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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

On-line version ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.12 no.1 Belo Horizonte Jan./June 2019

http://dx.doi.org/10.36298/gerais2019120105 

ARTIGOS

 

(Re)conhecendo o estresse no trabalho: uma visão crítica

 

Recognizing stress at work: a critical appraisal

 

 

Gabriel de Nascimento e Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil. E-mail: gablexmarc@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Atualmente o contexto de trabalho é marcado pelo mal-estar experienciado pelos trabalhadores gerado pela lógica de produção capitalista. O ambiente laboral tornou-se um lugar adoecedor. Observamos, no Brasil, que os transtornos mentais e do comportamento são a terceira maior causa de afastamento do trabalho. Todavia, no tocante à legislação trabalhista, pouca atenção foi dada à saúde mental do trabalhador. Essa contradição favorece o aparecimento de conceitos recorrentes como estresse ocupacional e síndrome de burnout, alvos deste estudo. Dentre as diversas perspectivas teóricas que analisam o tema, parte-se, neste ensaio, de uma visão crítica, considerando o fenômeno como resultante de um processo social, histórico, econômico e político atual das organizações e do trabalho. A partir do exposto, considera-se o estresse ocupacional uma condição adoecedora socialmente produzida, não devendo, portanto, ser reduzida a uma abordagem superficial centrada no indivíduo e/ou nas organizações.

Palavras-chave: Estresse ocupacional. Saúde mental do trabalhador. Síndrome de burnout. Capitalismo.


ABSTRACT

Currently the work context is marked by a general discomfort experienced by workers associated with the logic of capitalist production. The work environment has become a sickening place. In Brazil, it is observed that mental disorders and behavior are the third major cause of withdrawal from work. However, with regard to labor legislation, little attention was paid to the mental health of the worker. This contradiction favors the appearance of recurrent concepts such as occupational stress and burnout syndrome, targets of this study. Among the several theoretical perspectives that analyze the theme, a critical view is taken, in this essay, considering the phenomenon as a result of a current social, historical, economic and political process of organizations and work. From the foregoing, occupational stress is considered to be a socially produced addictive condition, and should not be reduced to a superficial approach focused on the individual and/or the organizations.

Keywords: Occupational stress. Mental health of the worker. Burnout syndrome. Capitalism.


 

 

Introdução

Na contemporaneidade, observa-se que o modo de vida imposto aos trabalhadores, numa tentativa de se adequar aos constantemente mutáveis processos de trabalho, tem gerado graves desgastes físicos e emocionais. O ritmo de trabalho, por vezes, entra em contradição com os ritmos biológicos do indivíduo. O efeito dessa configuração reflete diretamente na saúde do trabalhador e extrapola, perpassando em suas diversas relações sociais do cotidiano.

O contexto do trabalho na pós-modernidade é marcado pelo mal-estar experienciado pelos trabalhadores, influenciado pela incerteza, fluidez, cobrança por produção e constante controle, o que vem contribuindo para a precarização das condições trabalhistas. Estas, põem à prova a capacidade humana de acompanhar as mutáveis configurações impostas aos trabalhadores (Linhares & Siqueira, 2014).

As mudanças tecnológicas e a reorganização do trabalho na sociedade pós-Revolução Industrial permitiram às empresas o aumento da produtividade e, por conseguinte, a feroz busca pela acumulação de capital e lucro. Observa-se, também, que os últimos arranjos têm levado à perda de poder do trabalhador sobre seu trabalho e do significado deste (Segantin & Maia, 2007). Contudo, Murofuse, Abranches e Napoleão (2005) apontam que essas mudanças impactaram a saúde do trabalhador, repercutindo tanto na esfera do seu físico quanto no psicológico. Isso tem transformado o ambiente laboral numa fonte de sofrimento para o indivíduo e, assim, provocando uma baixa na qualidade de vida.

Esse ambiente conflitante faz com que sejam possíveis o aparecimento de novas enfermidades relacionadas ao trabalho, como é o caso do estresse ocupacional. Abrahão e Cruz (2008) apontam que o estresse é uma forma comum de encarar a realidade pela sociedade contemporânea e sua expressão traduz o mal-estar que está ocorrendo.

O estresse ocupacional pode provocar sérios danos tanto para o trabalhador quanto para as organizações: licenças médicas e absenteísmo, queda de produtividade, desmotivação, irritação, impaciência, dificuldades interpessoais, falta de envolvimento com o trabalho e a organização e farmacodependência são algumas das consequências negativas ocasionadas pelo estresse (Sadir, Bignotto & Lipp, 2010).

Pretende-se, com o presente escrito, ultrapassar definições reducionistas sobre o estresse ocupacional que encerram suas discussões centrando em causas e consequências que, no geral, estão presentes no ambiente de trabalho e/ou em características e comportamentos individuais, passando a problematizar, também, a organização do trabalho a partir da lógica capitalista e sua relação com a produção e a reprodução de um ambiente de trabalho estressante.

Para tratar do tema, são adotados os fundamentos teórico-metodológicos do materialismo histórico-dialético, no qual parte-se da primazia ontológica do real, levando em consideração a processualidade e a totalidade do fenômeno, numa tentativa de desvelar suas mediações, contradições e suas influências no contexto atual, entendendo que o que é velado oculta a essência das relações, fazendo parte da construção das condições alienantes em que vivemos na sociedade (Pasqualini & Martins, 2015). Usa-se do conhecimento histórico e da articulação das visões materialista e interpretativista para desmascarar a ideologia e a experiência do presente.

Este ensaio visa fazer um breve levantamento teórico e revisar as concepções acerca do estresse no trabalho em publicações nacionais. Foram consultados materiais disponíveis no Portal de periódicos da Capes e no Google Acadêmico. Discutem-se algumas questões sobre o trabalho e a saúde do trabalhador, em especial no contexto brasileiro. Aponta-se, ainda, a síndrome do esgotamento profissional, dada a sua estreita relação com o estresse. Com isso, é esperado fortalecer um debate crítico e comprometido sobre a realidade do mundo laboral e a incidência do estresse ocupacional.

 

O Trabalho, as Organizações e a Saúde do Trabalhador na Estrutura Capitalista

Ao longo da história, o trabalho aparece como um dos principais fatores determinantes de organização da sociedade, ao passo que por meio dele o indivíduo age em seu ambiente, modificando-o, e constrói a si mesmo (Cardoso, 2001). Sendo assim, ocupa um lugar central na constituição do homem.

Com o advento do capitalismo, o mundo do trabalho passou por diversas transformações, de forma que esse processo de metamorfose prevalece até os dias atuais, de forma contínua, gerando impactos. Segundo Cardoso (2001), destacam-se a separação do trabalhador dos meios de produção e do produto do trabalho, a desapropriação do conhecimento deste e o aumento significativo da produção. Há, ainda, um aprofundamento do processo de "apropriação privada da riqueza socialmente gerada e dos elementos da natureza" (Franco, Druc & Seligmann-Silva, 2010, p. 230).

Portanto, o trabalho, no modo de produção capitalista, se dá por intermédio das complexas relações de exploração. Sobre isso, Lara (2011, p. 81) apresenta uma análise marxiana sobre o trabalho alienado ao qual os trabalhadores estão submetidos:

O trabalhador é possuidor da força de trabalho e o capitalista é dono dos meios de produção, mas a mercadoria especial é a força de trabalho que, ao ser explorada, gera a mais-valia. É possível acumular capital somente a partir do momento em que há condições para explorar força de trabalho. A produção capitalista não é simplesmente produção de mercadorias, é essencialmente produção de mais-valia. O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do capital.

Estamos imersos, atualmente, em uma "nova" configuração do trabalho gerada pelo pós-fordismo, na qual se tem instalado um clima extremamente competitivo que tensiona as capacidades psicofisiológicas dos indivíduos. Sobre essa divisão do trabalho, Heloani (2005, p. 2) comenta que "os avanços da informatização e da automação, da terceirização e mesmo da 'quarteirização'" (terceirização da terceirização?) carregam em seu bojo uma extrema aceleração na forma laboral e novas demandas em todos os níveis das estruturas organizacionais".

O termo organização, por sua vez, segundo Piolli e Heloani (2014, p. 119), refere-se aos "processos de racionalização interna que acontecem tanto nas empresas como, também, no âmbito do Estado". É um instrumento de manutenção de uma racionalidade capitalista. As organizações da atualidade objetivam promover a produção e reprodução ampliada do capital, a partir da opressão do homem sobre o homem, ocultando e naturalizando as contradições vivenciadas pelos trabalhadores.

Como resultado, o ambiente organizacional tornou-se extremamente competitivo, exigindo dos trabalhadores maior receptividade, adaptabilidade e envolvimento individual. Piolli e Heloani (2014, p. 121) ainda apontam que "a 'descartabilidade humana' e o darwinismo social naturalizam-se nesses tempos de hiperconcorrência e acirram sentimentos de insegurança, além de alimentarem as frustrações e as angústias em torno do emprego que a qualquer hora poderá transformar-se em desemprego".

Nesse ambiente conturbado, contraditório, é esperado do trabalhador "um corpo útil, produtivo e submisso". A saúde do trabalhador, por sua vez, fica à mercê da lógica da produção (Alves, 2005, p. 422), isto é, embora sejam apontadas preocupações legítimas com a saúde de trabalhador, fica implícito o desejo de intensificação do trabalho e exploração do trabalhador. Com isso, o local de trabalho torna-se fonte de sofrimento psicológico, causando o aumento de casos de afastamentos por psicopatologias.

 

O Adoecimento Mental do Trabalhador no Contexto Brasileiro

O intenso processo de industrialização no Brasil, a partir da década de 1930, trouxe uma rápida mudança na organização do trabalho e isso repercutiu em graves impactos sobre a saúde do trabalhador, em especial para este trabalho a saúde mental (Fragalá, 2016).

Segundo o mesmo autor, no início da década de 1970, dados quantitativos deram ao país "o título de campeão mundial de acidentes do trabalho" (pp. 92-93). O fato resultou em uma maior atenção às condições de saúde e segurança nos ambientes de trabalho e dos trabalhadores levando, em 1978, à criação das Normas Regulamentadoras (NR).

No entanto, quando se pensa especificamente em saúde mental do trabalhador na legislação brasileira, observa-se que pouca atenção foi dada ao assunto, restam muitas lacunas (Almeida, 2016). De acordo com o autor, dentre todas as Normas Regulamentadoras existentes, apenas a NR 17 (que versa sobre ergonomia) e seus anexos atentam diretamente para a relação saúde mental do trabalhador e ambiente de trabalho.

A Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (Brasil, 2004), apresenta, também, o sofrimento mental como um dos adoecedores mais frequentes no ambiente de trabalho. Assim sendo, aponta para a necessidade de articulação entre os Ministérios do Trabalho, da Previdência Social e da Saúde com vistas a contribuir para a "melhoria da qualidade de vida, a realização pessoal e social dos trabalhadores e sem prejuízo para sua saúde, integridade física e mental" (p. 3).

Por outro lado, é visto o número elevado de casos de afastamentos do trabalho em função de doenças mentais. No país, os transtornos mentais e do comportamento, classificados pelo Capítulo V da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, da versão 10 (CID 10), são considerados a terceira principal causa de deferimento do benefício auxílio-doença por incapacidade laborativa, no ano de 2010 (Brasil, 2011). Sobre isso, aponta Silva-Júnior (2012, p. 22) a "incidência de 9% do total, mais de 201 mil novos benefícios foram concedidos no ano e cerca de 6% foram considerados acidentários". Ou seja, a perícia do INSS constatou que o adoecimento do trabalhador se deu devido à exposição a fatores presentes na vida laboral.

Todavia, encontrar o nexo causal entre os aspectos psicossociais do trabalho, os fatores estressantes por exemplo, e o aparecimento de uma doença é muito difícil, pois existem vários aspectos que complexificam essa relação. No caso do sofrimento psíquico, em que muitas vezes não há como quantificar essa experiência negativa da prática laboral, não é encontrada a relação entre o processo de adoecimento e o trabalho (Borsoi, 2007). Por vezes, nem o próprio trabalhador consegue identificar esse sofrimento como sendo mental; e, mesmo quando nota, não costuma encontrar ajuda necessária no trabalho. Assim, constantemente só se dá a devida atenção ao tema quando o trabalhador é diagnosticado com alguma patologia que exija um atendimento especializado e/ou que requeira seu afastamento laboral, como a depressão, a síndrome de burnout, doenças cardíacas, dentre outras.

 

Polissemia Acerca do Estresse

Ultimamente o termo estresse tem sido amplamente utilizado, desde os círculos acadêmicos até os meios de comunicação e o senso comum, e esse uso corriqueiro do termo trouxe uma pluralidade de significados. A existência dessa variedade de interpretações abriu espaço para o aparecimento de diversas terapêuticas e de programas visando ao controle do estresse, tornando o tratamento/controle do sofrimento psíquico um negócio extremamente rentável e desejável (Filgueiras & Hippert, 1999; Moura & Ewald, 2007).

Originalmente o termo estresse foi utilizado na área da Física para designar "o desgaste de materiais sob efeitos de peso, calor ou radiação" (Borsoi, 2007, p. 106). Posteriormente, tem-se os estudos do médico Hans Selye (1959), que define o estresse limitando a sua dimensão biológica, a partir da observação e mensuração de alterações fisiológicas do corpo. O estresse, para ele, é o estado manifestado pela Síndrome Geral de Adaptação (SGA), que se caracteriza como uma resposta do organismo às situações adversas, sendo uma reação natural de defesa. O autor traz, ainda, a distinção do que seria um aspecto positivo do estresse, o eustresse, que tornaria o indivíduo mais produtivo e criativo em suas reações adaptativas, e outro negativo, o distresse, referindo-se a um excesso ou a uma carência desse estado que levaria o indivíduo a expressar respostas inadequadas, ou até paralisando-o (Filgueiras & Hippert, 1999).

Mais tarde, aponta Borsoi (2007), a definição de estresse passa a incorporar o componente psicológico para representar uma relação danosa entre um indivíduo e seu ambiente, que afete seu bem-estar. Nessa perspectiva, aparecem os trabalhos de Lipp (1984) e Rodrigues (2005), que trazem uma visão biopsicossocial, considerando agentes estressores os estímulos externos (de ordem física ou social, como o trabalho) e os internos (sentimentos, emoções e pensamentos). Esses agentes causariam uma reação psicofisiológica no indivíduo resultando em irritabilidade, medo, excitação e/ou confusão.

No entanto, essas noções de estresse tratam de situações de adaptação do sujeito, independentemente de serem, ou não, associadas ao trabalho. Sendo assim, nota-se o aparecimento de conceitos específicos ao ambiente laboral, a saber o estresse ocupacional ou profissional e a síndrome do esgotamento profissional ou síndrome de burnout.

 

Estresse Ocupacional

Os estudos sobre o estresse ocupacional começaram a surgir na década de 1970, notadamente as pesquisas sobre a influência do ambiente no estresse laboral, do pesquisador Robert Karasek. A partir disso, o tema se tornou recorrente nos escritos sobre saúde do trabalhador, principalmente pelo reflexo negativo na saúde e no bem-estar dos trabalhadores e nas organizações.

O tema estresse ocupacional é tratado a partir de diferentes perspectivas teóricas e, portanto, apresentam significados e formas de mensuração distintas. Isso mostra uma falta de consenso teórico sobre o processo saúde-adoecimento no trabalho. Podemos observar o estresse como estímulo, como resposta ou resultante da interação entre ambos (Barros, 2013).

Para pensar em uma definição de estresse ocupacional, é necessário voltar a atenção para dois aspectos apontados por Marques e Abreu (2009): primeiro, o estresse não se resume ao sentimento de irritabilidade e cansaço; e segundo, a avaliação de uma situação como sendo estressante perpassa pela subjetividade. Sendo assim, cada indivíduo avalia o ambiente de trabalho de maneira subjetiva, e responde a este a partir de suas experiências pessoais.

Dito isso, podemos pensar o estresse ocupacional como um elemento que favorece o aparecimento de múltiplas formas de adoecimento, não se restringindo ao sujeito ou ao ambiente de trabalho. Segundo Barros (2013, p. 162), o estresse ocupacional é decorrente das "relações complexas entre condições de trabalho, condições externas ao trabalho e características do trabalhador, nas quais a demanda de trabalho excede as habilidades do trabalhador para enfrentá-las".

A autora ainda aponta os principais fatores estressantes presentes nas organizações mais recorrentes nos estudos, que são:

[...] jornada longa ou atividades cansativas; preocupação em relação ao aumento de salários ou promoções; medo de ser demitido; mudanças imprevistas; falta de estímulo e apoio das pessoas que o cercam (que inclui supervisores, líderes e colegas); orientação ou gerenciamento inadequado de seus supervisores; constrangimentos organizacionais; crescente pressão da competição; condições ambientais insalubres ou de alta periculosidade (ruído, iluminação, temperatura); acúmulo de exigências; forte e constante demanda de reciclagem e adaptação (muitas vezes difícil de superação); cansaço físico e emocional; flexibilização de horários de trabalho semanal (e o incremento de turnos de trabalho); interrupções temporárias; transferência involuntária; mudança de função ou profissão; readaptação profissional; desemprego temporal ou pré-aposentadoria; medo de fracassar; conflitos diários no trabalho; rituais e procedimentos desnecessários. (Barros, 2013, pp. 56-57)

Esses fatores organizacionais, quando percebidos e avaliados pelos trabalhadores, geram um mal-estar que abala o seu equilíbrio, isto é, as imposições do trabalho se mostram ameaçadoras e exigem que o trabalhador use de seu arsenal para enfrentá-las.

As principais reações psicofisiológicas no indivíduo diante do estresse ocupacional estão descritas no Quadro 1.

Pesquisas apontam ainda que o estresse está diretamente relacionado ao acúmulo lento e progressivo de danos, desencadeando doenças cardíacas, dermatológicas, gastrointestinais, neurológicas e afetando, também, o sistema imunológico, tornando o indivíduo mais vulnerável às doenças (Bauer, 2002).

 

Síndrome do Esgotamento Profissional (Síndrome de Burnout)

A síndrome do esgotamento profissional, ou síndrome de burnout, é a enfermidade clínica mais citada quando relacionada ao estresse ocupacional, devido estar intimamente relacionada aos sentidos do trabalho. A síndrome de burnout, assim como o estresse ocupacional, é um fenômeno que reflete o processo sócio-histórico atual das organizações e do trabalho (Castro, 2013).

A síndrome de burnout foi descrita pela primeira vez na década de 1970 nos Estados Unidos, tendo como principais expoentes os pesquisadores Freudenberger e Maslach. No Brasil, a primeira citação referente ao tema veio pela Revista Brasileira de Medicina, em 1987. Outro fato de destaque é a inclusão e regulamentação da síndrome como agente patogênico causador de doença profissional no órgão da Previdência Social, em 1996.

O Ministério da Saúde define a síndrome de burnout como

A sensação de estar acabado, ou Síndrome do Esgotamento Profissional, é um tipo de resposta prolongada a estressores emocionais e interpessoais crônicos no trabalho. Tem sido descrita como resultante de uma vivência profissional em um contexto de relações sociais complexas, envolvendo a representação que a pessoa tem de si e dos outros. O trabalhador, que antes era muito envolvido afetivamente com seus clientes, com seus pacientes ou com seu trabalho em si, desgasta-se e, em um dado momento, desiste, perde a energia ou se "queima" completamente. O trabalhador perde o sentido de sua relação com o trabalho, desinteressa-se e qualquer esforço lhe parece inútil. (Brasil, 2002, p. 191).

A síndrome é dividida em três estágios: exaustão emocional, despersonalização e baixo sentimento de realização profissional. A primeira refere-se ao sentimento de esgotamento físico e mental, à perda de forças para realizar tarefas laborais e cotidianas. A despersonalização representa uma característica defensiva no qual o sujeito apresenta um sentimento de indiferença e afastamento emocional, produzindo alterações significativas no comportamento. O baixo sentimento de realização profissional caracteriza-se pela insatisfação com as atividades do trabalho e avaliação negativa de si mesmo, muitas vezes impossibilitando o trabalhador desempenhar suas funções, além de reduzir sua autoestima (Benevides-Pereira, 2002, 2012).

O fenômeno do esgotamento profissional atinge diretamente a um ideal de si e do trabalho, levando a pessoa à frustração. Ou seja, é vivenciada uma contradição entre as exigências impostas - pelo trabalho e por si próprio - e o que é possível realizar (Castro, 2013). À medida que são colocadas expectativas irrealizáveis, o indivíduo, ao não conseguir responder ao esperado, se frustra e esse desgaste tem como ressonância a perda do sentido do trabalho (Franco, Druc & Seligmann-Silva, 2010).

As consequências severas da síndrome de burnout na saúde do trabalhador estão despertando interesse e preocupação por parte de gestores, cientistas e órgãos governamentais. Todavia, vale ressaltar que a síndrome do esgotamento profissional não é apenas problema individual, mas também uma questão psicossocial decorrente do ambiente laboral e do complexo contexto social em que ele está inserido.

 

Considerações Finais

O trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz desnudez para o trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o trabalhador. Produz belezas, mas mutilação para o trabalhador.

(Karl Marx)

Diante de todo o exposto, ao pensar em estresse ocupacional, devemos questionar definições simplistas que encerram suas discussões nos níveis individual e organizacional, recusando qualquer naturalização das condições de trabalho, isto é, observa-se que grande parte desses estudos tratam, de forma centrada no indivíduo, contradições de ordem social. Diante da realidade vivida hoje, faz-se necessário considerar, também, o ambiente de trabalho em que estamos inseridos em um macrocontexto histórico e social e como essa organização socioeconômica repercute diretamente na saúde do trabalhador.

Sob essa perspectiva, o estresse ocupacional aparece como uma condição adoecedora socialmente produzida. A lógica selvagem e perversa de produção no sistema capitalista exige o máximo do trabalhador, colocando-o em condições de constante insegurança, competição, controle e exploração. Essa configuração produz um ambiente de trabalho estressante. O trabalhador, a cada dia, se reinventa na tentativa de suportar o insuportável.

Portanto, é imprescindível uma melhor articulação entre as organizações e as políticas trabalhistas e de saúde a fim de minimizar os efeitos dessa condição desumanizada de trabalho que conduz os trabalhadores ao adoecimento.

Por fim, não se pretende com este estudo esgotar o tema, muito pelo contrário, espera-se que seja uma outra lente de análise sobre o estresse ocupacional e possa auxiliar na construção de um debate crítico e comprometido com a realidade atual do mundo do trabalho. Nas palavras de Lara (2011, p. 84), fica uma convocação para assumirmos um posicionamento ético-político nas nossas práticas em prol do trabalhador:

Devemos buscar, ininterruptamente, o espaço para fortalecer o debate que objetive a organização de uma classe trabalhadora capaz e articulada em suas tarefas de construção de uma nova sociedade em que a saúde do trabalhador seja plena em todas as suas dimensões.

 

Referências

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Recebido em: 27/6/2017
Aprovado em: 18/8/2018

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