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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versión On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.7 no.2 Juiz de fora dic. 2014

 

ARTIGOS

 

Significados do trabalho e qualidade de vida percebida em trabalhadores do judiciário

 

Meanings of work and perceived quality of life for workers in judiciary

 

 

Adolfo Pizzinato; Mary Sandra Carlotto; João Pedro Cé1; Isadora Klamt da Conceição

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

 

 


RESUMO

A qualidade de vida dos trabalhadores do funcionalismo público judiciário é uma área ainda pouco estudada. Neste estudo objetivou-se identificar e compreender o significado do trabalho e da qualidade de vida entre servidores públicos do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Participaram 16 servidores em dois grupos focais. Em um dos grupos participaram servidores de diversos cargos e no outro, somente oficiais de justiça. Foi realizada uma análise de conteúdo das narrativas dos participantes, pela qual foram encontradas dificuldades relacionadas ao exercício da profissão que acarretavam despersonalização, abandono, dificuldades de relação com outras categorias profissionais, inabilidade de gestão, estresse ocupacional, supressão de horários de folga e falta de motivação para o trabalho. Também foi relatado companheirismo, cumplicidade entre os colegas além de estratégias de amenização do estresse ocupacional pela estabilidade oferecida e significação do trabalho como socialmente relevante.

Palavras-chave: Qualidade de vida no trabalho, Satisfação no trabalho, Stress ocupacional


ABSTRACT

The quality of life of workers in the judiciary public system is as yet an unknown subject issue. In the present study the focus is on identifying and understanding the meaning of work and the quality of life of workers in that institution. Sixteen workers participated in two focus groups, one with just public prosecutors and the other mixed categories of workers. A content analysis was performed on the discourses collected. Difficulties were encountered such as depersonalization, abandonment, difficulties in relation to other categories, disability in management, occupational stress, and suppression of off-duty and lack of motivation to work. Companionship and complicity among colleagues was also reported as well as some alleviation of occupational stress by the stability offered and the perceived social relevance of the work.

Keywords: Quality of life at work, Work satisfaction, Occupational stress


 

 

Introdução

As condições de vida e trabalho às quais as pessoas estão expostas desencadeiam diferentes riscos à saúde que se distribuem de forma desigual na sociedade, tanto no que diz respeito ao âmbito laboral específico, como no que se refere aos papéis sociais, além disso as recentes e profundas mudanças no mundo do trabalho têm desempenhado papel fundamental na conformação de um contexto pouco favorável à saúde dos trabalhadores (Farias & Araújo, 2011). O atual contexto e suas diferentes configurações laborais têm demandado inúmeras novas exigências que pressionam constantemente o trabalhador e o expondo a uma grande variedade de estressores ocupacionais. De acordo com Navarro e Padilha (2007), as exigências de dedicação ao trabalho aumentam apesar de todo o desenvolvimento científico e tecnológico. De todas as importantes inovações operadas na base técnica dos processos produtivos, há pouca implicação no alívio da carga de trabalho humano na contemporaneidade. Ainda assim, o trabalho é uma das maiores fontes de satisfação de diversas necessidades humanas, como autorrealização, manutenção de relações interpessoais sobrevivência e considera-se que a satisfação com o trabalho não apenas como influi no bem-estar, mas também o engajamento nas atividades laborais , o entusiasmo e o interesse pelo trabalho como fatores que promovem a realização pessoal (Navarro & Padilha, 2007).

Nesse sentido, é importante que o trabalhador sinta-se integrado positivamente ao trabalho que exerce, sentindo que não há entre si e as atividades realizadas, exageradas discrepâncias que acabam por gerar sofrimento (Warr & Inceoglu, 2012). O trabalho representa uma dimensão fundamental da vida, constituindo-se em um elemento que atravessa a concepção de saúde (Britto, 2005). Portanto, se o trabalhador não dispuser de instrumental pessoal, sanitário, social e legal para se proteger, essa vulnerabilidade pode converter-se em uma fonte de adoecimento de acordo com os fatores de risco da atividade (Laranjeira, 2009; Murta & Trócolli, 2004).

Os determinantes e condicionantes do processo saúde-doença são multifatoriais e complexos. Condições do ambiente, saúde e segurança no trabalho passam a ser compreendidas como garantias essenciais para a qualidade de vida humana e direito de cidadania. O contexto laboral deixa de ser somente o cenário onde se desenvolvem os eventos de saúde-doença dos trabalhadores, para ser entendido como elemento interativo (Frias Júnior, 1999). Como expõem Idris e Dollard (2011), com a teoria do Clima Psicossocial Saudável, o ambiente de trabalho tem relação direta com a produtividade, pois na medida em que um clima positivo e acolhedor possibilita manejar as demandas de trabalho, previne que estressores laborais ocasionem o adoecimento de trabalhadores.

Seguindo essa tendência, a Organização Mundial da Saúde (The WHOQOL Group GROUP, 1995) define a qualidade de vida como a percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. O conceito destaca a subjetividade, ao considerar a percepção da pessoa sobre o seu estado de saúde e sobre os aspectos não-médicos do seu contexto de vida. A busca de qualidade de vida no trabalho contempla a melhoria das condições de saúde no ambiente laboral. Isto envolve identificar os problemas, através da participação efetiva dos sujeitos envolvidos neste processo e, dentro de um amplo processo de negociação, replanejar aquilo que foi identificado como problemático (Laurell & Noriega, 1989). Pressupõe modificar hábitos e rotinas, ou seja, modificar a própria cultura organizacional e avançar nas políticas de desenvolvimento dos seres humanos (Regis Filho & Lopes, 2001).

Uma questão chave no clima organizacional, que vai de encontro à busca de qualidade de vida no trabalho é a pressão, tanto em nível pessoal, quanto institucional, para o trabalhador permanecer no local de trabalho, independente de outras questões de sua vida, condição chamada de "presenteísmo". Os aspectos que predispõem este fenômeno são: a atividade que exerce é fundamental na vida de outras pessoas (como profissões de cuidado ou educação); o trabalho realizado é interdependente com outros setores e assim há sentimento de culpa em não estar no local para realizar sua função; ou ainda, o trabalho é centralizado em uma figura e não pode ser realizado por outras pessoas, gerando assim dificuldade de substituição enquanto aquele indivíduo está doente, o que acarreta diminuição na produtividade (Johns, 2011).

De fato, a interrupção dos processos de trabalho ocasiona o aumento da carga de trabalho entre os demais colegas, além de diminuição de produtividade (Böcekrman & Laukkane, 2010; Ybema, Smulders & Bongers, 2010). Seu impacto negativo também pode ser percebido na qualidade dos serviços prestados e na insatisfação dos trabalhadores (Munro, 2007). As frequentes faltas ao trabalho podem significar que o trabalhador precisa de tempo para se recuperar das tensões no trabalho e sua ausência prolongada pode ser um indicador de problemas mais graves (Ybema et al, 2010).

No cenário brasileiro, a falta de informações sobre a saúde dos trabalhadores é grande e, a falta de dados sobre a saúde dos servidores públicos (portanto, prestadores de serviços essenciais à população) é destacada por Cunha, Blank & Boing (2009) ao referirem a escassez e inconsistência das informações sobre a real situação de saúde dos trabalhadores. Isto dificulta a definição de prioridades para as políticas públicas, o planejamento e a implantação das ações de saúde do trabalhador, além de privar a sociedade de instrumentos importantes para a melhoria das condições de vida e trabalho A magnitude do problema, no entanto, poderia ser dimensionada a partir dos custos que tais afastamentos representaram para os cofres públicos, como o valor correspondente ao auxílio-doença previdenciário, concedido em 2005, pelo Ministério da Previdência Social, que alcançou R$1,1 bilhão. No serviço público federal, as aposentadorias precoces e os afastamentos do trabalho, em 2005, contabilizaram um custo de R$ 300 milhões (Cunha, Blank & Boing, 2009).

Os profissionais do setor público concursados, apesar de possuírem uma relação de menor instabilidade com o trabalho, pois estão menos suscetíveis a demissão, acabam por enfrentar outros percalços no seu cotidiano, como podem ser: a privatização de empresas e consequentes demissões; terceirização de setores na empresa; estigmatização da imagem do servidor público; e responsabilização pelas ineficiências dos serviços e pelas crises das instituições públicas. Além disso, as trocas de gestão acabam gerando insegurança no planejamento dos setores, pois alteram a quantidade e a qualidade dos serviços executados; estes trabalhadores podem sofrer também acúmulo de funções, e os tipos de serviço podem ser contraditórios aos seus valores enquanto indivíduo, já que ficam a mercê dos gestores eleitos (Lancman, Sznekwar, Uchida & Tuacek, 2007).

Em um país como o Brasil, onde os órgãos públicos têm como estigma a ineficiência, a lentidão, a preguiça e outras características depreciativas - atribuídas tanto aos órgãos em si quanto aos servidores que nele trabalham -, o esforço para dar uma imagem de eficiência para a sociedade faz-se imensamente necessário (Cunha, Blank & Boing, 2009). Esse esforço entra em choque com a impossibilidade de dar conta do trabalho, devido à precariedade de recursos humanos e materiais.

No contexto gaúcho, no ano de 2009, por exemplo, do total de 8.185 afastamentos do trabalho de servidores públicos para tratamento de saúde, 1.350 (16,5%) foram afastados do trabalho por licença-saúde. Do total de afastamentos, 219 (16,2%) foram por Transtornos Mentais e do Comportamento (F00-F99 na CID-10), os quais muitas vezes podem estar vinculados ao trabalho (Fonseca & Carlotto, 2011). Os resultados deste estudo evidenciaram que a maioria dos 219 servidores investigados pertence ao sexo feminino (68%), é solteiro/separado (57,9%), possui curso superior (69,4%) e tem idade média de 47 anos (± 8 anos). No tocante ao número de licenças, ocorreu uma variação de 1 a 9 licenças, em média, 3 licenças (± 2) por servidor, assim, perfazendo um total anual de 621. Observou-se que 38,4% tiveram uma licença ao ano; 30,8% de 2 a 3 ao ano; e 30,8% mais de 4 licenças ao ano. Os dias de afastamento variaram de 1 a 365 dias, com uma média de 85 dias/ano (± 100), mediana de 41 dias/ano e moda de 15 dias/ano, totalizando 18.503 dias/ano. Quanto à prevalência, a classificação dos Transtornos do humor (F30-F39) apresentou maior percentual de ocorrência (58,4%). Em estudo realizado no contexto portoalegrense com oficiais de justiça federal Merlo et al. (2012) identificaram outros aspectos relacionados ao adoecimento psíquico destes profissionais. Ao constatarem que suas chefias e a sociedade em geral desconhecem sua função, percebem-se como não vistos e esta invisibilidade impediria a atenção às suas necessidades e gera um sentimento de desrespeito às suas atividades.

No que se refere às questões laborais do sistema Judiciário Brasileiro, Villardi, Ferraz e Dubeux (2011) postulam que o clima organizacional tem particularidades que estão vinculadas à cultura geral do povo brasileiro e assim elaboram alguns conceitos. Assim, há dois modos de organização principal das relações de trabalho, sendo a primeira "o autoritarismo com centralização" das decisões organizacionais e o "pessoalismo" nas relações interpessoais. O primeiro conceito explicita o modo hierarquizado que o judiciário vem a funcionar já que as figuras de maior poder (Juízes, Desembargadores) são vistos como o próprio Estado e não como representantes deste, acarretando assimetria das relações de poder e centralização das decisões. Por outro lado, o pessoalismo revela o que seria o "jeitinho" brasileiro, onde as relações são levadas na amistosidade e as escolhas das parcerias profissionais realizadas com base na identificação e amizade entre os servidores e não nas competências exigidas pelo cargo (Villardi et al, 2011).

No que se refere à saúde desses trabalhadores, a gestão das ausências em decorrência de problemas de saúde é um desafio que oferece oportunidades para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores. Ainda que esse problema não possa ser erradicado, é passível de amenização a partir de medidas direcionadas a essa realidade. Reconhecer sua existência e as causas, que são inúmeras e diversificadas, torna-se uma necessidade para a elaboração de estratégias que possam efetivamente proporcionar soluções para os problemas como o absenteísmo por adoecimento e esgotamento emocional (Johnson, Crog & Crawford, 2003).

A presente pesquisa buscou conhecer o significado do trabalho e qualidade de vida no/do trabalho; fatores de estresse ocupacional e pessoal e fatores motivacionais. Essas questões foram relatadas pelos servidores, da Justiça Estadual e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS).

 

Método

Delineamento

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório.

Contexto do estudo e participantes

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, é responsável pela operação da tutela jurisdicional dos cidadãos no estado do Rio Grande do Sul, mediando os processos referentes à delitos ocorridos neste estado. Dentro desta instituição há diversas funções administrativas que envolvem então a tramitação de ações judiciais que possam cumprir com as sentenças e mandados emitidas pelos juízes a fim de valer-se a lei. Segundo o relatório anual do Tribunal de Justiça, desde 2004 o número de processos iniciados está aumentando e o de processos encerrados vem diminuindo, sendo que nos anos de 2012 e 2013 a porcentagem de evolução do trabalho é negativa - 14,28 e 14, 26 respectivamente (Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça 2013). No presente estudo participaram 16 servidores, escolhidos por conveniência, dentro de uma amostra estratificada de trabalhadores que participaram de um estudo maior, sobre a avaliação de qualidade de vida, burnout e saúde mental em trabalhadores do judiciário. Os participantes foram divididos em dois grupos diferentes. O grupo 1 contou com nove participantes, sendo sete mulheres e dois homens, com idade média de 40 anos. Seus cargos eram de: oficial escrevente (que tem como funções realizar o encaminhamento dos processos, após a decisão dos juízes e despachos, atender ao balcão, esclarecer aos advogados e as partes eventuais dúvidas referentes aos processos), auxiliar judiciário (que tem como atribuições: realizar atividades de nível auxiliar com a finalidade de possibilitar o apoio administrativo necessário à execução dos trabalhos de todas as unidades do órgão), assessor jurídico (tem como funções emitir pareceres que subsidiem decisões superiores, assessorar o superior hierárquico imediato em assuntos de natureza jurídica, regulamentos e outros atos de administração, de interesse do Poder judiciário), secretários, oficial de transporte, todos lotados no município de Porto Alegre. Desses participantes quatro eram de 1º grau e cinco de 2º. Os servidores do 1º grau são os funcionários da Justiça Estadual, chamada de primeiro grau de jurisdição, a qual, no presente caso, refere-se à Justiça Estadual do Rio Grande do Sul. Ao primeiro grau de jurisdição compete processar e julgar os processos ali ajuizados. Já no segundo grau de jurisdição (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul-TJ-RS) são julgados os recursos das decisões e sentenças dos juízes de primeiro grau. O grupo 2, foi composto apenas por Oficiais de Justiça (que tem como funções: fazer pessoalmente as citações, prisões, penhoras, arrestos e mais diligências do seu oficio, certificando no mandado o ocorrido, com menção de lugar, dia e hora; executar as ordens do juiz a que tiver subordinado; entregar, em cartório, o mandado, logo depois de cumprido; estar presente às audiências e coadjuvar o juiz na manutenção da ordem [Brasil, 2006]) devido às especificidades desse papel em relação às demais foi decidido realizar um grupo com esta função específica, já que executam as funções legislativas nos territórios de abrangências das respectivas varas, o que pode colocá-los em situações de alta periculosidade, até mesmo risco de morte pois lidam com sujeitos que estão em conflito com a lei e por vezes podem estar inseridos em contextos de alta violência. Este grupo era composto na sua maioria por homens (cinco dos sete participantes); a média de idade dos participantes era por volta dos 45 anos, os participantes estavam lotado em Porto Alegre e região metropolitana (municípios de São Leopoldo e Novo Hamburgo).

Procedimentos

Os participantes foram convidados a participar de grupos focais com o objetivo de avaliar o processo de trabalho de diferentes cargos dentro do Tribunal de Justiça e os aspectos de saúde relacionados ao exercício laboral. Mesmo que o convite tenha sido estendido a todos os participantes do estudo referido, apenas os 16 participantes mencionados neste artigo foram voluntários para a realização dos grupos focais. O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul2. Os custos para realização da coleta foram cobertos pelo próprio Tribunal de Justiça.

Os Grupos Focais tiveram duração de aproximadamente duas horas cada um. A técnica de Grupos Focais foi eleita pela necessidade de construção de um espaço representativo de discussão das relações laborais desses grupos. Esta técnica possibilita que reflexões sejam realizadas de forma coletiva, onde contrapontos e semelhanças são levantados a fim de compreender as significações que aquele grupo traz (Romero, 2000). Puchta e Potter (2004) afirmam que a técnica possibilita que as perguntas realizadas no Grupo Focal incitem o surgimento de discursos organizados sobre os temas de pesquisa, além de revelar opiniões importantes sobre as temáticas levantadas.

Os autores expõem que o objetivo do grupo focal é buscar as opiniões em que todos aqueles participantes em questão cheguem em concordância. Ainda que não se trabalhe com um roteiro rígido - posto que o objetivo central da técnica é justamente fazer com que o grupo possa trazer suas questões - foram trabalhados alguns temas através de perguntas norteadoras por parte dos pesquisadores, nas dependências do Tribunal de Justiça. Os tópicos abordados foram focados em: qualidade de vida; qualidade de vida no/do trabalho; fatores de estresse ocupacional e pessoal; fatores motivacionais e significado do trabalho em suas vidas.

As coletas foram realizadas em apenas um momento por grupo devido à disponibilidade dos trabalhadores entrevistados que possuíam pouco tempo disponível, sendo que a pesquisa foi realizada no horário de trabalho.

Análise dos Dados

Para a análise dos dados, utilizou-se o método da análise de conteúdo (Bardin, 2007). Este método é amplamente utilizado nas ciências humanas, sociais e linguísticas, possibilitando então uma análise hermenêutica dos discursos. Assim, empregaram-se os conceitos trabalhados no grupo focal para evidenciar, nos discursos dos sujeitos as questões que nortearam este estudo, no qual as inferências têm um papel fundamental para que se consiga finalizar a tarefa.

Para a análise qualitativa dos dados textuais, utilizou-se a ferramenta informática Atlas/Ti. Esta ferramenta é um dos programas informáticos desenvolvidos para facilitar o trabalho dos analistas qualitativos, principalmente quando se encontra com uma grande quantidade de dados (Pizzinato, 2009). Com o auxílio do programa, foram mapeados os conteúdos significativos e suas relações com as questões prévias de pesquisa, gerando uma figura para ilustração das ideias.

 

Resultados

Os resultados da análise realizada com o material foram sistematizados de acordo com as categorias previamente estabelecidas, que organizaram a discussão durante as sessões de grupo focal. Inicialmente, apresenta-se o mapa conceitual explicativo organizado após a análise das verbalizações dos participantes. Essas verbalizações, submetidas a uma análise categorial através do software Atlas/ti, geraram o mapa a seguir, no qual se apresentam as associações e tipos de relações estabelecidas entre os conteúdos.

 

Figura 1

 

O primeiro tópico, o de qualidade de vida no/do trabalho ilustra que, na percepção dos participantes, há uma deterioração de sua qualidade de vida, relacionada aos processos laborais, mesmo nos momentos fora do espaço de trabalho. Nesse sentido, tanto a sobrecarga de trabalho, quanto a natureza da atividade são fatores apontados como os que mais afetam a qualidade de vida, em especial por seus derivativos sociais e psicológicos.

Né então, hoje assim, a questão de qualidade de vida tá apertado. Eu não tiro mais o domingo. Que meu horário das 8h as 17h passa a ser das 7h as 19h. Porque eu tenho que fazer toda a agenda, a escala de viagem, tá viajando com quem, qual setor o colega vai fazer. Isso é coisa que eu faço... eu não desligo... minha qualidade de vida, de 0 a 10, dá 2. (Grupo 1)

A nossa vida se mistura, é trabalho e vida pessoal ao mesmo tempo... esse é um ônus/bônus. Como a gente tem que encontrar algo ou alguém, né... é conveniente... que mesmo que eu esteja com minha família no shopping ou fazendo um churrasquinho... "ah mas 'a parte' só está em casa agora, fazendo o churrasco dele também..." pego o mandadinho, vou ali cumprir "cuida a carne pra mim?" só é um oficial de justiça feliz quem consegue aceitar isso com naturalidade. (Grupo 2)

...lá na normativa, que a gente ia receber 120 mandados por mês, mas a gente recebe muito mais que isso. Eu chego a receber 400 por mês. Quando eu trabalhava no interior, teve dias que eu tava chegando num ponto que eu não conseguia mais ir para o fórum, mas também não conseguia sair de lá... Eu tava vendo aquela pilha de mandado, ficava o tempo todo pensando naquilo... me dava uma síndrome do pânico... (Grupo 2)

As verbalizações ilustram como o processo de entendimento de sua qualidade de vida é atravessado pelas questões referentes às condições laborais. Organizando o eixo qualidade de vida no/do trabalho, as categorias discursivas de despersonalização, desgaste, abandono e dificuldades de relação com outras categorias profissionais emergiram como as principais dificuldades do ponto de vista laboral. A despersonalização se caracteriza nas verbalizações onde os sujeitos ilustram sua percepção de indiferença da instituição frente a eles enquanto trabalhadores e pessoas únicas. Assim como suas tarefas, muitas vezes, encaradas como procedimentos ritualizados.

Mas eles (gestores) não estão preocupados porque a gente é só uma peça de reposição. Eles tiram, botam fora põe outra no lugar!... Eles não querem saber se a peça que vai quebrar é valiosa ou não (referindo-se ao servidor). (...) Aqueles que estão se aposentando por invalidez podem ser muito bons. E seria um desperdício treinar todo um pessoal novo, que até ficar bom pode quebrar de novo. (Grupo 2)

Eu acho que o foco sai do servidor e vai pro procedimento. O horário te força às vezes a tu ir a emergência, atendimento. Pode ter um probleminha, que pode levar a algo mais sério, uma meningite, a um câncer. (Grupo 1)

Essa percepção de indiferença e pouca preocupação com os aspectos pessoais de cada um se conecta diretamente com a percepção de abandono. Isto ocorre, pois os servidores sentemse muitas vezes sós e despreparados para enfrentarem as demandas - sociais e ambientais - crescentes e cada vez mais complexas de suas tarefas, especialmente no que diz respeito à violência:

Por que tu estás aqui com um papel, assim querida ó (abaixa a cabeça para ler uma folha) pra entregar para alguém ou ler, porque é isso que tu está fazendo né? Aí tu baixas a cabeça para olhar o papel, e a pessoa está aqui (na frente dele), e tu não vê ao redor, por mais que tu tentes dar uma de rabo de olho. E foi assim que o meu colega morreu em Caxias com um tiro na nuca. (Grupo 2)

...mas não tem nada específico, a gente está falando aqui de ser agredido, mas quando é uma criança, que é o objeto da ação, no caso né, que tem que tirar de um para levar para o outro. Acho que a gente não tem assim um anteparo, um preparo para lidar com a situação... na ordem tu sabes o que fazer pega e deu, mas nos falta treinamento. (Grupo 2)

Além disso, o abandono também ilustra uma das dimensões das dificuldades de relação com outras categorias e setores profissionais. Nessa categoria de análise, as dificuldades de relacionamento entre os diferentes profissionais (em especial os que detêm mais poder no Sistema Judiciário) e a percepção de que a importância que dão às suas tarefas não é compartilhada pelos colegas é especialmente importante no Grupo 2, formado por oficiais de Justiça.

...é que assim muitas vezes, o mandado é um problema, aí tu procuras algum Magistrado para ter alguma orientação mas o cara me diz: " não tu que tem que entender, tem que fazer". Como um colega meu em Caxias, que não entendeu o que o juiz escreveu, foi até o juiz e perguntou o que era pra fazer. O juiz falou: oficial de justiça não tem que entender tem é que cumprir. (Grupo 2)

E eu, por exemplo, tive que fazer uma busca e apreensão de menor, de uma criança pra dar para a mãe que tava com o pai, levei a Brigada levei o Conselho Tutelar, só que deu briga. Comecei a ligar para a juíza, aí ela me disse "Oficial, o que tu está fazendo com a brigada aí?", "Isso não é causo para brigada." O homem estava lá, pegando um facão dentro de casa pra atingir a mulher que queria levar a criança e eu tinha que estar sozinha lá, mediando a situação? Isso não é caso de brigada? O meu chefe dizendo isso pra mim? Eles não têm noção do nosso trabalho. (Grupo 2).

-Tem muita diferença! Acho que a pior diferença assim é horário. O segundo grau para às 19hs. Sempre foi um problema isso. E o pessoal do primeiro grau sempre pensou, porque o pessoal do primeiro grau não pleiteia o nosso horário ?

-Mas a gente pleiteia!

-Não, sempre foi no sentido de a gente fazer mais...

-E as diferenças entre os grupos também vão incomodando com o tempo... os roxos não batem ponto, os verdes batem. (Grupo 1).

No Grupo 1, o distanciamento é interpretado pelos servidores como um fator associado à inabilidade de gestão por parte de suas chefias. Sentir-se só e incompreendido soma-se à percepção de que os gestores os veem apenas como engrenagens necessárias para o funcionamento do sistema e não como profissionais fundamentais para a prestação de um serviço de qualidade. Além disso, figura a idéia de despreparo, ou seja, da falta de uma política clara de capacitação e atualização profissional por parte da gestão.

Eu vejo isso nos meus colegas. O pessoal se preocupa com o volume de trabalho e não com o servidor. (Grupo 1)

A gente dentro do tribunal, a gente tá assim um grãozinho de areia. (Grupo 1)

Cara, às vezes em alguns lugares, mesmo que tu tenhas um embasamento bom, é difícil. Muitas vezes a gente superior vai meio despreparada pra trocar uma idéia... (Grupo 1)

Por que tu pegar 500 mandados por mês e cumprir assim rápido e fácil, qualquer um faz, mas agora pegar uma parte e fazer bem feito, é outra situação. Ele que é pegador (aponta para outro do grupo), que sabe que tem a vida das pessoas nas mãos dele, pois cada mandado é uma, às vezes mais vidas... Aqui em Porto Alegre a coisa não funciona tão bem assim, mas no interior às vezes é pior, lá a precariedade existe, de equipamento, de conhecimento. Eu sei de gente que voltou pra Canoas, que tem uma vida mais tranquila lá. Mas, no litoral ou em São Luís Gonzaga, os caras tão atirado lá. (Grupo 2)

Em confluência com as demais categorias, a enumeração de fatores de estresse ocupacional (demanda de trabalho maior que o efetivo, horário de trabalho excessivo) e pessoal (saúde ocupacional: sintomas físicos e psicológicos) foi relatada nos grupos em diversos momentos. Em ambos os grupos a questão do volume de trabalho e falta de pessoal foi relatada.

A questão até é uma questão da gente. Eu vejo meus colegas e eu também prorrogando, eu preciso ir ao médico, ou ao dentista eu vou prorrogando. Por quê? Porque é tanto serviço, ali agora tem 62.000 processos. Então é tanto trabalho pra pouco servidor que ali tu trabalha e não dá conta, parando no meio. A gente fica constrangida de sair. (Grupo 1)

É tão cego isso, que tem colegas que ficam sabe... se sentem constrangidos e precisam ir ao médico, eles pegam pra ir e mesmo trazendo atestado eles compensam no horário do meio-dia, ou depois das seis e meia, tal o constrangimento de ir ao médico e não cumprir com a demanda. (Grupo 2)

Eu, dor de cabeça e dor nas costas é, eu já me acostumei. Faz parte de mim. Faz parte da minha saúde. Não existe dorflex que eu não tomo, e não sou só eu. A gente vê no meu setor, o grupinho viciado em dorflex. "Ah eu preciso de um dorflex". Sempre tem alguém pra dar. Porque a gente está sempre com dor, de estresse mesmo. (Grupo 1)

Eu vejo que esse problema de depressão ele acaba te afetando fisicamente porque como a pessoa não sabe, ou ela não tem a oportunidade de tratar ou ela não tem apoio porque ela já tem isso, ela começa a apresentar reclamações. E ela também não pode ver. E vários que eu conheço estão em uma situação muito triste mesmo. (Grupo 2)

Ambos os grupos citaram a supressão de horários de folga e quantidade de trabalho como fatores estressores específicos. Os participantes do Grupo 2 (Oficiais de Justiça) também destacaram a "periculosidade" de suas tarefas:

Uma ordem judicial que vem na tua mão, dependendo pode até ser leve. Daqui a pouco é pesada e tu vai ter que entrar lá escoltado pela brigada e se bobear vai positivar na paz, se bobear vai ter que quebrar tudo. Vai ter confronto vai ter resistência. Aí nesse dia tu ta protegido. Só que no outro dia tu tens que voltar lá, sozinho. 'ah tu ta aí hoje, liso, sozinho, cadelão, com o rabinho no meio das pernas, agora eu quero ver se tu és macho. (Grupo 2)

Trabalhar depois do horário. Às vezes era dez da noite, eu não fico mais porque faz mal pra mim, mas eu saia chorando porque tu não dás conta. E não é problema de chefia, é que tu não dás conta mesmo, e depois vai estourar lá na frente. E aí tu tens aquela sensibilidade, tu tens medo de estourar em ti e tu queres dar conta e não consegue. (Grupo 1)

Aí foi assim ó, um colega que fazia uma intimação. Ele era de um estado, fez concurso para o outro e foi morar sozinho, mas sempre morou com os pais e ele tava com problemas de relacionamento no trabalho. Ele diversas vezes procurou o serviço médico, porque ele tava com problemas de depressão, começou a ficar viciado em álcool, drogas e daí um dia ele foi fazer uma intimação, chegou lá e foi falar com o cara e este estava fora de si, brigou com a parte que pegou uma garrafa de álcool e tocou fogo no oficial. (Grupo 2)

Os estressores tem uma relação negativa com a motivação para o trabalho. Os participantes de ambos os grupos referiram que a maior motivação para o trabalho é a estabilidade funcional do cargo. O bom desempenho das funções também é visto como altamente motivador, ainda que na maior parte das vezes esse desempenho é idealizado, contraposto às muitas dificuldades identificadas nas práticas cotidianas.

Como a gente trabalha zoneado, a gente acaba conhecendo aquelas pessoas, os problemas de muitas famílias. A gente acaba fazendo muita caridade, de levar rancho, comida, roupa, de juntar dinheiro em época de natal pra levar crianças para algum lugar. Não chega a ser um assistencialismo, mas mexe com nosso sentimento humano, mexe com a gente. São seres humanos como nós e que a gente vê em situação de pobreza, miséria extrema, e a gente faz diferença nesse sentido. (Grupo 2)

E se fosse o setor privado ele teria ido pra rua agora. Mas eles não vão pra rua e ficam incomodando, ou tu acabas absorvendo o trabalho dele, e pela estabilidade ele vai ficando... Cada dia mais light, e tu cada dia mais carregada. (Grupo 1)

Apesar de todas as dificuldades apontadas, os significados atribuídos ao trabalho são, em parte, positivos. A maior parte dos participantes integra aspectos de motivação, importância social da tarefa e a identificação com esta. O contato com o público, ainda que muitas vezes associado à periculosidade (em especial no Grupo 2), é visto como um motivador, algo que faz com que muitas dificuldades sejam encaradas como questões menores, em especial nos momentos em que sentem que seu trabalho foi importante para que os direitos dos cidadãos fossem respeitados.

Eu sou, tem uma coisa muito boa minha assim, eu acordo sempre de bom humor, cada manhã sempre me dá um up assim. É verdade, não sei até quando, talvez depois pare. Então isso me motiva pro trabalho. (Grupo 1)

O que eu vejo no perfil dos meus colegas que trabalham comigo, e já trabalhei em outras comarcas, o perfil é de comprometimento, de vestir a camiseta, que eu olho, é verdade, eu me orgulho de vestir a camiseta, mas eu vejo que o pessoal é junto sabe... Então assim o isso aí pra mim é muito pouquinho (...) Se eu não der alguma coisa pra eles, se eu não entender as situações deles eu não vou ter aquele servidor quando eu precisar. Quando eu precisar que ele faça um pouco mais do que é a obrigação dele eu não tenho. (Grupo 1)

Isso que vocês estão vendo aqui, de piada e coisarada, é bem característico da gente... a gente trabalha muito, tem problemas, mas se diverte também (risos do grupo). (Grupo 2)

Entre nós a gente é muito mais do que qualquer professor, ninguém faz isso pela gente, quem faz são os colegas, por que só a gente sabe como é e ninguém quer que o outro fique mal sabe? Porque se der algum problema é a gente que vai ter que resolver, é o grupo que vai dar auxílio a alguém que está mal. (Grupo 2)

 

Discussão

Os discursos selecionados corroboram alguns elementos teóricos levantados na introdução, tais como o presenteísmo e a falta de comunicação entre gestores e funcionários e entre setores como principais fatores de prejuízo ocupacional, tanto na forma de adoecimento, como no entendimento de uma subtração da produtividade. O sentimento de pouca participação na articulação da organização também acarreta frustração nos funcionários que, na maioria, sente-se sobrecarregada.

Essa sobrecarga muitas vezes está relacionada ao pouco prestígio que os trabalhadores recebem de seus superiores, como foi relatada acima. Assim, os servidores acabam sentindo indiferença frente ao seu trabalho, o que pode até mesmo gerar sintomas que estão relacionados à Síndrome de Burnout, uma enfermidade que está ligada a condições de tensão no ambiente de trabalho, provenientes de baixo reconhecimento e sentimentos de pouco sucesso na realização das tarefas (Maslach, Schaufelli & Leiter, 1993). Dentre os elementos presentes nessa síndrome, estão: exaustão emocional, caracterizado por baixo entusiasmo e falta de energia para realização das tarefas; despersonalização, isto é tratamento pouco afetivo com colegas, clientes e a própria instituição; e redução da realização pessoal, revelado pela baixa a valiação do próprio trabalho, gerando descrença de suas capacidades laborais (Codo & Vasque-Menezes, 1999). Como visto nos discursos selecionados há indicativos de falta de reconhecimento e sentimento de não cumprimento das tarefas, além de uma explícita exaustão mental e corporal relacionadas, segundo os próprios participantes, à baixa motivação em comparecer e permanecer no ambiente de trabalho.

Seria importante que tais percepções e avaliações pudessem ser consideradas no processo de qualificação das condições sócio-laborais. Poderia haver mais "horizontalidade" nas decisões referentes às práticas laborais de cada setor, compartilhando assim responsabilidades e fomentando o sentimento de atividade e participação dentro da organização.

No que se refere à questão dos afastamentos, muitas vezes citados pelos participantes, é importante ressaltar que o estudo de Fonseca e Carlotto (2011), com essa mesma população, aponta que o afastamento ocorre por problemas de saúde, tendo, este, grande impacto na saúde ocupacional dos servidores do judiciário, tal e como ilustram as verbalizações dos participantes do Grupo 1. Particularmente no grupo dos oficiais de justiça as faltas recorrentes também foram relacionadas pelos participantes como dificuldades mais graves apresentadas por eles próprios, ou colegas, e a ausência de alguns trabalhadores acaba por sobrecarregar outros e pioram ainda mais a pressão por prazos e a exigente demanda de trabalho. Dessa forma, os relatos dos participantes demonstram a necessidade de modificação de muitos aspectos da cultura organizacional do Poder Judiciário.

Os Oficiais de Justiça (Grupo 2) também destacaram a falta de materiais e a necessidade de realizar algumas das tarefas em companhia de outros servidores ou policiais devido ao aumento da complexidade e violência em suas tarefas externas na comunidade. Independentemente da tarefa ou formação prévia dos servidores, outra manifestação foi a da necessidade de um treinamento adequado para os servidores nomeados. Muitos funcionários pontuaram falhas importantes nesse aspecto, visto que a capacitação, muitas vezes, é realizado de forma informal, não sistemática, dependendo da boa vontade dos colegas antigos.

Quanto aos aspectos positivos pontuados pelos servidores, um dos fatores protetivos mais representativos é justamente o companheirismo dos colegas, que acabam por realizar um trabalho preventivo, pois orientam aqueles que possuem menos experiência a fim de subtrair seu sofrimento. Essa questão já foi demonstrada em outros contextos, também com servidores de um Tribunal de Justiça, encontrando ótimas relações de trabalho entre os servidores, independentemente do cargo (Silva, Souza, Goulart , Canêo & Lunardelli, 2009).

Juntamente com o companheirismo, a remuneração e a estabilidade também tranquilizam aos entrevistados, Entretanto, é necessário ter em mente que este fator não parece estar relacionado com a realização pessoal dos trabalhadores, mas traz satisfação. Como foi detalhado anteriormente, o tempo de serviço aparentemente está mais relacionado com a desmotivação para o exercício das funções.

Além disso, a significação do trabalho apresentase projetada em sua relevância social, no auxílio à alteridade. Essa significação, aparentemente contribuiria para a motivação para o trabalho, fomentando engajamento, identificação e realização pessoal com a tarefa apesar das adversidades apontadas e dos desafios para o funcionamento adequado do setor, em especial o da promoção, o da saúde ocupacional de seus servidores.

 

Considerações Finais

Os resultados desta pesquisa ressaltam a importância de uma gestão mais cuidadosa, preocupada com a saúde ocupacional destes trabalhadores. Como foi exposto nas falas dos servidores, as condições do trabalho são significadas através das sobrecargas emocional e funcional, que acabam por afetar tanto a produtividade quanto a qualidade de vida dentro e fora do trabalho, dando um sentido pejorativo ao trabalho. Essa relação entre percepção de qualidade e produtividade parece estar relacionada aos níveis de desgaste percebido pelos participantes. Os participantes destacam ainda, complementando essa análise, a atual falta de fronteiras rígidas entre os horários de lazer e de trabalho, além do uso abusivo de automedicação (tranquilizantes, analgésicos e ansiolíticos) como forma de manejo de stress, o que é visto pelos trabalhadores como um percalço na manutenção de sua qualidade de vida . Algumas estratégias podem ser apontadas para que a melhoria das condições de trabalho, tais como o investimento em qualificação dos servidores para o trabalho em equipe (a fim de diminuir a hierarquização dos serviços) e a formação continuada para enfrentamento de situações de risco laboral. A desburocratização de alguns processos também pode ser um alvo das gestões a fim de tornar o trabalho mais humanizado, considerando que, como referido pelos próprios trabalhadores, os trâmites institucionais acabam por serem signos da mecanização do trabalho, tornando os servidores apenas peças de uma grande máquina.

 

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Recebido em: 21/11/13
Aceito em: 23/05/14

 

 

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