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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

 ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.8 no.1 Juiz de fora jun. 2015

 

REVISÕES CRÍTICAS DE LITERATURA

 

Pesquisa em psicologia da saúde: avaliação da produção de um programa de pós-graduação

 

Health psychology research: assessment of a postgraduate program production

 

 

André Luiz De Biagi-BorgesI,1; Letielle TononI; Fabio Scorsolini-CominII; Rodrigo Sanches PeresI

IUniversidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Brasil
IIUniversidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo tem como objetivo apresentar uma revisão das dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia concernentes à Psicologia da Saúde. No total, 16 dissertações foram examinadas em função de um conjunto de dimensões de análise. Os resultados possibilitam a obtenção de um panorama acerca das dissertações em questão e o delineamento de novas perspectivas. Sugere-se, por exemplo, a opção por temáticas relativas à Psicologia da Saúde Pública em dissertações futuras, buscando-se contribuir para a formulação de propostas para a gestão de serviços ou para o aprimoramento de intervenções em diferentes níveis de atenção. E tal sugestão se estende aos pesquisadores brasileiros em geral, pois se revela potencialmente proveitosa para o avanço da Psicologia da Saúde no país, particularmente no sentido de promover uma maior articulação entre a produção do conhecimento científico e as demandas da realidade social no contexto nacional.

Palavras-chave: Psicologia da Saúde; Métodos de pesquisa; Pós-graduação.


ABSTRACT

This study aims to present a review of dissertations submitted to the Psychology Postgraduate Program at the Universidade Federal de Uberlândia concerning Health Psychology. In total, 16 dissertations were examined considering a set of analytical dimensions. The results can provide an overview about the Postgraduate Program production and the design of new perspectives. A suggestion is for the preference for new dissertations that focus on the theme of public health policies, hoping to contribute to new propositions for the different health care levels. This suggestion is valid for all Brazilian researchers, once it contributes to knowledge development in the area of health care in the country and, particularly, promotes a better articulation between scientific knowledge production and social needs.

Keywords: Health Psychology; Research methods; Postgraduate training; Integrative review.


 

 

De acordo com Witter (2005), avaliar a produção científica de um Programa de Pós-Graduação possibilita o delineamento de um panorama geral sobre sua evolução, na medida em que elucida os caminhos já trilhados. Além disso, fornece elementos para que novas perspectivas sejam vislumbradas, pois auxilia no estabelecimento de objetivos a serem atingidos futuramente para sua consolidação. A prática avaliativa tem sido pensada tanto como ação externa quanto como etapa do planejamento e da gestão das instituições, acompanhando as ações voltadas a mudanças no sentido de incrementar a produção científica e possibilitar o diálogo com o conhecimento desenvolvido nacional e internacionalmente (Minayo, 2011). O mapeamento da produção científica, portanto, deve ocorrer continuamente e seguindo critérios de avaliação que contribuam para o avanço do conhecimento existente e elenquem balizas para novos estudos, notadamente daqueles vinculados aos Programas de Pós-Graduação (Sabadini, Sampaio & Koller, 2009; Pinto, Santeiro & Santeiro, 2010; Toffoli & Ferreira, 2011).

Por essas razões, teses e dissertações apresentadas a diferentes Programas de Pós-Graduação em Psicologia têm sido objeto de alguns estudos nacionais recentes, tais como aqueles desenvolvidos por Almeida e cols. (2010) e Granja (1995). Deve-se esclarecer que a relevância desses estudos se torna incontestável tendo em vista que a Pós-Graduação em Psicologia tem experimentado uma expansão significativa no país ao longo das duas últimas décadas. Ocorre que, para Tourinho e Bastos (2010), são inúmeros os desafios que se impõem nesse contexto de expansão, particularmente no sentido de promover uma maior articulação entre a produção do conhecimento científico e as demandas da realidade social brasileira. Tais autores apontam que um dos caminhos para a superação desses desafios é a reversão de assimetrias no que tange aos temas de pesquisa, de modo a possibilitar a abordagem de questões de relevância científica e social que têm sido negligenciadas ou preteridas.

Reforçando esse raciocínio, Féres-Carneiro, Bastos, Feitosa, Seidl-de-Moura e Yamamoto (2010) destacam que a Psicologia poderia prestar contribuições mais significativas para a resolução de problemas nacionais importantes na atualidade se a Pós-Graduação conseguisse formar mestres e doutores não apenas para a própria universidade, mas também para outros setores da sociedade, sendo que, para tanto, os pesquisadores da área devem se debruçar sobre a própria produção científica com o intuito de mapeá-la e avaliá-la para identificar suas lacunas e possibilidades. Desse modo, o presente estudo tem como objetivo apresentar uma revisão das dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (PGPSI-UFU), mais especificamente na linha de pesquisa "Avaliação, tratamento e prevenção nas diferentes etapas da vida".

O PGPSI-UFU foi criado em 2003 com a implementação do curso de mestrado em Psicologia, sendo que, até o momento, ainda não está credenciado para a oferta do curso de doutorado. Trata-se, portanto, de um Programa de Pós-Graduação recente, que busca desenvolver-se e consolidar-se no cenário nacional, mas já desponta como um centro regional de grande relevância para a formação de pesquisadores em Psicologia, sendo o único Programa de Pós-Graduação em Psicologia da mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, uma das mais ricas e populosas do Estado de Minas Gerais. O PGPSI-UFU atualmente é constituído por treze docentes permanentes e cinco linhas de pesquisa, entre as quais a intitulada "Avaliação, tratamento e prevenção nas diferentes etapas da vida", cuja característica principal é agregar dissertações dedicadas a temáticas que se inserem no campo da Psicologia da Saúde.

Para Witter (2008), a Psicologia da Saúde busca a promoção do bem-estar físico, mental e social do indivíduo, considerando-o em seu contexto interacional e como um ser histórico, o que pressupõe uma compreensão multifatorial do processo saúde-doença-cuidado. Nesse sentido, Guimarães, Grubits e Freire (2007) defendem que a Psicologia da Saúde pode prestar contribuições tanto para a promoção e manutenção da saúde quanto para a prevenção e o tratamento de doenças, apresentando, assim, um caráter transversal em relação às demais subáreas da Psicologia. Além disso, é importante mencionar que, conforme Straub (2005), a importância da Psicologia da Saúde é evidente levando-se em consideração que seu crescimento foi influenciado diretamente pelas mais importantes tendências em Saúde Pública das últimas décadas, a saber: o aumento da expectativa média de vida, o surgimento de problemas de saúde relacionados aos diferentes estilos de vida, o declínio do modelo biomédico e o aumento dos custos do atendimento em saúde.

Ressalte-se que, no Brasil, a Psicologia da Saúde, de acordo com Castro e Bornholdt (2004), ainda se confunde com a Psicologia Hospitalar. Porém, as autoras alertam que a Psicologia Hospitalar é uma especialidade profissional - inexistente em outros países - mais restrita aos níveis de atenção secundário e terciário em saúde e que possivelmente se consolidou no contexto nacional devido à centralidade dos hospitais nas políticas públicas de saúde. A Psicologia da Saúde, em contrapartida, possui uma aplicabilidade mais ampla, na medida em que se estende a todos os níveis de atenção. Ou seja: a Psicologia Hospitalar, em última instância, estaria incluída na Psicologia da Saúde enquanto subárea. Porém, o problema da confusão que se estabelece entre a Psicologia da Saúde e a Psicologia Hospitalar reside, mais especificamente, no fato de que esta assume como referência básica o local de atuação, e não as práticas desenvolvidas, o que, para Yamamoto, Trindade e Oliveira (2002), enseja a dispersão teórica da Psicologia e dificulta a construção de uma identidade para o psicólogo como profissional de saúde.

Ainda a respeito do contexto brasileiro, é válido mencionar que alguns autores exploram a variedade de interfaces que a Psicologia da Saúde admite. Traverso-Yépez (2001), por exemplo, sustenta que a Psicologia da Saúde pode se beneficiar dos aportes teóricos da Psicologia Social, particularmente em sua vertente crítica, de modo a atingir um maior reconhecimento da influência de variáveis sociais no processo saúde-doença-cuidado. Desenvolvendo essa linha de raciocínio, Spink (2003) utiliza o termo "Psicologia Social da Saúde" para aludir a um campo ampliado de atuação do psicólogo no âmbito da saúde, resultante da interpenetração de duas subáreas da Psicologia, no qual há maior comprometimento com a cidadania por meio de ações desenvolvidas em consonância com a realidade local sob uma ótica mais coletiva.

 

Método

Em que pese o fato de contemplar a produção de um Programa de Pós-Graduação em específico, o presente estudo pode ser classificado como uma revisão integrativa, pois as pesquisas desse tipo viabilizam a síntese de um conjunto de publicações científicas dedicadas a um determinado tema, as quais devem ser localizadas, selecionadas e analisadas em função de critérios justificados e explicitados (Creswell, 2010; Mendes, Silveira & Galvão, 2008). O material necessário para o desenvolvimento do presente estudo foi localizado a partir de consultas concluídas em Outubro de 2011 à Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Universidade Federal de Uberlândia2. Tal procedimento possibilitou a localização de todas as 136 dissertações apresentadas ao PGPSI-UFU desde a sua implementação (Maio de 2003) até o momento das consultas (Outubro de 2011). Contudo, frente ao objetivo proposto, foram consideradas apenas aquelas referentes à linha de pesquisa "Avaliação, tratamento e prevenção nas diferentes etapas da vida", o que resultou na seleção de 16 dissertações. Cada uma delas foi recuperada na íntegra em sua versão digital e examinada em função das seguintes dimensões de análise: 1) objetivo; 2) abordagem metodológica; 3) delineamento metodológico; 4) instrumentos e 5) principais resultados.

 

Resultados e Discussão

O objetivo de cada uma das dissertações selecionadas se encontra sucintamente apresentado na Tabela 1, a qual aponta que a maior parte delas (Cardoso, 2006; Carrijo, 2011; Cunha, 2006; Freitas, 2006; Morais, 2010; Oliveira, 2009; Pereira, 2006; Ribeiro, 2008; Santos, 2009; Silva, 2008; Silva, 2011; Sousa, 2005) pode ser situada em uma das subdivisões da Psicologia da Saúde, a saber: a Psicologia da Saúde Clínica. Seu foco, conforme Belar e Deardoff (2009), é constituído por grupos de pacientes com doenças orgânicas ou psíquicas específicas que recebem assistência nos sistemas de saúde. Tendo em vista que se trata da subdivisão mais desenvolvida da Psicologia da Saúde, é possível propor que o achado oriundo da avaliação da primeira dimensão de análise estabelecida para os fins do presente estudo revela que as dissertações apresentadas ao PGPSI-UFU, no que tange à natureza dos participantes, acompanham as tendências da produção científica internacional dessa subárea.

Não obstante, parece razoável propor que o fato de terem sido incluídos entre os participantes da maioria das dissertações selecionadas pacientes que apresentam certas condições clínicas também se afigura como um reflexo da já mencionada confusão que ainda existe no Brasil entre a Psicologia da Saúde e a Psicologia Hospitalar. Ocorre que, em algumas das dissertações que compõem essa maioria, dentre as quais se pode citar aquelas desenvolvidas por Medeiros (2010) e Silva (2011), os participantes foram recrutados exclusivamente em hospitais. E, em última instância, isso sugere uma ênfase, por parte dos autores, nos níveis de atenção secundário e terciário, a qual é compatível com a aplicabilidade da Psicologia Hospitalar, sendo que, para Castro e Bornholdt (2004), a Psicologia da Saúde, conforme salientado, estende-se a todos os níveis de atenção.

A avaliação da segunda dimensão de análise preconizada para os fins do presente estudo demonstra que 12 das 16 dissertações selecionadas (Barros, 2010; Carrijo, 2011; Cunha, 2006; Medeiros, 2010; Moreira, 2009; Oliveira, 2009; Ribeiro, 2008; Santos, 2009; Silva, 2008; Silva, 2010; Silva, 2011; Souza, 2005) utilizaram o enfoque qualitativo de pesquisa. Desse modo, assumiram, enquanto posição epistemológica central, a primazia da compreensão como princípio do conhecimento e, consequentemente, privilegiaram o estudo de relações complexas entre variáveis em detrimento da tentativa de explicá-las por meio de seu isolamento. Afinal, para Flick (2009), tal posição representa o ponto de partida para a diferenciação entre pesquisas qualitativas e quantitativas.

O achado em questão já era esperado em função daquele decorrente da avaliação da primeira dimensão de análise, uma vez que a Tabela 1 faz menção a constructos que, conforme Turato (2005), são habituais em pesquisas nas quais o enfoque qualitativo é privilegiado, tais como "vivências" e "sentidos". O referido autor defende que as pesquisas qualitativas no campo da Saúde - e, particularmente, em Psicologia da Saúde, poder-se-ia acrescentar - são essenciais porque privilegiam constructos que se constituem de fenômenos essencialmente subjetivos cuja função é organizadora para os seres humanos. Ocorre que a forma como um sujeito interpreta subjetivamente uma doença determinará o modo como o mesmo se posicionará diante dela e cuidará da própria saúde.

Já a avaliação da terceira dimensão de análise revela que todas as 16 dissertações selecionadas derivam de pesquisas de corte transversal, as quais permitem comparações entre indivíduos diferentes em um mesmo momento e tem como principal vantagem prática a destinação de um prazo mais circunscrito para a coleta de dados. Porém, as pesquisas transversais impossibilitam o acompanhamento de mudanças ao longo do tempo (Richardson, 2010). Em Psicologia da Saúde, tal acompanhamento - predominantemente viabilizado por pesquisas longitudinais - é importante para a avaliação de variações em termos de determinantes do processo saúde-doença-cuidado no decorrer das etapas desenvolvimentais. Contudo, pesquisas longitudinais demandam um prazo mais amplo para a coleta de dados. As pesquisas com delineamento cross-sectional, por sua vez, são mais exequíveis nesse sentido, posto que subsidiam a avaliação de mudanças a partir da comparação de dois ou mais grupos de indivíduos que se encontram em estágios diferentes de um mesmo processo desenvolvimental (Bordens & Abbott, 1999; Breakwell, Hammond, Fife-Schaw & Smith, 2010; Richardson, 2010).

Considerando que foi o instrumento de escolha dos autores de 10 das 16 dissertações selecionadas (Cunha, 2006; Freitas, 2006; Medeiros, 2010; Moreira, 2009; Oliveira, 2009; Pereira, 2006; Ribeiro, 2008; Santos, 2009; Silva, 2008; Silva, 2011), a entrevista se sobressaiu no que se refere à quarta dimensão de análise. Trata-se também de um achado esperado à luz daqueles oriundos da avaliação da primeira e da segunda dimensão de análise, pois, conforme Martins e Bicudo (1994), a entrevista é extremamente relevante para a coleta de dados em pesquisas qualitativas. Contudo, tal instrumento também foi adotado em duas dissertações que derivam de pesquisas quantitativas (Freitas, 2006; Pereira, 2006). Esse fato pode ser compreendido à luz da assertiva de Straub (2005), segundo a qual a entrevista tem o mérito de avaliar aspectos do comportamento individual associados, positiva ou negativamente, à saúde, o que justifica sua utilização em pesquisas no campo da Psicologia da Saúde, quer sejam elas qualitativas ou quantitativas.

A avaliação da quinta dimensão de análise, por fim, aponta que, em conformidade com os limites determinados pelos objetivos das dissertações, cada uma delas veicula resultados relevantes para a assistência e para a pesquisa em Psicologia da Saúde. Oliveira (2009), por exemplo, esclarece a importância do processo de comunicação do diagnóstico para mulheres acometidas por câncer de mama ao revelar que as mesmas, quando se veem diante da necessidade de repassar a seus familiares informações acerca da própria saúde, tendem a reproduzir as palavras adotadas anteriormente por seus médicos. A partir desse resultado, torna-se patente a necessidade de contemplar a dimensão subjetiva do processo de comunicação para que seu impacto negativo na perspectiva de vida das pacientes seja minimizado.

Já Carrijo (2011) constatou que o fenômeno da responsabilização em portadores de diabetes não se restringe a um movimento de culpabilização associado a uma tendência à individualização e à normatização do processo saúde-doença-cuidado. Tal tendência, seria, em última instância, oriunda de expectativas sociais e culturais. O fenômeno da responsabilização, levando em conta sua amplitude interacional, tem implicações identitárias e possibilita a negociação dialógica de sentidos. Revela-se, assim, que o cuidado em saúde não deve assumir um caráter meramente prescritivo e que a adesão ou a não-adesão a tratamentos, quer seja em pacientes portadores de diabetes ou de quaisquer outras doenças, não pode ser compreendida a partir de uma visão higienista.

Pereira (2006), por seu turno, referendou a importância das quedas em idosos enquanto problema de saúde pública ao apontar que, entre suas repercussões psicológicas, destaca-se o medo de novas quedas e, como consequência, a intensificação do sentimento de insegurança em relação à capacidade de deambulação. A autora também verificou que, somando-se às repercussões físicas das quedas, esse sentimento de insegurança pode, em alguns casos, conduzir ao isolamento social. Desse modo, é enfatizada a necessidade de ações preventivas a serem desenvolvidas por profissionais de saúde, principalmente no sentido de orientar os idosos acerca dos fatores de risco para quedas aos quais os mesmos se encontram expostos no cotidiano.

Porém, no que tange aos resultados veiculados, sobressaem-se, em termos de originalidade, as dissertações de Barros (2010) e Silva (2010). A primeira por fornecer subsídios práticos para o trabalho do psicólogo ao abordar um recurso potencialmente proveitoso - as "cartas terapêuticas" - para o desenvolvimento de modalidades assistenciais grupais no campo da Saúde. A segunda se diferencia por sua aproximação com a Psicologia da Saúde Pública, uma subdivisão da Psicologia da Saúde ainda pouco desenvolvida no país. A autora de tal dissertação asseverou que o Sistema Único de Saúde (SUS), produto da principal política pública brasileira para o campo da saúde, é retratado pelo maior jornal impresso nacional de forma parcial e limitada, o que dificulta o exercício do controle social por parte da população - justamente um dos pilares de tal sistema.

Conclui-se, diante do exposto, que as informações precedentes subsidiam uma caracterização da produção do PGPSI-UFU concernente à Psicologia da Saúde em termos das dimensões de análise preconizadas. A partir dessa caracterização, alguns caminhos podem ser vislumbrados a partir do cotejamento com a literatura científica especializada. Os estudos de Franco (2000) e Witter (2008) se mostram relevantes nesse sentido. Franco (2000) apresentou uma revisão sobre os artigos em Psicologia da Saúde veiculados nas décadas de 1980 e 1990 em periódicos internacionais, por meio da qual constatou que a atuação do psicólogo no planejamento e na organização de serviços de saúde se afigurava como uma temática negligenciada. Essa mesma constatação se aplica à produção do PGPSI-UFU, situação essa que demanda reversão a partir do desenvolvimento de novas pesquisas, principalmente que atendam aos objetivos da Psicologia da Saúde Pública, entre eles o de contribuir para o aperfeiçoamento e a implementação das políticas públicas de saúde (Guimarães e cols., 2007; Straub, 2005).

Neste momento, uma dupla questão se impõe: em que sentido e de que forma a Psicologia da Saúde - ou, mais especificamente, a Psicologia da Saúde Pública - seria capaz de contribuir para o aperfeiçoamento e a implementação das políticas públicas de saúde no país? Uma resposta possível a tal questão pode ser delineada tomando-se como base as proposições de autores que, a exemplo de Aguiar e Ronzani (2007), defendem que a Psicologia da Saúde, ao ensejar uma visão mais holística do processo saúde-doença-cuidado, é capaz de favorecer a superação do modelo clínico-assistencialista ainda hegemônico e, como consequência, consolidar o redirecionamento da saúde pública dos níveis secundário e terciário para o nível primário. Os referidos autores fundamentam essa linha de raciocínio ao apontar que as ações de promoção de saúde, típicas do nível primário, trabalham com fenômenos essencialmente psicológicos, tais como hábitos, motivações e atitudes.

Spink (2003) acrescenta que, nesse movimento de redefinição do modelo de atenção em saúde, a aproximação da Psicologia da Saúde com a Psicologia Social se revela potencialmente proveitosa, posto que esta privilegia uma atuação centrada em uma perspectiva coletiva. E Camargo-Borges e Cardoso (2005) sustentam, mais especificamente, que a Psicologia Social da Saúde, sobretudo por valorizar a construção de intervenções a partir da realidade local, fornece elementos para a reorganização do trabalho em saúde em consonância com os princípios da Estratégia Saúde da Família (ESF), a qual se afigura como um componente central das políticas públicas de saúde vigentes, mas ainda carece de aprimoramento em termos da integração com a rede assistencial como um todo.

Retomando o cotejamento dos achados ora reportados com a literatura especializada, vale mencionar ainda que Witter (2008), a partir da revisão de artigos em Psicologia da Saúde veiculados até 2006 em periódicos nacionais e internacionais, observou que a produção científica brasileira, para acompanhar a evolução dessa subárea no exterior, também deve repensar suas prioridades de pesquisa. A autora sugere conferir maior ênfase à saúde enquanto foco de atenção por meio de pesquisas dedicadas ao desenvolvimento saudável, as quais vêm ganhando espaço crescente no meio acadêmico internacional. Tal sugestão também pode ser estendida à produção do PGPSI-UFU, em que pese o fato de que, conforme apontado anteriormente, a mesma acompanha as tendências da produção científica internacional dessa subárea em termos da natureza dos participantes.

Afinal, é possível realizar pesquisas dedicadas ao desenvolvimento saudável mesmo se trabalhando, ao menos em parte, com populações clínicas. Para tanto, a adoção do delineamento cross-sectional se destaca como uma boa escolha metodológica, pois, como já mencionado, tal delineamento possibilita a comparação de grupos de indivíduos que se encontram em estágios diferentes de um processo desenvolvimental em comum. A pesquisa conduzida por Senra e cols. (2012) exemplifica essa tendência ao comparar a autoimagem de adultos submetidos à amputação de membros inferiores em momentos distintos do processo saúde-doença-cuidado. Deve-se esclarecer que a referida pesquisa também demonstra que o delineamento cross-sectional, ainda que mais frequente no enfoque quantitativo, é perfeitamente compatível com o enfoque qualitativo, o qual, conforme salientado, tem prevalecido entre as dissertações apresentadas ao PGPSI-UFU.

Em suma: há que se considerar que a prática avaliativa da produção científica deve ocorrer permanentemente, tanto no sentido de monitoramento quanto da avaliação propriamente dita. Segundo Minayo (2011), a avaliação se afigura como um conjunto de "atividades técnico-científicas ou técnico-operacionais que buscam atribuir valor de eficiência, eficácia e efetividade a processos de intervenção" (p. 3). O monitoramento, por sua vez, consiste na observação e registro regular das atividades previstas dentro de um Programa. Esses dois processos complementares podem contribuir tanto para compreender o que fomenta o êxito de um Programa quanto o que possibilita seu alcance e aquilo que questiona seus limites, algo fundamental para um Programa de Pós-Graduação como o analisado neste estudo. Portanto, avaliar e monitorar a produção do PGPSI-UFU são ações que devem ser empreendidas continuamente e não apenas em relação às dissertações concernentes à Psicologia da Saúde, contribuindo, consequentemente, para a caracterização da produção científica em diferentes subáreas.

 

Considerações finais

Em linhas gerais, o presente estudo possibilitou a obtenção de um panorama acerca das dissertações apresentadas ao PGPSI-UFU concernentes à Psicologia da Saúde e revelou que a maioria delas deriva de pesquisas qualitativas, passíveis de enquadramento no âmbito da Psicologia da Saúde Clínica, nas quais a entrevista foi o instrumento mais utilizado e cujos resultados fornecem elementos para a assistência e a pesquisa. A avaliação das dissertações defendidas entre 2003 e 2011 apontou que o PGPSI-UFU é capaz de progredir no sentido de favorecer o diálogo entre diferentes abordagens teórico-metodológicas no campo da Saúde. As pesquisas vindouras devem trazer delineamentos tradicionais e já consolidados, mas podem avançar no sentido de propor novos caminhos para as temáticas caras à Psicologia da Saúde. Por seu caráter recente, depreende-se a abertura dos pesquisadores e orientadores para esses novos percursos, o que favorecerá que tais pesquisas possam consolidar a identidade do Programa e enquadrá-lo em uma proposta dinâmica, alinhada às atuais perspectivas na produção do conhecimento em Psicologia.

Em termos metodológicos, sugere-se, no desenvolvimento de dissertações futuras, a opção pelo delineamento cross-sectional para que se possa conferir maior ênfase à saúde enquanto foco de atenção por meio da avaliação de eventuais mudanças em termos de determinantes do processo saúde-doença-cuidado no decorrer das etapas desenvolvimentais. Além disso, a opção por temáticas concernentes à Psicologia da Saúde Pública pode se revelar interessante no sentido de contribuir para o aperfeiçoamento e a implementação das políticas públicas de saúde e, assim, contemplar uma importante demanda da realidade social brasileira. Tais sugestões, contudo, estendem-se aos pesquisadores brasileiros em geral, já que decorrem de caminhos apontados pela literatura científica especializada como potencialmente proveitosos para o avanço da Psicologia da Saúde.

Desse modo, o presente estudo oferece elementos não apenas para a avaliação da produção do PGPSI-UFU, mas também para o desenvolvimento, no contexto brasileiro, do conhecimento atualmente disponível em Psicologia da Saúde, sobretudo por salientar a necessidade de se dedicar maior atenção a certas temáticas de relevância social. Os pesquisadores que optarem, por exemplo, por se dedicar a estudos imbuídos da preocupação em contribuir para a formulação de propostas para a gestão de serviços públicos ou para o aprimoramento de intervenções em diferentes espaços e níveis de atenção em saúde, certamente estarão reforçando o compromisso social da Psicologia em um país como o Brasil, no qual persistem desafios para a efetivação do direito à saúde.

 

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Recebido em: 13/11/2012
Aceito em: 25/02/2013

 

 

1 Contato: andredebiagi@gmail.com
2 Disponível no site www.bdtd.ufu.br

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