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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.6 no.2 Belo Horizonte jul. 2013

 

ARTIGOS

 

Análise de conteúdo: da teoria à prática em pesquisas sociais aplicadas às organizações

 

Content analysis: from theory to practice in social research applied to organizations

 

 

Rosana Hoffman Câmara1

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Brasília, Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo visa apresentar a técnica de Análise de Conteúdo perpassando a discussão entre a teoria e a prática em pesquisas aplicadas a organizações. Inicia com uma preleção dos métodos quantitativos e qualitativos, apresenta a pesquisa qualitativa na observação de autores clássicos na área e introduz o método de análise de conteúdo com fundamento em Bardin (2011). Em seguida pragmatiza a técnica exemplificando com pesquisas sociais em organizações, enfatizando as três fases de aplicabilidade. Finalmente discute a inserção da técnica na pesquisa qualitativa mostrando a importância da utilização em pesquisas de cunho social.

Palavras chave: Análise de conteúdo, Teoria, Prática.


ABSTRACT

This study aims to present the technique of content analysis spanning the discussion between theory and practice in social research applied to formal organizations. It begins with a lecture of quantitative and qualitative methods, presents qualitative research in the observation of classical authors in the area and introduces the method of content analysis based on Bardin (2011). Then the study pragmatizes the technique exemplifying same with social research in formal organizations, emphasizing the three stages of applicability. Finally, the integration of the technique in qualitative research showing the importance of its use in research in social matters is discussed.

Keywords: Content analysis, Theory, Practice.


 

 

Pesquisas sociais que privilegiam a subjetividade individual e grupal requerem uma metodologia que congrega o espectro singular nelas incluso. Assim, uma das etapas mais determinantes para quem pretende realizar uma pesquisa é a definição exata das técnicas de coleta e das técnicas de análise dos dados.

O pesquisador pode, sem demérito, optar por um método quantitativo, qualitativo ou misto, mas, não obstante, deverá estar preparado para avaliar os resultados, seja qual for a escolha.

Obviamente há momento e contexto para as opções que, por vezes, não são excludentes entre si. Há de se "deitar" o olhar sobre os objetivos propostos que demandaram estas opções. A utilização de procedimentos mistos em pesquisas sociais é bastante usual, pois permite a apreensão do fênomeno e do objeto de estudo por prismas, por vezes, distintos.

A utilização de pesquisa quantitativa, ajusta-se melhor a casos onde há maior demanda de pessoas, uma população maior, e exerce um papel auxiliar de "termômetro" ao permitir a análise descritiva do real ao traçar o perfil de fatores que influenciam o processo.

Entretanto, com a utilização de instrumentos quantitativos "ganha-se em generalidade e perdem-se especificidades; identifica-se o visível, mas não se sabe o que está por trás dele; obtém-se a objetivação e não se apreende o processo de subjetivação mais completo" (Ferreira & Mendes, 2007, p.85).

Assim, o uso da pesquisa qualitativa permite, dentre outros, estabelecer fatores de determinado fenômeno, a partir da perspectiva analítica do real, por meio da população estudada, adequando-se como ferramenta para a construção de formulários quantitativos quando utilizada a priori e para clarificar e ilustrar dados quantitativos, quando utilizada a posteriori, ou seja, auxilia a aprofundar e melhorar a qualidade da interpretação, amplia o entendimento sobre o objeto de estudo e melhor esclarecer os dados quantitativos, pois capta as nuanças da percepção dos entrevistados para ampliar a compreensão da realidade vivida pelos respondentes e aprofunda a questão de como as pessoas percebem os fenômenos estudados.

Não é raro que o pesquisador encontre algumas diferenças entre dados quantitativos e dados qualitativos. Essas diferenças podem ser explicadas pelas técnicas de coleta de dados utilizadas. A literatura da área aponta que, ao se coletar dados por meio de formulário, há sempre o receio, por parte de um grande número de respondentes, de que a instituição o identifique, mesmo garantindo-se de que esse fato não ocorrerá. Esse receio pode mascarar, de alguma forma os resultados, pois as pessoas tendem a responder ao formulário de forma defensiva. Entretanto, de modo geral, esse não é um agravante nos dados quantitativos, embora sirva como ponto explicativo quando há discrepâncias em alguns resultados encontrados.

Embora na pesquisa qualitativa os sujeitos também sejam identificados pelo pesquisador, deve haver uma permissão declarada ou escrita do sujeito para que os dados sejam coletados e um "contrato" entre entrevistado e pesquisador, de que a identidade do respondente não será revelada.

Não se pretende aqui, valorizar mais uma técnica do que outra. Ambas são igualmente importantes para os resultados finais encontrados. O método qualitativo não se opõe em essência ao quantitativo, vem abranger e suprir questões que não se limitam à descrição de dados "duros", numéricos, sem face ou personalidade e será desse método, bem como de uma das técnicas utilizadas para análise de dados relacionada a ele, que se trata este artigo.

 

A Pesquisa Qualitativa

Objetivos como o de verificar de que modo as pessoas consideram uma experiência, uma ideia ou um evento são característicos de pesquisas qualitativas, que se prestam ainda para casos em que o objetivo é a "demonstração lógica das relações entre conceitos e fenômenos, com o objetivo de explicar a dinâmica dessas relações em termos intersubjetivos" (Mendes, 2006, p. 11).

Por outro lado, toma-se ainda como exemplo a montagem de inventários quantitativos por meio da coleta exploratória de dados qualitativos, que permitem gerar riqueza e flexibilidade à pesquisa (Gaskell, 2002).

Gaskell (2002, p. 65) afirma também que a pesquisa qualitativa "fornece os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação. O objetivo é uma compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivação, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos".

Ainda de acordo com o autor a compreensão na visão dos sujeitos da pesquisa é característica do método qualitativo quando o ensejo é "o fornecimento de uma descrição detalhada de um meio social específico, uma base para construir um referencial para pesquisas futuras e fornecer dados para testar expectativas e hipóteses desenvolvidas fora de uma perspectiva teórica específica" (Gaskell, p. 65).

Glazier & Powell (2011) mostram que a melhor maneira de entender o que significa pesquisa qualitativa é definir o que ela não é, ou seja, ela não é um conjunto de procedimentos que depende fortemente de análise estatística para suas inferências ou de métodos quantitativos para a coleta de dados.

Patton (1980) e Glazier & Powell (2011), indicam que os dados qualitativos são: descrições detalhadas de fenômenos, comportamentos; citações diretas de pessoas sobre suas experiências; trechos de documentos, registros, correspondências; gravações ou transcrições de entrevistas e discursos; dados com maior riqueza de detalhes e profundidade e interações entre indivíduos, grupos e organizações.

Godoy (1995) reflete que:

a pesquisa qualitativa não procura enumerar e/ou medir os eventos estudados, nem emprega instrumental estatístico na análise dos dados. Parte de questões ou focos de interesses amplos, que vão se definindo a medida que o estudo se desenvolve. Envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo (Godoy, 1995, p.58).

Godoy (1995, p. 58) traz ainda que "sob a denominação de pesquisa qualitativa encontram-se variados tipos de investigação, apoiados em diferentes quadros de orientação técnica e metodológica, tais como o interacionismo simbólico, a etnometodologia, o materialismo dialético e a fenomenologia".

Assim, para a investigação dos dados de uma pesquisa qualitativa, existem algumas técnicas singulares, fundamentadas em correntes, pensamentos e abordagens diversas, entretanto, este artigo se detém especificamente em uma das técnicas utilizadas para a interpretação de dados oriundos de pesquisas qualitativas, a saber, a análise de conteúdo.

 

A Análise de Conteúdo

Este artigo apresenta a análise de conteúdo como uma das técnicas de tratamento de dados em pesquisa qualitativa e está calcado na proposta da professora da Universidade de Paris V, Laurence Bardin (2011).

Bardin (2011) indica que a análise de conteúdo já era utilizada desde as primeiras tentativas da humanidade de interpretar os livros sagrados, tendo sido sistematizada como método apenas na década de 20, por Leavell. A definição de análise de conteúdo surge no final dos anos 40-50, com Berelson, auxiliado por Lazarsfeld, mas somente em 1977, foi publicada a obra de Bardin, "Analyse de Contenu", na qual o método foi configurado nos detalhes que servem de orientação atualmente.

Para Bardin (2011), o termo análise de conteúdo designa:

um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (Bardin, 2011, p. 47).

Godoy (1995b), afirma que a análise de conteúdo, segundo a perspectiva de Bardin, consiste em uma técnica metodológica que se pode aplicar em discursos diversos e a todas as formas de comunicação, seja qual for à natureza do seu suporte. Nessa análise, o pesquisador busca compreender as características, estruturas ou modelos que estão por trás dos fragmentos de mensagens tornados em consideração. O esforço do analista é, então, duplo: entender o sentido da comunicação, como se fosse o receptor normal, e, principalmente, desviar o olhar, buscando outra significação, outra mensagem, passível de se enxergar por meio ou ao lado da primeira.

Bardin (2011) indica que a utilização da análise de conteúdo prevê três fases fundamentais, conforme o esquema apresentado na Figura I: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados-a inferência e a interpretação.

A primeira fase, a pré-análise, pode ser identificada como uma fase de organização. Nela estabelece-se um esquema de trabalho que deve ser preciso, com procedimentos bem definidos, embora flexíveis. Normalmente, segundo Bardin (2011), envolve a leitura "flutuante", ou seja, um primeiro contato com os documentos que serão submetidos à análise, a escolha deles, a formulação das hipóteses e objetivos, a elaboração dos indicadores que orientarão a interpretação e a preparação formal do material.

Inicia-se o trabalho escolhendo os documentos a serem analisados. No caso de entrevistas, elas serão transcritas e a sua reunião constituirá o corpus da pesquisa. Para tanto, é preciso obedecer às regras de exaustividade (deve-se esgotar a totalidade da comunicação, não omitir nada); representatividade (a amostra deve representar o universo); homogeneidade (os dados devem referir-se ao mesmo tema, serem obtidos por técnicas iguais e colhidos por indivíduos semelhantes); pertinência (os documentos precisam adaptar-se ao conteúdo e objetivo da pesquisa) e exclusividade (um elemento não deve ser classificado em mais de uma categoria).

A segunda e terceira fases serão tratadas nos próximos tópicos, com a utilização de exemplos de pesquisas.

 

A Análise de Conteúdo em Pesquisas Sociais em Organizações

Em pesquisas sociais em organizações, o estudo sobre as condições de trabalho vem se mostrando um tema recorrente para subsidiar a tomada de decisão sobre várias ações estratégicas da organização. Assim, para que se tenha uma visão aplicada da análise de conteúdo em pesquisas organizacionais, optou-se por abordar essa temática, pois entende-se que seja um construto bastante familiar às pessoas inseridas em organizações. Para fins de análise, "Condições de Trabalho" foram conceituadas como as condições materiais e instrumentais de trabalho; identificação de agentes nocivos à saúde dos trabalhadores; transformações na organização sociotécnica do trabalho e impactos dos usos de novas tecnologias no contexto de trabalho (Ferreira, 2003).

A preparação do material se faz pela "edição" das entrevistas transcritas, dos artigos recortados, das questões anotadas em fichas. O exemplo que se segue, mostra o recorte de uma série de cinco entrevistas realizadas, em que as condições de trabalho compunham um dos fatores pesquisados (Hoffman-Câmara, 2007). Os cinco entrevistados eram do sexo feminino, trabalhavam na mesma organização e em atividades burocráticas. A pergunta norteadora foi: como são as condições de trabalho que você tem na empresa em termos de equipamentos, suporte, rotina, fluxo de trabalho, dentre outras?

Entrevista 1:Olha eu vejo que a sala não é adequada, a sala é muito barulhenta, não dá para fazer um trabalho de concentração. De fato às vezes eu vou para a biblioteca... Estas estações de trabalho funcionam muito bem para atividade cartorial, atividade que um não depende do outro, né...atividade em série dá legal, agora a atividade que a gente desenvolve, acho que a gente precisa ter um pouco mais de privacidade, um ambiente mais propício, não acho este ambiente propício. Vou para a biblioteca e às vezes desisto de...de... trabalhar nesse momento e as vezes eu......ahhh...levo serviço para casa. Tô levando serviço para casa e tô ficando aqui depois do expediente... é. Temos estações de trabalho. Essa coisa de estação de trabalho muito junta ela gera promiscuidade que não é legal para o trabalho, não é adequado para o trabalho intelectual, pro trabalho é...como direi...para o trabalho criativo, para você escrever. Para você ler e pensar. E o nosso trabalho depende muito de leitura, tem uma carga de leitura muito grande e aí o que... que acontece, se você. Não tem condição de ler e você. Vai passando, se você. Não tem condição de ler no seu posto de trabalho, é difícil vc. Então vai juntando, vai dando uma ah...engarrafamento de trabalho. Isso vai levando a gente a ansiedade finalmente. Vai gerando um sentimento de que você não vai dar conta nunca...as vezes no sábado eu venho trabalhar, para arrumar minha mesa, me organizar porque não dá pra...o barulho é muito grande...

Entrevista 2:Barulho demais atrapalha, telefone demais atrapalha. Você está num processo que você precisa se concentrar e não dá pra quebrar com a ligação porque quando você voltar e começar fazer tudo de novo, voltar seu pensamento, leva certo tempo. E às vezes você não consegue voltar ao mesmo pensamento. Ambiente, computador, essas coisas, a gente já conseguiu melhorar muito. Antes estava ruim, agora está melhor. Nós estamos em ilhas. Em ilhas todo mundo espera que se fale mais baixo entre as pessoas. Principalmente porque é o colega do outro lado da divisória. O ambiente é quente. A sala é quente. Não é um ambiente gostoso, confortável. Dá vontade de pegar a mesa e colocar lá fora. A pessoa usa o ventilador, abana, vai tomar água, amarra cabelo, vem com roupa um pouco mais curta, é o jeito. Quando está muito quente, dificulta porque você fica mais preocupada querendo se refrescar; o calor atrapalha e o frio também atrapalha, incomoda. Quando não há investimento, quando você tem equipamentos e móveis antigos, velhos demais, que se você tivesse um 386 que um processo leva meia hora e num Pentium levaria 5 minutos, você vai ficar com seu técnico, seu analista parado, esperando a máquina processar. É desgastante, estressante, frustrante, porque o negócio não anda, o que poderia fazer em 15 ou 20 minutos ele leva uma hora ou duas pra fazer. Porque o equipamento que ele tem não ajuda.

Entrevista 3:Todo mundo tem alguma coisa que quer que melhore, não é? Computador, material, fax. Então, essas coisinhas (ilhas), acho que prejudicam, tiram até sua individualidade. Que tem uma coisa que você quer falar ali perto, assim, sabe? Você comenta alguma coisa sem querer, e gera ti-ti-ti, sabe? Então, você tem que ficar pisando em ovos. Ter muito cuidado, e calar. Então, você vai ficando meio decepcionada com a profissão. Acho que a gente, também, tem que entender que nem tudo é igual ao que a gente quer. Tem a outra, com computador melhor, e o meu pior, o meu computador às vezes dá um problema, mas eu fico na minha. É como eu te disse, a gente, nessa altura do campeonato que eu estou aqui, eu não vou brigar, não vou questionar nada. O que me derem, eu faço. Por causa de tempo, por causa de outras coisas, o que der, eu faço. Se não deu... mas, se precisar ficar depois do horário, eu fico... sabe? Acho que, tenho que fazer a minha parte. Acho que sou até muito boa, muitos já me criticaram nesse sentido.

Entrevista 4:Quando eu entrei aqui não estava tão bom. Mas melhorou bastante. Mas a gente está precisando de -por exemplo, o telefone que eu falei pra você que tem hora que eu viro assim, eu dou uma viradinha no pescoço. Então o ideal é que a gente não faça esse movimento com o pescoço pra atender ao telefone e verificar alguma coisa. Tem algumas coisas que ainda seria interessante que fosse corrigido, porque é muito gratificante você ter trabalhado uma vida toda e depois que você se aposentar ter qualidade de vida. Eu acho muito importante a qualidade de vida no trabalho.

Oferecer condições para as pessoas poderem dedicar a sua vida pra empresa, porque 20, 30, 35 anos é uma vida que você dedica pra empresa. Muitas vezes você não está numa empresa só, você está em várias. Então você dedica uma vida pra empresa. Quando você aposentar você não tem mais qualidade de vida. Porque tem problema de coluna, porque está cheio de problemas. Na unidade em termos de condições de trabalho, eu acho que falta muito mais. Você sai pro campo, você sofre de péssimas condições de trabalho, as condições de trabalho deles não são boas. Desde equipamentos, até se precisar mesmo, o que se pode oferecer de melhor para aquelas pessoas, pra que não se contaminem com produtos, porque são utilizados muitos venenos em campo. Eu acho que tem que trabalhar muito nesse sentido de procurar pesquisar os melhores equipamentos. Muitas vezes eles solicitavam equipamentos e a empresa procurava comprar. Nem sempre nas quantidades que eles pediam. Até a época que eu trabalhei lá isso era difícil de conseguir, não era fácil. Isso era uma coisa que vou falar pra você, eu sempre dizia: -gente, não tá certo isso. Porque como é que pode o projeto definir que ele precisa de tantas pessoas pra trabalhar no projeto, precisa de tantos insumos, insumos reagentes, que precisa de treinamento, e como é que não põe os equipamentos que vai precisar? Olha, nem sempre havia recursos pra comprar. Eu acho que essa situação deve ter sido melhorada. Essa situação pode ter mudado, melhorado de alguma forma. Até a época que eu trabalhei lá sempre tinha essa dificuldade pra definir os equipamentos. Sempre se fazia listas e listas e não conseguia adquirir. Acabava assim, eles adquiriam de alguma forma, através de recursosde outro local, acabavam se virando. Eu penso que o correto mesmo seria você ter uma coisa bem estruturada, bem estabelecida. Acho que assim estaria garantindo uma condição de saúde melhor.

Entrevista 5:Os chefes, eles estão melhorando muito a nossa condição no trabalho. A nossa sala foi toda reformada, tem dois anos que eu estou aqui e a gente batalhou pra isso, quando eu faço esse treinamento externo a gente ganha recurso. Aí eu negocio com eles, então eu consegui o ar condicionado, consegui aquele grandalhão, pintamos a sala, trocamos o piso. No projeto do final de ano, a chefe conseguiu os móveis, todos os computadores a gente está trocando, só tem um ou dois que não está cem por cento. Mas tudo que a gente tem pedido a gente tem conseguido. Isso a gente não pode reclamar não. Os EPIs, os equipamentos de proteção, solicitamos pra ser adquirido, até o final do ano -isso é uma coisa que preocupa a gente -dar condição pro pessoal que está no campo. Mas está tranquilo. Era uma coisa que estava pendente e ruim. Mas de um modo geral eu não posso reclamar não. Eu acho que as condições estão boas. Quando eu cheguei aqui não tinha nem água pra beber. Porque não tinham dinheiro. E depois que eles assumiram a gente não teve mais esse problema, não. Acho que é uma questão de administração. Tem coisas que são prioritárias. Por exemplo, não pode deixar faltar água. É primordial pra sobrevivência de qualquer ser humano. Então melhorou bem. Pois é, está faltando os EPIs. Alguns equipamentos estão em falta realmente.Trabalhamos este ano precário. Tentamos fazer da melhor maneira possível. Ficou um pouquinho fora, mas não foi nem por conta da chefia. Foi por conta de orçamento. É desagradável você ver o seu colega reclamando uma coisa que é obrigação da empresa dar até pra ele executar a atividade dele melhor. A gente fica constrangida, não resta dúvida. Mas por outro lado eu tenho que entender que não é só o gerencial aqui dentro. Acho que gerencial é um pouquinho mais acima. Mas o recurso saiu agora de agosto a setembro, até que faça a compra é um processo demorado.

Com os dados transcritos, inicia-se a leitura flutuante. Em seguida, passa-se a escolha de índices ou categorias, que surgirão das questões norteadoras ou das hipóteses, e a organização destes em indicadores ou temas. Os temas que se repetem com muita frequência são recortados "do texto em unidades comparáveis de categorização para análise temática e de modalidades de codificação para o registro dos dados" (Bardin, 2011, p.100).

Na segunda fase, ou fase de exploração do material, são escolhidas as unidades de codificação, adotando-se os seguintes procedimentos de codificação [que compreende a escolha de unidades de registro - recorte; a seleção de regras de contagem - enumeração - e a escolha de categorias - classificação e agregação - rubricas ou classes que reúnem um grupo de elementos (unidades de registro) em razão de características comuns], classificação [semântico (temas, no exemplo dado), sintático, léxico - agrupar pelo sentido das palavras; expressivo - agrupar as perturbações da linguagem tais como perplexidade, hesitação, embaraço, outras, da escrita, etc...] e categorização (que permite reunir maior número de informações à custa de uma esquematização e assim correlacionar classes de acontecimentos para ordená-los). Com a unidade de codificação escolhida, o próximo passo será a classificação em blocos que expressem determinadas categorias (no exemplo dado, foram retiradas das entrevistas apenas as falas que se referiam às condições de trabalho), que confirmam ou modificam aquelas, presentes nas hipóteses, e referenciais teóricos inicialmente propostos. Assim, num movimento continuo da teoria para os dados e vice-versa, as categorias vão se tornando cada vez mais claras e apropriadas aos propósitos do estudo.

A organização do material ou dados da pesquisa se realiza em colunas, com vazios à esquerda e à direita, para anotar e marcar semelhanças, como o exemplo da entrevista 2, mostrado no Quadro1.

Para Bardin (2011) as categorias devem possuir certas qualidades como: exclusão mútua - cada elemento só pode existir em uma categoria; homogeneidade - para definir uma categoria, é preciso haver só uma dimensão na análise. Se existem diferentes níveis de análise, eles devem ser separados em diferentes categorias; pertinência - as categorias devem dizer respeito às intenções do investigador, aos objetivos da pesquisa às questões norteadoras, às características da mensagem, etc.; objetividade e fidelidade - se as categorias forem bem definidas, se os temas e indicadores que determinam à entrada de um elemento numa categoria forem bem claros, não haverá distorções devido à subjetividade dos analistas; produtividade - as categorias serão produtivas se os resultados forem férteis em inferências, em hipóteses novas, em dados exatos.

A seguir, agrupam-se os temas nas categorias definidas, em quadros matriciais, pelos pressupostos utilizados por Bardin (2011).

Tendo sido elaboradas as categorias sínteses, passa-se à construção da definição de cada categoria. A definição pode obedecer o conceito definido no referencial teórico ou ser fundamentada nas verbalizações relativas aos temas, ambos, título e definição, devem ser registrados nos quadros matriciais. Ainda de acordo com Bardin (2011), as categorias podem ser criadas a priori ou a posteriori, isto é, a partir apenas da teoria ou após a coleta de dados.

No exemplo dado, o título e a definição da categoria, foram estabelecidos tomando-se por base as falas dos entrevistados, seguindo sugestão de Mendes (2007, p.46) que propõe que "o nome e a definição devem ser sempre criados com base nos conteúdos verbalizados e com um certo refinamento gramatical de forma. Às vezes, o nome da categoria é uma fala do sujeito".

Em todo o processo de construção de categorias, procurou-se preservar na íntegra a fala do entrevistado, conforme mostra o Quadro 2.

A terceira fase do processo de análise do conteúdo é denominada tratamento dos resultados - a inferência e interpretação. Calcado nos resultados brutos, o pesquisador procurara torná-los significativos e válidos. Esta interpretação deverá ir além do conteúdo manifesto dos documentos, pois, interessa ao pesquisador o conteúdo latente, o sentido que se encontra por trás do imediatamente apreendido.

A inferência na análise de conteúdo se orienta por diversos polos de atenção, que são os polos de atração da comunicação. É um instrumento de indução (roteiro de entrevistas) para se investigarem as causas (variáveis inferidas) a partir dos efeitos (variáveis de inferência ou indicadores, referências), segundo Bardin (2011, p. 137). No Quadro 2, acima, a partir da utilização da pergunta de entrevista "Como você percebe as condições de trabalho em termos de ambiente, equipamentos e material?", foram obtidas as verbalizações que induziram as respostas sobre os indicadores ou inferências a respeito do que seria o tema "Móveis e Equipamentos".

Passa-se à interpretação de conceitos e proposições. Os conceitos dão um sentido de referência geral, produzem imagem significativa. Os conceitos derivam da cultura estudada e da linguagem dos informantes, e não de definição científica. Ao se descobrir um tema nos dados, é preciso comparar enunciados e ações entre si, para ver se existe um conceito que os unifique. Quando se encontram temas diferentes, é necessário achar semelhanças que possa haver entre eles.

A proposição é um enunciado geral baseado nos dados. Enquanto os conceitos podem ou não ajustar-se, as proposições são verdadeiras ou erradas, mesmo que o pesquisador possa ou não ter condições de demonstrá-lo. O certo é que as proposições derivam do estudo cuidadoso dos dados.

No exemplo o dado, poderia, portanto, ser adotada a seguinte proposição:

Esta categoria indica como são as condições de trabalho para a realização das atividades. Mostra que os trabalhadores, de modo geral, atuam em um ambiente quente e barulhento, além de que a disposição do mobiliário em "ilhas" interfere na realização das tarefas. Não possuem o número adequado de equipamentos para garantir a segurança física e os que utilizam para a realização das atividades diárias, por vezes são antigos e dificultam o fluxo de trabalho. Há ainda a demora, em função de ausência de verbas ou de burocracia, para a aquisição de material.

Durante a interpretação dos dados, é preciso voltar atentamente aos marcos teóricos, pertinentes à investigação, pois eles dão o embasamento e as perspectivas significativas para o estudo. A relação entre os dados obtidos e a fundamentação teórica, é que dará sentido à interpretação.

As interpretações a que levam as inferências serão sempre no sentido de buscar o que se esconde sob a aparente realidade, o que significa verdadeiramente o discurso enunciado, o que querem dizer, em profundidade, certas afirmações, aparentemente superficiais.

Assim a interpretação do exemplo dado, ficaria do seguinte modo:

No que se refere às condições de trabalho, os resultados indicaram que não são satisfatórias, pois o ambiente físico é barulhento, quente e inadequado, sendo que os equipamentos não atendem às necessidades de trabalho e às de segurança. Assim, identificou-se que havia elementos que interferiam negativamente no bem-estar do pessoal.

As condições de trabalho são tidas como elementos estruturais de suporte ao posto de trabalho. De acordo com Ferreira e Mendes (2003), a precariedade das condições de trabalho gera sentimentos de indignação, insatisfação, inutilidade e desvalorização nos empregados. Quando as condições de trabalho não são satisfatórias problemas como desgaste físico, cansaço intenso, desmotivação e vivências de mal-estar no trabalho podem ocorrer. Assim, quanto mais precárias as condições, maior o sofrimento no trabalho e o risco à saúde, o que pode interferir negativamente na qualidade de vida do trabalhador.

Quando as condições de trabalho são satisfatórias, são de certa forma estruturantes psíquicas para que as pessoas possam trabalhar. É uma forma de valorização do trabalhador, como se ele tivesse um valor para a organização. E é esse sentimento de valia que faz das condições de trabalho um elemento estruturante do trabalho (Ferreira & Mendes, 2003).

Também Ferreira e Mendes (2003), em estudo com auditores fiscais, corroboraram os achados quando observaram que frequentemente as condições de trabalho desses profissionais eram precárias. Esta falta de apoio institucional, segundo os pesquisadores, gerava um aumento do custo humano do trabalho. Os autores afirmam que se não houver melhoria das condições de trabalho, no futuro podem aparecer distúrbios graves de saúde.

Assim fecha-se o processo de Análise de Conteúdo, lembrando que embora essas três fases devam ser seguidas, há muitas variações na maneira de conduzi-las. As comunicações, objeto de análise, podem ser abordadas de diferentes formas. As unidades de análise podem variar: alguns pesquisadores escolherão a palavra, outros optarão pelas sentenças, parágrafos e, ate mesmo, o texto. A forma de tratar tais unidades também se diferencia. Enquanto alguns contam as palavras ou expressões, outros procuram desenvolver a análise da estrutura lógica do texto ou de suas partes, e outros, ainda, centram sua atenção em temáticas determinadas (Bardin, 2011; Godoy, 1995b).

 

Considerações Finais - A Inserção da Técnica na Pesquisa Qualitativa

De acordo com Godoy (1995b), a análise de conteúdo sofreu influências da busca da cientificidade e da objetividade recorrendo, inicialmente, a um enfoque quantitativo que lhe atribuía um alcance meramente descritivo. A análise das mensagens neste intuito se fazia pelo cálculo de frequências. Essa deficiência cedeu lugar à análise qualitativa dentro dessa técnica, possibilitando a interpretação dos dados, pela qual o pesquisador passou a compreender características, estruturas e/ou modelos que estão por trás das mensagens levadas em consideração.

Como os pesquisadores qualitativos não partem de hipóteses previamente estabelecidas, não se preocupam em obterem dados ou evidências que corroborem ou neguem tais suposições. Partem de questões ou focos de interesses amplos, que vão se tornando mais diretos e específicos no transcorrer da investigação. As abstrações são construídas a partir dos dados, num processo de baixo para cima. Quando um pesquisador de orientação qualitativa planeja desenvolver algum tipo de teoria sobre o que esta estudando, constrói o quadro teórico aos poucos, à medida que coleta os dados e os examina (Godoy, 1995a).

Godoy (1995a) afirma ainda que o desenvolvimento da perspectiva qualitativa gerou uma grande diversidade de métodos de trabalho, estilos de análise e a apresentação de resultados e diferentes considerações quanto aos sujeitos, tendo, porém, como técnica mais usual, a análise de conteúdo.

Na pesquisa qualitativa deve haver maior preocupação com o processo em detrimento dos resultados ou produto. Os pesquisadores procuram verificar como determinado fenômeno se manifesta nas atividades, procedimentos e interações diárias.

Também para Silva (2005), a aplicação da técnica de análise de conteúdo nas ciências sociais apresenta-se como uma ferramenta útil à interpretação das percepções dos atores sociais. O papel de interpretação da realidade social configura ao método de análise de conteúdo um importante papel como ferramenta de análise na pesquisa qualitativa nas ciências sociais aplicadas.

Silva (2005) indica ainda que não há, no método, um esquema rígido de utilização e que o cientista social pode e deve utilizar esta flexibilidade, entretanto permanece o compromisso de imprimir nitidez ao quadro teórico e a postura metodológica. Para isto, a precisão com que o investigador captou o ponto de vista dos participantes, testando-o junto aos próprios informantes ou confrontando sua percepção com a de outros pesquisadores, deve ser assegurada.

Como visto, métodos quantitativos, qualitativos ou mistos devem ser adotados pelo pesquisador em acordo com o propósito da pesquisa. Aquele que melhor atender à problemática definida para a pesquisa, deve ser priorizado, pois depreende-se que a opção de um delineamento metodológico para o estudo empírico caracteriza-se como uma preocupação capital para qualquer pesquisador que queira alcançar objetivos eminentemente científicos.

Por tratar-se de pesquisas na área das ciências sociais inserida em instituições, a estrutura metodológica também deve ser rigorosamente planejada, considerando-se em primeiro plano, a ética do pesquisador ao engendrar-se em determinada organização. A obtenção de dados requer um redobrado cuidado do pesquisador quanto às opiniões dos respondentes e da organização. Devem imperar, portanto, a ética e o rigor científico, no caminho a ser trilhado.

 

Referências

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Recebido em: 31/07/2012
Aceito em: 18/10/2012

 

 

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