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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

On-line version ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.12 no.1 Belo Horizonte Jan./June 2019

http://dx.doi.org/10.36298/gerais2019120103 

ARTIGOS

 

Panorama da psicodinâmica do trabalho no Brasil entre os anos de 2005 e 2015

 

A panorama of work psychodynamics in Brazil between 2005 and 2015

 

 

Ana Flávia Cicero CondeI; Jorge Manoel Mendes CardosoII; Marcos Leandro KlipanIII

IUniversidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil. E-mail: anaflaviaconde@outlook.com
IIUniversidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil. E-mail: jorge.profpsic@gmail.com
IIIUniversidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil. E-mail: mklipan@gmail.com

 

 


RESUMO

A psicodinâmica do trabalho se configura como uma das principais correntes da Psicologia do Trabalho e das Clínicas do Trabalho. Foi desenvolvida inicialmente por Christophe Dejours e se disseminou amplamente entre os pesquisadores dessa área, inclusive brasileiros. O objetivo deste artigo é identificar quais as principais discussões sobre a psicodinâmica do trabalho no Brasil, em artigos publicados na base de dados SciELO entre os anos de 2005 e 2015. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica. A análise dos dados permitiu compreender que a psicodinâmica vem se firmando como referencial teórico e suporte teórico-metodológico para os estudos que visam compreender as relações dinâmicas presentes entre a organização do trabalho e os processos de subjetivação dos trabalhadores, contribuindo com o conhecimento sobre o trabalho. Além disso, constatamos que os autores brasileiros estão se destacando como referência sobre a psicodinâmica do trabalho.

Palavras-chaves: Psicologia do trabalho. Psicodinâmica. Saúde mental. Sofrimento no trabalho.


ABSTRACT

The psychodynamics of work is one of the main currents of work psychology and work clinics. It was initially developed by Christophe Dejours and disseminated widely among researchers in this area, including Brazilians. The objective of this article is to identify the main discussions about the work psychodynamics in Brazil in articles published in the Scielo database between 2005 and 2015. The methodology used was the bibliographical research. The analysis of the data allowed us to understand that psychodynamics has been established as theoretical reference and theoretical and methodological support for the studies that aim to understand the dynamic relations present between the organization of work and the processes of subjectivation of workers, contributing with the knowledge about work. In addition, we find that the Brazilian authors are standing out as references on work psychodynamics.

Keywords: Work psychology. Psychodynamics. Mental health. Suffering at work.


 

 

Introdução

A psicodinâmica do trabalho é uma das principais correntes da Psicologia do Trabalho e uma das Clínicas do Trabalho. Estuda os resultados do embate constante entre sujeito e organização do trabalho, assim como as medidas tomadas diante disso pelos trabalhadores. Foi desenvolvida inicialmente na França, nas décadas de 1980 e 1990, por Christophe Dejours. O referido autor publicou diversos livros sobre o tema, por exemplo, A loucura do trabalho (Dejours, 1980/1992) e Plaisir et souffrance dans le travail (Dejours, 1988), sendo ainda, até o atual momento, o principal expoente da abordagem.

Segundo Jacques (2003), a psicodinâmica do trabalho teve grande receptividade e seus textos iniciais se tornaram referenciais de apoio para pesquisas e estudos brasileiros. Codo, Sorato e Vasques-Menezes (2004) corroboram com essa assertiva ao afirmarem que ela tem influenciado vários pesquisadores brasileiros que estão "[...] desenvolvendo trabalhos a partir desses pressupostos, aplicando essa metodologia integralmente ou em parte, ou, ainda, se inspirando nessas formulações teóricas" (pp. 288-289).

Essa perspectiva teórica analisa os processos psíquicos que são mobilizados devido ao embate que ocorre entre o sujeito e a realidade do trabalho, enfatizando a dinâmica entre eles, pois envolve "[...] os conflitos que surgem do encontro entre um sujeito, portador de uma história singular, preexistente a este encontro e uma situação de trabalho cujas características são, em grande parte, fixadas independentemente da vontade do sujeito" (Dejours & Abdoucheli, 1990, p. 120). Com o desenvolvimento da disciplina, a ênfase passou a se encontrar nas respostas dos trabalhadores diante das pressões das organizações do trabalho, que têm efeitos desestabilizadores e patogênicos, sendo que essas respostas se davam frequentemente na forma de estratégias de defesa.

A pesquisa em psicodinâmica do trabalho é também uma prática de intervenção, pois tem técnicas que possibilitam aos sujeitos tomar consciência dos processos que eles mesmos relatam, mas que não tinham clareza anteriormente (Bendassolli & Soboll, 2011b). Um exemplo são os espaços de palavras, que possibilitam a modificação da relação subjetiva dos trabalhadores com seus trabalhos.

Visto isso, é importante conhecer as discussões atuais acerca dessa abordagem de pesquisa; o que está sendo publicado nos últimos anos, que a utiliza como ferramenta para suas discussões; e quais considerações ou avanços teóricos estão sendo realizados nesse âmbito. Portanto, nosso objetivo é identificar quais as principais discussões sobre a psicodinâmica do trabalho no Brasil, em artigos publicados por autores brasileiros na base de dados SciELO em 10 anos, compreendendo o período entre 2005 e 2015. Para tanto, apresentaremos, primeiramente, uma revisão bibliográfica para contextualizarmos a psicopatologia do trabalho, em seguida, a metodologia utilizada e os resultados encontrados, para, então, conjugá-los em uma análise dos dados.

 

O que é a Psicodinâmica do Trabalho, qual seu Objeto de Estudo?

A psicodinâmica do trabalho é uma abordagem de pesquisa sobre o trabalho que tem como seus principais fundamentos a Psicanálise, a Ergonomia e a Sociologia do Trabalho. Entretanto, é perceptível que, num primeiro momento, foi a psicopatologia o seu principal referencial. Acontece que com o avanço das pesquisas, alterações e desenvolvimentos ocorreram, de forma que foi se construindo uma abordagem mais original e autônoma, o que resultou em objeto, conceitos e métodos próprios da teoria (Bendassolli & Soboll, 2011b; Mendes, 2007).

Desde as primeiras publicações, a abordagem teve uma grande receptividade no Brasil (Jacques, 2003) e com o passar do tempo ela se tornou um dos principais referenciais de apoio para estudos e pesquisas brasileiras no âmbito do trabalho. De acordo com Ferreira (1980/1992), o livro A loucura do trabalho (Dejours, 1980/1992) se tornou referência básica para profissionais de diversas áreas como Psicologia, Administração, Medicina Social, Sociologia, entre outras, sendo até mesmo base para várias dissertações de mestrado e teses de doutorado no Brasil.

A psicodinâmica do trabalho analisa a dinâmica presente nos diversos contextos de trabalho, atentando-se à atuação de diversas forças, como as objetivas e as subjetivas, ou as psíquicas, sociais e econômicas, que estão presentes no contexto do trabalho e podem contribuir para que ele se torne um lugar de saúde ou de adoecimento (Mendes, 2007).

Do ponto de vista epistemológico, a psicodinâmica do trabalho é uma "teoria crítica do trabalho", que envolve dimensões da construção-reconstrução das relações entre sujeitos-trabalhadores e realidade concreta de trabalho. Articula a emancipação do sujeito do trabalho. Faz a crítica do trabalho prescrito, desestabiliza o que está posto, traduz o trabalho a partir dos processos de subjetivação e vice-versa. (Mendes, 2007, p. 32)

É considerada uma das clínicas do trabalho, assim como a Clínica da Atividade, a Psicossociologia e a Ergologia, abrindo um espaço de fala que possibilita também a escuta do sofrimento, ou seja, uma maneira específica de compreender as situações de trabalho e as subjetividades dos presentes nesse espaço tão comum à maioria da população. Seu objeto de estudo é composto pelas "[...] relações dinâmicas entre organização do trabalho e processos de subjetivação, que se manifestam nas vivências de prazer-sofrimento, nas estratégias de ação para mediar contradições da organização do trabalho, nas patologias sociais, na saúde e no adoecimento" (Mendes, 2007, p. 30).

Sua proposta, ou objetivo, é compreender quais estratégias o trabalhador utiliza e recorre para se manter saudável diante das mais possíveis organizações do trabalho, que podem ser frequentemente patologizantes, sendo que essas estratégias são chamadas pelo autor de defesas e podem ser tanto individuais quanto coletivas (Codo et al., 2004). Portanto a psicodinâmica enfatiza a normalidade e as estratégias que permitem ao sujeito estar minimamente saudável, em detrimento da patologia.

Segundo Jacques (2003), Dejours focaliza suas intervenções na coletividade de trabalho e nos aspectos da organização do trabalho, não nos indivíduos. Seu método propõe e prioriza a escuta, a interpretação e posteriormente a devolução, que são formas mais abertas e livres, diferenciando-se de questionários, a título de exemplo.

 

Desenvolvimento da Psicodinâmica do Trabalho: um Pouco da sua História

Inicialmente Dejours desenvolveu a psicodinâmica do trabalho a partir da Psicopatologia do Trabalho criada por Le Guillant, que pretendia estudar as possibilidades de o trabalho ensejar patologias (Codo et al., 2004), mas ela passou por mutações e desenvolvimentos no decorrer de anos de pesquisa (Codo et al., 2004; Jacques, 2003; Mendes, 1995; Mendes, 2007). Mendes (2007) propõe que a trajetória da psicodinâmica é composta por três fases, sendo elas articuladas e complementares, vamos delineá-las a seguir.

Na primeira fase, a psicodinâmica ainda era chamada de Psicopatologia do Trabalho, devido à forte influência da Psicanálise. Seu principal objetivo era estudar a origem do sofrimento que surge no embate entre o sujeito-trabalhador e a organização do trabalho. O marco dessa fase foi a publicação da obra Travail: usure mentale - essai de psychopathologie du travail em 1980, publicado no Brasil, em 1987, com o nome de A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho (Mendes, 2007).

A segunda fase (meados da década de 1990) se caracterizou por ser o momento de criação e construção da própria psicodinâmica como uma abordagem particular que se preocupa com as vivências de prazer e sofrimento presentes no contexto do trabalho, assim como com as defesas utilizadas pelos sujeitos para evitar o adoecimento, sem prejuízo de produtividade (Mendes, 2007). Compreendendo, neste momento, que

[...] para transformar um trabalho que faz sofrer em um trabalho prazeroso, é necessário que a organização do trabalho propicie maior liberdade ao trabalhador para rearranjar seu modo operatório, usar sua inteligência prática, engajar-se no coletivo, identificando ações capazes de promover vivências de prazer. (Mendes, 2007, p. 34)

Visto isso, é possível, com a transformação do sofrimento, que ele se converta em criatividade e contribua positivamente com o sujeito, de forma que venha a ser produtor de saúde. Então, a psicodinâmica do trabalho passa a ter uma nova indagação, que diz repeito do que se pode fazer para mudar o destino do sofrimento e transformá-lo.

Nessa fase se deu a substituição da expressão psicopatologia do trabalho para psicodinâmica do trabalho. Segundo Jacques (2003), essa mudança sinaliza também a alteração da ênfase sobre a patologia para sobre a normalidade e destinos do sofrimento, de maneira que a questão passa a ser como o trabalhador continua saudável apesar de todas as adversidades presentes no cenário do trabalho.

A partir do fim da década de 1990 se inicia a terceira fase da psicodinâmica do trabalho, que se destaca, principalmente, segundo Mendes (2007, p. 35), pela "[...] consolidação e propagação da psicodinâmica como abordagem científica capaz de explicar os efeitos do trabalho sobre os processos de subjetivação, as patologias sociopsíquicas e a saúde dos trabalhadores".

Apesar dessa capacidade explicativa de a psicodinâmica ser corroborada pelos estudiosos da psicodinâmica, é preciso salientar que não se trata de um consenso entre todos os teóricos do vasto campo de investigação do trabalho. Como salientam Bendassolli e Soboll (2011a), as diferentes abordagens sobre o trabalho têm pressupostos que divergem entre si; podemos perceber isso ao comparar as abordagens cognitiva, social e clínica, que "mesmo tendo o trabalho como objeto comum,... divergem em termos de inscrições paradigmáticas, teóricas, metodológicas e deontológicas" (p. 59).

Na terceira fase, o foco deixa de estar sobre a dinâmica prazer-sofrimento, passando a destacar outros aspectos como: a forma pela qual os trabalhadores subjetivam as vivências; as estratégias por eles utilizadas, ou seja, o uso das defesas coletivas; a cooperação; e as consequências sociais do embate constante entre a organização do trabalho, o sofrimento e a ação.

Desse modo, é possível notar uma transição ao longo do desenvolvimento da psicodinâmica. Em seu início, a ainda psicopatologia enfatizava o sofrimento produzido pelo embate entre a organização do trabalho - esta que era rígida e impositiva, como o taylorismo e o fordismo - e o funcionamento psíquico, com sua característica de liberdade de expressão dos desejos.

Posteriormente, nas seguintes fases, passou a dar mais importância à compreensão da forma como os trabalhadores conseguem manter a normalidade, a partir do uso de defesas individuais e coletivas, uma vez que a normalidade é compreendida, segundo Dejours (1980/1992, p. 165), como algo enigmático e que "[...] nunca é dada como um presente da natureza: ela supõe uma construção feita por cada um dos sujeitos, uma luta incessante para reconquistar o que se parte, refazer o que se desfaz, reestabilizar o que se desestabiliza", por meio das estratégias defensivas. Assim, no decorrer desse percurso, houve uma ampliação da visão e do objeto de estudo, sendo que alguns temas e/ou conceitos se destacaram, entre eles: trabalho, organização do trabalho, sofrimento, sofrimento criativo, sofrimento patogênico, estratégias defensivas, normalidade, entre outros.

O trabalho é visto pela psicodinâmica do trabalho como produto da dinâmica entre o sujeito e a organização do trabalho, sendo central para a construção da vida psíquica dos sujeitos e para os seus processos de subjetivação, podendo representar tanto uma fonte de prazer como de sofrimento (Bendassoli & Soboll, 2011b; Mendes, 1995). Nessa perspectiva, o trabalho é visto como um possível desencadeador de patologias, mas não como um gerador ou produtor exclusivo e imediato delas, pois Dejours (1980/1992) considera a interação entre o trabalho e a constituição do sujeito, a partir da concepção psicanalítica de sexualidade. Assim, para esse autor não haveria uma simples e direta conexão entre o adoecimento psíquico e o trabalho propriamente dito, uma vez que a sexualidade atravessaria essa relação.

A organização do trabalho segundo Dejours & Abdoucheli (1990) e Mendes (1995) é, para a psicodinâmica do trabalho, produto das relações dos trabalhadores, tanto intersubjetivas quanto sociais, com as organizações. Caracteriza-se praticamente pela divisão das tarefas e modos operatórios, atuando no nível do funcionamento psíquico.

Já o sofrimento é considerado, de acordo com Codo et al. (2004) e Mendes (2007), como inseparável do trabalho, não há como eliminá-lo. Entretanto, sua raiz se encontra na história de vida dos sujeitos e na vivência de cada trabalhador, uma vez que, de acordo com Dejours (1980/1992), a economia psicossomática é privilegiadamente regulada pelo aparelho psíquico. Assim, o sofrimento aparece na relação com o trabalho como o produto de uma combinação e se faz necessário considerar, sobre a óptica de cada indivíduo, como é compreendido o confronto com a organização do trabalho. Segundo Dejours & Abdoucheli (1990, p. 127), o sofrimento implica "[...] sobretudo um estado de luta do sujeito contra as forças (ligadas à organização do trabalho) que o empurram em direção à doença mental", e ele pode ser patogênico ou criativo.

O sofrimento é patogênico quando não é possível, de forma alguma, adaptar o trabalho aos desejos individuais e nenhuma defesa obteve êxito, de forma que ele funciona apenas a favor da produtividade, mas ele também pode ser transformado em criatividade e ser positivo para a identidade, mobilizando saúde. De acordo com Dejours (1980/1992), essa esta transformação é um dos desafios da psicodinâmica do trabalho, já que o sofrimento não pode ser eliminado, apenas transformado mediante o processo de mobilização subjetiva, que se caracteriza, de acordo com Mendes (1995, p. 37), como "[...] o uso da inteligência operária e pelo espaço público de discussões sobre o trabalho", o que se distancia do prescrito e pode ser oportunizado ou não pela organização, dependendo da dinâmica entre contribuição e retribuição simbólica. A partir disso, o trabalho funcionará como um mediador para a saúde, de maneira que possibilita ao sujeito estar mais forte perante os riscos de desestabilização e fragilização.

As estratégias defensivas utilizadas são, segundo Mendes (1995, p. 38), "[...] como um mecanismo pelo qual o trabalhador busca modificar, transformar e minimizar sua percepção da realidade que o faz sofrer" (p.38), ou seja, elas protegem o trabalhador do sofrimento. Porém, esse mecanismo não permite modificar o mundo exterior, por isso a realidade de pressão patogênica que o trabalho emite continua a mesma, apenas a concepção interna é alterada. Por conta disso, essas estratégias podem se tornar, segundo a autora, um fim em si mesmo, o que leva à alienação, e, consequentemente, à inexistência de reais mudanças na organização do trabalho. Entretanto, carregam em si benefícios aos trabalhadores por garantirem a manutenção da normalidade, a despeito da realidade imposta pela organização do trabalho.

Diante dessa apresentação da psicodinâmica do trabalho, que a indica como sendo uma abordagem de grande significância para a pesquisa do trabalho, nos questionamos sobre seu desenvolvimento mais recente no Brasil, em outras palavras, o que está sendo publicado em relação a ela em um dos principais indexadores do Brasil.

 

Método

A metodologia utilizada para a elaboração deste artigo foi a pesquisa bibliográfica, escolhida por servir-se de materiais já publicados, ou seja, fontes secundárias, sendo capaz ter uma grande abrangência de materiais e colocar o pesquisador em contato direto com o que foi escrito. Além disto, essa metodologia produz conhecimento científico ao gerar, no fim, reflexões e interpretações a respeito do tema a ser estudado, servindo como material rico para futuras pesquisas. Segundo Lakatos e Marconi (2003, p. 183) "[...] a pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras".

O método de coleta de dados consistiu em pesquisa numa base de dados on-line, especificamente a base de dados SciELO, biblioteca eletrônica que dispõe de uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros, sendo atualizada constantemente por ser parte integrante de um projeto desenvolvido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em parceria com o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme) e com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Scielo, 2016).

A análise dos dados foi realizada tanto de forma quantitativa quanto qualitativa. Foi realizada análise quantitativa do número de artigos publicados entre os anos de 2005 e 2015, disponíveis na base de dados selecionada, ao se pesquisar o termo psicodinâmica do trabalho; dos temas por esses artigos abordados; e dos autores de referência. Já a análise qualitativa foi feita para os seguintes tópicos: análises e discussões realizadas; e formas que a psicodinâmica do trabalho foi utilizada pelos artigos. A partir disso, discutimos os dados e elaboramos algumas considerações.

A delimitação temporal se fez necessária por considerarmos alguns fatores determinantes que se referem, primeiramente, à grande quantidade de publicações existentes sobre o tema no decorrer da história, o que tornaria inviável a análise de todos. Assim como também diz respeito à concentração de artigos nesse período de tempo, que se mostrou maior do que em outros, devido ao aumento de indexações em bases de dados científicas a partir dos anos 2000, o que se configura como um resultado do desenvolvimento da tecnologia, que permitiu que a cada vez mais autores divulgassem suas pesquisas em meio eletrônico. E, por fim, refere-se à atualidade das publicações.

Diante disso, neste artigo vamos procurar responder a algumas perguntas sobre a psicodinâmica do trabalho por meio de análises dos artigos selecionados. São elas: a) Quais os principais temas trabalhados nos artigos encontrados? b) O que eles analisavam por intermédio da psicodinâmica do trabalho? c) Quais as principais discussões realizadas utilizando a psicodinâmica do trabalho? d) Como a psicodinâmica do trabalho foi utilizada? e) Quais os autores de referência em psicodinâmica do trabalho no Brasil nos últimos 10 anos?

 

Resultados

Com a pesquisa bibliográfica do termo psicodinâmica do trabalho na base de dados SciELO, compreendendo os anos entre 2005 e 2015, chegamos a um total de 20 artigos publicados no Brasil. Nos anos de 2005, 2007 e 2015 não houve publicações relacionadas a esse tema indexadas a essa base de dados até a data de nossa pesquisa, mas em 2006 houve uma, de Torres e Abrahão (2006), em 2008 houve duas (Assis & Macedo, 2008; Molinier, 2008), assim como em 2010 (Bouyer, 2010; Castro, Toledo & Andery, 2010); e em 2009 houve três (Antloga & Mendes, 2009; Navarro & Cardoso, 2009; Santos Jr., Mendes & Araújo, 2009).

Já em 2011 e 2012 foram publicados quatro artigos em cada ano. No ano de 2011, tivemos: Anchieta, Galinkin, Mendes e Neiva (2011), Gomes, Masson, Brito e Athayde (2011), Sznelwar, Uchida e Lancman (2011) e Traesel e Merlo (2011). No ano de 2012, foram os seguintes: Athayde e Hennington (2012), Dejours (2012), Leão e Silva (2012) e Nascimento, Vieira e Araújo (2012). Por fim, foram encontradas, novamente, duas publicações tanto em 2013 quanto em 2014. Os artigos respectivos a 2013 foram: Gomes e Oliveira (2013) e Tschiedel e Monteiro (2013). E os de 2014: Hoffmann, Traverso e Zanini (2014) e Silveira e Merlo (2014). Todos esses artigos permitiram, a partir de suas análises, a apreensão de diversas considerações em relação à psicodinâmica do trabalho, como poderemos notar a seguir.

 

Temas Abordados

Os temas abordados foram, na sua maioria, diferentes, tratando de variadas áreas de trabalho, profissões e categorias laborais. Procuramos agregar os temas em categorias para que pudéssemos ter uma visão geral deles, como podemos verificar na figura a seguir.


Figura 1 - Clique para ampliar

 

Encontramos uma presença maior de pesquisas com profissionais da área da saúde, como enfermeiros(as) hospitalares, auxiliares de enfermagem de UTI neonatal e o trabalho hospitalar geral, mas outras categorias também se destacaram, apresentando relevante incidência, são elas: a de discussões teóricas, na qual a psicodinâmica é discutida e muitas vezes ampliada com as contribuições dos autores; o trabalho de pessoas com deficiências; o teleatendimento; e a área social, referindo-se a conselhos tutelares e centros de atenção social. Ademais, temas variados, como o trabalho dos bancários adoecidos por Ler/Dort, dos policiais civis e de músicos, entre outros, foram abordados, porém com uma menor representação.

 

O que os Artigos Analisavam?

Como já vimos, várias profissões e áreas de trabalho estavam presentes nesses artigos, mas o que eles analisavam propriamente? Notamos que alguns examinaram as fontes de prazer e sofrimento no trabalho de determinadas profissões. Outros, as vivências subjetivas dos trabalhadores; as repercussões psíquicas do trabalho em determinados contextos; a relação entre trabalho-saúde-doença; as estratégias de mediação e defesa utilizadas pelos trabalhadores para evitar o processo de adoecimento; e as contribuições da psicodinâmica para a compreensão do trabalho.

Também analisaram categorias de trabalho por meio da psicodinâmica e seus preceitos, e até mesmo intervenções em clínica do trabalho realizadas por meio dessa perspectiva teórica. Quer dizer, encontramos diversas categorias de análise distintas, pautadas na psicodinâmica do trabalho que foram utilizadas pelos autores, mas também a recorrência de algumas em mais de um artigo, por exemplo, a investigação sobre as fontes de prazer e sofrimento no trabalho, que esteve presente na maioria deles.

 

Principais Discussões Realizadas pelos Artigos

Algumas discussões se destacaram em vários dos artigos, como as que tratavam sobre as variáveis prazer/sofrimento, advindas da relação entre os indivíduos e a organização do trabalho, os indivíduos com eles mesmos e sua relação com os outros, sendo que, em alguns artigos, chegou-se à conclusão de que o prazer sobrepuja o sofrimento na maioria dos aspectos, já em outros não, indicando a variabilidade de possíveis vivências no trabalho.

Nos artigos sobre a área da saúde (Gomes et al., 2011; Molinier, 2008; Navarro & Cardoso, 2009; Traesel & Merlo, 2011), foram discutidas, principalmente por Molinier (2008), a disciplinarização do corpo e a solicitação de passividade, sendo essa última compreendida como uma postura psíquica inerente ao trabalho de enfermagem. Também versaram a respeito de esse trabalho implicar em ter que sentir o sofrimento do outro e enfrentar seu próprio sofrimento, culminando no sentimento de compaixão, que corresponde à sensibilidade ao sofrimento do outro, como forma de sofrimento do profissional da enfermagem; mas que, de forma semelhante, se mostra presente nos demais profissionais de hospitais, independentemente de seu sexo.

Também foi abordado, por Traesel e Merlo (2011), o trabalho imaterial na atividade laboral da enfermagem hospitalar, correspondente àquele trabalho que não produz algo material, algum resultado concreto, o que implica numa limitação do reconhecimento e da visibilidade das contribuições ao trabalho desses profissionais, assim como reduz as chances de transformação do sofrimento compreendido no trabalho em prazer e realização. Além disso, as discussões desses autores envolveram assuntos relativos à construção de identidade e espaços para circulação da palavra e discussões, como um meio de liberação do potencial criativo dos profissionais, podendo levar à mobilização de estratégias de mudança e enfrentamento.

Gomes et al. (2011) abordaram o trabalho das auxiliares de enfermagem em UTI neonatal (Utin), onde existe a construção de um patrimônio de conhecimentos práticos sobre o trabalho por elas realizado, porém sem uma transmissão eficaz sesses conhecimentos. Dessa forma, o trabalho se mostra desafiante, mas inibe o reconhecimento social das qualificações e competências necessárias para a realização do trabalho, por serem vistas como características femininas inatas que algumas têm.

Os autores Navarro e Cardoso (2009) arguiram sobre a biossegurança e a dimensão subjetiva do trabalho e do risco. Articularam a biossegurança com a psicodinâmica do trabalho e com os trabalhos realizados em laboratórios, considerando que os processos criativos, no que se refere à contenção de riscos inerentes a esse tipo de trabalho, podem ser estimulados, assim como pode ser feita adequação do trabalho prescrito ao efetivo.

Os artigos mais teóricos e que não analisam contextos específicos de trabalho dirigiram suas discussões para a relação da subjetividade com o trabalho e a centralidade deste na construção do sujeito, além de sua saúde mental e identidade, exemplo disso pode ser verificado em Sznelwar et al. (2011). Esses autores também abordaram as formas de organização do trabalho que levam à desconsideração do sujeito. Trazem como proposta o conceito de racionalidade pathica, quer dizer, aquela que daria ênfase às vivências, permitindo diferenciar o sujeito de um operador apenas. Já no artigo de Dejours (2012), a discussão centrou-se nas relações entre o mal-estar presente, atualmente, no mundo do trabalho e aquele existente na cultura, que foi investigado por Freud em sua obra de 1930. O autor realiza um percurso de exposições considerando as implicações desse mal-estar presente no trabalho, considerando quais as suas possíveis consequências, no que diz respeito à psicodinâmica do trabalho e à saúde mental.

Nos artigos que versavam sobre o tema deficiência e trabalho (Hoffmann et al., 2014; Leão & Silva, 2012), as discussões se centraram na relação prazer/sofrimento no trabalho, realização no trabalho, custos afetivos e cognitivos, esgotamento profissional e falta de reconhecimento, muitas vezes sofrida por esses trabalhadores. Também aludiram acerca das estratégias defensivas postas diante dessa realidade de trabalho, a concepção de deficiência presente no contexto da organização de trabalho e os riscos à saúde mental oriundos da realidade em que os deficientes estão inseridos.

Os que analisaram a área social por meio da psicodinâmica do trabalho (Athayde & Hennington, 2012; Castro et al., 2010) promoveram discussões sobre um estágio supervisionado em psicodinâmica do trabalho em um Conselho Tutelar, e também sobre a saúde mental dos profissionais de um Centro de Atenção Psicossocial. Nesses artigos, foram abordadas questões como: o lado emocional implícito no trabalho e as estratégias dos trabalhadores para lidar com isso; a relação dos trabalhadores com a comunidade que frequenta esses locais e os atores sociais; as pressões do cotidiano; as relações entre os próprios trabalhadores; as condições de trabalho; a presença de um coletivo de trabalho ou não; a dinâmica do reconhecimento; as responsabilidades inerentes aos cargos, entre outras considerações, para pensar nas possibilidades de saúde e de adoecimentos dos sujeitos nesses trabalhos.

Já os que analisaram os serviços de teleatendimento (Bouyer, 2010; Torres & Abrahão, 2006) discutiram, no caso do primeiro, quais as contribuições da psicodinâmica do trabalho na compreensão do mundo do trabalho contemporâneo, assim como sua relação com a saúde mental do trabalhador, a partir do cenário do teleatendimento. E o segundo artigo (Torres & Abrahão, 2006) abordou as variáveis prazer e sofrimento no trabalho do teleatendimento, compreendendo que elas são resultados de mais de uma relação, pois envolvem o sujeito, a organização do trabalho e os outros sujeitos, o que garante que elas sejam vividas de formas particulares.

Os demais artigos produziram discussões relativas a temas variados. Gomes e Oliveira (2013) fizeram um debate sobre a relação prazer/sofrimento no ambiente laboral dos agentes de limpeza pública, assim como sobre as contradições do trabalho e as estratégias de defesa que esses trabalhadores utilizam para suportar e evitar o adoecimento.

Nascimento et al. (2012) discorreram acerca dos desafios da gestão coletiva da atividade na docência universitária, em um curso de Medicina, compreendendo que existe uma maior valorização do profissional médico que do profissional docente, no universo desse curso. O que implica em somente aquele docente que conjuga sua prática educacional com a médica, propriamente dita, ser valorizado. Arguiram que essa problemática leva a dificuldades no curso, principalmente o descumprimento do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, devido ao fato de a maior parte dos docentes considerarem a docência uma atividade secundária quando comparada à prática médica externa à universidade.

Uma discussão sobre os bancários adoecidos por Ler/Dort foi realizada por Santos Jr. et al. (2009), os autores enfocaram as novas formas de gestão do trabalho bancário e os efeitos por elas produzidos sobre a saúde psíquica dos trabalhadores, como: a aceleração; o uso do saber-fazer do trabalhador; o uso de estratégias de mediação para fugir do sofrimento; a perda do reconhecimento; e as manifestações físicas e psicologias do sofrimento vivenciado. Interligando, dessa forma, esses fatores com o adoecimento dos trabalhadores, que são na maioria dos casos osteomusculares.

O tema do medo foi abordado por Silveira e Merlo (2014) como expressão do coletivo de trabalhadores dos frigoríficos da região oeste catarinense. Os autores entenderam que o medo está presente em algumas das vivências desses trabalhadores que são relacionadas à constituição da gestão flexível (modelo de gestão utilizado) e à luta dos trabalhadores por uma representação sindical legítima. Dessa maneira, o medo ficou atrelado a uma experiência similar à perda da humanidade que traz, junto de si, uma relação de perda do futuro. Diante disso, os autores acreditam que quadros psicopatológicos podem estar atrelados a essas vivências, e que seria preciso o enfrentamento destas.

Anchieta et al. (2011) discorreram sobre o trabalho dos policiais civis, especificamente os com pouco tempo de serviço, procurando investigar a possibilidade de danos à saúde dos policiais. A argumentação se estendeu para as estratégias de mediação utilizadas por esses profissionais para evitar o adoecimento, assim como os recursos e defesas. As possibilidades de adoecimento e sofrimento também foram estudadas por Antloga e Mendes (2009). As autoras promoveram um debate sobre o trabalho de vendedores de uma empresa de material de construção, relacionando as pressões, a sobrecarga e a ausência de espaço para falar sobre o trabalho, com a insuficiência das estratégias defensivas utilizadas pelos trabalhadores, culminando no predomínio do sofrimento sobre o prazer nesse trabalho.

Assis e Macedo (2008) retrataram a psicodinâmica do trabalho dos músicos de uma banda de blues, arguindo acerca das percepções que eles tinham sobre as condições, relações e organização de trabalho, além das estratégias de enfrentamento, vivências de prazer e de sofrimento. Apresentaram, por fim, a existência tanto de fatores de prazer quanto de sofrimento, em todos os aspectos do trabalho.

Prazer e sofrimento no trabalho das agentes de segurança penitenciária foram analisados, por Tschiedel e Monteiro (2013), por meio de discussões sobre: as obrigações do cargo, gratificação salarial, estabilidade no emprego, condições de trabalho, estratégias defensivas, efetivação ou não de reconhecimento e contradições do trabalho. Com isso, se promoveu uma compreensão da psicodinâmica do trabalho das agentes de segurança penitenciária, e também da maneira como elas se mantêm saudáveis enfrentando o sofrimento.

 

Como a Psicodinâmica do Trabalho Foi Utilizada pelos Autores

A psicodinâmica foi utilizada nesses artigos predominantemente como referencial teórico, suporte teórico-metodológico e viés reflexivo na compreensão do trabalho e suas implicações psicodinâmicas na saúde mental dos trabalhadores. Em vários artigos, os autores promoveram um diálogo entre a psicodinâmica do trabalho e outras disciplinas, como a Ergonomia e a Ergologia; já em outros, a psicodinâmica foi utilizada como clínica do trabalho propriamente dita, pois houve intervenções com os grupos de trabalhadores investigados.

As justificativas para a utilização da psicodinâmica do trabalho se centraram nos seguintes argumentos: o destaque dado à importância de se considerar a subjetividade quando se discute a díade homem-trabalho; a relevância atribuída à questão da coletividade; por destacar a relação presente entre sofrimento psíquico e trabalho; compreender que a fala dos trabalhadores pode possibilitar a elaboração coletiva das experiências vividas; colaborar com a construção de coletivos; e propiciar uma perspectiva norteadora de prazer e sofrimento.

 

Autores de Referência da Psicodinâmica do Trabalho

A partir da análise dos artigos, foi possível identificar os autores que podem ser considerados como referência para os autores brasileiros, ou seja, aqueles que se encontram mais presentes, indicando que eles têm com o que contribuir para os estudos realizados. Podemos analisar o cenário de autores mais citados na tabela a seguir.

 


Tabela 1 - Clique para ampliar

 

O autor mais citado foi o próprio criador da psicodinâmica do trabalho, Christophe Dejours, estando presente em todos os artigos, apresentando grande representatividade em alguns deles. Em segundo lugar, encontra-se Ana Magnólia Mendes, em terceiro Selma Lancman e em quarto Mario César Ferreira, sendo que todos esses são autores brasileiros com diversos trabalhos publicados sobre a psicodinâmica do trabalho, de maneira que podemos afirmar que são os autores mais expoentes sobre esse tema no país.

Outros autores que estavam frequentemente presentes nas referências dos artigos foram: Pascale Molinier, Christian Jayet, Elisabeth Adboucheli, Roberto Crespo Merlo e Laerte Idal Sznelwar, cada um tendo sido citado em quatro artigos dos 20 encontrados em nossa pesquisa. Os três primeiros desses autores são franceses e os dois últimos brasileiros, o que confirma que a França e o Brasil são países expoentes na produção sobre a psicodinâmica do trabalho.

 

Análise dos Resultados

Para podermos traçar um panorama de como está se dando o desenvolvimento da psicodinâmica do trabalho no país, vamos, nesta sessão, discutir os dados apresentados. Em relação aos temas abordados pelos artigos analisados, percebemos que eles foram muito variados, o que indica como a psicodinâmica é ampla como abordagem que versa sobre o trabalho, trazendo contribuições na análise psicodinâmica das mais diferentes características laborais e situações de trabalho.

Podemos construir a hipótese de que essa pluralidade de temas se relacione ao fato de que alguns elementos estão presentes em todas as formas de trabalho, independentemente da atividade específica ou fim do trabalho, porque se trata de indivíduos trabalhando e todos eles passam, apesar de serem de formas particulares, por vivências tipicamente humanas, como o prazer e o sofrimento, a busca por reconhecimento, o uso de estratégias de defesa, entre outras. Dessa forma, existe algo comum que permite à psicodinâmica do trabalho estudar as relações dinâmicas presentes entre a organização do trabalho e os processos de subjetivação.

Os trabalhos nos quais o sujeito precisa se relacionar diretamente com pessoas, como os da área da saúde, da área social, do teleatendimento, entre outros, são caracterizados como muito mobilizadores, visto que implicam em o trabalhador ter que se defrontar com seu próprio sofrimento, mobilizado pelo encontro com o sofrimento do outro. Talvez por isso tenha ocorrido um maior número de publicações sobre esse tipo de trabalho.

Sobre as análises realizadas pelos artigos, podemos inferir que a psicodinâmica do trabalho foi muito utilizada como base e fundamento para elas, já que a maioria dos artigos visava verificar algum elemento da psicodinâmica daquelas categorias laborais e, para isso, utilizaram os conceitos e preceitos dessa abordagem.

Nas discussões, também foi possível notar esse mesmo aspecto, ou seja, a psicodinâmica e seus conceitos foram base para a discussão de temas variados, e era debatida a possibilidade, por exemplo, de estar havendo um predomínio de vivências de prazer ou de sofrimento no trabalho, ou as possibilidades de adoecimento/saúde dos trabalhadores e os motivos psicodinâmicos por trás disso, mesmo quando os trabalhos analisados eram qualitativamente diferentes.

O que os artigos mais discutiram por meio da psicodinâmica do trabalho - independentemente da categoria de trabalho analisada nos artigos, ou do estudo ser mais teórico e não se limitar à análise de determinada categoria -, foram as fontes de prazer e sofrimento no trabalho, as vivências subjetivas dos trabalhadores, as repercussões psíquicas do trabalho, a relação entre saúde e patologia nesse âmbito, as estratégias de defesa, as contribuições da psicodinâmica para a compreensão do trabalho e as intervenções clínicas realizadas por essa abordagem.

Percebemos que apesar de a psicodinâmica do trabalho, como teoria, ter se desenvolvido e com isso alterado seu foco de investigação, questões como o sofrimento no trabalho e a presença da díade sofrimento e prazer, que dizem mais respeito ao foco da primeira e segunda fase de desenvolvimento da teoria, de acordo com Mendes (2007), continuam a serem investigadas por autores contemporâneos. Pode ser que isso ocorra porque a forma de trabalho atual ainda guarda, em alguns de seus ramos, características tayloristas e fordistas, maneiras pelas quais se dava o trabalho na época em que Dejours estava inicialmente desenvolvendo sua teoria. Entretanto, os conceitos produzidos mais recentemente por Dejours também foram amplamente utilizados, como a forma com que os trabalhadores subjetivam as vivências do trabalho, as estratégias de defesa utilizadas e a cooperação entre os trabalhadores.

A psicodinâmica do trabalho exerceu o papel de referencial teórico para a maior parte dos artigos, e naqueles que envolviam atividades práticas, ela foi utilizada como suporte teórico-metodológico, sendo essencial para a produção dos resultados. Também percebemos que essa abordagem tem alguns autores que podem ser considerados referência, ou seja, que são predominantes, pois são altamente citados nesses trabalhos, sendo que os principais foram o próprio desenvolvedor da abordagem, Christophe Dejours, e duas pesquisadoras brasileiras, Ana Magnólia Mendes e Selma Lancman, o que indica que estão sendo construídas bases fortes dessa abordagem no Brasil.

 

Considerações Finais

Concluindo: sobre a psicodinâmica do trabalho no Brasil, entre os anos de 2005 e 2015, podemos afirmar que essa corrente da Psicologia do Trabalho vem se firmando como referencial teórico e suporte teórico-metodológico para os estudos que visam compreender a relação entre o trabalho e as formas de subjetivação do homem, analisando o trabalho e contribuindo com seu conhecimento, a ponto que traz esclarecimentos sobre a dinâmica nele presente, independentemente de qual seja essa categoria laboral.

Destaca-se também a diversidade de atividades profissionais, ou profissões, que são alvo dos estudos da teoria da psicodinâmica do trabalho. Esse aspecto evidencia a teoria em questão como um conjunto de princípios teóricos e procedimentos metodológicos importantes, coerentes e atualizados, que são utilizados em pesquisas e estudos de uma amplitude de situações laborais, relacionadas a processos de sofrimento e adoecimento no trabalho. Caminhando nesse mesmo sentido, autores brasileiros estão se destacando como referências sobre a psicodinâmica do trabalho, produzindo pesquisas que são amplamente utilizadas por outros pesquisadores do tema.

Apesar de nossa pesquisa promover um panorama da psicodinâmica do trabalho no Brasil, se limita a uma base de dados. Por isso, acreditamos que seria interessante a realização de mais pesquisas sobre o tema abarcando outras bases de dados e materiais impressos, além da produção acadêmica, como teses e dissertações.

 

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Recebido em: 10/4/2017
Aprovado em: 16/8/2018

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