrer. Por isso, este trabalho propôs uma revisão bibliométrica sobre a violência conjugal, em que o homem apareça como vítima e/ou a mulher como possível agressora. Da amostra de 64 artigos completos, 43 comparavam índices de violência entre a mulher e o homem; 9 apresentavam a proposta de discuti-la em relações homoafetivas e apenas 16 artigos propunham algum tipo de intervenção. Assim, propõe-se, com este trabalho, ampliar a visão acerca da violência conjugal, de forma a analisar a possibilidade do homem também ser vítima, em alguns casos, desse tipo peculiar de violência.

Palavras-Chave: Violência conjugal, Violência doméstica, Relações familiares, Conflito conjugal.


ABSTRACT

Violence is a social phenomenon and a public health problem. Part of this violence found in families is called of Marital Violence. However, in some cases, it is just about women being viewed as victims and men as their aggressors; without the perspective that the opposite can happen too. Therefore, this work proposed a bibliometric review about Marital Violence, where the man appears as the victim and the woman as his possible aggressor. In a sample of 64 articles, 42 compared rates of violence between women and men; 9 articles presented the proposal to discuss same in homo affective relations and only 16 articles proposed any type of intervention. So, this research presents the idea of expanding the analyses of Marital Violence and the possibility of men being victim in some cases to this peculiar violence.

Keywords: Marital violence, Domestic violence, Family relationships, Marital conflict.


 

 

De acordo com o Ministério da Saúde (2005), a violência é "um fenômeno sócio-histórico e acompanha toda a experiência da humanidade" (Ministério da Saúde, 2005, p. 10). Ela poderá ser lembrada ao longo da história, através das guerras mundiais, civis, revoluções, chegando hoje, até o ambiente domiciliar. A violência irá afetar a saúde individual e coletiva de forma a exigir um olhar maior da sociedade. Isso porque a violência se tornou um problema de saúde pública e hoje exige a participação de diversos setores, como o da saúde, o jurídico e o de segurança pública.

Uma face dessa violência, aquela encontrada dentro dos lares e famílias, denominada como violência intrafamiliar, tem se destacado na sociedade. Esta pode ser caracterizada como qualquer ato/abuso físico, emocional ou sexual de um membro familiar contra o outro, com o objetivo de coibição, por parte do agressor, promovendo uma situação de vulnerabilidade à vítima. Esse tipo de violência é definido como "toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família" (Ministério da Saúde, 2002, p. 15).

Alguns autores denominam a violência intrafamiliar como sinônimo da violência doméstica, porém existem algumas diferenças. Ainda de acordo com Ministério da Saúde (2002), a violência intrafamiliar distinguir-se-á da violência doméstica pelo fato desta incluir outros membros, sem função parental, que convivam no espaço doméstico, como empregados por exemplo.

A violência intrafamiliar poderá apresentar como vítimas: crianças, adolescentes, mulheres, idosos e homens. Sendo que este grupo, em função das baixas estatísticas e de alguns dados subnotificados, não é muito mencionado. Por isso, o interesse deste trabalho.

No que se refere ao termo utilizado para designar a violência, a título de facilitar a compreensão e especificar dentro da violência intrafamiliar, apenas a violência entre o casal, será adotado o termo violência conjugal. De acordo com Oliveira e Souza (2006), o termo violência conjugal passou a ser utilizado a partir dos anos 90 por autores que não acreditavam na visão do homem apenas como o agressor e consequentemente na mulher como vítima.

É importante ressaltar que o termo violência conjugal vem sendo abordado em muitas situações como sinônimo da violência de gênero, aquela que, através de perspectivas feministas, coloca a mulher apenas na propensão de sofrer a violência por seu parceiro, no caso, o homem. Corroborando com essa perspectiva, em 7 de agosto de 2006, foi criada a Lei 11.340, cuja a principal função é coibir, prevenir e erradicar a violência contra a mulher. (Lei 11.340, Art. 1, 2006). De acordo com Deeke, Boing, Oliveira e Coelho (2009), essa lei estabeleceu como violência contra a mulher qualquer tipo de ação que poder-lhe-á causar lesões, sofrimentos físicos, sexuais e psicológicos, além de morais ou patrimoniais dentro da constituição familiar ou em qualquer relação íntima em que o agressor tenha convivido com ela. Assim, o que se percebe são visões unilaterais da violência conjugal, admitindo-se apenas a violência de gênero, aquela cometida somente pelo homem contra a mulher.

Falcke, Oliveira, Rosa e Bentancur (2009) irão dizer que a violência conjugal pode ser definida por agressões físicas e psicológicas ocorridas no lar, admitindo-se a possibilidade de tanto o homem, quanto a mulher serem vítimas da violência. Outra terminologia usada, que também designa a violência entre casais, é o termo Intimate Partner Violence (IPV) ou Violência por Parceiro Íntimo (VPI). De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (2006, citado por Cheung, Leung & Tsui, 2009, p. 447), é "qualquer abuso físico, emocional ou sexual entre duas pessoas, envolvidas em um relacionamento". Dessa forma, essas novas terminologias - "violência conjugal", "violência por parceiros íntimos" e "violência entre casais" - têm como objetivo apresentar a violência entre os pares como um resultado da relação entre parceiros íntimos.

O fato de existirem mais dados que corroborem que a mulher, na maioria dos casos notificados, é a principal vítima da violência conjugal (Borsoi, Brandão & Cavalcanti, 2009; D'Oliveira et al., 2009; Schraiber et al., 2007) não significa que o homem está isento de sofrer violências físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e financeiras de suas respectivas parceiras.

Nessa mesma perspectiva, em outubro de 2000, foi criado nos Estados Unidos, o primeiro centro de ajuda a homens, vítimas de violência, perpetradas por suas esposas/companheiras - The Domestic Abuse Helpline for Men (DAHM). Instituição semelhante às casas abrigo para mulheres que existem no Brasil e que oferece ajuda aos homens vítimas desse tipo de violência, através de profissionais de saúde, abrigo, além de apoio jurídico (Hines, Brown & Dunning, 2007).

Como já foi dito, ainda são poucos os dados encontrados acerca da violência conjugal contra os homens. Contudo, alguns estudos com o objetivo de investigar essa temática foram publicados e são pioneiros, sendo de extrema importância mencioná-los (Franc, Samms Vaughan, Hambleton, Fox & Brown, 2008; Breiding, Black & Ryan, 2008). De acordo com Franc, Hambleton, Fox e Brown (2008), em uma pesquisa realizada nos países de Barbados, Jamaica e Trinidad e Tobago, as taxas de violência física conjugal contra os homens foram respectivamente, 10,7%, 13,1% e 14,8% da amostra entrevistada. Em relação à violência sexual, os dados encontrados foram 0,6%, 3,3% e 1,8%.

Em 2005, foi feito um levantamento em um Centro de Saúde nos Estados Unidos (Breiding, Black & Ryan, 2008) e os dados encontrados demonstraram que 10,7% dos homens norte-americanos sofriam violência física e 1,5% foram forçados a terem relações sexuais; ambos os dados de suas respectivas companheiras. No Brasil, podemos citar alguns autores que também desenvolveram pesquisas nessa nova perspectiva de vítima e agressor (Alvim & Souza, 2005; Zaleski, Pinsky, Laranjeira, Ramisetty-Mikler & Caetano, 2010).

Em Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, foi realizada uma pesquisa com dez pessoas que vivenciaram experiências da violência conjugal com seus respectivos cônjuges ou namorados(as). Foram entrevistados sete homens e três mulheres. Um dos homens entrevistados relatou: "Eu acho que fui violentado, não só fisicamente como psicologicamente, que é o principal" (Alvim & Souza, 2005, p. 187).

Em outro estudo, no período de 2005-2006, foi realizado um estudo transversal no País com o objetivo de levantar as taxas de violência conjugal sofrida por homens e mulheres e suas relações com o abuso de álcool. Os dados apresentaram que 10,7% dos homens já sofreram ou sofriam episódios de violência por suas parceiras. Em 38,1% dos casos, os homens haviam consumido álcool. E, por fim, uma porcentagem dos homens entrevistados informou que suas parceiras haviam consumido álcool em 30,8% dos episódios de violência. (Zaleski, Pinsky, Laranjeira, Ramisetty-Mikler & Caetano, 2010).

Dessa forma, nosso objetivo com este levantamento bibliométrico foi pesquisar a violência conjugal entre casais para que se pudesse encontrar estudos e pesquisas que trouxessem mais dados que corroborasse com a hipótese de que existe a possibilidade do homem ser vítima de violência por sua esposa/companheira no ambiente domiciliar. Torna-se importante ressaltar ainda que, em função das poucas pesquisas empíricas que trazem a possibilidade do homem também ser vítima da violência conjugal realizadas no Brasil, este estudo se apresenta de grande relevância no que se refere à busca por maiores informações e dados mundiais, ainda poucos discutidos no País.

 

Metodologia

Os artigos foram coletados em cinco bases de dados: Web of Science, Lilacs, Scielo, Scopus e Pubmed. Os termos de busca usados foram "domestic violence against men", "intimate partner violence against men", "man victim of domestic violence", "adult domestic violence against men", "intimate partner violence of women against men" e "el hombre víctima de violencia domestica". Optou-se por uma busca em inglês visto que a maioria das publicações se encontra no idioma anglo-saxônico. Ainda assim, com o intuito de ampliar os resultados e aumentar o número de publicações, foi usado um termo de busca no idioma espanhol e uma base de dados latino-americana.

Com o objetivo de se chegar a uma amostra, após a coleta de todos os artigos encontrados nas cinco bases, optou-se pela exclusão dos artigos repetidos e concentração das publicações que estavam entre o período de 2000 a 2010. A partir daí, as publicações foram analisadas por etapas: primeiro uma leitura do título das publicações e exclusão daquelas que não se remetiam a pesquisas empíricas, visto ser redundante a análise de revisões. Em seguida, uma nova leitura dos resumos das publicações que restaram da primeira etapa; nessa leitura foram excluídos os artigos que traziam apenas a mulher como vítima, visto que o objetivo era identificar os trabalhos que discutiam a possibilidade da violência conjugal contra o homem. E, finalmente, na última etapa, optou-se pela leitura da introdução das publicações restantes. Essa etapa foi necessária em função de muitos resumos não relatarem, de forma clara, a população pesquisada, proporcionando-nos dúvidas se realmente se referiam ao tema pesquisado. Após essas três etapas, buscaram-se os artigos que disponibilizavam gratuitamente seus textos completos, chegando-se, enfim, à amostra para análise das categorias bibliométricas.

O método escolhido para análise dessas categorias foi quantitativo. As categorias buscadas na leitura dos textos completos foram: o ano e o país em que foi feita a pesquisa, a área da revista, o tipo de violência abordada, a vítima (se eram homens e/ou mulheres), o agressor (se eram homens e/ou mulheres), se o artigo propunha algum tipo de intervenção e qual o destino dela (se para vítimas e/ou agressores) e, por último, as comorbidades associadas (álcool, drogas etc.). Por fim, utilizou-se o programa EndNote versão 15.0 para armazenamento dos artigos através de um banco de dados e o programa Microsoft Office Excel 2007 para análise das categorias citadas. Dessa forma, foi armazenada e analisada a amostra composta por 64 artigos completos. E, assim, partir da leitura integral desses textos, é possível apresentar os resultados a seguir.

 

Resultados

Através da pesquisa nas cinco bases de dados com os termos de busca mencionados anteriormente, foi encontrado a princípio um total de 1.320 publicações. Em função do refinamento, foram excluídas as publicações repetidas, para em seguida, admitir somente os artigos que foram publicados no período de 2000 a 2010. Nessa primeira etapa, foram descartados 699 artigos, restando em 621 publicações.

Ainda com o objetivo de concentrar apenas as publicações dentro da temática abordada, do homem como vítima de violência conjugal perpetrada por sua esposa/companheira, começou-se um trabalho com os 621 artigos tendo como ordem de leitura: o título, o resumo e a introdução. Com a leitura pelo título, restaram 305 artigos. A partir daí, através de uma leitura mais profunda dos resumos, foram excluídos 176 publicações que não se enquadravam ao tema escolhido. Por fim, almejando aumentar a confiabilidade do trabalho, foram selecionados apenas os artigos que disponibilizavam o texto completo para análise da introdução. Dessa forma, a amostra final analisada foi de 64 artigos completos, que estavam diretamente relacionados à temática da violência entre casais, tendo como possíveis agressores as mulheres e como vítimas os homens.

Na análise das categorias, o resultado em relação aos países em que foram feitas as pesquisas e coleta dos dados, os Estados Unidos obtiveram destaque com 44 publicações da amostra total, seguido por Inglaterra, Austrália e Canadá com três publicações cada, como ilustra a Tabela 1.

 

 

Quanto à área da revista, os destaques foram para a medicina, com 20 publicações, seguida da área de ciências sociais, com 18, e ciências da saúde, 11. As outras áreas se mantiveram com um número menor, sendo importante ressaltar a pequena participação da psicologia, com apenas seis publicações, como visto na Tabela 2.

Conforme ilustrado na Tabela 3, tomando como base o ano de publicação, os resultados foram: nove publicações para o ano de 2009, oito publicações para os anos de 2008 e 2010, sete publicações para os anos de 2004 e 2005, cinco publicações para os anos de 2001, 2003 e 2007, quatro publicações para o ano de 2002 e três publicações para os anos de 2000 e 2006.

 

 

Passando para a temática mais aprofundada da violência. Como visto na Tabela 4, a definição de violência que mais se destacou nos artigos foi a IPV, em português, Violência por Parceiros Íntimos, também denominada como violência conjugal, aparecendo em 45 publicações, representando 70% da amostra total. Sendo importante relatar que alguns artigos não mencionaram a definição de violência, apresentando apenas o tipo de violência abordado, como é o caso das categorias violência física e psicológica (7) e violência física (3).

 

 

Na categoria de "intervenções aplicadas", apenas 16 artigos propunham algum tipo de tratamento à violência. Enquanto que, em 48 publicações, o que representa 75% da amostra, não são citadas nenhuma possibilidade de intervenção. No entanto, desses 16 artigos, os principais destinos das intervenções foram: população (2), profissionais de saúde (2), vítimas (8) e vítimas e agressores (4).

No que se refere às vítimas e agressores, mesmo focando a busca com termos relacionados apenas ao homem como vítima, muitos artigos trouxeram a proposta de se comparar os índices de violência conjugal entre homens e mulheres conforme apresentado na Tabela 5. Assim, os resultados mostram que tanto homens, quanto mulheres cometem e sofrem violência.

 

 

Em relação às principais vítimas, 43 publicações apresentavam a mulher e o homem como vítimas da violência. Da mesma forma, em relação aos agressores, também 43 artigos apontavam o homem e a mulher como atuantes na propagação da violência conjugal. Representando assim, em ambos os casos, 67% da amostra total como visto na Tabela 6.

 

 

Quanto às comorbidades, 41 artigos não citaram nenhum tipo. Das 23 publicações restantes, a mais citada foi o álcool, sendo que essa substância apareceu relacionada a diversas comorbidades, como drogas, tabaco e depressão (Tabela 7).

 

 

Além das categorias apresentadas, este trabalho ainda se propôs a analisar se os artigos faziam comparações entre a violência cometida pela mulher em relação ao homem e vice-versa e se mencionavam relacionamentos homossexuais, dada a presença dessa nova composição familiar na contemporaneidade.

Da amostra total de 64 artigos, 43 propunham a comparação da violência entre a mulher e o homem, ambos podendo assumir o papel tanto de vítima, quanto de agressor, defendendo novas perspectivas que não somente a violência cometida apenas pelo homem contra a mulher. Essa comparação já demonstra uma maturidade dos autores e uma busca na aplicação do tema, admitindo-se também a possibilidade de o homem ser vítima da violência conjugal. E, por fim, em relação aos casais homossexuais, apenas nove artigos discutiam a violência em relações homoafetivas no ambiente familiar.

 

Discussão

Através do presente trabalho, foi possível perceber que a perspectiva da violência conjugal, antes vista e tratada como um sinônimo da violência contra a mulher somente, hoje já começa a ser modificada (Caldwell, Swan & Allen, 2009). Com a análise dos artigos da amostra encontrada e leitura de seus textos completos, percebeu-se a preocupação dos autores em se atentar para este novo alvo da violência conjugal, o homem.

É importante dizer que o que propomos, não é a negação de que a mulher é a maior vítima desse tipo de agressão, visto que dados confirmam tal afirmação; em determinadas culturas, em função dos costumes e tradições, as taxas são extremamente elevadas (Blay, 2003; Schraiber & D'Oliveira, 1999). Contudo, ainda existem preconceitos e crenças acerca desse tipo de violência. Ilustrando tal afirmação, uma pesquisa feita por Mattingly e Straus (2006) com uma amostra de 68 estudantes de 32 nacionalidades diferentes apresenta que 51,4% dos homens e 52,8% das mulheres acham certo uma mulher cometer violência física contra seu marido em determinadas situações. E, em contrapartida, um número menor, 26% dos homens e 21% das mulheres consideram certo, em determinados momentos, um marido bater em sua esposa (Mattingly & Straus, 2006).

Assim, o que apresentamos é a possibilidade de uma maior abrangência quanto aos estudos da violência conjugal em que o homem possa ser visto também como possível vítima. Além de atentarmos para a relação existente entre vítima e agressor, se é que é possível determinar nessa relação complexa quem é, de fato, somente vítima e/ou unicamente agressor.

Os dados deste levantamento, além de mostrar índices de violência conjugal contra os homens, mencionam até a existência de instituições e abrigos para eles; o que, até então, só existia para as mulheres (Hines, Brown & Dunning, 2007). Talvez isso seja o reflexo da nova sociedade que se forma, já que as mulheres conquistaram sua independência e a cada dia ocupam mais cargos de trabalho, antes pertencentes aos homens. Em algumas famílias, já se veem as funções, antes estabelecidas pelos gêneros, agora trocadas. Se isso é causa/consequência desses novos índices que apresentam o homem como vítima da violência por parceiros íntimos, ainda não é possível afirmar. Porém é fato que as mulheres, hoje, na sociedade e em suas relações, estão se tornando cada vez mais presentes e independentes.

Quanto aos dados encontrados, as tabelas mostram que ainda os Estados Unidos possuem um número maior de dados relacionados à realização de pesquisas, tendo o Brasil aparecido apenas com uma publicação. A forte presença dos Estados Unidos pode ser explicada pela grande publicação de textos americanos nas principais bases de dados indexadas e pela significativa quantidade de periódicos bem avaliados naquele país. Torna-se importante destacar também a presença dos Estados Unidos na construção de várias teorias da psicologia e sua participação nas variadas áreas pertencentes à mesma. Quanto ao ano de publicação, em função do grande número de exclusão de artigos que não se relacionavam ao tema, não foi possível inferir afirmações acerca dessa categoria.

O principal tipo de violência abordado foi a IPV, consequência da própria temática pesquisada de violência conjugal. Mas cabe ressaltar que, ainda assim, a violência de gênero (focada somente na mulher como vítima) e a violência doméstica (ampliação das vítimas para crianças, adolescentes, mulheres e idosos) apareceram na amostra analisada. Fato que ocorreu de forma semelhante nas categorias "vítimas" e "agressores", pois foram encontrados quatro artigos mencionando a mulher como principal vítima e sete artigos que colocaram o homem como principal agressor. Ainda nessas duas categorias, é importante mencionar a presença de dados advindos dos relacionamentos homossexuais. Dentro dos índices de vítimas e agressores, havia publicações que analisavam a violência conjugal em relacionamentos homossexuais. Porém esses dados ficaram camuflados dentro das categorias não sendo possível identificar a taxa de homens vítimas e mulheres agressoras provenientes das relações homoafetivas.

Outro resultado que merece atenção é quanto à categoria "intervenções". Da amostra total, apenas 16 publicações se objetivavam a contribuir com a diminuição da violência e promoção da saúde. Número muito pequeno em relação ao total de 64 artigos. Percebe-se que as atenções ainda se voltam para a identificação e levantamento de dados sobre a violência conjugal. E, ainda assim, dessas poucas publicações que relatam interesse para a intervenção, a maioria delas foca o tratamento para vítima, o que resulta em mínimas atividades de prevenção a esse tipo específico de violência.

Outra forma de prevenção à violência entre casais seria a atuação nas comorbidades encontradas. Nesta bibliometria, a comorbidade mais citada e relacionada a esse tipo de violência foi o abuso do álcool. O abuso de álcool tem sido configurado como um problema de saúde pública e resulta em problemas de elevadas proporções (Carlini, Galduróz, Noto, & Nappo, 2006). Contudo, ainda não é possível afirmar se o abuso de álcool e outras drogas possuem relação causal com a violência conjugal, mas sim que há uma associação entre ambos (Minayo & Deslandes, 1998). O fato é que essas substâncias têm uma participação e, em muitos casos, uma interferência direta no relacionamento entre casais. Dessa forma, o abuso de álcool tem se tornado uma variável de extrema importância no estudo desse tipo específico de violência, tanto para situações em que a pessoa é vitima quanto em situações nas que é agressora. Em função dessa relação, discute-se muito se a atuação e intervenção no uso de substâncias poderiam diminuir a violência, no caso aqui estudado, a violência entre pares, já que se percebe que essas substâncias têm o poder de potencializar as discussões, desavenças e até resultar em agressões físicas, psicológicas e/ou sexuais. Assim, é fundamental a detecção precoce do abuso de álcool, uma vez que este pode ser um componente de extrema importância na prevenção da violência. E, com essa detecção, desenvolver melhores formas de intervenções, com o objetivo de diminuir esses índices, proporcionando melhor qualidade de vida para a população em geral.

 

Conclusão

Falar de violência conjugal em relação ao homem como possível vítima ainda não é algo corriqueiro entre os autores. O universo das pesquisas acerca desse tipo específico de violência ainda possui como foco principal a mulher vitimada. Em alguns países, esta visão já começa a se modificar, como já foi citado acima: a criação de um abrigo para homens vítimas dessa violência. Porém, a proposta deste trabalho, que busca olhar para a violência conjugal como um resultado da interação de ambas as partes, perpetradas e vítimas, ainda vai contra muitas mentalidades cujas explicações têm como base teorias feministas e filosóficas acerca da mulher vista, estrutural e fisicamente, como mais fraca que o homem. Um exemplo do que está sendo dito é o fato de existir apenas um instrumento que se propõe a mensurar a violência conjugal em relação ao homem e a mulher ambos como possíveis agressores e vítimas (Straus, Hamby, Boney-Maccoy & Sugarman, 1996).

É importante ressaltar ainda que, ao se tratar de um assunto subjetivo, como o relacionamento íntimo entre casais, e admitir que cada ser humano envolvido poderá reagir de uma forma diferenciada, em uma determinada situação, dependendo de diversos fatores influentes, como humor, traços de personalidades, crenças, torna-se pouco preciso apresentar uma única visão de vítima e agressor, visto que as configurações familiares estão se modificando em função das novas atividades laborativas que surgem e das novas concepções de vida e de casal presentes nos dias de hoje.

Dessa forma, o presente levantamento bibliométrico teve como objetivo apresentar novas perspectivas e outro lado da violência conjugal. Mostrar que, mesmo com os poucos índices e dados acerca do homem como vítima, pois muitos desses dados ainda são subnotificados em função de o homem se sentir humilhado e com vergonha de denunciar a agressão sofrida, foram encontradas publicações em vários países que se remetiam ao homem como vítima da violência conjugal. É verdade que existem outros fatores associados que podem contribuir com essa violência, como a cultura, as tradições de determinados povos, a visão de gênero, entre outros. Dessa forma, essa situação pede ainda novos estudos, de preferência com amostras maiores para que se possa ter uma maior consistência e poder de generalização, já que a amostra encontrada foi pequena devido aos poucos artigos completos disponibilizados gratuitamente e principalmente pelo tema ser novo no plano das discussões e pesquisas.

Ainda assim, fica a sugestão de ampliar a visão em relação à violência conjugal, de forma a não somente analisar a mulher como vítima, mas tentar perceber as nuances existentes em um relacionamento e suas complexidades e a possibilidade do homem ter se tornado vítima, em alguns casos, do sistema legislativo e executivo em relação à violência de gênero.

 

Referências

Alvim, S. F., & Souza, L. (2005). Violência conjugal em uma perspectiva relacional: homens e mulheres agredidos/agressores. Psicologia: Teoria e Prática, 7(2), 171-206.         [ Links ]

Blay, E. A. (2003). Violência contra a mulher e políticas públicas. Estudos Avançados, 17(49), 87-98.         [ Links ]

Borsoi, T. S., Brandão, E. R., & Cavalcanti, M. L. T. (2009). Ações para o enfrentamento da violência contra a mulher em duas Unidades de Atenção Primária à Saúde no município do Rio de Janeiro. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 13(28), 165-74.         [ Links ]

Breiding, M. J., Black, M. C., & Ryan, G. W. (2008). Prevalence and risk factors of intimate partner violence in eighteen U.S. States/Territories 2005. American Journal of Preventive Medicine, 34(2), 112-118.         [ Links ]

Caldwell, J. E., Swan, S. C., & Allen, C. T. (2009). Why I hit him: women`s reasons for intimate partner violence. Journal of Aggress Maltreatment Trauma, 18(7), 672-697.         [ Links ]

Carlini, E. A., Galduróz, J. C. E., Noto, A. R., & Nappo, S. A. (2006). II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país: 2005. São Paulo: CEBRID - Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas: UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo. SENAD - Secretaria Nacional Antidrogas, Gabinete de Segurança Institucional - Presidência da República.         [ Links ]

Cheung, M., Leung, P., & Tsui, V. (2009). Asian male domestic violence victims: services exclusive for men. Journal of Family Violence, 24, 447- 462.         [ Links ]

Deeke, L. P., Boing, A. F., Oliveira, W. F., & Coelho, E. B. S. (2009). A dinâmica da violência doméstica: uma análise a partir dos discursos da mulher agredida e de seu parceiro. Saúde Social, 18(2), 248-258.         [ Links ]

D'Oliveira, A. F. P., Schraiber, L. B., Franca, I. J., Ludermir, A. B., Portella, A. P., Diniz, A. S. et al. (2009). Fatores associados à violência por parceiro íntimo em mulheres brasileiras. Revista de Saúde Pública, 43(2), 299-310.         [ Links ]

Falcke, D., Oliveira, D. Z., Rosa, L. W., & Bentancur, M. (2009). Violência conjugal: um fenômeno interacional. Contextos Clínicos, 2(2), 81-90.         [ Links ]

Franc, E. L., Samms-Vaughan, M., Hambleton, I., Fox, K., & Brown, D. (2008). Interpersonal violence in three Caribbean countries: Barbados, Jamaica, and Trinidad and Tobago. Revista Panamericana de Salud Publica, 24(6), 409-421.         [ Links ]

Hines, D. A., Brown, J., & Dunning, E. (2007). Characteristics of callers to the domestic abuse helpline for men. Journal of Family Violence, 22, 63-72.         [ Links ]

Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006 (2006). Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília. Retrieved September 20, 2011, from www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm         [ Links ]

Mattingly, M. J., & Straus, M. A. (2006). Violence socialization and approval of violence: a world perspective on gender differences and american violence. Retrieved October 17, 2011, from www.pubpages.unh.edu/~mas2         [ Links ]

Minayo, M. C. S., & Deslandes, S. F. (1998). A complexidade das relações entre álcool, drogas e violência. Caderno de Saúde Pública, 14(1), 35-42.         [ Links ]

Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. (2002). Violência intrafamiliar. orientações para a prática em serviços. Retrieved September 15, 2011, from http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_19.pdf         [ Links ]

Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. (2005). Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Retrieved September 18, 2011, from http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/impacto_violencia.pdf         [ Links ]

Oliveira, D. C., & Souza, L. (2006). Gênero e violência conjugal: concepções de psicólogos. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 6(2), 34-50.         [ Links ]

Schraiber, L. B., D'Oliveira, A. F., França, I., Diniz, S., Portella, A. P., Ludermir, A. B. et al. (2007). Prevalência da violência contra a mulher por parceiro íntimo em regiões do Brasil. Revista de Saúde Pública, 41(5), 797-807.         [ Links ]

Schraiber, L. B., & D'Oliveira, A. F. (1999). Violência contra mulheres: interfaces com a saúde. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 3(5), 11-26.         [ Links ]

Straus, M. A., Hamby, S. L., Boney-Mccoy, S., & Sugarman, D. B. (1996). The revised conflict tactics scales. Journal of Family Issues, 17(3), 283-316.         [ Links ]

Zaleski, M., Pinsky, I., Laranjeira, R., Ramisetty-Mikler, S. & Caetano, R. (2010). Violência entre parceiros íntimos e consumo de álcool. Revista de Saúde Pública, 44(1), 53-59.         [ Links ]

 

 

Recebido: 20/02/2012
Aceito: 13/12/2012

 

 

1 Contato: ana_cfc@yahoo.com.b