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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.10 no.1 Belo Horizonte jun. 2017

 

Artigo

Educação financeira como instrumento de integração em uma instituição de ensino profissionalizante

Financial education as an integration instrument in a professional education institution

 

Lucas Marin Bessa1, Juliana Peterle Ronchi2

 

1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES) - Campus Venda Nova do Imigrante, lucas.bessa@ifes.edu.br.

2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES) - Campus Venda Nova do Imigrante, juliana.ronchi@ifes.edu.br

 


RESUMO

Este artigo trata-se de relato de experiência sobre o desenvolvimento de um projeto de educação financeira para adolescentes finalistas de um curso técnico em administração integrado ao ensino médio, em uma instituição federal de ensino. Participaram do curso 23 adolescentes que, durante cinco meses, foram submetidos a discussões sobre uso do dinheiro, questões emocionais e investimentos. Apresentou-se um modelo denominado 6Ps como método de auxílio na tomada de decisão. A experiência permitiu aos pesquisadores debater aspectos da gestão de recursos pessoais, valorizar os conhecimentos dos estudantes no espaço escolar e apresentar possibilidades de integração teórico-prática.

Palavras-chave: Educação financeira, Psicologia, Ensino profissionalizante, Ensino público.


ABSTRACT

This article is an experience report of a financial education course that occurs in a federal institution. The students envolved were 23 adolescents in the last year of a technical management course integrated to high school. The duration was 5 months and the participants were submitted to discussions about money use, emotional issues and investments. This article presents a model called 6Ps as an auxiliary decision-making method. The experience allowed researchers to discuss aspects of personal resources management, enhance the knowledge of students at school and present theoretical and practical integration possibilities.

Keywords: Financial education, Psychology, Vocational education, Public school education.

 

O ambiente escolar é um local criado para o desenvolvimento dos sujeitos quanto aos conhecimentos das disciplinas propedêuticas e que deve vincular-se ao mundo do trabalho e da prática social, como preceitua a Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

A partir da experiência vivenciada por uma equipe composta por um professor da área de administração e finanças e uma profissional do serviço de psicologia, no cotidiano de alunos do ensino médio integrado ao técnico, pôde-se verificar as dificuldades dos estudantes na compreensão e na aplicação dos conhecimentos adquiridos, por meio das disciplinas, em sua vida pessoal. Dessa forma, a construção de um trabalho interdisciplinar no espaço escolar poderia colaborar para que os estudantes refletissem sobre os conhecimentos adquiridos no ambiente formal de educação e sobre sua aplicação prática na vida em sociedade.

Dada a importância do ensino de educação financeira para crianças, Lores (2013) afirma que nos EUA as crianças têm “o dia de poupar” e contam com diversos programas realizados em parcerias entre entidades públicas e privadas, além da distribuição de cartilhas e utilização de livros didáticos que trabalham o tema. Acompanhando atividades isoladas sobre educação financeira, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2015) distribuiu um livro com estratégias para ensino de educação financeira em sala de aula no mundo todo, indicando políticas públicas, a fim de disseminar os conhecimentos na área de forma organizada e sustentável.

De acordo com a OCDE (2005), pode-se definir Educação Financeira como um processo de aprimoramento da compreensão e da consciência em relação aos riscos e às oportunidades para atingir o bem-estar financeiro. Assim, compreendendo a multiplicidade de fatores que influenciam na gestão de recursos e, visando à construção de um trabalho interdisciplinar no espaço escolar, no desenvolvimento do projeto, buscou-se abordar aspectos matemáticos, financeiros, emocionais e estratégicos, envolvidos nas relações desse gerenciamento. Como apresentam Saleh e Saleh (2013), é importante a valorização dos aspectos sociais no âmbito da educação financeira, ultrapassando a apresentação de aspectos puramente matemáticos, pois, segundo Tomaselli (2010), o sentido que cada pessoa dá à realidade influencia em sua tomada de decisão.

Savoia, Saito e Santana (2007) revelam que não há registros de informações concretas sobre educação financeira no Brasil, o que torna relevante a produção de conhecimentos na área.

Buaes (2015), em uma proposta de educação financeira para idosos, apresenta a concepção de práticas educativas para o consumo, como dispositivos que permitem o empoderamento dos sujeitos, ante a produção de sentido e a pertença de grupo, em uma sociedade que utiliza o marketing para influenciar a aquisição de bens, produtos e serviços, classificando as pessoas, muitas vezes, em função do que elas gastam.

Após o Decreto Federal nº 7.397/2010, que instituiu a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), resultado da articulação de oito órgãos e entidades governamentais e da sociedade civil, deu-se origem ao Comitê Nacional de Educação Financeira para definir as ações da ENEF. O objetivo da ENEF era integrar as iniciativas de educação financeira por todo o território nacional, gerando diretrizes para o ensino dessa prática. Além disso, a criação da Associação de Educação Financeira do Brasil (AEF-Brasil) tem incentivado as instituições de ensino a incluir atividades ligadas à educação financeira, existindo casos exitosos com repercussão nacional, como afirma Mota (2006) em uma reportagem que apresenta o caso de Tocantins, onde mais de 15 mil alunos foram atendidos. Junges (2016) atesta o exemplo de Joinville e Manaus, quando 53 alunos economizaram R$400,00 em moedinhas a partir de uma iniciativa que envolveu mais de 100 escolas dos dois municípios e mais de 400 professores, atendendo cerca de 18 mil alunos.

Considerando a escassez de produção no âmbito de estratégias de educação financeira e a necessidade de dispositivos que permitam um maior conhecimento sobre práticas de gestão de recursos, faz-se importante pensar no público adolescente, a fim de problematizar comportamentos de consumo e gestão de recursos pessoais e familiares. Lins e Poeschl (2015), visando conhecer os significados que jovens atribuem ao ato de comprar, no Brasil e em Portugal, verificaram que os sentidos de comprar para adolescentes de ambos os países, de modo geral, são bem semelhantes; os autores afirmam que “[...] podemos inferir que, para os adolescentes, comprar significa sobretudo: gastar dinheiro em roupas no shopping” (Grifos do autor. Lins & Poeschl, 2015, p. 367). Para Santos e Fernandes (2006), o vestuário pode ser uma forma de expressão de identidade utilizada pelo adolescente, como condição para pertencer a um grupo.

A OCDE (2005) apresenta recomendações e princípios de educação financeira, sendo que em uma delas afirma que a educação financeira deve começar na escola. Desse modo, a instituição educacional pode contribuir para promover reflexões a respeito do comportamento de consumo, de maneira a ampliar o olhar dos jovens sobre as relações que estabelecem no ato de comprar, de forma a maximizar os recursos disponíveis nesse processo de formação para a vida.

Considerando o crescente número de brasileiros inscritos nas agências de crédito, como o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e a SERASA, com estimativa de 59 milhões de endividados, segundo dados da consultoria Serasa Experian (Boa Vista SCPC, 2015), o maior número desde o início da série histórica criada em 2012, o objetivo deste trabalho é apresentar o desenvolvimento de um projeto sobre educação financeira, para estudantes finalistas do curso técnico em administração integrado ao ensino médio, em uma instituição federal de ensino, embasado no consumo consciente e envolvido com uma agenda positiva de práticas e soluções para futuras gerações.

 

Metodologia

O projeto foi desenvolvido com estudantes finalistas do curso técnico em administração integrado ao ensino médio de uma instituição federal de ensino. Divulgado nas salas de aula, apresentando-se o objetivo, o dia, o horário e a duração dos encontros, contando com a participação de interessados, de forma voluntária. Os encontros ocorreram uma vez por semana, durante os meses de agosto, setembro, outubro e novembro de 2015, totalizando 14 encontros, realizados após a finalização da aula no turno da manhã, com duração de aproximadamente 50 minutos, o que corresponde ao horário regular de uma aula na instituição, e contou com a participação de 23 estudantes. O trabalho com os pais se deu por meio de tarefas e informações repassadas aos estudantes, que deveriam ser compartilhadas em suas residências. Para o fechamento, foi programado um encontro entre a equipe com os alunos e seus pais.

No primeiro encontro, os estudantes relataram suas expectativas sobre a realização do projeto e seus hábitos de consumo. No segundo encontro, apresentou-se a relação das emoções com o consumo, com atenção especial aos fenômenos de ansiedade. No terceiro encontro, trabalhou-se a relação entre as propagandas e o consumo. No quarto encontro, tratou-se das possibilidades de autocontrole na questão do consumo e do desenvolvimento de um modelo de consumo consciente intitulado 6Ps, que tem como característica uma “pausa” para que o consumidor avalie os seguintes tópicos: Paro – este é o momento no qual o consumidor se depara com o bem que deseja ou necessita; Penso – busca-se aqui pensar sobre a aquisição do item; Preciso? – é neste momento em que a necessidade do item deverá ser avaliada; Pesquiso – após avaliar a necessidade, pesquisa-se o preço em outros meios, como internet, outras lojas e canais de televendas; Posso? – após avaliar os preços, neste momento o consumidor verifica se pode pagar, se há o recurso para realizar a compra ou se é melhor esperar acumular uma quantia maior de dinheiro a fim de concretizar a compra à vista; Pago – enfim, após realizar os exercícios anteriores e obter a resposta “sim” para todos, efetua-se o pagamento. Vale considerar que esta proposta, 6Ps, foi um método desenvolvido para este projeto a partir do conteúdo trabalhado com os estudantes, construído na experiência do cotidiano escolar.

No quinto encontro, discutiu-se a importância de conhecer o orçamento pessoal e, a partir de uma tabela, apresentaram-se as diferentes categorias de gastos, em que os estudantes verificaram em torno do que girava a utilização dos recursos pessoais e familiares. No sexto encontro, trabalhou-se o corte de gastos no orçamento, considerando os conhecimentos acumulados por eles mesmos, relativos à significação dos produtos consumidos, dos desejos e das necessidades.

No sétimo encontro, avaliou-se a relação entre tempo e dinheiro, a partir da gestão de recursos pessoais, e a importância de se saber utilizar os recursos financeiros da melhor forma. No oitavo e nono encontros, desenvolveram-se os temas relacionados a investimentos de renda fixa. Do décimo ao décimo segundo encontros, apresentaram-se possibilidades de investimento em renda variável. Após os quais, todos os alunos se inscreveram em um simulador de compra e venda de ações que utilizava dados reais, tirando dúvidas e partilhando seus resultados em um chat criado especificamente para o curso.

No décimo terceiro encontro, fez-se uma reunião com os pais a fim de apresentar os conhecimentos construídos e também colher as impressões sobre o desenvolvimento do projeto e suas colaborações no comportamento de consumo de seus filhos.

No décimo quarto encontro, finalizou-se a experiência com uma confraternização e a avaliação dos estudantes sobre o projeto desenvolvido, no qual puderam relatar os pontos positivos e negativos, as sugestões e contribuições do projeto para a formação individual.

Os encontros contaram com exposições dialogadas, vídeos, simulador de compra e venda de ações, dinâmicas e músicas, valorizando-se o debate e a troca de informações.

 

Resultados e discussão

As expectativas dos estudantes, quanto ao desenvolvimento do projeto, firmaram-se, de modo geral, sobre como aprender a gerir o próprio dinheiro. Alguns estudantes mencionaram o desejo de economizar e investir visando uma melhor qualidade de vida em longo prazo, com os conhecimentos que seriam adquiridos.

Por estarem concluindo o curso técnico em administração, os estudantes dominavam alguns conceitos referentes à área financeira, como: inflação, Produto Interno Bruto (PIB), juros compostos, juros simples, mercado de capitais, Taxa Selic, Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), descontos, taxa de desemprego e muitos outros. Assim, os estudantes, ao poderem apresentar no encontro seus conhecimentos a respeito das definições, empoderavam-se em relação à aprendizagem realizada no curso técnico, evidenciando que a leitura de alguns aspectos da realidade pode ser facilitada a partir da bagagem teórica obtida nos estudos.

No encontro de apresentação sobre os aspectos emocionais e a sua relação com o consumo, enfatizada a questão da ansiedade, pôde-se perceber grande interesse dos estudantes, que relacionaram a temática também ao momento vivido por eles, referente à realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do vestibular, uma vez que eram finalistas do ensino médio. Vale destacar ainda que, na semana em que se iniciou o projeto, uma reportagem em telejornal de circulação nacional apresentou o aumento no índice de inadimplência dos brasileiros, relacionando o consumo excessivo aos aspectos emocionais, com ênfase para a ansiedade, o que se colocou também como apontamento no desenvolvimento do encontro. Dessa maneira, como apresentam Savoia, Saito e Santana (2007), é relevante o papel exercido pela mídia (os jornais, as revistas, a televisão, o rádio e a internet) sobre a população brasileira em relação aos aspectos de educação financeira, pela abrangência dos veículos midiáticos e pela facilidade de compreensão dos conteúdos apresentados. Mais uma vez, os estudantes relacionaram os conhecimentos adquiridos à compreensão de aspectos do cotidiano.

Considerando o apelo da mídia ao consumo infantojuvenil, discutiu-se, a partir da apresentação de propagandas, sobre o consumo e suas facetas. Utilizando como referência as construções do autor Lipovetsky (2007), nas quais apresenta a sociedade do hiperconsumo, a proposta foi dialogar e refletir sobre os desejos e necessidades individuais, e a significação dada por cada um a seu consumo e a sua proposta de construção de vida, verificando que, em muitas situações, o consumo se colocava como uma repetição de comportamentos socialmente estabelecidos, sem problematizações sobre as implicações do ato de comprar, na realidade individual e da família.

Ressalta-se que a disciplina de marketing faz parte do núcleo de disciplinas estudadas pelos alunos, fator este que enriqueceu as discussões por meio de exemplos práticos e possibilitou a eles visualizarem os instrumentos utilizados pelos criadores das campanhas para influenciar o ato do consumo; desse modo, procurou-se desenvolver uma visão crítica sobre o que era oferecido. Assim, os estudantes perceberam que é preciso refletir sobre o ato de consumir, o que não significa que não se pode ou não se deva comprar, mas sim compreender a função, o desejo e a necessidade implicados nesse ato. Para Sprenger e Meier (2012), que desenvolveram um estudo comparando a tomada de decisão entre pessoas que fizeram um curso de educação financeira e pessoas que não o fizeram, é de suma importância um curso de educação financeira para a tomada de decisão no cotidiano e no planejamento futuro, como colocado por alguns participantes que, no decorrer dos encontros, apresentavam os impactos positivos do curso de educação financeira em suas vidas. Destaca-se os relatos sobre a fase que os participantes estavam vivendo, a de terminar a educação básica e já vislumbrar a entrada na educação superior, tendo em vista a necessidade, da maioria dos estudantes, de mudar de cidade para alcançar os cursos pretendidos.

Dessa maneira, a partir das reflexões sobre o consumo, apresentou-se aos estudantes o modelo desenvolvido para o projeto, dos 6Ps. A pausa para reflexão que os 6Ps proporcionam foi discutida pelos estudantes como uma reflexão privilegiada sobre os mecanismos que atuam no processo de consumo de cada um deles, por exemplo o desejo, a necessidade e a disponibilidade dos recursos suficientes para o ato da compra. Ressalta-se que o desenvolvimento do modelo dos 6Ps acarretou diversas discussões tanto em sala de aula quanto no decorrer do curso, que foram apresentadas como práticas exitosas no momento de comunicação dos extratos do projeto aos pais. Alguns pais demonstraram já ter tido contato com a metodologia antes do encontro de fechamento, surpreendendo-nos quanto à aceitação do modelo pelos participantes, criando assim uma proposta de consumo consciente construída por meio da experiência em sala de aula, discutida entre os idealizadores do projeto e que se mostrou adequada à realidade dos estudantes e da região.

Tendo em vista a discussão realizada nos encontros, colocou-se a necessidade de constatar quanto efetivamente cada estudante girava de recursos financeiros em torno de suas atividades rotineiras. Assim, apresentou-se uma planilha de gastos para preenchimento do orçamento pessoal, dividida em gastos por itens: moradia, alimentação, vestuário, transporte, cuidados pessoais, saúde, estudo, lazer e despesas financeiras. Torna-se relevante considerar que os estudantes se surpreenderam com a alocação de recursos dispendidos com a realidade de seus orçamentos e começaram a dialogar sobre os gastos que os pais tinham com eles, parecendo se deparar de modo inaugural com o montante de recursos utilizados por eles mesmos, mensalmente.

Verificado o orçamento individual e o montante gasto em cada item do orçamento, partiu-se para as possibilidades de cortar gastos, considerando o conhecimento adquirido pelos estudantes até o momento do projeto. Assim, com base em seus desejos, suas necessidades e seus objetivos de vida, os estudantes verificaram onde poderiam economizar. Ressaltou-se, nesse encontro, a constatação dos estudantes sobre os diferentes níveis de renda e as diferenças individuais; produtos e serviços muito importantes e necessários para alguns estudantes eram considerados supérfluos para outros. No decorrer das constatações, pôde-se verificar a importância de uma instituição pública de ensino nesse processo de oportunizar a todas as classes sociais o acesso à educação de qualidade.

A desigualdade social, que impera no Brasil, foi aqui motivo de diálogo no grupo, é importante verificar como a instituição pública pode congregar a diversidade, e possibilitar que essa diversidade seja benéfica para a construção dos sujeitos, principalmente em se tratando de jovens em formação, nas cidades do interior. No projeto, as desigualdades motivaram diálogo e percepção das diferenças, fomentando os estudantes em seu crescimento pessoal.

Assim, a partir da visualização do orçamento e do corte de gastos, pôde-se discutir sobre investimentos, mais uma vez considerando a significação dada individualmente aos seus recursos e sobre o que entendiam ser importante em termos de escolhas financeiras, desde a subjetividade e considerando também a realidade individual. Apresentada a definição de investimento, foi interessante perceber que a maioria dos adolescentes não conhecia suas várias modalidades, identificando apenas a caderneta de poupança, o que evidencia a importância da educação financeira, pois a economia dos recursos financeiros pessoais sem o investimento adequado pode não surtir o efeito desejado em termos de bem-estar econômico.

No encontro sobre as possibilidades de investimentos em renda variável, pôde-se desmistificar esses tipos de investimentos, principalmente no que dizia respeito à bolsa de valores, utilizando-se uma simulação de operação de compra e venda de ações realizada pelo professor da área, em tempo real, baseada nas ferramentas estudadas nos encontros anteriores. Além disso, foi apresentado um simulador para que os estudantes pudessem realizar operações de compra e venda de ações nas mais diversas empresas listadas na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&FBovespa). A percepção foi de que os estudantes ficaram surpresos com a facilidade de se realizar esse tipo de operação, não se esquecendo dos riscos minorados com a utilização de ferramentas de análise técnica e fundamentalista, e isso acabou os envolvendo em diversos assuntos das empresas listadas na BM&FBovespa, principalmente no que tange aos fatos geradores que ocorreram no momento das aplicações e o que isso influenciava nos resultados, como fatores ambientais, problemas políticos, econômicos e climáticos.

No penúltimo encontro, realizou-se uma reunião com os pais dos estudantes, em período noturno. Destaca-se que a presença dos pais foi pequena em relação ao número de adolescentes participantes do projeto, fator que necessita ser mais bem analisado para propostas posteriores. Nesse encontro, mediou-se o diálogo entre pais e estudantes sobre o cenário econômico nacional e ainda sobre as preocupações com a gestão de recursos das famílias e o futuro financeiro dos filhos. Na avaliação dos pais, o projeto foi bom, e a maioria deles notou alguma mudança no comportamento do filho desde a participação no projeto. Os pais relataram que os estudantes deixaram de querer alguns eletrônicos com preços elevados; conscientizaram-se sobre os gastos individuais e começaram a ajudar no controle dos gastos da família com vistas a investir, dando maior importância ao dinheiro. Os pais, ainda, sugeriram a continuidade do projeto, inclusive solicitando maior participação deles mesmos e a ampliação para a comunidade, reforçando a importância dos aspectos emocionais debatidos no projeto.

No último encontro, fez-se uma confraternização e os estudantes avaliaram o projeto, destacando: a importância dos conhecimentos adquiridos; a desmistificação sobre como lidar com assuntos financeiros; a aquisição de uma visão mais ampla sobre o mercado financeiro, como as diversas possibilidades de investimentos; a relação direta entre o que foi apresentado nos encontros e a realidade, percebendo a gestão pessoal dos recursos financeiros; a mudança verificada com relação ao comportamento de consumo – pensar antes de comprar, contribuindo para o consumo consciente. De modo geral, os estudantes afirmaram que o projeto colaborou não só em termos de construção de conhecimentos acadêmicos, mas para a vida. Como críticas e sugestões, os estudantes relataram a necessidade de mais tempo para os encontros, já que alguns conceitos poderiam ter sido mais detalhados, e apontaram a importância de continuidade do projeto nos anos seguintes, inclusive abrindo para a comunidade.

Os estudantes afirmaram que os conhecimentos adquiridos ajudariam na nova etapa da vida, com a finalização do curso técnico integrado ao ensino médio, uma vez que a maioria deles visava morar fora de casa para cursar o ensino superior. Valorizaram, ainda, poder refletir sobre a subjetividade no comportamento econômico, inclusive com alguns estudantes manifestando surpresa por verificar a participação da psicologia no projeto e a aplicação das temáticas debatidas pela disciplina no cotidiano.

Observou-se que o projeto sobre educação financeira instrumentalizou os participantes para transporem o momento econômico que o País está passando, algo que nunca vivenciaram antes. Além disso, a integração entre as áreas de finanças e psicologia possibilitou desmistificar diversos aspectos construídos pela sociedade sobre os conceitos de riqueza, realização pessoal e investimento, dado que muitos estudantes chegaram ao curso acreditando que esses assuntos eram apenas pertencentes a famílias de maior poder aquisitivo e, no decorrer do curso, viram a importância de poupar para realizar e colher melhores resultados no futuro, trabalhando o conceito de que pequenas decisões no presente podem trazer grandes resultados no futuro.

 

Considerações finais

Este trabalho visou apresentar um projeto de educação financeira a partir da realidade de estudantes finalistas do curso técnico em administração integrado ao ensino médio, em uma instituição de ensino federal. Desde as vivências de um professor da área financeira e o serviço de psicologia da instituição, longe de apresentar um modelo, pretendeu-se compartilhar a possibilidade de debater, no âmbito educacional, aspectos da gestão de recursos pessoais que fazem parte da vida do ser humano, valorizando os conhecimentos dos estudantes no espaço escolar e visando apresentar possibilidades de integração teórico-prática, conforme relatado.

Verificou-se, também, a importância do trabalho interdisciplinar, visto que a administração, em sua área financeira, dialogando com a psicologia evidenciou aos estudantes, na prática, que é possível e necessário interlocuções de conhecimentos no cotidiano, dado que a vida é permeada por diversas situações e formas de análise para se chegar a uma tomada de decisões. Cabe considerar, ainda, a importância da psicologia no espaço escolar, de colocar-se a serviço de novas formas de fazer, pois, com a proposta desse projeto, a visão sobre a psicologia, por parte de muitos estudantes, também foi desmistificada, nos diálogos que aconteciam nos encontros a partir das temáticas debatidas, inclusive levando estudantes, que manifestavam ser a psicologia recurso de pessoas com dificuldades, a buscar o serviço da instituição para conversar sobre decisões profissionais, relação com os colegas, sentimentos relacionados à finalização do curso e pesquisa por novos espaços de formação, ou seja, os estudantes procuraram o serviço para dialogar sobre diversos aspectos da vida.

Ao longo do desenvolvimento do projeto, focou-se nos gastos e na necessidade de controle orçamentário para a nova fase da vida, que viria em seguida: a faculdade, já que todos eram alunos do último ano do curso técnico integrado ao ensino médio e manifestavam interesse em continuar a formação; assim, foi se delineando, também, um espaço de diálogos e construções sobre a transição do ensino médio para o ensino superior. O significado de poupar e a importância de investir de forma consciente e estratégica também foram assuntos permanentes em, praticamente, todos os encontros, fazendo com que os alunos pudessem refletir sobre seu futuro com uma ampla oferta de possibilidades.

Quanto aos instrumentos disponibilizados para os alunos a fim de um melhor exercício de autocontrole, o modelo 6Ps, construído para esta proposta, tornou-se um recurso adequado ao trabalho, possibilitando integrar os aspectos emocionais e financeiros, valorizando inclusive os conhecimentos adquiridos pelos estudantes no curso técnico em administração e no ensino médio; conhecimentos estes que foram se colocando no projeto, ratificando a possibilidade de aplicação na realidade, ao demonstrar na prática a utilização dos conhecimentos teóricos.

Encontrar espaço e tempo adequados para o desenvolvimento de um projeto de educação financeira, em instituições educacionais, mostra-se um desafio. No entanto, verificou-se que relacionar os conceitos de educação financeira aos conhecimentos já adquiridos pelos estudantes, a partir dos conteúdos curriculares, pode ser uma boa estratégia para a elaboração de projetos de educação financeira, inclusive valorizando a consolidação desses conhecimentos como favoráveis à construção da vida, expediente que pode ser adotado por outras instituições, mesmo pelas que não ofertam ensino técnico.

Proporcionar um ambiente privilegiado de reflexão sobre a atitude no que diz respeito ao consumo, permitiu aos estudantes variadas considerações relativas ao que estavam vivendo e que poderiam viver, possibilitando uma preparação para desafios no desenvolvimento pessoal, aspectos compreendidos como exitosos na efetivação de um projeto de educação financeira.

Assim, um projeto de educação financeira como este visa preencher a lacuna de conhecimento do ensino médio sobre gestão de recursos e saberes práticos para a vida, construindo um trabalho integrado no espaço escolar, que valoriza não só a aquisição de conhecimentos sobre o controle de recursos financeiros, mas também a compreensão de aspectos da subjetividade humana, colaborando com processos formativos que privilegiam a abordagem teórico-prática.

 

Referências

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Recebido em 06/04/2016

Aceito em: 18/12/2016

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