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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

On-line version ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.9 no.2 Juiz de fora Dec. 2016

 

ARTIGOS

 

Redução de ansiedade com grupo de diabéticos: interfaces físicas e psicológicas de uma intervenção

 

Reduction of anxiety with people with diabetic: physical and psychological interfaces of an intervention

 

 

Jessica Maires Severino Mota1; Anderson Meireles da Silva; Tatiana Bahia Abrel; Maíra Aparecida de Castro; Marcos Vieira Silva; Maria Nivalda Carvalho-Freitas; Andréa Carmen Guimarães

Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei, Minas Gerais, Brasil

 

 


RESUMO

Experiência realizada com grupo de diabéticos, por meio de intervenção contemplando atividades físicas e psicológicas. O objetivo foi verificar se as intervenções realizadas teriam impacto na diminuição da ansiedade. A ansiedade é uma emoção associada à diabetes que pode prejudicar o controle glicêmico e afetar hormônios importantes. As atividades realizadas tiveram duração de um ano e meio. Foi identificada diferença significativa nos níveis de ansiedade pós-intervenção, indicando a potencialidade desse tipo de trabalho.

Palavras-chave: Diabetes, Grupos, Atividade física, Psicologia, Saúde.


ABSTRACT

Experiment carried out with people with diabetes, through an intervention which consisted of physical and psychological activities. The goal was to verify if performing an intervention would have any impacts on improving the anxiety in the individuals. Anxiety is an emotion associated with diabetes which can impair the glycemic control and affect the production of important hormones. The activities were performed throughout the period of one and a half years. A significant difference on anxiety levels was identified after the intervention, indicating the potential of this type of work.

Keywords: Diabetic, Groups, Physical activities, Psychology, Health.


 

 

Introdução

O diabetes mellitus é uma doença crônica que leva o indivíduo a apresentar um nível de glicose (açúcar) no sangue acima do normal. Em indivíduos normais, essa taxa é de aproximadamente 60 a 110 mg%, após jejum de 12 horas. Se não diagnosticado em tempo e adequadamente tratado, o diabetes é considerado como um anúncio precoce de diversas complicações, por exemplo, doenças cardiovasculares (Ministério da Saúde, 2014). Atualmente o diabetes mellitus é uma das doenças que mais mata no mundo, estando entre as maiores causas de morte no Brasil, matando mais que acidentes de trânsito (Ministério da Saúde, 2014).

De acordo com a Associação Nacional de Assistência ao Diabético (Anad, 2012), no Brasil o diabetes acomete aproximadamente 10% da população entre 30 e 69 anos, atingindo entre 9 e 10 milhões de pessoas, sendo que apenas cerca de 5 a 6 milhões têm o diabetes diagnosticada. Portanto, praticamente a metade dos portadores está sem diagnóstico. A cada dez segundos uma pessoa morre no mundo em consequência das complicações do diabetes - são 3,2 milhões de mortes por ano. Pelo menos uma em cada dez mortes entre adultos de 35 e 64 anos ocorre em decorrência da doença, e aproximadamente 500 novos casos da doença surgem a cada dia. O diabetes é, portanto, um inegável problema de saúde pública (Ministério da Saúde, 2014). O envelhecimento da população, a urbanização crescente e a adoção de estilos de vida pouco saudáveis como sedentarismo, dieta inadequada e obesidade são os grandes responsáveis pelo aumento da incidência e prevalência do diabetes em todo o mundo (Anad, 2015).

Alguns sintomas do diabetes são: muita sede (polidipsia), excesso de urina (poliúria), muita fome (polifagia) e perda de peso. Além disso, sonolência, dores generalizadas, formigamentos e dormências, cansaço doloroso nas pernas, câimbras, nervosismo, indisposição para o trabalho, desânimo, turvação da visão, cansaço físico e mental podem ser sintomas da doença. Assim como na maioria das doenças crônicas, a adesão do tratamento no paciente diabético é de grande importância para o sucesso deste, sendo os aspectos emocionais um dos fatores que mais influenciam na adaptação dos pacientes às mudanças na rotina e mudanças de hábitos que podem controlar a doença (Péres, Santos, Zanetti, Ferronato, 2007).

De acordo com Bouwman, Adriaanse, Van't Riet, Snoek, Dekker e Nijpels (2010), podem-se perceber níveis mais elevados de ansiedade em pacientes com doenças crônicas, entre eles o diabetes. Para Grigsby, Anderson, Freedland, Clouse e Lustman (2002), os pacientes diabéticos apresentam maior índice de ansiedade generalizada, girando em torno de 14% dos diabéticos. A ansiedade generalizada diz respeito a quadros de ansiedade ligados a diversos eventos ou atividades do dia a dia. Esse quadro de ansiedade, ao dificultar os cuidados do paciente com o diabetes, prejudica também sua qualidade de vida em outros aspectos, levando a complicações da doença. Os maiores índices de ansiedade também foram encontrados em pacientes sedentários, o que nos mostra a importância da atividade física para a diminuição dos níveis de ansiedade.

Segundo Péres et al. (2007), um dos possíveis disparadores de ansiedade no paciente com diabetes é a mudança de rotina, visto que os cuidados com a doença incluem mudanças nos hábitos alimentares, utilização de medicamentos diários e pratica de atividade física. Algumas pessoas não conseguem se adaptar a essas mudanças em um primeiro momento, gerando frustração e ansiedade. Ainda segundo os autores, a dificuldade do enfrentamento da doença pode levar a um ciclo, uma vez que ao não conseguir controlar o índice glicêmico o paciente sente ansiedade e muitas vezes busca aplacar essa ansiedade nos alimentos de sua preferência, o que acarreta novamente o aumento dos níveis glicêmicos.

Em uma pesquisa realizada em 2005, com intuito de verificar a ocorrência de sintomas de ansiedade em pacientes diabéticos atendidos por uma Equipe de Saúde da Família, constatou-se que de uma amostra de 68 pacientes com diabetes, 72% destes apresentavam níveis mais elevados de ansiedade (Oliveira & Sales, 2005). Segundo Santos (2013), esse fenômeno pode ocorrer devido a que o paciente diabético apresenta inicialmente sintomas de estresse elevados devido às mudanças de rotina. Esses níveis de estresse, ao permanecerem elevados, acabam por ativar uma parte específica do sistema neuronal, o eixo HAP (hipotálamopituitária-adrenal), a ativação desse sistema leva à liberação de uma série de hormônios na corrente sanguínea, dessensibilizando um receptor do hipocampo, o receptor da serotonina 1A, elevando os níveis de ansiedade.

Com relação aos cuidados com o diabetes, a atividade física se mostra um fator fundamental, uma vez que auxilia na preservação e melhoria da saúde, diminuição dos sintomas de ansiedade, fortalecimento da musculatura e prevenção de uma série de complicações que o diabetes pode acarretar. Os programas de treinamento físico têm sido recomendados para a prevenção e reabilitação de doenças crônicas, seu efeito sobre a glicemia se deve ao fato de o exercício físico melhorar a sensibilidade insulínica e estimular a captação de glicose (Hey-Mogense, Hojlund, Vind, Wang, Dela & Beck-Nielsen, 2010).

O exercício físico é considerado um tratamento não farmacológico para a prevenção e controle do diabetes mellitus, mais eficientes segundo o Colégio Americano de Medicina do Esporte (ACSM, 2010). Além de proporcionar efeitos positivos que somam para uma melhora na qualidade de vida, diminuição lipidemia (gordura), pressão sanguínea, eventos cardiovasculares, controle do peso e mortalidade (ACSM, 2011). Colberg (2003) e Martins (2000) relatam em seus estudos que a prática do exercício físico tem como efeito benéfico adaptações crônicas no sistema metabólico, neuroendócrino e cardiovascular. Isso pode ocasionar importantes mudanças nos aspectos biológico, psicológico e sociocultural dos indivíduos, possibilitando o bem-estar geral, contribuindo assim para a mudança de hábitos das pessoas, minimizando o sedentarismo e auxiliando na redução da ansiedade e do estresse. De acordo com Araujo, Mello e Leite (2007), o exercício físico, além de contribuir com perfis fisiológicos, proporciona bem-estar psicológico, atenuando ou controlando a ansiedade, pois se sabe que tem influência diretamente no controle do peso.

Atividades em grupos também podem ser muito positivas para o tratamento do diabetes. Segundo Oliveira (2012), ao fazer parte de um grupo, os participantes desenvolvem vínculos e identificações entre os membros, auxiliando na ressignificação de experiências. Dessa forma, o paciente diabético encontra no grupo pessoas que têm experiências semelhantes às suas, e que muitas vezes podem apresentar soluções para as situações geradoras de ansiedade.

Os grupos são espaços de escuta em que o coordenador pontua e problematiza as falas para dar oportunidade para os participantes pensarem, falarem de si e poderem elaborar melhor suas próprias questões (Bastos, 2010). Nesses grupos é possível elaborar suas experiências de vida, produzir insights, construir a identidade tanto coletiva quanto individual do paciente e promover a troca de informações, fatores necessários no tratamento de doenças crônicas (Afonso, 2006).

Tendo esse cenário como referência, foi realizada a intervenção relatada a seguir, com o objetivo de avaliar o impacto da realização de atividades físicas e intervenções grupais (psicológicas) na diminuição da ansiedade em grupo de pessoas com diabetes.

 

Relato de experiência

As atividades realizadas durante a presente experiência foram feitas de forma interdisciplinar, tendo sido utilizados métodos referentes ao campo da Psicologia e da Educação Física. Seis pessoas com diabetes participaram das intervenções, todas do sexo feminino, com idade média de 59 anos (sendo a idade mínima 51 anos e a máxima 65 anos), 66% das participantes são casadas, 17% viúvas e 17% divorciadas, 66% das participantes moram com o marido e as outras 33% moram com os filhos. Com relação à escolaridade, 50% das participantes tinham ensino fundamental completo, 33% tinham o ensino médio completo e 17% completaram o ensino superior. Já com relação ao trabalho, 50% das participantes trabalhavam atualmente e outras 50% não, a renda familiar de 83% delas se constituía em até três salários mínimos.

As atividades tiveram duração de um ano e meio, contendo atividades físicas e intervenções em grupo, com o intuito de trabalhar aspectos físicos e psicológicos. As atividades físicas ocorreram duas vezes por semana com duração de uma hora. Já as atividades do grupo da Psicologia aconteciam uma vez por semana, com duração de 50 minutos.

Os participantes foram avaliados por meio de entrevistas (anamnese), exames laboratoriais e médicos visando identificar se poderiam se submeter às atividades físicas. Também foram realizados testes de flexibilidade, teste de caminhada de 1.600 metros e medidas (antropometria). A Escala Beck Anxiety Inventory (Beck-BAI) foi aplicada a cada seis meses de intervenção. O Inventário de Ansiedade Beck foi validado por Cunha (2011) e trata-se de uma escala de autorrelato que mede a intensidade dos sintomas de ansiedade de cada indivíduo.

As atividades físicas consistiram nos seguintes exercícios de adaptação: esteira ou bicicleta, repetições de panturrilha, leg press (ou extensora), voador, puxador frontal e flexora. Após a fase de adaptação, houve aumento de carga, realizando os seguintes exercícios: repetições de panturrilha no banco ou panturrilha no leg press, leg press (ou extensora) flexora, voador, supino, desenvolvimento, puxador frontal. As atividades em grupo (intervenção psicológica) tiveram como objetivo trabalhar a formação de vínculo, autoestima, projeto de vida e questões relacionadas aos cuidados com o diabetes e a saúde em geral. Os encontros foram pautados na metodologia dos Grupos Operativos de Pichon-Rivière (1998) e nas Oficinas de Grupo de Afonso (2006). Essas duas perspectivas foram utilizadas de forma complementar.

Para Afonso (2006), as oficinas de grupo têm como objetivo trabalhar de forma estruturada com um grupo, independentemente do número de encontros, tendo como foco uma questão central que todos se propõem a elaborar em um mesmo contexto social. Ainda segundo a autora, as oficinas de grupo podem ser muito úteis na área da saúde, pois apresentam um papel importante na aprendizagem, uma vez que busca informações e reflexões abordando também significados afetivos e as vivências relacionadas ao tema do grupo. A metodologia das oficinas de grupo tem dois pilares de ação: a) a potencialidade terapêutica, já que facilita o insight e a elaboração sobre questões subjetivas, interpessoais e sociais; e b) a potencialidade pedagógica, que concretiza em um processo de aprendizagem, a partir da reflexão sobre a experiência (Afonso, 2006).

Embora a perspectiva de Afonso (2006) tenha um caráter mais estruturado, a abordagem de grupo operativo de Pichón-Rivière (1988) também pode ter como tarefa explícita uma situação específica, mais estruturada, por exemplo, reflexões sobre o diabete, a autoestima e os projetos de vida, conforme discutido por Pichón-Rivière em sua proposta de estrutura de escola para a formação de psicólogos sociais. A contribuição de Pichón-Rivière utilizada em perspectiva complementar à de Afonso (2006) foi feita considerando que, sob a tarefa explícita, existe uma tarefa implícita que diz respeito às dificuldades, medos e ansiedade em empreender as mudanças em pautas de conduta estereotipadas.

Para Pichón-Rivière (1998), o grupo é "todo conjunto de pessoas, ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, e articuladas por sua mútua representação interna, que se propõe explícita e implicitamente uma tarefa, que constitui sua finalidade" (p. 124). Nesse processo de aprendizagem surgem as inseguranças que se apresentam por meio de dois medos básicos, o medo da perda da estabilidade já alcançada e o medo do ataque que a nova situação representa, visto que o participante se sente inseguro adiante da situação desconhecida. Esses dois medos configuram a resistência a mudança presente nos grupos, com impacto na comunicação entre os membros do grupo e nos processos de aprendizagem. Nesse contexto, cabe ao coordenador do grupo o papel de esclarecer esses medos trabalhando as questões apresentadas no aqui e agora.

Os encontros grupais foram iniciados com um disparador, proposto pelo coordenador ou pelo grupo, em forma de dinâmicas, letras de músicas, poemas etc., sobre questões relacionadas aos vínculos, autoestima, diabetes e projeto de vida. Essas questões eram trabalhadas explicitamente, no que se referia ao conteúdo da atividade proposta e discutindo-se como cotidianamente essas questões eram vividas e sentidas pelos participantes do grupo, considerando a relação dialética entre resistência (medos básicos) e desejo de mudança.

Os encontros do grupo foram observados de forma sistemática: enquanto a coordenadora conduzia a atividade proposta, a observadora realizava o registro das falas e interações de todos os participantes. Após o encerramento do encontro, esses registros eram transcritos de forma organizada, com base na teoria dos papéis grupais e dos vetores do cone invertido de Pichón-Rivière (1998), que possibilitaram a identificação de aspectos relacionados ao processo grupal. Também foram realizadas análises de conteúdo das transcrições das falas das participantes dos encontros semanais, tendo por foco as temáticas predominantes, visando analisar as questões que mais explicitamente mobilizavam o grupo.

Com base nas análises temáticas, foi possível identificar as categorias que mais se destacaram nos encontros do grupo. Essas temáticas foram identificadas após a leitura sistemática dos relatórios semanais das atividades feitas nos grupos, e após isso eram elencados os temas mais recorrentes por meio da concordância entre três pesquisadores.

 

Resultados e discussões

Após as intervenções e a análise dos resultados de pré e pós-testes, pôde-se constatar que nos dois primeiros semestres as diferenças de médias não foram significativas em relação aos índices de ansiedade. Apenas após um ano e meio de intervenção houve diferença significativa entre as médias de ansiedade, tendo como referência a Escala Beck-BAI: média pré-teste = 12,83 e desviopadrão = 6,85; média no pós-teste = 4,50 e desvio-padrão = 4,89, e Teste t (diferença entre médias): t(5) = 2,587, p = 0,049.

Tendo como referência a Escala Beck-BAI, pôde-se perceber que, após um ano e meio de intervenção, o grau de ansiedade das participantes passou de grau leve (escores de 11 a 19), para grau mínimo (escores de 0 a 10). A diminuição dos níveis de ansiedade é muito importante, como destaca Santos (2013), visto que esses níveis elevados podem prejudicar a adesão ao tratamento e o controle inadequado dos níveis glicêmicos. Ainda segundo a autora, o estresse gerado pelas mudanças nos hábitos alimentares e na rotina diária pode levar ao aumento desses níveis de ansiedade que, se elevados por muito tempo, podem desencadear um desajuste hormonal que dificulta ainda mais o controle da glicemia.

Tomando como referência as análises das falas das participantes, verifica-se que nos dois primeiros semestres de intervenção as categorias que mais se destacaram foram família, saúde e impacto do projeto na vida das participantes. Os relatos sobre a família foram muito recorrentes entre todas as participantes. Muitas vezes esse cuidado com a família se apresentava como um disparador de ansiedade, como pode ser visto nos relatos abaixo.

[...] tudo é filho e neto, a gente que não deixa eles fazerem as coisas. Eu me vejo culpada. (S1)

O problema é que a gente preocupa muito com casa também, mas eu falei: hoje ninguém me segura. (S2)

O que tá acontecendo com as avós? Todas agora têm que criar os netos. (S1)

Os relatos feitos sobre a categoria saúde giraram em torno das temáticas relacionadas ao diabetes, como uso de medicamentos e alimentação. Um dos fatores que pode levar ao aumento dos níveis de ansiedade é a adaptação do paciente diabético à rotina de aferições glicêmicas, ingestão dos medicamentos nos horários corretos e principalmente a reestruturação dos hábitos alimentares. Nas falas das participantes durante as atividades do grupo podemos constatar estas questões.

Ah, eu tomo! Eu já não faço a dieta certinho, aí tem que tomar. A minha diabetes aumenta a fome e eu como muito. (S1)

Eu também como muito. O médico fala pra comer frutas, mas não sustenta, dá mais fome! O meu maior problema é o esquecimento. Hoje mesmo eu esqueci de tomar 6h da manhã. Eu só não tomo se eu não lembrar se tomei por que já tomei duas vezes! (S3)

Ainda com relação aos aspectos da saúde, pode-se notar por meio das falas das participantes como elas viam no grupo uma possibilidade de auxiliar no controle do diabetes. Uma hipótese com relação a esse sentimento é o fato do grupo se apresentar como um espaço de troca de informações e de experiências que ocorre de forma menos apreensiva.

Estou aqui para melhorar minha saúde, tô aqui para passar um momento bom, único momento bom que a gente tem só pra gente é aqui, né?!

Em casa a gente não tem tempo, tem dia que a gente não senta nem pra comer. (S4)

Tô aqui pra controlar a diabetes, também tem um tempo pra controlar, com a ajuda aqui no grupo a gente chega lá. (S5)

Podemos perceber que as atividades realizadas, tanto em relação à atividade física quanto nas atividades de grupo da Psicologia, foram vistas como uma possibilidade de buscar melhorias físicas e também, por meio da construção de vínculos e trocas de experiências, buscar novas estratégias de enfrentamento da doença.

Quando faço exercício fico melhor em casa. (S1)

A maioria chegou aqui tão pra baixo, parece que a minha vida tava um peso, graças a Deus uns 80% consegui superar. (S3)

Durante o último semestre de intervenção, as questões relacionadas à saúde e família se mantiveram como temáticas predominantes dos encontros do grupo, porém outra categoria que se destacou foi projetos de vida, projetos esses relacionados às atividades realizadas na intervenção e o cuidado consigo mesmo:

Pra mim melhorou bem, eu era uma prisioneira, não saía de casa. Hoje sou igual uma criança, saio, converso com os outros, melhorei muito. (S3)

Eu escrevi que daqui três ou cinco anos eu quero estar bem melhor que hoje, minha saúde melhor, quero sair mais, me divertir mais... (S6)

Eu espero viver muito, esse ano eu vou fazer 59 anos, então daqui 10 anos eu vou tá com 69 e eu pretendo estar realizando as coisas que eu coloquei aqui hoje, coisas que me dão prazer, ter mais amigos. [...] resgatar os amigos antigos que foram bons na minha vida. Quero ter uma vida tranquila daqui 10 anos, mas com prazer. Sentada, fazendo um trabalho manual. (S4)

Além dessas temáticas predominantes durante as intervenções realizadas, também foi possível identificar aspectos do processo grupal que avaliamos como tendo uma contribuição importante para a tarefa implícita do grupo, relacionada à minimização dos medos e ansiedades devido a pertencerem a um grupo de pessoas com diabetes. As atividades realizadas em grupo permitiram o estabelecimento de vínculo entre os participantes, que se mostraram como um espaço importante para as participantes compartilharem suas histórias, identificando-se na fala do outro, compreendendo que suas dificuldades não são únicas e que não estão sozinhas na vivência dessas situações. Esse fortalecimento do vínculo ocorreu devido à possibilidade dos participantes se conhecerem mais e estabelecerem laços de confiança, minimizando a presença das fantasias presentes no vínculo:

A gente troca experiência, cada um traz alguma coisa e às vezes vê que o problema é igual ou menor. (S3)

Aqui eu sou eu. Faço por que quero, dá até vontade de chorar. Se fosse todos os dias ia ser ótimo. (S6)

Ao mesmo tempo as intervenções grupais permitiram uma identificação coletiva, proporcionando um conhecimento de si, em que as participantes puderam se redescobrir, isto é, se verem como tendo necessidades, sonhos e projetos a realizar, para além das obrigações cotidianas que executavam e do fato de serem pessoas com diabetes. Isso minimizou o que Amaral (1998) identificou como a presença de um estigma ao se falar sobre diabetes, que leva a uma generalização indevida, reduzindo a identidade da pessoa ao fato de ser "o diabético". Estigma, aqui, é entendido como um atributo que categoriza de forma negativa uma pessoa, reduzindo sua identidade social a esse atributo depreciativo (Goffman, 2008).

Nesse sentido, o grupo também foi um espaço importante para a reestruturação da identidade, uma vez que dentro do grupo foi possível resgatar as diversas facetas de suas vidas. Segundo Ciampa (1987), nossa identidade é constituída por diversos personagens que nos habitam e coexistem. O conceito de identidade neste trabalho é tomado sob a perspectiva emancipatória abordada nas obras de Ciampa (2003), em que identidade é concebida como um processo que traz em si a histórica do sujeito, a forma como se vê no presente e seus projetos de futuro, dentro de um contexto relacional e histórico carregado de sentido e valores. Esse processo de configuração identitária sempre provisória (em metamorfose) envolve, segundo Dubar (1997), a atribuição de identidade por parte da sociedade, categorizando as pessoas a partir de atributos ou estereótipos sociais (identidade social) e um ato de assunção da identidade (identidade pessoal). As pessoas, por sua vez, ratificarão ou retificarão a atribuição feita e configurarão suas identidades, considerando, em maior ou menor grau, essas atribuições, sua história pessoal, a forma como se percebem e seus projetos de futuro. Não se trata de uma questão estática, mas sim de um processo em constante reestruturação, descrito por Ciampa (2003) como um processo de metamorfose, em que há a superação de uma identidade pré-definida socialmente (Oliveira, 2012).

Eu acho que dá uma diferença do antes e do depois, eu não queria minha vida de antes, mesmo com o desgaste do nosso corpo. Mas a gente tá com a cabeça boa, lúcida, fazendo plano para viajar, já é uma maravilha, antes a gente não tinha isso. Agora que eu tô pensando em mim. (S4)

Além disso, durante os períodos de intervenção, foi possível perceber o fortalecimento da tele positiva do grupo que se concretizava em um clima amistoso entre os participantes do grupo, que favorecia os processos de comunicação. Ademais, o sentimento de pertença foi se estabelecendo gradativamente, favorecendo a cooperação e a pertinência em relação às tarefas explícita e implícita do grupo. Essas constatações foram feitas a partir da observação do processo grupal: mediante a realização de uma dinâmica, por exemplo, todos contribuíam e se autodenominavam como "nós" ao se referirem ao grupo, se ajudavam, cada um auxiliando o outro na realização da tarefa, dentro de um clima bastante cordial. Não obstante, também foi possível identificar, ao longo das intervenções, uma maior rotatividade dos papéis presentes na análise dos processos grupais. A rotatividade de papéis dentro do grupo operativo é um indicativo de saúde dentro do processo grupal. Essa rotatividade foi identificada tanto na realização da tarefa explícita (realização das atividades disparadoras) como na tarefa implícita. Em muitos encontros, houve rotatividade das participantes na explicitação de aspectos de suas verticalidades, relacionadas à temática discutida, e que servia como "mote" para a reflexão das demais participantes do grupo, fazendo com que o papel de porta-voz fosse vivido pelas diversas participantes. Também a liderança na condução das atividades foi rotativa. Esses resultados são compatíveis com diversos estudos desenvolvidos sobre apoio social no diabetes (Boas, Foss, Freitas & Pace, 2012; Antonio, 2010; Boas, Santos, Freitas & Pace, 2009).

As intervenções relacionadas às atividades físicas também trouxeram grandes benefícios para as participantes, uma vez que elas passaram a demonstrar um melhor desempenho nas atividades realizadas e melhoria na flexibilidade. A prática de atividade física pode auxiliar em processos terapêuticos ou de reabilitação de pessoas que apresentem sintomas de depressão ou ansiedade, uma vez que auxiliam no relacionamento interpessoal e melhora a disposição física (Antunes, Mello, Santos & Bueno, 2001; Fox & Matheus, 1994; MCardle, Kath & Kath, 1992).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As atividades realizadas proporcionaram uma rede de suporte para as integrantes, uma vez que houve a integração das dimensões verticais e horizontais da vida dessas pessoas. Durante as intervenções, houve a possibilidade de reelaboração das dificuldades, em que as integrantes puderam contar com o apoio do grupo, receber sugestões, ajudar a enxergar os problemas do cotidiano de outro ponto de vista e repensar o próprio processo de ser no mundo, vendo-se como agente de mudança capaz de reestruturar seus projetos e com isso cuidar de forma mais efetiva da saúde.

Uma hipótese levantada para que a ansiedade tenha levado um ano e meio para chegar ao seu grau mínimo se refere aos próprios receios e ansiedades mobilizados pelos processos grupais, que implica em um processo de ressignificação de pautas de condutas relacionadas aos estereótipos sobre o diabete e suas consequências para a vida cotidiana, além da necessidade do deslocamento do sentido do diabetes de restrição de possibilidades para mudança de estilo de vida com ganhos de saúde. Porém faz-se necessária a realização de outras intervenções, visto que esta pesquisa foi realizada com seis participantes, embora seus resultados pareçam bastante promissores para auxiliar as pessoas com diabetes a diminuir a ansiedade e controlar seus índices glicêmicos.

 

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Recebido em: 12/04/2016
Aceito em: 06/09/2016

 

 

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