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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.8 no.spe Juiz de fora dez. 2015

 

ARTIGOS

 

A Psicanálise pode ajudar a deter a roda-viva da violência social?

 

Psychoanalisis can help stop the treadmill of sexual violence?

 

 

Cassandra Pereira França1

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

 

 


RESUMO

O artigo procura apresentar a mudança ocorrida, nas duas últimas décadas, no perfil sintomatológico da clientela infantil que tem chegado à clínica social do Departamento de Psicologia da UFMG para tratamento psicoterápico de base analítica. O acompanhamento desses casos, em supervisão, permite-nos observar, com nitidez, a infiltração da violência social na infância: um número expressivo de crianças que frequentam esses tratamentos psicoterápicos foi vítima de traumatismos, seja por ter presenciado o assassinato dos pais, seja por ter sofrido violências físicas. Tal realidade traz, em si inevitavelmente, reverberações para os processos identificatórios em construção - consequência que evidencia o risco do crescimento da violência de modo exponencial, uma vez que a identificação com o agressor é, naturalmente, um dos efeitos dos processos de clivagem necessários para que a criança possa continuar dedicando obediência e amor àqueles adultos violentos, porque, afinal, eles são provedores de seu sustento físico e emocional.

Palavras-chave: Psicanálise infantil, Traumatismo, Identificação com o agressor, Violência social.


ABSTRACT

The article focuses on presenting the changes occurred in the last two decades concerning the profile of infant clientele that arrive at the Department of Psychology clinic seeking psychotherapy. The monitoring of these cases, during supervision, allows us to clearly observe the impacts of social violence in childhood: a significant number of children attending these psychotherapeutic treatments were victims of trauma, or because they have witnessed their parents' being murdered, or even have suffered physical violence themselves. This reality inevitably brings with it reverberations for the identification processes in construction - a result that reflects the risk of the growth of violence in an exponential manner, since the identification with the aggressor is of course one of the effects of the cleavage processes that is required so that the child can continue obeying and loving those violent adults who are responsible for their physical and emotional sustenance.

Keywords: Child psychoanalysis, Trauma, Identification with the aggressor, Social violence.


 

 

Hubo un siglo en el qual se desplegaron todas las esperanzas: desde la propuesta de acabar con la miseria hasta la de expulsar los demonios psíquicos que favorecen la destrucción humana, desde la ilusión de generar una infancia libre de temores hasta la de constituir una vejez sin deterioro, casi inmortal (...) Hubo un siglo cuyo legado aún no hemos recogido totalmente porque su balance no hay concluído (Bleichmar, 2006, p. 245).

A Psicanálise esteve presente nas grandes controvérsias de um século que a viu crescer e expandir-se. Com a virada do milênio, enquanto uns celebravam o centenário do livro A interpretação dos sonhos, que denunciava uma das maiores feridas narcísicas do ser humano, qual seja, a de que ele não é dono sequer de seu próprio inconsciente, outros se apressavam em fortalecer as campanhas para a condenação da psicanálise a uma condição terminal. Se, ao longo de sua extensa obra, Sigmund Freud lutou para criar o conceito de "realidade psíquica"2 - que representava a ruptura epistemológica fundamental e necessária para permitir à ciência psicanalítica demarcar o campo da subjetividade humana, enfrentando, assim, o desafio de compreender o modo como a "realidade psíquica", carregada de desejos, se apropriava da "realidade externa" , dando respostas a esta através de organizações psíquicas neuróticas, borderlines ou psicóticas -, agora o desafio com que a Psicanálise se defronta é exatamente o oposto: reconhecer os efeitos permanentes da "realidade externa" sobre a nossa "realidade psíquica", nossa identidade e nosso pensamento3.

Um século se passou. Ficou comprovado que a técnica psicanalítica é, de fato, um potente meio de tratamento através do autoconhecimento; mas, também ficou evidenciado a laboriosa tarefa que a Psicanálise deve empreender para sobreviver enquanto ciência. Entretanto, se queremos garantir uma certa margem de esperança na lida com esse desafio, que, se aceito, demandará fôlego, é preciso dar curso ao balanço a que Bleichmar se referiu na epígrafe que encima esta página. O legado de Freud não se limitou às ideias sobre o psiquismo humano tão brilhantemente por ele enunciadas: seu exemplo de humildade e de "imaginação teórica"4 e tem de ser nosso apoio para que possamos revisar suas ideias e atualizá-las. Este é o desafio feito a cada um de nós, psicanalistas: a conquista de um ideal que talvez nem alcancemos, mas em cuja direção começaremos a caminhar. Propomos que o façamos, estabelecendo, como contraponto desafiador a nossas premissas psicanalíticas, o provérbio árabe que afirma que "os homens se parecem mais com seu tempo do que com seus pais".

 

O impacto da violência social na clínica infantil

Se partirmos do pressuposto de que é preciso estabelecer os modos como os conceitos nucleares da Psicanálise são afetados pela dialética modernidade/pós-modernidade, a fim de identificarmos conceitos e dogmas que devem ser revisados ou eliminados, temos de reconhecer que estamos no lugar ideal, privilegiado, dentro da universidade, para fazê-lo, assumindo uma das três tarefas consideradas como impossíveis por Freud: estamos tentando educar. Nesse exercício docente, somos constantemente confrontados pelos mais diversos questionamentos dos alunos sobre a eficácia da Psicanálise diante da realidade social em que é convocada a dar sua contribuição. É, pois, a oportunidade sem igual de ensaiar uma resposta sobre essa eficácia, edificada que será a partir das reverberações na clínica infantil advindas de uma realidade específica: a da explosão da violência social vivida nas grandes capitais.

Na Supervisão em Clínica Infantil no Serviço de Psicologia Aplicada (SPA), na clínica social da Universidade Federal de Minas Gerais, de uns dez anos para cá, não temos mais demandas de tratamento motivadas basicamente por quadros sintomáticos de enurese, encoprese, dificuldades alimentares ou outras do gênero. Essas queixas desapareceram, ou melhor, tornaram-se secundárias, pois o que passamos a ter é a clínica viva da violência social. Crianças que expõem, através de suas brincadeiras ou dos raps que "cantarolam", a dureza da vida; que nos apresentam seus corpos castigados por marcas de cigarro, de lâmpada, quando não, de alguma violência sexual. Crianças que são testemunhas de assassinatos, muitas vezes até do próprio pai ou da mãe. Realidade que lhes tira o chão e as palavras e que também impacta, radicalmente, aqueles que estão começando a construir um sonho profissional de acolher e de trabalhar para diminuir as angústias do ser humano. A impotência diante de uma realidade tão cruel tira dos supervisionandos, aparentemente, todo o referencial clínico que vinham construindo. Ficam tomados por uma mistura de estupor e compaixão que aumenta, mais ainda, as inúmeras dificuldades que habitam o universo da clínica infantil.

Vejamos duas breves vinhetas clínicas que tanto podem ilustrar o que estou descrevendo, quanto mostrar a riqueza do Estágio Supervisionado como espaço princeps onde as abstratas teorias apresentadas em sala de aula se materializam e dão sentido ao conjunto do aprendizado assimilado durante o curso. O primeiro deles é o de uma menina de três anos de idade, cuja mãe havia sofrido queimaduras de primeiro grau em todo o corpo enquanto cozinhava. Socorrida pelos vizinhos, a mãe chegou ao hospital ainda com vida, mas veio a falecer no dia seguinte. A menina, a que tudo tinha assistido, pois estava ao lado da mãe, foi para um dos Abrigos do município, que solicitou o início do processo psicoterápico. Ao entrar na sala lúdica, contou, imediatamente, que sua mamãe tinha morrido, representando com os bonecos como aquilo havia acontecido: A mãe estava fazendo a comidinha para a filha e conversando brava com o pai! Ele foi gritando, gritando, que ia ser bom pra ela o mesmo remédio que ela passava na filhinha quando o mosquito picava. Correu na prateleira, pegou o remédio (álcool) jogou tudo na mamãe e empurrou ela no fogão. A versão dessa história escabrosa se repetia, incessantemente, sessão após sessão, pedindo uma significação que fosse capaz de dar alguma contenção a essa vivência traumática. A terapeuta, aturdida e penalizada pela triste narrativa da menina, não conseguia encontrar palavras que pudessem romper a compulsão à repetição. Aliás, não sabia o que fazer com aquele relato: seria apenas uma montagem fantasística de um romance familiar, ou uma descrição realística de uma cena de assassinato? Enquanto elaborávamos uma compreensão desse material, demonstrando aos alunos como as tópicas psíquicas não estavam constituídas e que, por isso mesmo, o recalque ainda não se apresentava como defesa fundamental, (impedindo as lembranças de se veicularem livremente na consciência), um dia, repentinamente, a garotinha disse: Agora, o papai sumiu! Quando a terapeuta foi procurar saber o que havia se passado, descobriu que a menina tinha sido ouvida numa delegacia, onde repetira aquele conteúdo que não parava de se reapresentar em seu psiquismo. Tal "depoimento", somado ao dos vizinhos, criou evidências que levaram à prisão do pai. Naquele momento, vimos a violência reaparecer novamente em cena: mas, então, protagonizada pelos aparelhos do Estado que, no afã de buscar a verdade por detrás dos fatos, envolveu uma criança numa ação que levou à prisão de seu pai - fato que, com certeza, irá trazer-lhe muita culpa futuramente5.

O acompanhamento desse material clínico possibilitou-nos descortinar o destino do traumatismo num aparelho psíquico em constituição: o modo como ele vai se encapsulando, sem qualquer ligação com outras representações. Portanto, sem chances de sofrer os desígnios destas: a ação do recalcamento, a viabilidade de retorno ao sistema Pré-consciente/Consciente, uma vinculação mais direta à angústia e uma possível elaboração psíquica. Todavia, o fato de o tempo de duração desse tratamento ter sido curto, por volta de um ano, levou-nos apenas a uma série de indagações, que giravam em torno das possibilidades de infiltração daquele conteúdo traumático na construção do romance familiar, da sobreposição dos eventos traumáticos (uma vez que a menina acabou perdendo a mãe e o pai) e do impacto que o traumatismo teria sobre os registros mnêmicos daquela criança. Indagações que serviram para mostrar-nos o quanto o conceito de traumatismo, apesar de ter estado presente no campo teórico psicanalítico por mais de cem anos, ainda oferece desafios surpreendentes para a teoria da técnica psicanalítica.

Em um segundo historial clínico, foi possível assistir à instalação de uma defesa psíquica muito eficaz, a Verleugnung (a recusa), que acabou garantindo a possibilidade de o conteúdo traumático permanecer encapsulado no psiquismo, mesmo que ao alto preço da impossibilidade de ser reintegrado às outras experiências vivenciadas. Dessa vez, tratava-se de uma criança que, aos quatro anos de idade, havia testemunhado a mãe, que estava drogada, agredir o seu bebê com tal violência que o levou a óbito. No começo dos atendimentos, as lembranças cruas da cena traumática apareciam do mesmo modo escancarado do caso anterior. Mas o tempo mais prolongado de análise deixava-nos a impressão de que o material havia obtido um nível de representação capaz de levá-lo aos destinos do recalcamento. Tudo parecia estar se acomodando, a menina estava menos angustiada, quando surgiu um fato novo: a Justiça queria ouvir a criança. Temerosos daquilo que poderia advir dessa intervenção, expedimos relatórios e laudos que contraindicavam a oitiva. De nada adiantou, a criança teve de ser levada a depor e pior ainda, diante da mãe. Imaginávamos a montagem de uma cena que julgávamos ser traumática demais: repetir diante dos operadores da Lei aquela mesma narrativa, que poderia fazê-la sentir-se a grande responsável pela condenação da mãe. Mas, para nossa surpresa, soubemos, depois, que a menina, na hora do depoimento, lançou mão de um recurso psíquico que a nossa aflição não nos permitira antever: simplesmente negou, com veemência, ter visto qualquer cena da mãe agredindo o bebê. Ou seja, juridicamente, fez uso do seu direito de nada dizer. Entretanto, algo nos deixou extremamente intrigados: nos anos subsequentes da análise, a tal cena traumática ou qualquer derivação da mesma jamais voltou a reaparecer em suas produções. Assim, forçosamente, o tempo acabou por leva-lo à aceitação daquilo que se passara: uma defesa radical, denominada por Freud de Verleugnung ("recusa", "desmentido"), foi o recurso providencial que parece ter operado nesse caso, colocando o episódio traumático numa condição de enclave psíquico, separado e incomunicável.

Casos como esses que acabamos de descrever invadiram o cotidiano da nossa clínica social e nos levam a crer que, mais do que nunca, precisamos preparar os alunos para desenvolver pesquisas clínicas que possam apontar direções de intervenção e interpretação psicanalíticas que ajudem os conteúdos traumáticos a alcançar um estatuto digno de entrar no circuito psíquico representacional. Enquanto os estudos sobre o manejo clínico do traumatismo na infância ainda são incipientes, só nos resta continuar persistindo no acompanhamento de tratamentos que possam nos ajudar a verificar quais são as intervenções psicanalíticas mais apropriadas e eficazes. Para tanto, façamos um breve apanhado do alicerce que sustenta a plataforma de onde fazemos essas observações.

 

O traumatismo nos moldes psicanalíticos

A teoria do traumatismo esteve presente no nascimento da Psicanálise, correlacionada diretamente à teoria da sedução e, apesar de Freud logo ter renunciado ao que julgou ser a grande descoberta que esclareceria a gênese da histeria, seu interesse pelo assunto do traumatismo manteve-se aliado, fortemente, ao modelo físico e médico da noção de trauma como uma efração, ou seja, uma força que rompe uma estrutura do corpo do sujeito. Assim, na época dos seus estudos com Charcot, o traumatismo era entendido como uma excitação provinda do exterior, capaz de provocar uma falha no paraexcitação, ou seja, uma ruptura em uma barreira (um escudo protetor) que, em outros momentos, havia sido eficaz para neutralizar o estímulo excessivo. Esse ponto de vista colocava no centro das atenções a noção de neurose traumática, que eram as neuroses surgidas a partir de grande acidentes, como, por exemplo, os acidentes ferroviários. Mas, aos poucos, a atenção de Freud para o conceito de traumatismo se deslocava para a importância das fantasias sexuais infantis e só voltou a reaparecer nesse foco em textos fundamentais da reformulação metapsicológica da virada dos anos de 1920 com Além do princípio do prazer (1920) e Inibição, sintoma e angústia (1926).

Esse intervalo tão prolongado traz em si uma interessante questão: "Mas, por que, perguntamos, este conceito tão útil e apreciado numa época ficou banido durante tanto tempo da literatura psicanalítica e da prática terapêutica?" (Uchitel, 2000, p. 136) Para muitos autores, a resposta estaria sintetizada na carta 69 (datada de 21 de setembro de 1897), em que Freud faz a famosa declaração "Não acredito mais em minha neurótica", e que corresponderia à grande controvérsia então instalada: trauma versus fantasia, realidade externa versus realidade psíquica. Para Uchitel (2000), essa declaração revela a vivência de "fracasso terapêutico" que Freud estava experimentando com o abandono da análise por alguns pacientes e a dificuldade em concluir um único caso. Além desses motivos, do ponto de vista teórico, muitas coisas não se encaixavam: a dedução feita a partir do trauma sexual das histéricas de que haveria um número grande de pais perversos, o fato de o inconsciente não distinguir entre verdade e ficção, fazendo com que as lembranças inconscientes não aparecessem com clareza nem nos delírios mais confusos - tudo isso parecia pedir uma revisão teórica que acabou ficando encubada por duas décadas.

Quando o conceito de trauma é introduzido em Além do princípio do prazer, a base da discussão será outra: "o devir causal e econômico do trauma":

O trauma também se constitui por uma defesa ineficaz - em especial ante as excitações pulsionais internas - que impede o psiquismo de reagir e funcionar segundo o princípio do prazer, segundo as tópicas e os processos primários e secundários. O caráter traumático reside, nesse texto, na ruptura da capa de proteção contra as excitações, provocada pelo excesso; no fracasso da ligação; mas também na falta de preparação ou produção da angústia, que faz do susto, da surpresa e do perigo de morte uma condição também essencial para o trauma" (Uchitel, 2000, p. 138).

Nas especulações teóricas a que Freud se lançou nesse texto, vimos seu esforço em fazer a derivação de um conceito físico para um conceito psíquico, tentando dar um contorno para o campo do traumatismo psíquico e valorizando o elemento "susto" (Schreck), ou seja, o estado de não preparação em que o sujeito se vê frente à situação traumática. Em outras palavras, Freud define o trauma como um acontecimento surpreendente, de grande intensidade e que, por não conseguir se integrar no sistema psíquico, retorna de modo intermitente e repetindo os mesmos destinos da cena traumática ou, ainda, aparecendo em sonhos traumáticos. Portanto, o que está em jogo no trauma é a própria ligação, uma vez que ele "fica fora da dinâmica do recalcamento, não se localiza em um lugar similar ao da inscrição recalcada que assegura sua ligação, localidade e temporalidade no inconsciente" (Uchitel, 2000, p. 138).

Mesmo após o conceito de trauma psíquico ter percorrido toda a história do desenvolvimento teórico freudiano, ao longo da qual sofreu uma evolução considerável, ainda temos dificuldade em saber como abordá-lo com as estratégias de manejo clínico disponibilizadas pela Psicanálise. No entanto, quando discutimos minuciosamente casos clínicos em que a presença de traumatismos é incontestável, observamos a clivagem como uma defesa sempre operante, acompanhada de movimentos psíquicos de se negar o que se vê.

 

A clivagem do Ego e a instalação da Verleugnung

Quando Freud, em 1938, descreveu a clivagem do Ego, buscava realçar um processo que, ao invés de tentar criar uma formação de compromisso entre duas representações opostas e inconciliáveis (como acontece na formação dos sintomas), procurava mantê-las, simultaneamente, sem que entre elas se estabelecesse qualquer relação dialética. Sabemos quanto os procedimentos dissociativos costumam agir como expedientes de atribuição de sentido e organização do caos interior mediante a produção de dualismos, que tanto podem ser constitutivos do aparelho psíquico (como os processos de repressão ou recalcamento), quanto patológicos (como as clivagens), que, além de impedirem o recalque, evitam a instalação do conflito psíquico e sua possível elaboração.

Na mesma década em que Freud trabalhava a temática da clivagem, Ferenczi, em seu artigo póstumo Reflexões sobre o trauma (1934/2011), registrava a ideia da clivagem da personalidade como uma forma de tornar o trauma inexistente, uma "falsificação otimista" que teria como objetivo fazer o sujeito retornar à tranquilidade anterior. Nesse sentido, a clivagem, que pode ter extensões variáveis e diferentes graus de profundidade, encarregar-se-ia de não permitir o acesso ao psiquismo de partes insuportáveis da experiência traumática.

Sem dúvida alguma, os processos de clivagem são incomparáveis em sua eficácia na criação de barreiras e segregação de porções da realidade (objetiva e subjetiva), mantendo-as lado a lado. Aliás, tudo leva a crer que a clivagem seja um dos recursos psíquicos mais profícuos para lidar com o inadmissível da experiência humana. Mas, para que esta função esteja resguardada quando um traumatismo invade o psiquismo e faz com que o sujeito se depare com duas realidades que não podem coexistir, uma defesa possante precisará garantir a clivagem intrassistêmica do Ego. Essa defesa é a Verleugnung (a recusa, o desmentido), que se encarregará de impedir o sujeito de reconhecer a realidade da percepção traumatizante, ao quebrar os elos necessários para a recolocação daquele evento na cadeia associativa do processo temporal e processual do psiquismo.

Assim, como assinala Figueiredo (2003),

o que se recusa não é uma dada percepção, mas o que vem ou viria depois dela, seja como uma outra percepção que a primeira torna possível, uma possibilidade de simbolização, uma conclusão lógica aparentemente necessária ou uma lembrança que a percepção pode reativar" (p. 60).

Portanto, não se trata, por exemplo, de negar o que se viu no seu sentido próprio, mas de impedir que o psiquismo faça inferências a partir daquilo que foi visto6.

Não resta dúvida, no entanto, que, embora esse expediente (de deixar o conteúdo traumático encapsulado) seja profícuo e vantajoso para diminuir a dor, ele traz consequências nefastas para o desenvolvimento identificatório da criança, uma vez que fica vetado ao episódio traumatizante a possibilidade de se transformar em uma experiência subjetiva, metabolizável, capaz de ser integrada com o restante das vivências psíquicas, levando-o a ser condenado ao destino de uma "alma penada": vagar eternamente, sem qualquer ligação - apenas assombrando, repetidamente, o psiquismo.

 

Há sempre o risco da identificação com o agressor

Há, contudo, um outro território em que cenas de violência contra outras pessoas ou até mesmo contra a própria criança se infiltram com grande facilidade e que vem a ser o ponto mais preocupante, uma vez que evidencia o risco do crescimento da violência de modo exponencial: o das construções identificatórias. A clínica com crianças vítimas de traumatismo tem-nos mostrado, ao longo dos anos de supervisão de casos clínicos no SPA/UFMG, uma de suas facetas mais cruéis: a identificação com o agressor. Como um dos efeitos dos processos de clivagem necessários para que a criança continue dedicando obediência e amor àqueles adultos violentos, porque, afinal, eles são provedores de seu sustento físico e emocional.

Dentre os discípulos freudianos, Ferenczi (1934) foi quem mais se preocupou em tentar compreender as manifestações transferenciais de extrema submissão ao processo analítico. Através da observação de fenômenos clínicos, foi-lhe possível observar como os pacientes violentados haviam se tornado reféns da repetição traumática que impregnava o psiquismo de passividade e levava-os a colocar o analista no lugar de agente original do trauma. Assim, esses pacientes, apesar de serem extremamente obedientes e demonstrarem aceitar suas interpretações, costumavam surpreendê-lo com explosões de raiva, durante as quais o acusavam de ser insensível e cruel. Estranhando tais reações, uma vez que sua técnica o levava a ser muito acolhedor e a valorizar extremamente os afetos transferenciais, Ferenczi concluiu que encenavam a experiência original de violência, só que, então, a violência provinha de um objeto agressor internalizado, que continuava a atacar a partir do interior do psiquismo. Em suas conclusões, Ferenczi postulou que a identificação com o agressor ocorre quando o medo da criança diante da autoridade e da força do adulto chega ao ponto de provocar uma perda de consciência que paralisa as reações normais de repulsa ou resistência à agressão e impossibilita o recurso a qualquer tipo de defesa contra o desprazer. Nesses casos, a solução encontrada pelo psiquismo é tornar o agressor intrapsíquico.

Ao fazer com que o agressor deixe de ser um outro, externo, e passe a ser um habitante do mundo interno, este fica submetido ao processo primário, modelado segundo o princípio do prazer. Tal processo resulta, sem dúvida alguma, na minimização da ameaça externa, porém acaba provocando a clivagem do próprio Ego. Assim, a identificação com o agressor parece instalar no psiquismo duas figuras representantes da cena da agressão: a criança maltratada, que representa o Ego fragilizado, e o agressor, atuando de forma semelhante ao Superego sádico. Os resultados que advêm da interação entre essas duas figuras psíquicas podem configurar diferentes arranjos.

Se, por um lado, o psiquismo não puder suportar a parte que representa o agressor, esse fragmento será projetado para o mundo externo - movimento que propicia ou facilita encontros nos quais o objeto irá "encarnar" essa projeção, sendo levado a agir como um sádico. Assim, novamente diante do agressor, só restará ao indivíduo a submissão e a obediência: a reedição da cena traumática na qual, originalmente, foi obrigado a se calar para garantir sua sobrevivência. Nesse arranjo da identificação com o agressor, entendemos que o Ego, mesmo submetido e maltratado, é preservado em alguma medida - o que facilita a intervenção clínica.

Outra configuração possível da identificação com o agressor se dá quando a parte violentada e frágil é considerada insuportável e, então, é projetada para o exterior. O resultado é que esse indivíduo tentará destruir o que projetou no mundo externo, agindo, ele próprio, de forma violenta, mimetizando o comportamento daquele que o agrediu, geralmente contra alguém que considera semelhante a si mesmo quando era submetido à agressão. O sadismo e a agressividade dirigidas ao meio externo são bastante evidentes, mas a face complementar masoquista também pode ser inferida, já que o individuo passa a agredir, no outro, justamente a projeção de seu Ego infantil maltratado. Nesse arranjo, a projeção do próprio Ego acarreta graves prejuízos a esse indivíduo, especialmente no que se refere a uma perda de contato com o seu mundo interno e com a realidade circundante (Mendes, 2011). Neste sentido, concordamos com Uchitel (2001) quando afirma que a criança identificada com o agressor "é triplamente vítima: por não ter mais o objeto idealizado que perde, por ser objeto de agressão e por converter-se ele mesmo em agressor" (p. 124). Assim, a reprodução da violência pelas crianças, se não for contida a tempo, pode acabar desaguando em condutas transgressoras e delinquentes na adolescência7.

 

A Psicanálise pode ajudar a deter a roda-viva da violência social?

Houve um tempo em que se acreditava que a eficácia da ajuda da Psicanálise frente às questões sociais viria do poder transformador de um processo analítico que, retirando o sujeito de suas questões narcísicas, pudesse ajudá-lo a lidar com a alteridade e com a necessidade de construir uma sociedade em que fosse possível conviver melhor com as diferenças. Essa esperança, matizada pela utopia, logo levou a Psicanálise a perceber que precisava de cruzar as fronteiras da clínica individual e atingir outros campos de aplicação, quer fosse disseminando seu saber para fomentar pesquisas e projetos sociais, quer, ainda, fortalecendo outras práticas profissionais.

Sem dúvida alguma, a universidade teve um papel fundamental na implantação da Psicanálise no campo social, o que se deu através da docência de textos freudianos, que, ao apresentarem uma análise da vida social (tais como Totem e Tabu, O Futuro de uma Ilusão, O Mal-Estar na Cultura, Moisés e o Monoteísmo), acabaram descortinando horizontes de interdisciplinaridade, calcados na riqueza advinda da possibilidade de entrecruzamento de conceitos da metapsicologia freudiana com as mais variadas problemáticas enquistadas em nossa cultura. Aliás, a herança da fertilidade da "imaginação teórica" de Freud pode ser constatada ao se fazer um inventário da diversidade dos temas de pesquisas psicanalíticas empreendidas nos programas de pós-graduação das universidades brasileiras.

A Psicanálise vem conseguindo garantir sua inserção entre as disciplinas que abrem o diálogo com vários outros campos do saber, situação que possibilita, a inúmeros professores universitários, o encontro do tom e da modulação com que podem diagramar essa interação. De nossa parte, optamos por oferecer aos alunos, através de disciplinas teóricas e estágio supervisionado, o conhecimento de como a análise infantil pode ser uma medida profilática poderosa, com boas chances de ajudar a dar vazão aos níveis exacerbados de sadismo que encontramos no psiquismo das crianças expostas a violências cotidianas ou a situações traumáticas. Esse alerta proveio de Melanie Klein, com quem aprendemos que o mundo interno da criança é naturalmente habitado por destrutividade, culpa e angústia - alimentadas pelo ataque interno da pulsão de morte. Exatamente por isso, a análise de crianças deve sempre criar condições para que seja dada vazão aos elevados níveis de sadismo que se concentram em seu psiquismo desde tenra idade, de modo a diminuir o risco de uma possível organização psíquica perversa. Winnicott ensinou-nos a valorizar o ambiente externo, mostrando como as "necessidades" da criança precisam ser acolhidas e respondidas pela mãe-ambiente para que se garanta a integridade do seu self. Também dele é a percepção de que, se a criança passa por um processo de privação emocional ou por uma experiência marcante de abandono quando ainda não tiver diferenciado o eu e o não-eu, pode surgir em seu psiquismo, como consequência, o desenvolvimento de tendências antissociais8.

Ainda dentro da ênfase teórica de como o aparelho psíquico está sempre aberto ao real e submetido a traumatismos, lembremos, também, quão úteis são as conceituações da escola laplancheana, que atribuem a constituição do aparelho psíquico infantil à "implantação" de um conjunto de inscrições transmitidas pelo adulto ao psiquismo incipiente do bebê. Segundo mostram, quando há uma sobrecarga de sexualidade e sadismo, por parte do adulto, sobre o corpo ou o psiquismo da criança ocorre uma "intromissão": "enquanto a implantação produz um traumatismo necessário para o crescimento psíquico, a intromissão pelo adulto de significantes enigmáticos no psiquismo infantil produz um curto-circuito intraduzível e imetabolizável" (Gueller & Souza, 2008, p. 116).

Dentro do tema que ora discutimos, podemos afirmar, com justa convicção, que a Psicanálise muito pode fazer para ajudar as crianças a não terem de seguir, necessariamente, o caminho da identificação com o agressor. O conjunto das condições facilitadoras de uma via regressiva oferecida pelo setting analítico, através das funções objetais primárias de holding, handling, continência e rêverie, que criam as condições ideais para a instalação da neurose de transferência, têm potencial para inaugurar outras trilhas identificatórias que podem enriquecer as opções de construção da identidade do sujeito. Nesse sentido, encontramos na obra da psicanalista argentina, Silvia Bleichmar, proposições fecundas que levam em conta a possibilidade de uma recomposição das determinações na vida dos seres humanos, o que se daria através do surgimento de neogêneses que comprovam como precisamos retomar a discussão da ideia de um determinismo forte que, a partir de um pré-formado, enclausura o devir do sujeito. Nas palavras de Bleichmar (2005), "Neogênese quer dizer produção de algo novo que não está em cada um dos elementos, mas sim nas possibilidades de articulação de novas pontes simbólicas e sua combinatória, possibilidades estas que não se pode dizer que antecedem o fenômeno produzido" (p. 63), mas que são potencializadas principalmente através das condições do processo analítico.

Acreditando, como crê Bleichmar, que existem possibilidades de neogênese psíquica, podemos retomar a nossa pergunta inicial "Pode a Psicanálise ajudar a deter a roda-viva da violência social?" e arriscar uma resposta afirmativa, pois valorizamos o potencial teórico que, se bem aplicado no momento ideal, pode agir como uma medida profilática tanto para a exacerbação do sadismo, quanto para o impedimento da reprodução infinita de crianças identificadas com seus agressores. No entanto, não resta dúvida de que essa é apenas uma ajuda limitada diante da complexidade da temática da violência social em nossa cultura.

 

Um balanço do método clínico quando a criança é o sujeito da análise

No campo clínico, as faíscas do "curto-circuito intraduzível e imetabolizável", a que antes nos referimos, infelizmente, não tardam a serem enxergados pelos nossos alunos. Do ponto de vista didático, o ideal mesmo seria que começassem seu estágio em Clínica Infantil no atendimento de casos de manejo técnico mais fácil, que os preparasse para que, anos depois, pudessem aceitar casos mais difíceis. Entretanto, não temos mais essa opção! Assim, aprisionados na complexidade dessa clínica do traumático, eles logo aprendem que a repetição compulsiva é uma busca desesperada por um sentido capaz de transformar essa vivência traumática; e que a função do analista será a de responder a essa busca de sentido, ou seja, autorizar o acesso a outras formas de simbolização e de significação que desatem as simbolizações "falsas" ou "ilegítimas" (chamemos assim), ou as simbolizações que não conseguiram inserir-se nas cadeias psíquicas. Porém, se a única maneira de operar sobre as representações é através da linguagem, a interpretação será o único elemento a nossa disposição para transformar as redes de representações que produzem a situação patógena. Portanto, logo chega o momento em que o estagiário precisa arriscar-se a formular intervenções gradativas que possam prepará-lo para proferir uma interpretação. Momento difícil para o aprendiz de analista de crianças, pois ele terá receio de ferir o pequeno paciente se, acaso, no intuito de tentar romper a compulsão à repetição, ele ousar perguntar, por exemplo, para aquela garotinha que perdeu a mãe: O que tem a ver o sumiço do papai com aquilo horrível que aconteceu com a mamãe? Temos de admitir que aquém do temor de proferir uma interpretação, há uma premissa muito arraigada em todos nós de que criança tem de ser poupada de sofrimento e, por isso mesmo, não devemos falar com ela sobre assuntos tristes. No entanto, é bom não se esquecer de que a interpretação dá marcações para as manobras clínicas que precisam, aos poucos, ser implementadas. Portanto, mesmo que a garotinha nada respondesse naquele momento, a pergunta teria servido pelo menos para nortear a escuta do analista na vigilância eterna do destino do conteúdo traumático.

Por tudo dito até o momento, é fácil deduzir que concordamos plenamente com a assertiva de que é a clínica psicanalítica com crianças aquela que melhor instrumentaliza a Psicanálise para lidar com casos onde há uma predominância de "representações desarticuladas, fraturadas e falhas" (Bleichmar, 2005, p. 41). Entretanto, diante do peso com que apresentamos o assunto neste artigo, não seria surpreendente se um aluno perguntasse "à queima-roupa": "Mas, afinal, professora, vale a pena trabalhar com Psicanálise de crianças?" Eu, então, responderia: mil vezes sim! Primeiro, porque as crianças são extremamente didáticas: elas não apenas apresentam com clareza os conceitos da Psicanálise, como dão um feedback imediato ao aprendiz de analista acerca da pertinência de seu manejo clínico naquele momento. Segundo, porque o fato de atendermos crianças pequenas ajuda-nos a observar os tempos de constituição das tópicas psíquicas, a fundação do recalcamento originário, a construção do aparelho simbólico. Terceiro, a clínica de crianças protege-nos de dogmatismos teóricos, pois a riqueza da construção do aparelho psíquico do sujeito leva-nos a visitar as produções de autores de várias correntes psicanalíticas. Além do mais, se levarmos em conta que na clínica infantil é sempre preciso inventar estratégias singulares para manter o processo psicanalítico, vislumbraremos uma quarta vantagem: quem tem prática clínica com crianças atende pacientes adultos "com um pé nas costas", como diz o ditado popular, pois o rebaixamento da censura nas crianças deixa-nos assistir "de camarote" a toda a força dramática irrefreável do inconsciente, permitindo-nos arriscar interpretações mais profundas. Enfim, eu poderia dar até "dezessete" (!) bons motivos para que "apanhemos" da clínica infantil, mas não vou ficar aqui, mil e uma noites, como se fora Sheherazade, contando histórias que ilustrem quão gratificante é essa especialidade, mesmo quando os atendimentos cuidam de crianças maltratadas e violentadas e que precisam, de modo avassalador, do nosso aparato psíquico para se reestruturarem. Afinal, o ganho secundário nesses casos advém do fato de que a problemática da violência convoca o estudo sistemático de vetores valorosos na historicização psíquica: a ideia de verdade, a construção da memória, a importância da realidade e sua relação com o discurso, a confiabilidade nos laços sociais, as categorias do pensável e do impensável. Mas nada disso precisaria ser dito, se nos lembrássemos, a todo momento, de que, por trás dos questionamentos singelos de uma criança, sempre está o que é essencial na vida.

 

Referências

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Recebido em: 30/09/2015
Aceito em: 18/10/2015

 

 

1 Contato: cassandrapfranca@gmail.com
2 Bóschan (2002) lembra que, paradoxalmente, "quando Freud propôs o conceito de 'realidade psíquica', a 'realidade externa' aparecia como sólida e inquestionável, o que é bem diferente do que acontece hoje em dia, pois esta evoca questionamentos tão ou mais complexos do que aqueles que se dirigiam, a princípio, à realidade psíquica" (p. 19).
3 Um bom exemplo da dívida contraída pela Psicanálise, por demorar a se despregar da prioridade do mundo interno, foi o reconhecimento tardio da incidência real da violência familiar ou do Estado, fontes de ataques ao pensamento ou à percepção da criança ou, ainda, à construção de sua identidade pessoal ou de seu aparelho psíquico.
4 Mezan (2000, p. 128-129) assinala que Freud escreveu a Ferenczi em 1915: "O senhor também pertence ao tipo produtivo e deve ter observado em si mesmo o mecanismo da produção: a sucessão da fantasia audazmente desvairada e da crítica impiedosamente realista". Na sequência da carta, Freud acrescenta o comentário sobre o quanto a "fantasia desvairada" é, de fato, um requisito necessário a toda criação, seja ela técnica, científica, artística ou filosófica, uma vez que é a condição indispensável para poder desprender-se do já estabelecido e partir em busca do novo. Na opinião de Mezan, quem era seguramente dotado, em grau superlativo, dessa faculdade de "imaginação teórica" era o próprio Freud.
5 Não sabemos, ao certo, qual foi, de fato, o real desfecho dessa prisão. Em nossa clínica social, não possuímos um serviço de apoio jurídico ou assistencial, de modo que as histórias, incompletas, nos chegam apenas através dos relatos dos acompanhantes do abrigo que recebe a criança.
6 Nos casos aqui citados, a Verleugnung impediria aquelas crianças de deduzirem que aqueles atos perpetrados pelos pais os tivessem transformado em assassinos.
7 Infelizmente, sabemos que, uma vez dentro do circuito da atuação violenta, cairá na marginalidade e, mesmo que seja detido pelo sistema estatal, suas chances de reintegração à sociedade são baixas, pois o nosso sistema de "confinamento"prisional é desastroso e dificilmente gera uma processo reeducativo.
8 O interesse de Winnicott pelo tema levou-o a elaborar uma teoria da adolescência e de seus conflitos com a lei, que possibilita, inclusive, a proposição de políticas de prevenção à delinquência.

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