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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

On-line version ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.8 no.2 Juiz de fora Dec. 2015

 

ARTIGOS

 

Variações cariotípicas na Síndrome de Turner: uma análise do fenótipo cognitivo1

 

Karyotypic variations in Turner Syndrome: an analysis of the cognitive phenotype

 

 

Andressa Moreira Antunes2; Annelise Júlio-Costa; Vitor Geraldi Haase

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

 

 


RESUMO

A Síndrome de Turner é uma condição genética que resulta da deleção do segundo cromossomo sexual (45, X). Todavia, alguns indivíduos apresentam uma mistura de linhagens celulares, que é conhecida como mosaicismo. Nas mulheres com a deleção completa existe uma discrepância cognitiva entre habilidades verbais e não-verbais, sendo estas últimas as mais afetadas. Entretanto, acredita-se que a heterogeneidade genética é uma das responsáveis por variações no fenótipo cognitivo desses indivíduos. Assim, o objetivo do estudo foi investigar diferenças nas habilidades verbais e não-verbais, avaliadas pelas Escalas de Inteligência Wechsler, em 5 mulheres com Síndrome de Turner e diferentes cariótipos. O estudo revelou que a variação cariotípica refletiu em diferenças no perfil cognitivo das participantes. Tais resultados são importantes, uma vez que influenciam diretamente os métodos de avaliação e intervenção de uma população específica, além de indicar como tal variação genética atua sobre a cognição.

Palavras-chave: Síndrome de Turner, Mosaicismo, Perfil cognitivo.


ABSTRACT

Turner syndrome is a genetic condition that results from deletion of the second sex chromosome (45, X). However some individuals exhibit a mixture of cells, which is known as mosaicism. In women with complete deletion there is a cognitive discrepancy between verbal and non-verbal skills, the latter being the most affected. Nevertheless, it is believed that genetic heterogeneity is one of the points responsible for variations in the individuals' cognitive phenotype. Thus, this study aimed to investigate differences in verbal and non-verbal abilities, evaluated by the Wechsler Intelligence scales, in 5 Turner syndrome women with different karyotypes. The study revealed that karyotype variation reflected in differences in the participants' cognitive profile. Such results are important since they directly influence the methods of assessment and intervention of a specific population, as well as indicating how such genetic variation impacts on cognition.

Keywords: Turner syndrome, Mosaicism, Cognitive profile.


 

 

A deleção completa ou parcial do segundo cromossomo sexual (45, X) é conhecida clinicamente como Síndrome de Turner (ST) e ocorre aproximadamente em 1:1900 meninas nascidas (Davenport, Hooper & Zeger, 2007). A alteração clássica da ST corresponde à deleção completa do segundo cromossomo sexual, com prevalência de 45 a 60% dentro da população afetada (Davenport, et al., 2007). Em outros casos, conhecidos como mosaicismo, ocorrem principalmente uma mistura de linhagem celular, o que significa que enquanto algumas células do corpo têm uma monossomia do cromossomo X (45, X), outras podem ter uma segunda ou terceira linhagem celular (Thompson, McInnes & Willard, 1993). Cabe ressaltar que o mosaicismo é um fenômeno genético encontrado somente em síndromes que apresentam alterações cromossômicas numéricas (Thompson, McInnes & Willard, 1993).

Nos casos de mosaicismo mais frequentes, a segunda linhagem celular contém os dois cromossomos sexuais, sendo um dos X normal e o outro estruturalmente anormal (Walter, Mazaika & Reiss, 2009). Essas anomalias estruturais incluem: deleções, translocações, duplicações, inversões e anéis (Leppig & Disteche, 2001). Adicionalmente, alguns indivíduos podem apresentar um cariótipo normal na segunda linhagem celular (46, XX ou 46, XY).

O fenótipo da ST em mosaico se expressa de forma distinta, dependendo dos tipos de linhagens celulares presentes no organismo. Nos indivíduos com linhagens de cariótipo normal, os comprometimentos fenotípicos são mais leves do que os observados em pacientes com ST clássico (45, X - Donnez et al., 2011). Já na presença de anomalias estruturais, são observados maiores déficits cognitivos e comportamentais quando comparado a sujeitos com 45, X (Kuntsi, Skuse, Elgar & Turner, 2000).

A principal característica física das meninas afetadas pela ST é a baixa estatura (Davenport et al., 2007). Problemas relacionados ao desenvolvimento das características sexuais também são muito frequentes, apresentando manifestações clínicas tais como a disgenesiagonodal e a deficiência de hormônios sexuais. Os indivíduos com ST podem apresentar também problemas cardiovasculares e anomalias craniofaciais (Davenport et al., 2007). Quanto às características cognitivas, a maioria dos sujeitos com esta condição genética apresenta preservado o funcionamento intelectual global, embora exista uma discrepância entre testes verbais e testes não-verbais em escalas de inteligência (Wechsler), sendo as habilidades não-verbais as mais prejudicadas (Hong, Kent, & Kesler, 2009). Em relação as funções cognitivas, o fenótipo das meninas com ST associa-se com o domínio da linguagem relativamente preservado e um comprometimento nas habilidades visoespaciais/perceptuais, memória não-verbal, funções motoras, funções executivas, habilidades atencionais e processamento numérico (Ross, Zinn & McCauley, 2000; Bruandet, Molko, Cohen & Dehaene, 2004; Baker & Reiss, 2015).

Tendo em vista o perfil cognitivo desses indivíduos, a ST é um fator de risco do Transtorno Não-Verbal de Aprendizagem e Transtorno de Aprendizagem da Matemática ou Discalculia do Desenvolvimento (Muphy, Mazzocco & McCloskey, 2010; Bruandet et al., 2004, Baker & Reiss, 2015). Segundo Mazzocco (2015) a dificuldade de aprendizagem da matemática na ST é quatro a cinco vezes mais frequente do que na população geral. Ademais, essas dificuldades são influenciadas por déficits visuoespaciais (Simon, et al., 2008).

O perfil cognitivo não é observado de forma homogênea em toda a população afetada, o que prejudica a caracterização do perfil sindrômico ou fenótipo comportamental. Esta heterogeneidade cognitivo-comportamental pode ser causada por vários fatores como o tratamento hormonal (Ross, Zinn & McCauley, 2000) ou mecanismos moleculares, como por exemplo a haploinsuficiência e o imprinting genômico (Skuse, 2005). Um outro fator importante é a variação cariotípica presente nos casos com mosaicismo (Temple & Carney, 1995; Méndez & García, 2011). Algumas condições genéticas apresentam comprometimentos cognitivos mais graves, como é o caso dos cromossomos em anel (Kuntsi, Skuse, Elgar, Morris, Turner, 2000). Entretanto não há na literatura, nacional e internacional, estudos que apresentam de forma detalhada a relação entre as variações cariotípicas e perfis cognitivos na ST. Os achados apenas sugerem a associação de diferentes genótipos à heterogeneidade no fenótipo da ST (Temple, Carney & Mullarkey, 1996; Mazzocco, 2006; 2015).

Apesar da ST não ser uma condição genética rara, existe um número reduzido de casos com cada variação cariotípica, isso dificulta a realização de estudos de grupos que tracem o perfil de cada uma das possíveis variações no cariótipo, mesmo em centros de referência (Mazzocco, 2015). Uma forma de investigar o perfil dos subgrupos de ST é através de estudos de casos ou séries de estudos de casos que visam descrever e analisar fenômenos a partir do perfil de um ou alguns indivíduos (Bertola, Júlio-Costa & Malloy-Diniz, 2016). Este tipo de estudo tem baixo poder de generalização, no entanto permite um maior detalhamento de uma condição genética, física ou cognitiva pouco frequente (Crawford & Garthwaite, 2002; Crawford, Garthwaite & Porter, 2010). Desta forma, o objetivo de nosso estudo é investigar a relação entre as variações cariotípicas e o perfil cognitivo em uma série de casos de pacientes com mosaicismo e verificar a existência de padrões fenotípicos distintos de acordo com cada cariótipo. Acreditamos que será possível identificar especificidades em cada um dos casos, maiores prejuízos cognitivos serão associados à fenômenos genéticos que inviabilizem a duplicação/transcrição/tradução do material genético.

 

Método

Participantes

Foram atendidos cinco pacientes com Síndrome de Turner com cariótipos atípicos no Ambulatório de Neuropsicologia das Dificuldades de Aprendizagem na Matemática e Síndrome Genéticas - NÚMERO\UFMG, em Belo Horizonte. Todos os casos são cariótipos em mosaico com duas linhagens celulares, sendo: 1º) cromossomo marcador, 2º) cromossomo em anel, 3º) isocromossomo, 4º) múltiplas anomalias com translocação envolvendo os cromossomos 5 e 9 e 5º) cariótipo normal (46, XY). Todos os participantes e seus responsáveis assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, autorizando a participação no estudo. Além disso, o projeto foi aprovado no Comitê de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP/UFMG).

 

Tabela 1

 

Descrição dos casos

Todas as informações disponíveis sobre os casos foram descritas abaixo.

Caso 01: K. H. O. tinha 8 anos de idade e cursava o 4º ano do ensino fundamental. A criança nasceu a termo de parto normal com 2,8 kg e 48 cm e foi diagnosticada com ST ao nascer. Aos 4 meses de gestação a criança sofreu um acidente vascular cerebral e foi detectada uma hidrocefalia. A menina começou a andar por volta de 1 ano de idade, a falar com 1 ano e 6 meses e teve controle dos esfíncteres com 2 anos. K. H. O. iniciou a vida escolar com 5 anos e tinha uma dificuldade recorrente de aprendizagem da matemática. A estudante repetiu o 3º ano por exigência da família. Fazia uso de somatropina3 desde os 4 anos.

Caso 02: K. R. C. tem 10 anos de idade e cursa o 4º ano do ensino fundamental. A criança nasceu a termo de parto normal com 2,45 kg. Foi diagnosticada com 9 anos de idade devido à baixa estatura. Aos 3 meses fez uma cirurgia para polidactilia4. Começou a andar por volta de 1 ano e 8 meses e a falar com 2 anos e 8 meses. K. R. C. iniciou a vida escolar com 6 anos e desde o início apresenta dificuldades para acompanhar a turma, ela repetiu uma vez o 4º ano. Faz uso de somatropina.

Caso 03: S. M. M. tinha 22 anos e cursava o 3º período de Letras em uma universidade particular de Belo Horizonte. Fazia uso de somatropina.

Caso 04: M. F. C. tinha 9 anos de idade e cursava o 4º ano do ensino fundamental. Foi diagnosticada com dois anos de idade. Possui baixa estatura limítrofe, sudorese, manchas café com leite, assimetria corporal, bossa frontal proeminente, desproporção facial e polegar abduzido. A criança nasceu a termo de parto normal com 2,78 kg e 48 cm de altura. Começou a andar por volta de 1 ano e 4 meses e a falar com 10 meses. M. F. C. iniciou a vida escolar com 4 anos e desde o início apresentou dificuldades para acompanhar a turma, principalmente em matemática. Fazia uso de somatropina.

Caso 05: D. T. S. tinha 16 anos de idade e cursava o 9º ano. Ela foi diagnosticada com sete anos de idade. A criança nasceu a termo de parto normal com 2,5 kg e 48 cm de altura. Começou a andar por volta de 1 ano e 3 meses e a falar com 9 meses. A adolescente possuía um desenvolvimento lento dos órgãos e os rins eram atrofiados. D. T. S. fazia uso da somatropina desde os 7 anos. Utilizou hormônios sexuais até os 14 anos e sua menarca ocorreu com 15 anos de idade. A adolescente já repetiu o ano escolar duas vezes e possuía uma dificuldade de aprendizagem específica na matemática.

Instrumentos

As Escalas de Inteligência Wechsler partem da concepção que a inteligência é uma habilidade cognitiva agregada e global, no qual o indivíduo será capaz de raciocinar, lidar e operar com propósito, racionalmente e efetivamente com o seu meio ambiente (Wechsler, 1939). As escalas Wechsler tratam-se de baterias com diversos subtestes (pelo menos 10) que avaliam diferentes habilidades cognitivas dos indivíduos e fornecem uma medida estimada da capacidade intelectual global, sob a forma de Quociente Intelectual (QI). O QI total é composto por habilidades verbais (QI verbal) e não-verbais (QI executivo). Para o presente estudo foram utilizadas as seguintes versões das escalas para crianças e adultos:

• Escala Wechsler de Inteligência para Crianças - 3ª edição (WISC III): utilizada para avaliar crianças e adolescentes com idades entre 6 e 16 anos. Os subtestes que compõem a escala verbal são: informação, semelhanças, aritmética, vocabulário, compreensão e dígitos; já a escala de execução é composta pelos subtestes completar figuras, código, arranjo de figuras, cubos, armar objetos e procurar símbolos (Figueiredo, 2002). Além disso é possível calcular índices mais específicos com base nos mesmos subtestes: Índice de Compreensão Verbal (ICV), Índice de Organização Perceptual (IOP), Índice de Resistência a Distração (IRD), Índice de Velocidade de Processamento (IVP) (Figueiredo, 2002).

• Escala de Inteligência Wechsler para adultos - 3ª edição (WAIS-III): aplicada para avaliar a inteligência de indivíduos de 16 a 89 anos. A escala verbal é composta pelos subtestes informação, semelhanças, aritmética, sequência de números e letras, vocabulário e dígitos. A escala de execução é composta pelos subtestes completar figuras, código, arranjo de figuras, cubos, armar objetos, raciocínio matricial e procurar símbolos (Nascimento, 2004). Assim como no WISC-III é possível calcular índices fatoriais. No caso do WAIS-III os índices são: Índice de Compreensão Verbal (ICV), Índice de Organização Perceptual (IOP), Índice de Memória Operacional (IMO), Índice de Velocidade de Processamento (IVP) (Nascimento, 2004).

Procedimentos

A versão infantil das Escalas de Inteligência Wechsler, 3ª edição, (Figueiredo, 2002) foi aplicada nas pacientes menores de 15 anos (casos 1, 2, e 4) e a versão adulta (Nascimento, 2004) para as demais participantes (casos 3 e 5). A testagem foi feita individualmente e teve um tempo de duração de aproximadamente 90 minutos.

Por meio dessas escalas obteve-se o coeficiente de inteligência (QI) total, bem como o QI verbal e QI executivo. Nos casos 1, 2 e 4 calculou-se três índices fatoriais (Compreensão Verbal (CV), Organização Perceptual (OP) e Resistência à Distração (RD); enquanto que nos casos 3 e 5 obteve-se apenas dois fatores (Compreensão Verbal e Organização Perceptual). Essas disparidades de cálculo no índice fatorial foram ocasionadas pela desconformidade entre a versão infantil (WISC) e adulta (WAIS) da bateria, além disso alguns testes complementares não foram aplicados.

Análises

Os QIs e os índices fatoriais das cinco participantes do estudo foram calculados com base no manual dos testes (Figueiredo, 2002; Nascimento, 2004). Além disso, os testes fornecem informações sobre as discrepâncias entre subescalas. Desta forma, considerando a população utilizada para padronização do teste é possível identificar valores de significância estatística (alfa menor que 5%) quando se compara a pontuação entre duas subescalas/índices (análises de discrepância). As diferenças com valores estatisticamente relevante, apontam para potencialidades e fraquezas dos indivíduos (Figueiredo, 2002; Nascimento, 2004). Por fim é importante salientar que as medidas de QI são escores padronizados, ou seja, as medidas são compatíveis (Crawford, 2012).

Por último, analisamos os escores de cada um dos subtestes das baterias Wechsler. Esta análise trata-se também de um método nomotético. Desta forma, consideramos a média e o desvio-padrão para a população e observamos em quais dos subtestes o indivíduo apresentou escores rebaixados. Escores abaixo de 1,5 desvio-padrão foram julgados como clínicos podendo apresentar um impacto sobre a capacidade cognitiva do indivíduo e consequentemente à adaptação ao meio (Bertola, Júlio-Costa, Malloy-Diniz, 2016). Para esta última análise utilizou-se os escores ponderados conforme os manuais dos testes (Figueiredo, 2002; Nascimento, 2004).

 

Resultados

Os quocientes de inteligência, os escores nas subescalas (índices fatoriais), bem como o cálculo das diferenças entre as pontuações estão descritos nas Tabelas 2, 3 e 4. Na Tabela 2 encontram-se os QIs de todas as escalas e índice separados por caso. Inserimos também os intervalos de confiança (95%) de todos os escores. As participantes 3 e 5 não tem o índice de resistência a distração, pois foram avaliadas com o WAIS-III. Observa-se que com exceção do caso 2 todas as participantes têm inteligência dentro da faixa normal (QI total > 70).

Na análise de discrepância entre os índices, pode-se detectar se as diferenças entre os escores apresentam significância estatística (p<0.05), mostrando que o indivíduo possui uma habilidade melhor que outra. Estes dados foram descritos na Tabela 3 e as diferenças entre os escore com relevância estatística foram marcados com um *. O caso 2 foi o único que não apresentou diferenças entre os QIs, ou seja, há uma uniformidade entre as habilidades. Nos casos 1, 3 e 4, de maneira geral podemos observar uma potencialidade maior dos indivíduos em relação as habilidades verbais (escore significativos com valores positivos). Já o caso 5, melhores habilidades foram detectadas para o domínio não-verbal (Tabela 3).

Por fim, foram analisados os escores ponderados de cada caso, em todos os subtestes da bateria Wechsler aplicados. Conforme os manuais (Figueiredo, 2002; Nascimento, 2004), todos os subtestes têm um escore ponderado médio de 10 e um desvio-padrão de +\- 3. A Tabela 4 apresenta as pontuações nos sub-testes para cada um dos casos. O caso 2, que apresenta deficiência intelectual, quase todos os escores ponderados foram abaixo de 2 desvios-padrão. No caso 1 a participante mostrou dois escores inferiores (aritmética e informação) e um superior (compreensão), no caso 4 somente uma pontuação foi inferior (arranjo de figuras) e nos casos 3 e 5 os escores ponderados ficaram dentro da média (Tabela 4).

 

Discussão

O fenótipo cognitivo da ST tem como característica principal a discrepância entre as habilidades verbais e não-verbais (Mazzocco, Bhatia & Lesniak, 2006; Davenport et al., 2007; Baker & Reiss, 2015). Tipicamente, as habilidades verbais podem ser medidas pelo QI verbal e as habilidades não-verbais pelo QI executivo das Escalas Wechsler (Figueiredo, 2002; Nascimento, 2004; Rueda et al. 2013; van Bergen et al., 2013; Klesczewski et al., 2015). Além desses escores, os índices fatoriais de CV e OP são excelentes indicadores destas habilidades respectivamente, uma vez que excluem dos cálculos os subtestes que não possuem altas correlações com as escalas correspondentes (subteste de aritmética e dígitos da escala verbal e o subteste de códigos da escala executiva) (Prifitera et al., 1998).

Observou-se que três dos cinco casos (1, 3 e 4, vide Tabela 3) apresentaram uma discrepância significativa entre o QI verbal e o QI executivo e, também, entre os índices fatoriais de CV e OP, sendo os escores não-verbais os mais prejudicados. A paciente 5, que possui um cromossomo Y em uma das linhagens celulares, apresentou um padrão inverso do descrito, sendo o QI verbal significativamente menor que o QI executivo (p<0,05). Contudo, não houve diferença significativa entre a CV e OP (p>0,05), demonstrando uma menor discrepância entre as habilidades verbais e não-verbais. Não foram encontrados na literatura estudos que traçassem o fenótipo cognitivo associado à esta linhagem 46, XY em meninas com ST, no entanto, os resultados observados em nosso estudo sugerem que a presença deste cromossomo pode influenciar o fenótipo cognitivo, uma vez que o perfil da participante foi o inverso do tipicamente observado (Ross, Roeltgen & Zinn, 2006; Hong, Kent & Kesler, 2009; Méndez & Garcia, 2011).

A paciente 2 que possui um cromossomo X anelar em uma das linhagens celulares não obteve escores discrepantes no WISC, no entanto o seu desempenho foi inferior em todos os subtestes, caracterizando um quadro de deficiência intelectual global. De acordo com Kuntsi e colaboradores (2000), a presença de cromossomo X em anel é associada a maiores comprometimentos cognitivos.

O índice fatorial de Resistência à Distração, é melhor conceituado como índice de memória de trabalho e é composto pelos subtestes de aritmética e dígitos, os quais são pertencentes à escala verbal. Este índice mede a atenção sustentada, concentração e controle mental (Prifitera et al., 1998). Este fator foi medido apenas nos pacientes que foram avaliadas com o WISC. Déficits nesse índice são detectados quando o seu escore é significativamente menor que os escores da CV ou da OP (Prifitera, et al., 1998). Assim, constatou-se que os casos 1 e 4 possuem um comprometimento da memória de trabalho, de acordo com o teste.

Não obstante, a paciente 1 apresentou um melhor desempenho nos índices de habilidades verbais. Ao analisar os subtestes que compõem tal escala, observou-se que a menina teve grandes dificuldades na tarefa que envolve um maior conhecimento cultural (< 2 dp; p<0,05), sugerindo uma baixa estimulação ambiental. Em contrapartida, a paciente obteve um desempenho significativamente acima da média (< 1 dp; p<0,05) na tarefa que envolve cognição social, o que sugere um bom nível de consciência moral (Prifitera, et al., 1998). Como observado, o caso 1 obteve um escore prejudicado no índice de Resistência à distração comparado aos outros fatores. Essa dificuldade foi observada nos dois subtestes que compõem este índice demonstrando um comprometimento tanto nas habilidades aritméticas (com base no baixo desempenho no subteste de Aritmética), quanto na memória de trabalho e atenção, considerando o subteste de Dígitos que é consistentemente associado com estas habilidades (para revisão Baddeley, 2012).

O caso 3 alcançou um desempenho superior no subteste de informação. O resultado demonstra uma alta estimulação ambiental, que pode ser associada à sua graduação no curso de Letras. Já o caso 4 apresentou um baixo desempenho em tarefas que envolvem habilidades não verbais, como interpretar ações, reconhecer a sequência de uma história e a habilidade de analisar e sintetizar desenhos abstratos. Além disso, os dados demonstraram um déficit da memória de trabalho e atenção. Para o caso 4, não se observou nenhum escore estatisticamente discrepante da média populacional (Tabela 4).

A maioria dos estudos (Villalon-Reina, et al, 2013; Temple & Shephard; 2012; Hong, Dunkin, & Reiss, 2011) investiga somente o perfil cognitivo de meninas com cariótipo clássico (45, X) ou adiciona ao grupo clínico os casos com variações cariotípicas. No entanto, a grande heterogeneidade nos genótipos dificulta a investigação do perfil cognitivo na ST ao acrescentar às análises variáveis distratoras. Uma forma de controlar a variabilidade cognitiva do perfil das mulheres com ST seria a estratificação em subgrupos a partir do padrão cariotípico. Este tipo de análise proporcionará um maior conhecimento do perfil de cada subgrupo, o que por consequência permitirá o desenvolvimento de intervenções mais específicas e eficazes.

 

Conclusão

A ST possui uma grande variação cariotípica que ocasiona uma heterogeneidade fenotípica, desta forma a caracterização dos casos com material cromossômico atípico auxilia na ampliação do conhecimento acerca do perfil cognitivo desses pacientes. Neste sentido, as Escalas de Inteligência Wechsler podem ser consideradas importantes ferramentas para auxiliar na caracterização da natureza cognitiva da ST, uma vez que fornecem dados clínicos acerca do funcionamento geral do indivíduo. Nosso estudo também salienta a importância da avaliação de casos isolados, como uma ferramenta para ampliação do conhecimento científico.

 

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Recebido em: 15/07/2014
Aceito em: 11/01/2016

 

 

1 Os autores agradecem todas as participantes e suas famílias pela colaboração e engajamento durante o processo de avaliação.
2 Contato: andressamoreira.ant@gmail.com
3 Hormônio de crescimento humano biossintético.
4 Condição em que a pessoa tem mais do que cinco dedos nas mãos e/ou nos pés.

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