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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

On-line version ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.9 no.2 Juiz de fora Dec. 2016

 

ARTIGOS

 

Homicídio conjugal na grande São Paulo e na grande Florianópolis: notícias publicadas em jornais

 

Partner homicide in the greater São Paulo and greater Florianópolis: news published in newspapers

 

 

Lucienne Martins Borges1; Mariá Boeira Lodetti; Ana Laura Tridapalli; Gustavo da Silva Machado

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

 

 


RESUMO

Homicídio conjugal é o termo adotado ao gesto homicida que ocorre entre pessoas que estão, ou estiveram, vinculadas por uma relação afetiva. No Brasil, não existe um levantamento sistemático dos casos de homicídio conjugal, o que torna as fontes jornalísticas um importante meio de conhecimento dos casos. Objetiva-se uma discussão do homicídio conjugal por meio dos casos reportados em dois importantes jornais (O Estado de São Paulo e Diário Catarinense), entre os anos de 2000 e 2010. Encontrou-se um total de 34 casos ocorridos na Grande Florianópolis e 110 casos na Grande São Paulo. Em relação ao número de casos registrados em cada região, os dados indicam, proporcionalmente, uma maior incidência desse tipo de crime na Grande Florianópolis, em Santa Catarina. Concluiu-se, com os casos, a prevalência do gesto homicida perpetrado por homens, a presença de indícios precursores, o impacto da separação e a presença de violência conjugal.

Palavras-chave: Homicídio conjugal, Crime passional, Violência conjugal, Pesquisa documental.


ABSTRACT

Partner Homicide is the adopted term to the homicide gesture between people within a current or former relationship. There is not any methodical survey of Conjugal Homicide in Brazil, making journalistic sources the most reliable data. This article aims a discussion on Conjugal Homicide taking reported cases in two widely spread newspapers (O Estado de São Paulo e Diário Catarinense) in a ten-year span (2000-2010). A total of 34 cases in Greater Florianópolis and 110 cases in Greater São Paulo were found. When comparing the registered cases, there was a greater proportional incidence in the Greater Florianópolis. It was concluded by the surveyed cases that were a prevalence of male homicide gesture; precursor symptons; couple's split impact and the presence of intimate terrorism or domestic violence.

Keywords: Partner homicide, Conjugal homicide, Passional crime, Domestic violence, Documentary research.


 

 

Florianópolis, seis de agosto de 2013, homem atira contra mulher na frente do filho de 6 anos numa clínica infantil. Campos Novos, vinte e um de maio de 2014, mulher suspeita de matar companheiro com facadas é presa. Florianópolis, dezessete de novembro de 2014, mulher dispara doze tiros contra ex-namorado. Guarulhos, dezoito de maio de 2005, homem mata sua companheira com três golpes de martelo. Campinas, vinte e seis de fevereiro de 2008, homem atira no rosto da ex-namorada. São Paulo, dezesseis de janeiro de 2010, casal é encontrado morto a tiros no seu apartamento, a polícia investiga o homicídio-suicídio.

As notícias em destaque chamam atenção para um tipo específico de violência que causa a morte, o homicídio, em especial o homicídio entre parceiros íntimos: um fenômeno que, além da morte da vítima, acarreta consequências individuais ao perpetrador e atinge outras esferas, como a família e a sociedade. Que motivações e contextos podem levar alguém a perpetrar a morte de uma pessoa, em especial aquela com quem se encontrava vinculado por um relacionamento amoroso?

Na última década, a violência, para além de um fenômeno social, passou a ser considerado um dos principais problemas de saúde pública. O Relatório Mundial sobre violência, publicado em 2002 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), identifica a violência como um problema de saúde que afeta a qualidade de vida e o desenvolvimento humano (Krug et al., 2002). No presente estudo, compreende-se a violência pela definição adotada pela OMS: "o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação" (Dahleberg & Krug, 2007, p. 1165).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2014), todos os anos mais de um milhão de pessoas morrem por causas violentas no mundo.2 Em 2012, 475 mil pessoas foram vítimas de homicídio no mundo. Nas Américas, 28,5 homicídios foram registrados a cada 100 mil habitantes (WHO, 2014). No Brasil, segundo o Relatório de Indicadores do SUS, as violências representam a terceira causa de morte, no entanto, desconhece-se a verdadeira magnitude do problema (Brasil, 2008). Os homicídios que ocorrem nas relações íntimas podem ser considerados como uma das categorias de violência que levam à morte de uma pessoa.

Diferentes são as nomenclaturas utilizadas para definir o homicídio que ocorre entre parceiros íntimos. No entanto, ressalta-se que há particularidades e diferentes compreensões que podem estar implicadas em cada denominação. O termo crime passional - utilizado com recorrência pelos jornais e também historicamente pela justiça e pela literatura - traz em sua denominação a paixão. O uso do termo "passional" tende a desencadear associações que indicam a paixão como principal motivação ao gesto homicida. Por conseguinte, essa associação impede - ou reduz - a produção de outros sentidos que poderiam contribuir para a compreensão de diferentes variáveis associadas ao homicídio, como a violência conjugal, o uso de álcool e/ou drogas, transtornos psicológicos (Martins-Borges, 2011).

Já a denominação homicídio conjugal é adotada por alguns pesquisadores para se referir ao homicídio que ocorre entre pessoas vinculadas por uma relação afetiva. No que concerne ao tipo de vínculo entre o casal, este pode ser oficial ou não. Além disso, ainda que o casal esteja separado no momento do ato violento, considera-se também um homicídio do tipo conjugal, tendo em vista a vinculação prévia (Martins-Borges, Boeira-Lodetti & Girardi, 2014; Bourget & Gagné, 2012; Dutton, 2001; Wilson & Daly, 1993). No presente artigo, utiliza-se o termo homicídio conjugal, uma vez que abrange as mais variadas possibilidades de compreensão do contexto e variáveis em que ocorrem os homicídios entre parceiros íntimos.

Estudos apontam a inexistência de levantamento sistemático dos homicídios conjugais cometidos no Brasil (Martins-Borges et al., 2014; Arreguy, 2011), o que dificulta a compreensão do fenômeno e a criação de medidas preventivas e reparatórias. Essa escassez de dados é consequência da falta de um levantamento e organização que classifiquem, por meio de parâmetros semelhantes, a tipologia dos homicídios para todo o território nacional.

No serviço de informação do Sistema Único de Saúde, o DATASUS, os homicídios são enquadrados como mortes por causas externas;3 não há classificação quanto ao tipo de homicídio. No estado de Santa Catarina, a Secretaria de Segurança Pública apresentou um relatório estatístico que mostra os números de homicídios ocorridos em cada município (Relatório Estatístico, 2012). No entanto, a divulgação pública desse tipo de relatório iniciou apenas no ano de 2010 e, nesse primeiro, não mostra uma classificação quanto aos tipos de homicídio. No que se refere ao primeiro semestre de 2012, é apresentado um relatório sistematizado com os números de homicídios, assim como uma categorização segundo a motivação do homicídio cometido. Nesse relatório, chama atenção a porcentagem de homicídios que acontecem em uma relação de intimidade, denominados nesse documento como homicídios passionais. Dos 361 homicídios registrados em Santa Catarina no primeiro semestre de 2012, 20,6% foram caracterizados como homicídio passional, isto é, 74 casos. Essa categoria de homicídio é a segunda mais prevalente após aqueles cometidos por desavença (55,7%), e supera a frequência de mortes por tráfico de drogas,16,7% (Relatório Estatístico, 2012). Esses dados mostram que aproximadamente 75 pessoas foram mortas, no primeiro semestre de 2012, no estado de Santa Catarina, em virtude de uma motivação passional. Todavia, o relatório não define o que se entende por homicídio passional, o que dificulta estabelecer uma relação entre tais dados e aqueles encontrados na literatura.

Dahlberg e Krug (2007) apontam que medidas preventivas em relação à violência exigem que o Estado invista em pesquisas que sistematizem os dados sobre os impactos das principais causas e consequências da violência em nível local, nacional e internacional. No Brasil, o que dificulta o estudo sobre os homicídios é a falta de dados oficiais sobre a causa do crime, o número de vítimas e o vínculo entre vítima(s) e agressor(es). Dessa forma, a alternativa para muitos pesquisadores é a pesquisa documental realizada por meio de jornais, registros policiais, laudos periciais, processos judiciais, entre outros.

As matérias cotidianas, encontradas em periódicos como os jornais, tornam-se, assim, uma preciosa forma de registro de fenômenos sociais. Mesmo que o periódico regional reflita uma realidade local e que o registro esteja atravessado por implícitos culturais, é por meio dessas reportagens de jornais que os casos de homicídio conjugal ficam conhecidos publicamente, o que permite uma primeira sistematização desses casos (Passinato, 2011; Houel, Marcader, & Sobota, 2003).

É importante ressaltar que esse estudo não teve como objetivo analisar o conteúdo das notícias jornalísticas, mas sim sistematizá-las pelo mapeamento de algumas variáveis definidas a priori, a saber: autor do gesto homicida, o meio utilizado, os indícios precursores ao ato, a motivação, o homicídio-suicídio (Martins-Borges et al., 2014; Bourget & Gagné, 2012; Mize, Schackelford, & Schackelford, 2009; Liem & Roberts, 2009). Sem dúvida, a análise de conteúdo seria uma alternativa para pesquisas qualitativas que avaliassem a intencionalidade, os valores e, por exemplo, as concepções de gênero veiculadas na mídia impressa.

Compreende-se que utilizar jornais como fonte de pesquisa não significa pensá-los como "receptáculo de verdades; mas sim a partir de suas parcialidades, do grupo que o edita, das sociabilidades que este grupo exercita nas diferentes conjunturas políticas e sociais, das intenções implícitas ou explícitas" (Silva & Franco, 2010, p. 5). No entanto, sendo esta uma pesquisa de caráter exploratório e com delineamento quantitativo, a escassez de fontes permite que neste momento se olhe esse documento como uma fonte preciosa para um levantamento de casos de homicídios conjugais no Brasil, não tendo o objetivo de uma análise das representações sociais acerca desse tipo de crime nesse veículo de comunicação.

Assim, o presente artigo objetiva caracterizar e discutir os homicídios conjugais noticiados em jornais de duas regiões metropolitanas do Brasil, a saber, a Grande São Paulo (São Paulo) e a Grande Florianópolis (Santa Catarina), no período de 2000 a 2010.

 

Do crime passional ao homicídio conjugal

O homicídio, art. 121 do Código Penal Brasileiro, Lei nº 2.848/40 (Brasil, 1940), é um tipo de crime contra a vida. Na literatura científica, os estudos tendem a classificar os homicídios pelo tipo de relação que se estabelece entre o agressor e a vítima. Como indicado anteriormente, a denominação Homicídio Conjugal refere-se à categoria de homicídios ocorridos na esfera amorosa e consiste no ato de o companheiro(a) matar aquele(a) com quem se está vinculado - por meio do casamento, da união estável ou do namoro -, independentemente de as partes estarem juntas ou separadas no momento do gesto (Martins-Borges, 2011; Dutton 2001).

A denominação e a compreensão desse tipo de homicídio se alteram de acordo com a cultura. Nos EUA, por exemplo, o termo Uxoricídio é frequentemente utilizado para os assassinatos de mulheres por seus cônjuges. No Brasil e na França, é conhecido como Crime Passional, denominação muito utilizada no meio jurídico e retomada pelos meios de divulgação jornalística.

A gênese da noção de criminoso passional reconhece o trabalho do médico italiano Cézare Lombroso, que, no século XIX, defendia a tese da existência de criminosos natos. O jurista Enrico Ferri, baseado nos trabalhos de Lombroso, propôs uma classificação para os criminosos a partir de cinco categorias, entre elas a do criminoso passional cuja motivação e justificativa centrava-se na paixão incontrolável; um gesto incontrolável que poderia ocorrer com qualquer cidadão. Com tal justificativa, esses homicídios se tornavam relevantes para a manutenção da ordem social e, por conseguinte, sua pena poderia ser atenuada ou mesmo não aplicada (Borelli, 2005).

Os antigos códigos penais brasileiros, de 1830 e 1890, foram influenciados pela jurisprudência italiana e o crime passional garantiu a atenuação, quando não a absolvição de muitos réus. A justificativa era de que os crimes ocorridos na esfera amorosa haviam sido ocasionados por uma perturbação momentânea, a paixão, que desfigurou os sentidos e a inteligência (Arreguy, 2011). Com o novo Código Penal de 1940 (Brasil, 1940) permaneceu a ideia de violenta emoção, a qual passou a ser associada à legítima defesa da honra. Durante todo o século XX, muitos foram os homicidas, na grande maioria homens, que mataram suas mulheres e foram absolvidos pelo tribunal do júri utilizando esse artifício. O movimento feminista dos anos 1960 e 1970 lutaram para a criação de jurisprudência contra a tese da legítima defesa da honra, ao entender que esse valor estava ancorado numa sociedade patriarcal (Borelli, 2005).

Com a mudança do imaginário cultural e a influência dos estudos sobre violência, homicídios e outras temáticas conexas, os crimes passionais passaram a ter outro entendimento por parte da sociedade. A passionalidade não é mais uma justificativa e, cada vez mais, esse tipo de violência é enquadrado como homicídio qualificado, o que aumenta substancialmente a sentença do réu. No que se refere à pesquisa científica, o termo – e o entendimento de tais gestos – tende a ser dissociado da noção de paixão. Outras referências foram gradualmente adotadas, sendo uma delas a de homicídio conjugal, termo privilegiado no presente artigo (Martins-Borges, 2011; Dutton, 2001; Bourget & Gagné, 2012; Websdale, 1999, 2010; Wilson & Daly, 1993).

 

Variáveis mais frequentemente relacionadas ao homicídio conjugal

Um consenso pode ser observado entre autores que investigam o homicídio em relações conjugais. Eles apontam para a presença de violência conjugal no histórico da relação, o uso abusivo de álcool, o impacto da separação, o sexo dos agressores, a diferença de idade entre agressor e vítima, o meio utilizado, a motivação, os transtornos mentais e a ocorrência de homicídio-suicídio (Bourget & Gagné, 2012; Martins-Borges, 2009; Mize et al., 2009; Liem & Roberts, 2009). Algumas dessas variáveis elencadas serão abordadas no presente artigo com o objetivo de possibilitar um estudo comparativo: o sexo dos agressores, o meio utilizado para cometer o gesto homicida, os indícios precursores, a motivação e o homicídio-suicídio.

Em relação ao sexo do indivíduo homicida, muitos estudos apontam para uma predominância de agressores do sexo masculino (Belknap, Larson, Abrams, Garcia & Anderson-Block, 2012; Bourget & Gagné, 2012; Mize et al., 2009). Liem e Roberts (2009) afirmam que, nos Estados Unidos, de cada quatro casos de homicídio conjugal, três são perpetrados por homens. No contexto nacional, não há dados que ofereçam uma visão abrangente dos homicídios conjugais perpetrados por homens ou mulheres. O que se observa são dados que demonstram o número de mulheres vítimas de homicídio em todo o país, sem que haja uma especificação se esse homicídio foi perpetrado por um agressor com quem a vítima estava em uma relação conjugal. Em um estudo na cidade de Florianópolis, Martins-Borges et al. (2014) realizaram, por meio de um banco de dados de processos criminais, um mapeamento dos homicídios conjugais ocorridos no período de 2000 a 2010. As autoras constataram que dos 29 casos estudados 27 (93,1%) foram homicídios perpetrados por homens. Em outro estudo, realizado na cidade de São Paulo, Blay (2000) constatou 310 casos de homicídios ocorridos em 1998. Dessa amostra, em 254 casos as vitimas eram mulheres, as quais foram mortas em 49% dos casos por seus companheiros, em 17% dos casos por seus ex-companheiros. Ou seja, em mais da metade dos casos as mulheres vítimas de homicídio foram mortas por homens com quem mantinham, ou mantiveram, um vínculo amoroso.

Sobre as características que envolvem o gesto homicida, evidencia-se o meio que foi utilizado para cometer o ato violento, a fim de que se possa obter uma melhor compreensão acerca da dinâmica do homicídio conjugal. De acordo com Mize et al. (2009), nos Estados Unidos, entre os anos de 1976 e 2001, 31.970 homens e 18.309 mulheres cometeram um homicídio conjugal, sendo que a arma de fogo foi utilizada por 65% dos homens e 60% das mulheres; o objeto perfurocortante (faca) foi usado por 15,4% dos homens e por 32,3% das mulheres. Esses dados podem decorrer da particularidade encontrada nesse país norte-americano, onde o acesso à arma de fogo difere de outros países. Ao comparar tais dados com os do Canadá, país em que o acesso à arma de fogo é regido por normas mais restritas, os meios utilizados são diferentes. Na província do Québec, por exemplo, no período de 1991 a 2009, registrou-se 276 casos de homicídio conjugal em que foram observadas diferenças quanto ao meio utilizado de acordo com o sexo do indivíduo homicida (Bourget e Gagné, 2012). Nos 234 casos em que os homens mataram suas companheiras, as frequências mais representativas foram: 34,6% utilizaram uma faca, 28,6% uma arma de fogo e 15,8% mataram por estrangulamento. Já nos casos de homicídios cometidos por mulheres, 52,4% utilizaram uma faca e 35,7% uma arma de fogo. Em outro estudo realizado na mesma província canadense por Martins-Borges (2006), dos 54 casos de homicídio investigados (27 femininos e 27 masculinos), ocorridos no período de 1986 a 2000, a autora observou que a porcentagem de homens e mulheres que utilizaram um objeto perfurocortante para matar seus companheiros(as) foi a mais representativa entre os meios utilizados: 40,7% tanto para os indivíduos homicidas homens quanto mulheres. O segundo meio mais utilizado na amostra foi a arma de fogo: 33,3% nos casos de homens agressores e 40,7% nos casos de mulheres agressoras.

Antes da concretização do gesto homicida, alguns pesquisadores (Martins-Borges, 2010; Bourget & Gagné, 2012; Belknap et al., 2012; Mize et al., 2009) apontam que fatores de risco podem ser considerados como indícios precursores e devem ser levados em consideração na análise dos homicídios conjugais. Destacam-se a presença de violência conjugal, o uso de álcool, a separação (ou ameaça de separação), a aquisição de armas, entre outros.

A violência conjugal, segundo Narvaz e Koller (2006) pode ser compreendida pela perpetração de violência física, sexual, emocional ou psicológica em uma relação afetiva e sexual. Ela consiste na variável mais frequentemente associada ao homicídio conjugal. Estudos apontam que é frequente encontrar a presença desse tipo de violência no histórico do casal (Bourget & Gagné, 2012; Martins-Borges, 2010). No estudo de Martins-Borges (2006), em 79,6% dos casos a violência conjugal encontrava-se presente no relacionamento do casal antes da passagem ao ato homicida. No entanto, é importante destacar que ainda que seja frequente encontrar esse indício precursor nos casos de homicídio conjugal, a violência no histórico do casal não pode ser compreendida necessariamente como um continuum desse tipo de violência, pois, em alguns casos, sequer havia no histórico do casal a presença de violência conjugal (Martins-Borges, 2010).

Outra variável com frequência relacionada ao homicídio conjugal é o uso de álcool. Para Bifano (2003), o uso de álcool funciona como um "desinibidor" do gesto homicida. Essa relação entre o uso de álcool e o homicídio conjugal também foi verificada em uma amostra em Portugal, em que 13,6 % dos homicidas faziam uso frequente de álcool (Oliveira & Gonçalves, 2007). Já Dutton e Kerry (1999) relatam que um terço dos agressores estava alcoolizado durante o ato homicida. Houve também associação entre uso de álcool e risco de agressão entre parceiros íntimos em um Inquérito Epidemiológico sobre violência conjugal realizado no município de São Paulo entre 2005 e 2006 (Oliveira, Lima, Simão, Cavariane, Tucci & Kerr-Corrêa, 2009)

No que diz respeito à motivação que culminou no gesto homicida, algumas hipóteses podem ser levantadas com base também nos indícios precursores. A separação, por exemplo, aparece como um dos principais agentes motivadores do ato. Estudos indicam que um número elevado de homicídios conjugais ocorre após a separação do casal - ou até um ano depois dela (Campbell, Webster & Glass, 2009; Soares, 2002; Dutton & Kerry, 1999). Dutton e Kerry (1999) trazem a emergência de ameaças de morte concomitantes ao indicativo de separação por uma das partes envolvidas, as quais nem sempre culminam no homicídio conjugal, mas que indicam possível relação entre a separação - perda do objeto amado - e a ideação ou o homicídio. Sobre essas associações, os autores ainda ressaltam o sentimento de abandono por parte do agressor ou da agressora, os quais depositam no ser amado a possibilidade de relacionamento afetivo de sucesso e, quando rompido o ideal relacional, encontram vazão nos sentimentos de abandono tidos como intoleráveis para o indivíduo homicida.

Pode-se falar, também, do ciúme como uma das motivações mais recorrentes, por vezes associada à separação. Para Bifano (2003), esse sentimento pode estar associado à relação de posse que o autor da agressão estabelece com a pessoa com quem está se relacionando. Cazenave e Zahn (1992) evidenciam uma predominância masculina nesse tipo de comportamento, levando em consideração a perda do controle do relacionamento prenunciado pela possível separação e esse fator como imperativo na motivação que leva à agressão. Dos 54 casos de homicídio conjugal estudados por Martins-Borges (2006), as principais motivações que levaram agressores do sexo masculino a matarem suas companheiras, ou ex-companheiras, foram represália, reação à separação e reação ao ciúme.

Entre os tipos de homicídio associados ao homicídio conjugal, pode-se encontrar também o homicídio-suicídio: nele o agressor mata o cônjuge e em seguida comete suicídio. Bins, Doler e Teitebaum (2009) afirmam que para se configurar nessa categoria o suicídio deve ocorrer logo em seguida ao homicídio ou em um período de uma hora a uma semana. Ao encontro dessa concepção de intervalo, Sá e Werlang (2007) dissertam que deve ser de até 24 horas o intervalo entre o homicídio e o suicídio.

A sistematização dos dados desse tipo de homicídio é ainda mais difícil de ser encontrada, uma vez que em muitos casos não há processo criminal e os casos são arquivados ainda no período do inquérito policial. No Brasil, não é possível encontrar o número de casos de homicídio-suicídio. Localizaram-se dois estudos regionais com o número de casos desse tipo de passagem ao ato. Na pesquisa de Sá e Werlang (2007), os autores encontraram uma amostra de 14 casos em Porto Alegre/RS, entre julho de 1996 e julho de 2004. Desses casos, 87,6% das vítimas eram mulheres e os agressores configurados como companheiros, ou ex-companheiros, com quem elas mantinham uma relação conjugal. Os autores destacaram o papel da separação, a qual se fez presente no momento ou a partir de um ano antes do gesto homicida. Já Teixeira (2009) selecionou cinco casos de homicídio-suicídio para uma análise mais aprofundada, ocorridos entre 1995 e 2002, no estado do Rio Grande do Norte. Segundo a autora, a separação, ou a ameaça de separação, foi recorrente nos casos investigados.

Sobre as variáveis relacionadas ao gesto homicida, pode-se observar que os estudos internacionais supracitados fornecem estatísticas mais precisas acerca da relação entre algumas variáveis e o homicídio conjugal; quanto ao sexo dos agressores, por exemplo, encontraramse poucos registros no Brasil que faça essa classificação. Em nível nacional, na última década, houve uma produção significativa sobre o tema violência conjugal, no entanto, existe ainda uma lacuna entre a possível relação acerca da violência entre parceiros íntimos e o homicídio conjugal (Martins-Borges, 2011). O mesmo ocorre com o levantamento dos indícios precursores, entre eles o uso de álcool, a separação e a aquisição de armas; assim como a falta de dados sobre os casos de homicídio seguido de suicídio, apenas dois estudos em todo o Brasil abordam essa temática (Teixeira, 2009; Sá & Werlang, 2007). O estudo das variáveis relacionadas ao homicídio conjugal é fundamental, uma vez que é por meio desse levantamento que se terá acesso aos indícios precursores ao gesto homicida, identificação necessária para se estabelecer medidas preventivas.

 

Método

Esta pesquisa é de caráter exploratório, com delineamento quantitativo. Os dados provenientes de notícias jornalísticas utilizadas no presente estudo constituíram-se de duas fontes principais: casos reportados no jornal Diário Catarinense e no jornal O Estado de São Paulo. Estipularam-se como margem temporal as notícias publicadas entre os anos de 2000 e 2010. A coleta de dados foi realizada no arquivo digital e impresso dos jornais supracitados - que se localizam na sede do jornal Diário Catarinense (Florianópolis) e do jornal O Estado de São Paulo (São Paulo).

No jornal Diário Catarinense, a busca se deu, primeiramente, no arquivo impresso. Constatou-se que as notícias publicadas na versão digital só estavam disponíveis a partir das publicações do ano de 2003. Por sugestão do jornal, na versão impressa, a coleta do material foi centrada na rubrica denominada Polícia. Foram incluídos no estudo, exclusivamente, os artigos relacionados a homicídios conjugais ocorridos na região e no período estudado. Foram excluídos os artigos sobre tentativas de homicídio, homicídios conjugais ocorridos em outras regiões, assim como casos de homicídios nos quais o vínculo entre o agressor e vítima não estava claramente definido. Na versão digital, utilizaram-se as palavras e o cruzamento das palavras homicídio, crime passional, passional, suicídio, assassinato, uxoricídio, femicídio, mata marido, mata mulher, ex-mulher, ex-marido. Foram encontrados 34 casos que se enquadravam nas especificações estabelecidas pela pesquisa.

No jornal O Estado de São Paulo, a coleta de dados ocorreu no arquivo digital. Utilizou-se somente o indexador crime passional, pois se identificou que o arquivo desse jornal já possuía as reportagens indexadas, ou seja, já havia uma sessão do arquivo que continha todas as reportagens referentes aos casos de crimes passionais. Para o presente estudo, conservaram-se somente os casos de homicídio conjugal.

Segundo os objetivos estabelecidos nesta pesquisa, determinou-se anteriormente à coleta de dados que as seguintes categorias seriam analisadas: município em que ocorreu o ato, sexo do agressor, ano do homicídio, separação conjugal, presença de indícios precursores, motivação, meio utilizado, homicídio-suicídio. Tais categorias foram tratadas de forma quantitativa por meio de estatística descritiva, que demonstra a frequência dos fatos pesquisados.

Apresentação dos dados e discussão

Nas notícias jornalísticas, foram encontrados 110 casos de homicídios conjugais ocorridos na Grande São Paulo/SP4 e 34 casos na Grande Florianópolis/SC5 entre os anos 2000 e 2010. A Grande São Paulo é constituída por 39 municípios, e entre os anos da pesquisa abrangia uma população de aproximadamente 19 milhões de habitantes. Já a Grande Florianópolis, por sua vez, é composta por 22 municípios e, em 2010, registrou uma população de aproximadamente 1 milhão de habitantes.

Chama atenção a incoerência proporcional quando se observa a ocorrência do número de casos em relação ao número de habitantes. A leitura dos dados apresentados na Tabela 1, por meio de média ponderada, demonstra que a ocorrência de três casos em São Paulo, correspondente a uma ocorrência na Grande Florianópolis, o que poderia ser explicado pelo número de habitantes ser maior na Grande São Paulo. No entanto, percebe-se que, proporcionalmente, São Paulo deveria ter um número dezenove vezes maior de homicídios conjugais, uma vez que sua população é de 19 milhões de habitantes e a população da Grande Florianópolis de apenas 1 milhão. Dessa forma, os dados permitiriam levantar a hipótese de que há uma incidência maior desse tipo de crime na região catarinense. Em uma média realizada para cada 100 mil habitantes, os dados mostram a incidência maior desse tipo de crime na Grande Florianópolis, com 3,4 casos de homicídio conjugal, enquanto na Grande São Paulo, no mesmo período, foram registrados apenas 0,5 casos por 100 mil habitantes.

A Tabela 2 apresenta uma sistematização das variáveis envolvidas nos casos de homicídio conjugal encontrados pela presente pesquisa. Percebe-se a existência dessas variáveis tanto no estudo da amostra da Grande Florianópolis (34 casos) quanto na da Grande São Paulo (110 casos). Sobre o sexo do agressor que cometeu o homicídio, percebe-se uma predominância de homicidas do sexo masculino: 97% dos casos na Grande Florianópolis e 83% dos casos da Região Metropolitana de São Paulo. Os dados apresentados vão ao encontro do que aponta alguns estudos (Bourget & Gagné, 2012; Belknap et al., 2012) realizados em países como Canadá e Estados Unidos, onde, igualmente, o número de homicídios conjugais cometidos por homens é substancialmente maior ao número de homicídios conjugais cometidos por mulheres: 79% naquele e 89% neste. Outros estudos também apontam para uma predominância de agressores do sexo masculino (Martins-Borges et al., 2014; Sá & Werlang, 2007), o que assinala a importância de ações preventivas que tenham como foco de atuação também os agressores.

Em relação ao meio utilizado para cometer o homicídio, nota-se uma diferença entre as regiões quanto ao tipo de arma usada. Nos dados da Grande Florianópolis, o uso da arma de fogo foi encontrado em 44% dos casos, e o uso de objeto perfurocortante, também, em 44% dos casos. Nos outros 12% restantes, identificou-se o estrangulamento/sufocação, o uso de fogo, o atropelamento. Já na Região Metropolitana de São Paulo, a distribuição dessa porcentagem apresentou-se diferente: o uso de arma de fogo correspondeu a 54% dos casos, e o de objeto perfurocortante a 28%. Entre os outros meios utilizados, 18% dos casos, observaram-se a aparição de estrangulamento/sufocação, de uso de objeto contundente, de espancamento, de afogamento. Apesar de diferentes frequências, cabe ressaltar que a arma de fogo se mantém como o meio mais utilizado (44% e 54%). Se comparado a países que têm um maior controle das armas de fogo, a frequência do uso desse meio no Brasil é superior e tende a se aproximar das taxas dos Estados Unidos.

No que diz respeito à presença ou não de separação, percebe-se uma consonância com a literatura tanto na Grande São Paulo quanto na Grande Florianópolis. Nessa última, em 68% dos casos o casal já estava em processo de separação ou separados, e na Grande São Paulo esse número foi menor, porém ainda expressivo, pois ultrapassa a metade dos casos. Pesquisas já haviam apontado a relação entre separação e homicídio conjugal, principalmente no primeiro ano depois da separação ou assim que uma das partes manifesta o desejo de término do relacionamento (Campbell et al., 2009; Martins Borges, 2009; Soares, 2002; Dutton & Kerry, 1999).

Nesta pesquisa, pode-se perceber que nas duas regiões metropolitanas um importante número de casos apresentou indícios precursores (65% na Grande Florianópolis, e 51% na Grande São Paulo). Esses indícios são manifestados muitas vezes por alertas aos familiares, amigos, pessoas próximas ou profissionais de que uma dinâmica de violência se manifestava na vida do casal. Deve-se considerar, ainda, que essa porcentagem pode ser maior levando-se em conta os limites da fonte de informações utilizada no presente estudo. A violência conjugal, um importante indício precursor, mostrou-se elevada também em outros estudos, como no estudo realizado na cidade de Florianópolis, em que, dos 29 casos estudados, constatou-se que havia presença de violência conjugal em 27 deles (93,1%). No entanto, as autoras verificaram que em somente 14 casos (51,9%) os episódios de violência conjugal foram oficializados, por exemplo, por meio do registro de boletins de ocorrência (Martins-Borges et al., 2014).

Acerca da motivação que levou ao homicídio conjugal, em mais da metade dos casos a motivação estava ligada ao ciúme, à separação ou ao ciúme e à separação, tanto na Região Metropolitana de Florianópolis (15% separação, 12% ciúme, 26% separação e ciúme) quanto na Região Metropolitana de São Paulo (25% separação, 16% ciúme e 13% separação e ciúme). Esses dados remetem à teoria sobre a perda do controle da relação e, principalmente, do objeto amado; o gesto homicida aparece como a factualização da posse de um ser sobre o outro na dinâmica conjugal (Dutton & Kerry, 1999).

O homicídio-suicídio foi identificado em 21% dos casos da Grande Florianópolis e em 7% dos casos da Região Metropolitana de São Paulo. Liem e Roberts (2009) destacam que a ocorrência desse tipo de homicídio é mais predominante em agressores do sexo masculino que do sexo feminino. Na amostra de 276 casos utilizados por Bourget e Gagné (2012), dos 234 homens que cometeram um homicídio conjugal, 85 suicidaram-se, ou seja, 34,97%. Já das 42 mulheres que mataram seus cônjuges (ou ex-cônjuges), somente duas (4,76%) cometeram suicídio. Essa característica, que parece mais masculina que feminina, pode estar relacionada, também, com a motivação que culminou na passagem ao ato homicida, a qual, segundo alguns autores, parece se diferenciar quanto ao sexo do agressor: no caso dos homens autores de homicídio, a motivação está geralmente ligada ao sentimento de abandono (Mize et al., 2009; Dutton, 2001).

Outro importante dado que merece atenção é o fato de o agressor ter, no momento do homicídio conjugal, matado ou não outra pessoa além de seu cônjuge, ou ex-cônjuge. Conforme apontado na Tabela 2, na Grande Florianópolis, em 12% dos casos houve outra vítima de homicídio, além da vítima com quem o agressor mantinha, ou manteve, um relacionamento conjugal. Já na Região Metropolitana de São Paulo, essa porcentagem foi de 4%. Essa variável pode demonstrar a especificidade do homicídio conjugal, cuja intenção do(a) agressor(a) está direcionada à destruição específica de uma pessoa, ou seja, de seu cônjuge, ou ex-cônjuge; é o tipo de vínculo entre o agressor e a vítima que caracterizam esse tipo de homicídio. É esse tipo de vínculo que, historicamente, levou ao entendimento dos homicídios sob o ângulo da paixão.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desta pesquisa foi caracterizar e discutir os homicídios conjugais noticiados em jornais de duas regiões metropolitanas do Brasil, uma vez que a compreensão desse fenômeno esbarra na escassez de dados oficiais sobre esse tipo de crime no País. O que se percebe, no presente estudo, são algumas características que vão ao encontro do cenário já levantado em pesquisas anteriores, principalmente internacionais: a prevalência do gesto homicida perpetrado por homens, a presença de indícios precursores, o impacto da separação, a presença de violência conjugal, a arma de fogo e o objeto perfurocortante como meios de efetuar o homicídio, a incidência de homicídio-suicídio como um desdobramento do homicídio conjugal (Martins-Borges et al., 2014; Bourget & Gagné, 2012; Campbell et al., 2009).

A fonte jornalística, ainda que enviesada pelo julgamento de valor de quem a produziu e pelas influências sociais dominantes, apresenta importantes informações exploratórias dos casos de homicídio conjugal, principalmente pela facilidade de sistematização dos dados e pela escassez de informações provenientes de outras fontes, como as jurídicas. A pesquisa documental em periódicos não esgota a análise acerca do fenômeno em questão, mas abre possibilidades e introduz a temática e a particularidade desse gesto perante outros atos infracionais contra a vida. Questões levantadas por este estudo apontam para a necessidade de se trabalhar com diferentes fontes sobre o homicídio conjugal, a fim de criar uma base de dados e produção científica sobre esse tipo de crime.

A comparação entre os dados dos jornais Diário Catarinense e O Estado de São Paulo trouxe alguns questionamentos que indicam a necessidade de mais estudos, levando em consideração diferenças regionais e culturais. Por exemplo, quando analisada a proporção dos casos nas duas regiões, a Grande Florianópolis apresentou um número elevado de casos. Esses dados, comparados com o número registrado no primeiro semestre de 2012 em Santa Catarina, sugerem que há grande incidência de homicídios conjugais no estado catarinense. Porém, por meio de uma pesquisa documental em jornais, não é possível afirmar que a proporção de homicídios conjugais/100.000hab é superior na Grande Florianópolis. Apenas a sistematização dos dados, a partir de informações oriundas da Segurança Pública e dos órgãos jurídicos poderiam contemplar essa lacuna. Essas conclusões apontam para a necessidade de pesquisas que contem com a colaboração desses órgãos, de estudos comparativos entre os estados ou regiões que levem em conta variáveis culturais, as quais podem ser determinantes na incidência dos casos e em suas características específicas.

Em relação às medidas preventivas, entende-se que a prevenção deva ser realizada na atenção básica nos serviços de saúde e assistência social, a exemplo do Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), da rede Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que procura o fortalecimento e a manutenção dos vínculos. Contudo, percebe-se com os dados desta e de outras pesquisas supracitadas que os homens são os maiores agressores desse tipo de homicídio e, ao mesmo tempo, são os usuários de menor presença no serviço. Observa-se em estudos que homens utilizam em menor número os serviços de saúde e assistência do que as mulheres, de um modo geral (Figueiredo, 2005; Pinheiro, Viacava, Travassos & Brito, 2002; Gomes, Nascimento & Araújo 2007). Este, portanto, é um dos desafios do enfrentamento: ao passo em que o Sistema Único de Saúde se propõe integral, como atender os homens, em específico os envolvidos em relações em que a violência conjugal se faz presente? Isso porque atentos aos sintomas não só orgânicos, mas também relacionais frutos de uma visão ampliada sobre saúde, os profissionais qualificados poderiam observar e detectar os indícios precursores e agir de forma adequada e preventiva.

Como já observado pelas mudanças na jurisprudência dos crimes passionais, segundo o art. 28 do Código Penal Brasileiro (Brasil, 1940), a emoção/paixão não descarta a responsabilidade penal. Porém, estudos ainda registram a presença da tese de "legítima defesa da honra" ou de "violenta emoção" por muitos juristas brasileiros na defesa de criminosos passionais. Essa estratégia aconteceria nas regiões do interior do País que apresentam níveis de escolaridade mais baixos e a predominância de uma cultura mais patriarcal (Arreguy, 2011). Dessa forma, o aspecto cultural surge como uma das variáveis a serem investigas quando se trata de homicídios conjugais, não só no estudo dos indícios precursores como também no julgamento do réu.

 

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Recebido em: 30/05/2016
Aceito em: 30/09/2016

 

 

(Endnotes)

1 Contato: lucienne.borges@ufsc.br
2 O Relatório da OMS (2014) considera causas violentas as autoagressões, agressões interpessoais e violência coletiva.
3 O Relatório de indicadores do SUS compreende como "Causas Externas" as lesões não intencionais (acidentes) e as lesões intencionais (associadas à violência).
4 Municípios da Grande São Paulo: Arujá, Barueri, Biritiba-Mirim, Caieiras, Cajamar, Carapicuíba, Cotia, Diadema, Embu, Embu-Guaçu, Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha, Guararema, Guarulhos, Itapevi, Itapecerica da Serra, Itaquaquecetuba, Jandira, Juquitiba, Mairiporã, Mauá, Mogi das Cruzes, Osasco, Pirapora do Bom Jesus, Poá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Salesópolis, Santa Isabel, Santana de Parnaíba, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul , São Lourenço da Serra, São Paulo, Suzano, Taboão da Serra e Vargem Grande Paulista (Subsecretaria de Desenvolvimento Metropolitano, 2015).
5 Municípios da Grande Florianópolis: Águas Mornas, Alfredo Wagner, Angelina, Anitápolis, Antônio Carlos, Biguaçu, Canelinha, Florianópolis, Garopaba, Governador Celso Ramos, Leoberto Leal, Major Gercino, Nova Trento, Palhoça, Paulo Lopes, Rancho Queimado, Santo Amaro da Imperatriz, São Bonifácio, São João Batista, São José, São Pedro de Alcântara, Tijucas (Granfpolis, 2015).

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