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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

On-line version ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.7 no.1 Juiz de Fora June 2014

 

REVISÕES CRÍTICAS DE LITERATURA

 

Dessensibilização e reprocessamento por movimentos oculares (EMDR) para transtorno de estresse pós- traumático: uma revisão sistemática1

 

Eye movement desensitization and reprocessing (EMDR) for posttraumatic stress disorder: a systematic review

 

 

Alice Einloft Brunnet, Thiago Loreto Silva2; Tárcio Soares; Eduardo Reuwsaat Guimarães; Adolfo Pizzinato

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

 

 


RESUMO

A Dessensibilização e Reprocessamento Através de Movimentos Oculares (Eye Movement Desensitization and Reprocessing - EMDR) é um meio de tratamento para o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Esta técnica se baseia em uma ativação das memórias traumáticas com a ajuda dos estímulos bilaterais proporcionando um processamento adequado dessas memórias. Apesar de existirem estudos de meta-análise sobre a técnica, algumas lacunas ainda são apontadas na literatura. Este estudo consiste em uma revisão sistemática que objetiva atender a tais lacunas, além de prover um breve resumo sobre o protocolo de aplicação do EMDR, tendo em vista a escassez de material publicado sobre o assunto no Brasil. O presente estudo conclui que pesquisas clínicas controladas e de follow up (seguimento) reforçam a evidência de eficácia do EMDR em comparação com outras técnicas e de que os seus efeitos se mantêm por pelo menos tanto tempo quanto em outras formas de terapia.

Palavras-chave: Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, Revisão sistemática


ABSTRACT

Eye Movement Desensitization and Reprocessing (EMDR) is a treatment technique for Posttraumatic Stress Disorder (PTSD). This technique is based on an activation of traumatic memories with the help of bilateral stimuli providing a proper processing of these memories. Although meta-analysis of the technique are available, some gaps are still reported in literature. This study consists of a systematic review that aims at addressing these gaps and, in addition, providing a brief summary as to the application of the EMDR protocol since there is little published material on the subject. This study concluded that randomized clinical trials and follow up studies support the evidence that EMDR is efficient compared with other techniques and that the effects of EMDR remain for at least as long as other forms of therapy.

Keywords: Eye Movement Desensitization and Reprocessing, Posttraumatic Stress Disorder, Systematic Review.


 

 

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é descrito pelo Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, em sua quarta edição revisada (DSM-IV-TR) (American Psychiatric Association, 2002) como um conjunto de sintomas que se desenvolvem a partir de uma experiência traumática, incluindo exposições diretas a eventos estressores, como risco de morte ou de ferimentos graves, e também indiretas, como testemunhar ou ter o conhecimento de ferimentos ou morte de outros (critério A). Os sintomas envolvem revivência persistente do evento traumático (critério B), comportamento de esquiva frente às situações referentes ao trauma (critério C) e sintomas de excitação aumentada (critério D). O sofrimento causado pelo transtorno é intenso, podendo levar seus portadores à depressão, incapacidade laboral e até mesmo ao suicídio.

A prevalência do TEPT ao longo da vida é estimada em 8% em estudos comunitários, mas varia conforme o local e metodologia empregada (American Psychiatric Association, 2002). Caso o transtorno dure mais de três meses, seu curso é geralmente crônico.

Entre os tratamentos com evidências de eficácia para o TEPT, destacam-se os tratamentos farmacológicos (Hollifield, Mackey & Davidson, 2006), protocolos de terapia cognitivocomportamental (TCC), mais especificamente Exposição Prolongada e Treino em Inoculação de Estresse e de Dessensibilização e Reprocessamento Através de Movimentos Oculares (EMDR, ou Eye Movement Desensitization and Reprocessing) (Chambless et al., 1998; Ehlers, Clark, Hackman, McManus & Fennel, 2005).

O EMDR é um protocolo de tratamento desenvolvido em 1987 e publicado em 1989 pela pesquisadora norte-americana Francine Shapiro, a partir de uma descoberta acidental (Shapiro, 1989). Durante uma caminhada no parque, Shapiro percebeu que alguns pensamentos seus de conotação perturbadora haviam desaparecido inesperadamente de sua mente e, mesmo trazendoos de volta à consciência, eles já não pareciam tão perturbadores. Após uma reflexão, ela percebeu que existia uma associação entre a fuga de tais pensamentos e movimentos bilaterais feitos por seus olhos (Shapiro, 2001).

Entre 1987 e 1988, ela realizou um estudo controlado comparativo entre EMDR e placebo com 22 pacientes sofrendo de memórias traumáticas e apresentando sintomas de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Os resultados da aplicação foram excelentes, com todos os pacientes apresentando melhoras significativas que se mantiveram após três meses da aplicação. Este trabalho, junto com uma descrição do procedimento de aplicação, foi publicado no Journal of Traumatic Stress, no ano seguinte (Shapiro, 1989). A autora nomeou esta técnica inicialmente de Eye Movement Desensitization (EMD). Após ministrar workshops para clínicos interessados na técnica, ela percebeu que o procedimento tornava-se mais eficaz quando, além de uma dessensibilização, havia uma reestruturação cognitiva. Desta forma, em 1990, o método foi rebatizado para Eye Movement Desensitization and Reprocessing (EMDR). Tal modificação não diz respeito apenas à nomenclatura, mas sim ao enfoque dado pela técnica, apresentando um panorama integrativo dos processos mentais relacionados à aquisição de informações (Shapiro, 2001).

Uma breve busca bibliográfica em periódicos internacionais revela que o número de estudos com EMDR vem crescendo a cada ano e vários órgãos internacionais já o colocam como abordagem de primeira escolha para o tratamento do TEPT. Apesar disso, observa-se que a literatura em língua portuguesa sobre a abordagem é escassa e o método é pouco difundido no Brasil.

Ainda que a eficácia do EMDR para o TEPT esteja bem estabelecida, existem controvérsias a respeito de seus mecanismos de ação. O modelo teórico proposto pela autora postula que o TEPT é resultado de um processamento disfuncional de informações (normalmente frente a situações traumáticas), que ficariam armazenadas na memória sem estarem devidamente "digeridas" e se tornariam lembranças dolorosas, intrusivas e disfuncionais. O EMDR proporcionaria a ativação e, com a ajuda dos estímulos bilaterais (no caso dos movimentos oculares, a alternância de foco visual de um lado para o outro), um processamento adequado dessas memórias. Este processo resultaria, por fim, na transformação do conteúdo perturbador e na melhora do funcionamento psicossocial do indivíduo (Shapiro, 2001).

O papel dos estímulos bilaterais não é bem estabelecido. Alguns pesquisadores sugerem que os estímulos bilaterais alternados geram uma ativação mais eficaz dos dois hemisférios cerebrais, o que tornaria o processamento de informações mais integrado e completo. De forma complementar, alguns estudos indicam que tipos específicos de atenção dividida podem ter efeitos positivos no processamento de memórias traumáticas (Servan-Shreiber, Schooler, Dew, Carter, & Bartone, 2006).

Dois mecanismos de ação importantes da técnica são a exposição e a reestruturação cognitiva. A exposição é uma técnica amplamente utilizada em psicoterapias e tem um papel central em praticamente todos os modelos eficazes de tratamento do TEPT. A reexposição à memória traumática em um ambiente controlado e seguro tende a gerar redução da resposta de ansiedade e uma diminuição da excitabilidade frente a estímulos não específicos. Isso é feito através da formação de um novo aprendizado em relação à memória aversiva (não se trata de um esquecimento) (Izquierdo & Camarota, 2004). Existem vários correlatos neurobiológicos desse processo no TEPT, como uma diminuição na ativação da amígdala, que é aumentada nesses pacientes, aumento na ativação de córtex préfrontal medial esquerdo (Van der Kolk, 2004; Liberzon & Martins, 2006) e aumento nos níveis basais de cortisol, que são diminuídos nesses pacientes (Yehuda et al., 2009).

A reestruturação cognitiva auxilia neste processo. A descatastrofização das consequências da ativação da memória traumática e a atribuição de novos significados à experiência são fundamentais para que a pessoa se sinta segura durante a exposição e para que a nova memória seja mais ampla e bem fundamentada. Isto é reforçado por estudos de neuroimagem, que mostram que a terapia cognitiva para o TEPT gera mudanças no giro do cíngulo e na amígdala (Felmingam, 2007).

Tratando-se do uso da técnica no meio profissional brasileiro, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), por exemplo, considera que a técnica EMDR não possui regulamentação e, portanto, é entendida como uma técnica não consolidada no Brasil. Tais resoluções são tidas como uma segurança à população quanto à qualidade da prestação de serviço do psicólogo. Por outra via, o CFP não se opõe à produção de novos conhecimentos técnicos. Segundo a resolução nº 010/97, é permitido ao psicólogo, para fins de pesquisa, utilizar técnicas ainda não reconhecidas, desde que tal pesquisa esteja aprovada em Comitê de Ética em Pesquisa reconhecido pelo Conselho Nacional de Saúde, além de obedecer a outros critérios da mesma resolução e do Código de Ética (Conselho Federal de Psicologia, 2012). A partir disso, frisamos a importância da realização de pesquisas sobre a aplicabilidade do EMDR em populações brasileiras.

Do nosso conhecimento, existem 5 revisões sistemáticas com metanálise que consideram os resultados do EMDR para o tratamento do TEPT, além de um importante estudo de revisão narrativa publicado por Shapiro em 2002. De uma forma geral, todas as revisões concluem que: (a) EMDR é um tratamento eficaz para TEPT, pois mais de 60% dos sujeitos que completam o tratamento não preenchem mais os critérios diagnósticos para o transtorno; (b) não foram encontradas diferenças significativas entre TCC e EMDR para os sintomas específicos do TEPT, e (c) EMDR é superior do que listas de espera e outras condições semelhantes no tratamento do TEPT (Van Etten & Taylor, 1998; Davidson & Parker, 2001; Bradley, Greene, Russ, Dutra, & Westen, 2005; Seidler & Wagner, 2006; Bisson et al., 2007).

Cada revisão também chegou a resultados e conclusões específicas: (a) os pacientes tratados para TEPT com EMDR e TCC apresentam melhora em sintomas de ansiedade e depressão (Bisson et al., 2007); (b) tanto EMDR quanto TCC apresentam taxas de recaída menores do que tratamentos farmacológicos (Van Etten & Taylor, 1998) e (c) EMDR e TCC são mais efetivos do que protocolos de manejo de estresse e ansiedade para sintomas de depressão e ansiedade em pacientes portadores de TEPT (Bisson et al., 2007).

Algumas questões, no entanto, não foram respondidas por estas revisões. Os estudos em geral excluem comorbidades ou não descrevem adequadamente os resultados dos tratamentos desses pacientes (Bradley, Greene, Russ, Dutra, & Westen, 2005). Com isso, apesar do EMDR ter uma eficácia bem estabelecida, ainda existem dúvidas sobre sua efetividade, ou seja, o quanto ela funciona em situações reais não ideais. O tipo de trauma que originou o TEPT geralmente não é descrito ou controlado, apesar de reconhecidamente influenciar na efetividade dos tratamentos. Assim, é possível que diferentes abordagens sejam mais eficazes para tipos específicos de traumas, mas os estudos não permitem esse tipo de análise. Poucos estudos fazem mensurações de seguimento após três meses e a descrição e análise dessas avaliações de seguimento na sua maioria são inadequadas ou enviesadas (por exemplo, sem análises por intenção de tratar) (Bradley et al., 2005). Não existe clareza do impacto da duração dos tratamentos na efetividade, sobre qual tipo de tratamento apresenta respostas mais rápidas e qual é menos aversivo para os sujeitos. Como os estudos sugerem equivalência de eficácia entre EMDR e TCC, questões de eficiência (velocidade e custos) podem ser fatores importantes para decidir qual abordagem é mais indicada.

A grande maioria dos ensaios clínicos controlados com EMDR não faz análises por intenção de tratar, o que pode super estimar a eficácia real da abordagem. Outro fato que torna importante esse tipo de análise em estudos com EMDR é que geralmente os protocolos de TCC para TEPT apresentam altas taxas de recaída (acima de 25%), o que diminuí sua eficácia em análises por intenção de tratar. Ainda que os dados disponíveis sugiram equivalência entre EMDR e TCC, existe um número maior de estudos com TCC (especificamente protocolos de Exposição Prolongada). Isso faz com que a evidência de eficácia e efetividade das TCCs para o TEPT seja mais sólida do que a do EMDR (Bisson et al., 2007). Existe dúvida também sobre quais os componentes do EMDR são realmente importantes (Shapiro, 2002) e se o mecanismo de ação do EMDR seja algo diferente de exposição (Van Etten & Taylor, 1998; Seidler & Wagner, 2006). Por fim, faltam dados acerca da efetividade do EMDR em modificar variáveis neurobiológicas (Shapiro, 2002).

No Brasil ainda há pouco material sobre EMDR. Além da tradução do livro texto de Francine Shapiro (Shapiro, 2002), recentemente dois livros de David H. Grand (Grand, 2007; Grand, 2009) foram traduzidos. Existem alguns materiais didáticos desenvolvidos por treinadores brasileiros em EMDR (Carvalho, 2011). Ainda, a técnica também vem sendo descrita de forma breve em alguns livros textos de terapia cognitivocomportamental, especificamente em capítulos focados no tratamento do TEPT (Astin & Resick, 2003; Resick, Monson, & Rizvi, 2009). Isso provavelmente acontece devido ao enfoque de terapias baseadas em evidências e às semelhanças técnicas e teóricas entre os modelos. Não conhecemos nenhuma pesquisa de caráter empírico sobre EMDR no contexto brasileiro.

Tendo em vista o pouco material disponível em português sobre o EMDR e as lacunas apontadas na literatura, este estudo objetiva prover um breve resumo sobre o protocolo de aplicação do EMDR, assim como verificar se os estudos publicados desde a revisão de Shapiro (2002) confirmam os achados identificados e se ajudam a esclarecer ou responder as questões em aberto apontadas pelas revisões consultadas.

 

Método

Foram escolhidos para a busca dos artigos as bases de dados BVS-PSI e PsycINFO. Foi realizada uma busca por textos completos na qual três termos foram utilizados: "EMDR", "Eye Movement Desensitization and Reprocessing"e "Dessensibilização e Reprocessamento Através de Movimentos Oculares". Buscou-se para o estudo artigos publicados de 2002 até a data da busca (01/07/2010). A escolha por este intervalo de tempo se justifica pelo fato de Shapiro ter publicado, no ano de 2002, o artigo EMDR 12 years after its introduction: past and future in search, no Journal of Clinical Psychology, em que faz uma revisão de estudos publicados sobre EMDR até o mesmo ano (Shapiro, 2002).

Os critérios de inclusão foram: (1) artigos empíricos de finalidade clínica, (2) redigidos em língua inglesa ou portuguesa, (3) que estivessem publicados em periódicos científicos e (4) com sujeitos com TEPT completo ou subsindrômicos conforme descrito pelos próprios autores.

Devido à ausência de textos empíricos em português, os autores realizaram uma segunda busca com os termos citados anteriormente, e adicionalmente foram utilizadas as palavras "Dessensibilização por Movimentos Oculares" e "DRMO". Essa busca foi realizada tanto na base BVS-PSI quando diretamente nas bases de dados de duas revistas brasileiras de terapia cognitivocomportamental, a Revista Brasileira de Terapias Cognitivas (RBTC) e a Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. Não foram encontrados artigos empíricos sobre EMDR nesta busca.

Para realizar a busca pelos textos completos dos artigos, foram desenvolvidas algumas estratégias. Primeiramente, procurou-se os textos diretamente nas bases de dados. Outra forma foi buscá-los no site do periódico no qual o estudo foi publicado. Também se utilizou o site da biblioteca da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), através do link Periódicos Eletrônicos, e o site do portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Para fornecer um resumo acerca dos procedimentos da técnica o livro EMDR -Dessensibilização e Reprocessamento Através de Movimentos Oculares: princípios básicos, protocolos e procedimentos foi utilizado (Shapiro, 2001). Este livro contém o protocolo padrão de aplicação do EMDR e é utilizado como referência básica para a maioria dos estudos.

Para a obtenção de um panorama jurídico e do status da técnica no Brasil, entrou-se em contato com o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRP-RS) e com profissionais brasileiros que utilizam a técnica e são filiados ao EMDR Institute, além de ser realizada uma busca em sites de organizações que divulgam esta técnica.

 

Resultados e Discussão

Protocolo de aplicação básica do EMDR

O protocolo padrão de aplicação do EMDR é composto por oito fases e foi inicialmente desenvolvido para pessoas portadoras de TEPT. A duração do tratamento varia conforme a necessidade de cada sujeito ou do transtorno tratado (Shapiro, 2001). Em nosso estudo, verificamos o uso frequente do EMDR em uma a 12 sessões (Lee, Taylor, & Drummond 2006; Jhonson & Lubin, 2006), porém alguns estudos chegam a citar o uso da técnica em 20 e até 30 sessões (Mcollugh, 2002).

A primeira fase é composta pela anamnese e planejamento do tratamento. É avaliado se é conveniente que o paciente faça uso da técnica e sua resiliência às reações fisiológicas intensas que podem (ou não) ser desencadeadas pela recuperação da memória traumática. Uma vez feito isto, o terapeuta faz um planejamento do tratamento com base nos dados coletados na anamnese. A autora sugere que seja feita uma avaliação através de escalas de atribuições emocionais e cognitivas do sujeito frente às memórias traumáticas, de modo que os escores possam ser monitorados ao longo do tratamento (Shapiro, 2001).

A segunda fase é a de preparação. Consiste em estabelecer uma aliança terapêutica, explanando o processo do EMDR e seus efeitos. É essencial que o terapeuta explique sobre a possibilidade de perturbação emocional durante e após as sessões, bem como treinar o paciente em exercícios de relaxamento para que este consiga lidar com as mesmas (Shapiro, 2001).

A terceira fase consiste em avaliar qual é a memória que é essencialmente perturbadora para o paciente (chamada de memória alvo). Assim, este seleciona uma imagem que melhor represente esta memória e também escolhe um pensamento negativo e causador de sofrimento ligado a ela e um pensamento positivo que este gostaria que ficasse no lugar do primeiro.

Em seguida, na quarta fase, faz-se a dessensibilização em si, onde o paciente relata o acontecimento e concentra-se no afeto negativo, enquanto vai fazendo séries de movimentos oculares bilaterais, ou simplesmente estímulos bilaterais. O terapeuta comumente é quem aplica tal estimulação, na medida em que instrui o paciente a acompanhar a ponta dos seus dedos enquanto faz movimentos horizontais de um lado ao outro, repetidamente (Shapiro, 2001).

A quinta fase é chamada de instalação, pois seu foco é aumentar ou "instalar" a cognição positiva a ser substituída pela negativa original. Isto é feito assim que o nível de sofrimento do paciente tenha baixado significativamente. O terapeuta pede então que este comece a visualizar a mesma imagem em sua memória juntamente com o afeto positivo a ser "instalado".

Segue-se um Body Scan ("Sondagem Corporal"), no qual se pede que o paciente mentalize a situação que antes causava sofrimento, juntamente com o afeto positivo instalado enquanto este faz uma sondagem para avaliar se há qualquer tensão residual a nível fisiológico (Shapiro, 2001).

A sétima fase é um fechamento que deve ser feito ao fim de cada sessão, independente do reprocessamento ter sido concluído ou não. Conforme explica Shapiro (2001), algumas memórias podem demorar mais de uma sessão para ter o afeto negativo diminuído e a cognição positiva instalada. Esta etapa objetiva que o sujeito saia da sessão em um estado de equilíbrio emocional e, posteriormente, seja capaz de mantê-lo.

Por último, na oitava fase, no inicio de cada nova sessão o terapeuta deve fazer uma reavaliação para que o paciente reacesse os pensamentos-alvos e avalie a manutenção dos efeitos do tratamento. Shapiro também sugere que haja um acompanhamento pré e pós-tratamento de cada paciente, para acompanhar a evolução do tratamento, a melhoria dos sintomas e a manutenção dos ganhos (Shapiro, 2001).

Caracterização geral dos estudos

Ao todo, foram encontrados 259 artigos. Destes, 45 preencheram os critérios de inclusão e apenas dois estudos não tiveram seus textos completos recuperados (Keenan & Royle, 2007; Taylor, 2003). Assim, esta revisão conta com um total de 43 artigos. Para melhor visualização dos dados, seguem tabelas descritivas a respeito de características gerais dos estudos.

 

 

 

 

 

 

Estudos recentes sobre EMDR (2002-2010)

Dentre os ensaios clínicos randomizados encontrados, dez compararam EMDR com outras formas ativas de tratamento. Não foram encontradas diferenças significativas no póstratamento nos estudos que compararam EMDR com Terapia Eclética (Edmond, Sloan, & Mcarty, 2004), treino de relaxamento (Stapleton, Taylor, & Asmundson 2006; Taylor et al., 2003) com o protocolo STIPE (Lee, Gavriel, Drummond, Richards, & Greewald, 2002) e com a técnica Couting Method (Jhonson & Lubin, 2006). O estudo de Van der Kolk et al., (2007), que comparou EMDR com tratamento farmacológico (Fluoxetina), encontrou um índice significativamente menor de sintomas residuais no grupo tratado com EMDR no pós-tratamento.

Os ensaios clínicos que compararam EMDR com protocolos de Exposição Prolongada apresentam resultados mais diversos. Os estudos de Stapleton, Taylor e Asmundson (2006) e Rothbaum, Austin e Marsteller (2005) não encontraram diferenças significativas nos resultados de ambos os grupos no pós tratamento ou nas avaliações de seguimento. No estudo de Power et al., (2002), os pacientes tratados com EMDR reportaram menos sintomas de depressão e melhor funcionamento social. O artigo de Karatzias et al. (2007), que utilizou uma parte da amostra de Power et al. (2002), encontrou resultados semelhantes, mas com diferença significativa também para sintomas de TEPT, em favor do EMDR. Em contrapartida, nos estudos de Taylor et al. (2003) e Ironson, Freund, Strauss e Williams (2002), a Exposição Prolongada apresentou maiores resultados na redução de sintomas de TEPT, principalmente referentes a evitação e revivência. Taylor et al. (2003) também encontraram que significativamente menos pessoas tratadas com Exposição Prolongada preenchiam os critérios para TEPT no pós-tratamento.

Outra diferença encontrada foi em relação à velocidade dos tratamentos. Dois estudos - Ironson et al. (2002) e Power et al (2002) - encontraram uma redução mais rápida de sintomas no grupo tratado com EMDR e um estudo (Taylor et al., 2003) encontrou uma redução mais rápida para a Exposição Prolongada.

Dos 43 artigos presentes neste estudo, apenas dois (Carbone, 2008; Richardson et al. 2009) não especificaram o número de sessões utilizadas no tratamento com EMDR. Nos outros estudos, o mínimo de sessões relatadas foi de uma (Russel, 2006) e o máximo foi 72 sessões (Chemali & Meadows, 2004). Quando se trata do abandono do tratamento, entre os ensaios clínicos controlados e randomizados, apenas um mostrou a Terapia de Exposição com maior abandono do que EMDR (Ironson, 2002). Os outros mostraram taxas não significativas de abandono em ambos os grupos.

Alguns estudos em que não foram observadas diferenças significativas em escalas clínicas apontam para diferenças em outros aspectos. EMDR, quando comparado com tratamento farmacológico (Fluoxetina), demonstrou um maior numero de sujeitos assintomáticos nas avaliações de seguimento (Van der Kolk et al., 2007). O estudo com Terapia Eclética revela que 65% dos sujeitos tratados com EMDR, em comparação com 25% dos sujeitos tratados com esta modalidade de terapia, relataram total resolução do trauma e das memórias traumáticas. Os resultados se mantiveram no seguimento, porém, os sujeitos que receberam Terapia Eclética não relataram desenvolver habilidades de coping com os sintomas remanescentes, enquanto os tratados com EMDR demonstraram não haver problemas residuais devido ao aumento de sua auto-eficácia durante o tratamento (Edmond et al., 2004).

Oito dos ensaios clínicos incluíram uma comparação do EMDR com listas de espera, todos encontrando diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos. Esses estudos variavam em diferentes tipos de sujeitos: crianças vítimas de violência, sujeitos que vivenciaram catástrofes naturais, sujeitos que sofreram acidentes automobilísticos, traumas gerados por acidentes de trabalho e dois estudos com adultos que presenciaram diferentes eventos traumáticos não especificados (Chemtob Nakashima & Carlson,, 2002; Power et al., 2002; Edmond, Sloan & Mcarty, 2004; Rothbaum, Austin & Marsteller, 2005; Jhonson & Lubin, 2006; Ahmad, Larsson & Sundelin Wahlsten, ‐2007; Hogberg et al, 2007; Kemp, Drummond & McDermott, 2010).

Oito ensaios clínicos reportam avaliações de seguimento após o fim do tratamento. Estas avaliações foram feitas em três meses após o tratamento (Irison et al., 2002; Lee et al., 2002; Jhonson & Lubin, 2006), seis meses (Rothbaum, Austin & Marsteller, 2005; Van der Kolk, 2007), 12 meses (Kemp, Drummond & McDermott, 2010), 15 meses (Power et al., 2002) e 18 meses (Edmond, Sloan & Mcarty, 2004). Todos esses estudos reportam que os ganhos adquiridos pelo tratamento foram mantidos no período de avaliação de seguimento. Lee et al. (2002) e Edmond, Sloan & Mcarty (2004), ainda apontam que, em seus estudos, os ganhos não se mantiveram nas outras condições de tratamento (Treino em Inoculação de Estresse com Exposição Prolongada e Terapia Eclética, respectivamente).

Um dos artigos teve como foco apenas a avaliação de seguimento (Marcus, Marquis & Sakai, 2004). Os autores reportam que, no contexto de serviços de saúde pública, onde existe uma grande variedade de sujeitos tratados, os resultados se mantiveram pelo menos por seis meses após o tratamento, o que fala em favor da validade externa da técnica.

Um problema identificado previamente nos estudos empíricos com EMDR era a falta de análises por intenção de tratar. Dos artigos inclusos nesta revisão, cinco realizaram esse tipo de análise. Em quatro dos estudos os resultados observados se mantiveram os mesmos quando os sujeitos que abandonaram o tratamento foram incluídos nas análises (Ahmad, Larsson & Sundelin-Wahlsten, 2007; Rothbaum, 2005; Ironson e Freund et al., 2002; Van der Kolk et al., 2007). Por sua vez, o estudo de Taylor et al., (2003), que havia encontrado uma tendência a significância estatística de vantagem para o grupo de exposição quando comparado ao grupo de EMDR, viu essa diferença se tornar não significativa com as análises de intenção de tratamento. Isto aconteceu porque o grupo de exposição teve maiores índices de abandono terapêutico.

Estudos que utilizaram delineamento de séries temporais apresentam resultados próximos aos encontrados nos ensaios clínicos no que se refere às melhoras dos sujeitos após o tratamento com EMDR. Como os estudos com este delineamento apenas corroboram os resultados já descritos, maiores aprofundamentos não se fazem necessários.

Os artigos que relatam estudos de caso, sejam únicos ou em série, em sua maioria abordam pesquisas preliminares de adaptações do protocolo padrão de EMDR para uso em conjunto de outros métodos de tratamento, bem como relatam a aplicação da técnica em casos especiais ou contextos específicos, como pacientes com TEPT comórbido à epilepsia (Schneider, Nabavin & Heuft, 2005) e convulsões psicogênicas (Chemali & Meadows, 2004), pacientes que desenvolveram traumas a partir de contextos de guerra (Russel, 2006), acidentes de trânsito (Wu, 2002), violência doméstica (Stapleton, Taylor, Asmundson, 2007), bullying (Carbone, 2008) e catástrofes naturais (Hettiarachchi, 2007; Fernandez, 2008; Jayatunge, 2008).

Em uma tentativa de associar EMDR com psicoterapia psicodinâmica breve, Mcollugh (2002) realizou sessões de psicoterapia psicodinâmica no início do tratamento com o objetivo de identificar os pensamentos traumáticos para então abordá-los em sessões de EMDR. Apesar de os pacientes melhorarem ao longo das sessões nas escalas Validity of Cognition Scale (VOCS, ou Escala de Validade de Cognições) e Subjective Unit of Disturbance (SUDS, ou Unidade Subjetiva de Perturbação), utilizadas, respectivamente, para mensurar o quanto o paciente considera seu pensamento válido ou verdadeiro e o quanto o paciente se sente desconfortável ao imaginar ou lembrar do evento (Astin & Resick, 2003), os dados, segundo o autor, não permitem uma análise conclusiva, e pesquisas futuras são sugeridas.

Outra tentativa similar foi o uso do EMDR dentro de uma perspectiva familiar e sistêmica. Bardin (2004) relata um estudo de caso único em que uma criança e seu irmão foram tratados após sofrerem um assalto seguido de violência física. Neste estudo, o protocolo do EMDR foi modificado de diferentes formas para ir ao encontro das necessidades e entendimento das crianças. Além disso, foram utilizadas técnicas de terapia sistêmica e, posteriormente, focalizou-se a parte mais difícil do evento traumático com EMDR. Apesar da autora não relatar nenhum tipo de mensuração após o tratamento, os relatos dos pacientes e seus familiares descrevem melhorias importantes no estilo de vida.

Hettiarachchi (2007) e Carbone (2008) também adaptaram o protocolo padrão de EMDR. Enquanto o primeiro autor utilizou técnicas de Terapia Cognitivo-Comportamental para a redução da ansiedade de uma paciente vítima de uma catástrofe natural, o segundo combinou estratégias da Terapia Racional-Emotiva em pacientes vítimas de bullying. Ambos estudos relatam que os dados apresentados não são conclusivos, porém os autores sugerem que as técnicas que foram combinadas potencializaram o tratamento.

Dois estudos de caso, um único e um de série com oito pacientes, relatam o tratamento com EMDR para pacientes que desenvolveram convulsões psicogênicas secundárias ao TEPT. Ambos relatam que a resolução do trauma pode ter como consequência o fim das convulsões. Porém, no estudo com oito pacientes, apenas quatro apresentaram tal resultado, permanecendo ainda incerta tal afirmação (Chemali & Meadows, 2004; Kelley & Bendasis, 2007), o que aponta para a necessidade de outros estudos. No que tange à questão de tratamento com EMDR de pacientes que sofrem de convulsões, o artigo de Schneider, Nabavin e Heuft, (2005) aponta para uma contraindicação da técnica, já que em seu estudo de caso a paciente sofreu convulsões após a sessão. Porém, o autor sugere que futuras pesquisas sejam desenvolvidas para investigar se os movimentos oculares realmente causariam as convulsões.

Dois estudos clínicos focaram a investigação dos mecanismos de ação da técnica. O primeiro deles investigou o conteúdo das falas dos pacientes durante as sessões de dessensibilização com EMDR, tendo como objetivo avaliar se os conteúdos dessas respostas indicavam que a melhora se dava por um efeito de exposição à memória traumática (Lee, Taylor & Drummond 2006). Os autores concluem que as reações verbalizadas pelos pacientes mais indicativas de melhora não foram as relacionadas à revivência do evento traumático ou ainda devido a dessensibilização, como ocorre por exposição imagística. O principal fator de melhora seria o "distanciamento" do paciente da cena traumática revivida. No tratamento com EMDR, o terapeuta ativamente incentiva que o paciente relembre da cena como um observador alheio, e esta intervenção é potencializada também pelo processo de duplo foco de atenção gerado pela lembrança do evento concomitante com o exercício de movimentos oculares (Lee, Taylor & Drummond 2006).

O segundo estudo distribuiu os pacientes em três grupos tratados com EMDR. Na fase de dessensibilização, os sujeitos tiveram três tipos diferentes de estimulação bilateral auditiva: estimulação alternada bilateral de esquerda e direita, estimulação intermitente, mas sem alternar os lados, e estimulação contínua. Os resultados mostraram que o grupo que recebeu a estimulação bilateral alternada teve melhoras mais acentuadas do que os outros dois grupos, o que sugere que os estímulos bilaterais em conjunto com outros fatores do tratamento podem contribuir ativamente para a melhora do paciente (Servan-Shreiber et al., 2006).

Seis dos artigos encontrados possuíam como diferencial a investigação de reações fisiológicas ligadas ao TEPT. Dois estudos, ambos sem controle, mensuraram os batimentos cardíacos dos pacientes antes e após o tratamento com EMDR. Os resultados encontrados mostraram diminuição do ritmo cardíaco nos pacientes durante a rememoração do trauma (Sack, Lempa & Lamprecht, 2007; Sack, Lempa, Steinmetz, Lamprecht & Hofmann, 2008). Além disso, uma das pesquisas (Sack et al. 2007) também demonstrou diminuição no ritmo da respiração dos sujeitos tratados.

Um estudo de caso teve como objetivo examinar os níveis de cortisol antes e depois do tratamento com EMDR de uma paciente diagnosticada com TEPT crônico (Heber, Kellner & Yehuda, 2002). Ao final do tratamento, os níveis de cortisol basal da paciente estavam quase duas vezes e meia maiores, mostrando uma melhora significativa quando comparadas com a supressão de cortisol causada pelo TEPT crônico que a paciente havia desenvolvido. Em outra pesquisa, seis policiais diagnosticados com TEPT foram submetidos a neuroimagem durante o tratamento com EMDR. Ao final do tratamento, os exames demonstraram desativação em áreas ligadas aos sintomas de TEPT (Lansing, Amen, Hanks & Rudy, 2005).

Outro estudo teve como objetivo investigar os mecanismos neurais envolvidos no alívio de sintomas gerados pela técnica EMDR. Para isso, foram medidos os níveis de oxi-hemoglobinas e a sua distribuição no córtex pré-frontal lateral durante a evocação de memórias traumáticas com e sem movimentos oculares. Como resultados, o estudo mostra que as evocações com movimentos oculares foram significativamente correlacionados com o declínio nos níveis de oxi-hemoglobinas no córtex pré-frontal, mostrando possíveis explicações dos mecanismos neurais envolvidos na terapia com EMDR (Richardson et al., 2009).

Foram localizados cinco artigos sobre os achados neuropsicológicos dos efeitos do EMDR. Oh e Choi (2007) compararam dois pacientes com TEPT crônico com 10 controles utilizando tomografia computadorizada e encontraram, após a intervenção uma aproximação do equilíbrio de ativação nas áreas límbicas e pré-frontais entre os sujeitos e controle. Lasing, Amen, Hanks e Rudy (2005) analisaram seis policiais que desenvolveram TEPT após passarem por tratamento com EMDR através de tomografia computadorizada e seus achados correspondem a melhoras encontradas em outros transtornos, como depressão e transtornos afetivos, e no TEPT. Lamprecht et al. (2004) encontraram, em 10 pacientes utilizando eletroencéfalograma após a primeira sessão com EMDR, alterações que indicam que esses pacientes tornam-se menos propensos a distrações da atenção por estímulos irrelevantes, dado que correspondeu a melhoras significativas nas medidas psicológicas após o tratamento. Othani et al. (2009) analisou a resposta hemodinâmica de 13 pacientes com TEPT ao lembrarem do trauma, sendo que o grupo utilizou movimentos oculares teve uma redução da hemoglobina oxigenada no córtex pré-frontal lateral, o que sugere uma redução da ativação da memória emocional. Richardson et al., (2009) realizaram um estudo de fMRI em uma paciente com TEPT e encontraram modificações nas áreas ventromediais pré-frontais em uma sessão utilizando estimulação auditiva em um protocolo de tratamento com EMDR.

Em poucos estudos foi possível traçar uma relação direta entre EMDR e seu efeito nas comorbidades associadas ao TEPT, não havendo uma preocupação com os resultados desses fatores ao final das intervenções. Ahmad, Larsson e Sundelin-Wahlsten (2007) juntamente com Stapleton, Taylor e Asmundson (2006) encontraram comorbidade com o transtorno depressivo maior (45,5% e 42% respectivamente) como o mais prevalente na pré-intervenção. Esses dados corroboram os achados na literatura de uma grande correspondência entre o TEPT e transtornos de humor (Brown et al., 2001). Os critérios de exclusão apresentados nos estudos (transtornos psicóticos, transtornos aditivos, retardos mentais, transtornos dissociativos, risco de suicídio, transtornos de cluster B de personalidade) limitam ainda mais os resultados apresentados. Ainda são necessárias pesquisas com amostras representativas para que possamos concluir a respeito da influência do EMDR em psicopatologias comórbidas ao TEPT.

 

Considerações Finais

A criação do EMDR suscitou inúmeras discussões a respeito de sua eficácia, principalmente por se desconhecer exatamente os seus mecanismos de ação no organismo (Shapiro, 2001). Porém, como demonstramos nesta revisão, alguns estudos já apontam para alguns esclarecimentos nesse sentido, mesmo que os dados permaneçam ainda muito preliminares. Os estudos de mensuração psicofisiológica e de neuroimagem indicam que o tratamento por EMDR possui um impacto biológico com prováveis modificações positivas para o curso do TEPT, principalmente na redução da hiperexcitabilidade comum ao transtorno.

Resultados preliminares também têm apontado evidências de efetividade através de análises por intenção de tratar bem como questões de velocidade de resposta ao tratamento. Além disso, percebeu-se a necessidade de investigação da aplicação da técnica em sujeitos com transtornos em comorbidade, já que poucos estudos aprofundam tais questões.

De uma maneira geral, os ensaios clínicos randomizados revisados corroboram a já estabelecida eficácia do EMDR para TEPT. Em todos os estudos em que houve comparação com listas de espera (ou condições semelhantes), o EMDR foi mais eficaz. A eficácia relativa a outros tratamentos ativos ainda é controversa, visto que não houve concordância entre diferentes estudos. De forma complementar, o EMDR também parece ter boa efetividade. Foram encontrados mais de 20 estudos não controlados, conduzidos em uma grande variedade de condições e de sujeitos, geralmente com resultados bastante positivos.

Estudos recentes trazem novas informações para algumas questões que permaneciam em aberto até a data de publicação de revisões anteriores. É o caso dos estudos em que houve follow-up, que sugerem manutenção dos resultados obtidos e reforçam a ideia de que os efeitos do EMDR permanecem por ao menos tanto tempo quanto em outras formas de terapia.

Atualmente, os estudos com EMDR estão sendo ampliados, considerando que foram relatados na presente revisão diversos estudos de caso apresentando novas aplicações e contextos de uso da técnica. Além disso, os estudos já realizados demonstraram resultados promissores, abrindo espaço para novas pesquisas.

Os achados corroboram a necessidade de uma difusão da técnica no Brasil, pois se há evidências de efetividade em casos de TEPT nos estudos internacionais encontrados, espera-se que, com a devida adaptação para o contexto brasileiro, o mesmo ocorra no país. Assim como relatamos por meio dos estudos encontrados, o EMDR também pode ser uma útil ferramenta para as mais variadas formas de terapia, já que seu protocolo pode ser facilmente adaptado e somado a diferentes abordagens terapêuticas, sejam elas psicodinâmicas, individuais, familiares ou de casal.

 

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Recebido em: 14/05/12
Aceito em: 27/02/13

 

 

1 Apoio: Ministério da Educação e Cultura
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