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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

On-line version ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.12 no.2 Belo Horizonte July/Dec. 2019

http://dx.doi.org/10.36298/gerais2019120211 

ARTIGOS

 

O fenômeno psicossomático na neurose obsessiva em ambulatório hospitalar: um estudo de caso

 

The psychosomatic phenomena in obsessive neurosis in a hospital outpatient clinic: a case study

 

 

Victor Hugo Peretta Leite SilvaI; Thiago Robles JuhasII

IDivisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: victorhperetta@gmail.com
IIDivisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: thiagoroblesj@gmail.com

 

 


RESUMO

O presente trabalho teve por objetivo investigar as repercussões subjetivas de um paciente acometido por miastenia gravis (MG), uma doença neuromuscular de origem autoimune, em contexto de ambulatório hospitalar, orientado pela abordagem psicanalítica. Durante a análise com o paciente, levantou-se a hipótese diagnóstica de uma estrutura neurótica, e o tipo clínico sendo a neurose obsessiva. A partir do relato da história de vida do paciente, verificou-se que a impossibilidade de elaborar um evento traumático pode se tornar origem de uma angústia com repercussões no corpo, a ver, os fenômenos psicossomáticos (FPS). Em tais casos, o psicólogo hospitalar, orientado pela teoria psicanalítica, necessita intervir de modo que o sofrimento relatado não fique restrito à dimensão do corpo, e se faça presente pela via da fala, buscando trazer à tona a subjetividade que lhe é encoberta pelo discurso médico.

Palavras-chave: Psicologia Hospitalar. Psicanálise. Neurose obsessiva. Corpo. Fenômeno psicossomático.


ABSTRACT

This study aimed to investigate the subjective repercussions of a patient affected by myasthenia gravis, a neuromuscular disease of autoimmune origin, in the context of a hospital outpatient clinic, guided by the psychoanalytic approach. During the analysis with the patient, the diagnostic hypothesis of a neurotic structure was raised, and the clinical type being the obsessive neurosis. From the report of the patient's life story, it was found that the impossibility of working through a traumatic event could become the source of an anguish with repercussions in the body, that is, the psychosomatic phenomena. In such cases, the health psychologist guided by the psychoanalytic theory needs to intervene so that the suffering is not restricted to a bodily dimension, but has its way through the talking, seeking to bring out the subjectivity which is covered by the medical discourse.

Keywords: Health Psychology. Psychoanalysis. Obsessive neurosis. Body. Psychosomatic phenomena.


 

 

Introdução

A miastenia gravis (MG) é uma doença que interrompe a transmissão neuromuscular, causando fadiga muscular excessiva e fraqueza. O termo myasthenia gravis tem origem grega e latina, mys = músculo, astenia = fraqueza, e gravis = pesado, severo (Cunha, Scola & Werneck, 1999a; Carvalho, Silva, Ortensi, Fontes & Oliveira, 2005; Branco et al., 2011). Essa doença é mais comumente encontrada no sexo feminino do que no sexo masculino - estima-se que a prevalência geral da MG seja de 1 em 10.000 (Burns, Ryan & Jones Jr., 2006).

A MG tem diversas classificações: a miastenia do recém-nascido, a miastenia congênita, a miastenia de origem medicamentosa e a miastenia autoimune, sendo essa última a mais comum dentre as demais, segundo estudos apontados por Carvalho et al. (2005), na qual há a ação de anticorpos contra os receptores de acetilcolina (AChR) na junção neuromuscular (JNM). Pesquisas realizadas no Brasil mostram que os sinais e sintomas mais frequentemente encontrados na fase inicial da MG, além da fraqueza muscular, são a ptose (queda da pálpebra superior) e a diplopia - visão dupla: percepção de duas imagens a partir de um único objeto (Cunha, Scola & Werneck, 1999b; Aguiar et al., 2010).

Por se tratar de uma doença de caráter autoimune, a principal conduta terapêutica é o uso de corticoides, especialmente de prednisona, responsável por uma melhora dos sintomas em até 80% dos pacientes. Há também a timectomia, uma intervenção cirúrgica que consiste na retirada do timo, glândula que exerce uma função importante na junção neuromuscular (Burns, Ryan & Jones Jr., 2006). Apesar da possibilidade de remissão dos sintomas por meio desses tratamentos, a estabilização ou a continuidade da evolução da doença ainda vigora como os resultados mais frequentes na maioria dos casos (Rowland, 2003).

Transtornos psiquiátricos na MG são recorrentes, especialmente transtornos depressivos e de ansiedade, havendo grande probabilidade de a doença gerar um impacto negativo na esfera emocional do paciente (Ybarra et al., 2011). Como destaca Maria Rita Kehl em O tempo e o cão (2009, p. 49), "depressão é o nome contemporâneo para os sofrimentos decorrentes da perda do lugar dos sujeitos junto à versão imaginária do Outro". Em Inibições, sintomas e ansiedade (1926[1925]/2006), Freud aborda a ansiedade como um sinal diante de um perigo externo percebido pelo ego. Essas situações específicas capazes de precipitar um perigo externo remetem a eventos traumáticos vivenciados em diferentes momentos da vida, como o nascimento, a ausência da mãe, o temor da castração, a perda do objeto de amor, e a perda do amor do superego.

Em vista disso, pode ocorrer o encaminhamento desses casos para acompanhamento psicológico nos hospitais. Quando é feita essa solicitação por parte do médico ao psicólogo que atua no hospital, é porque os profissionais da equipe de saúde percebem que há um fator que escapa ao seu saber, ou seja, ao discurso médico, como afirma Moretto (2013). Nesse campo da Psicologia Hospitalar, trabalha-se com os aspectos psicológicos inerentes ao adoecimento, isto é, as manifestações subjetivas do paciente diante de sua doença (Simonetti, 2013).

Segundo Victor e Aguiar (2011), a Psicanálise no contexto ambulatorial não visa negar os avanços médicos com relação ao tratamento médico fisiológico, e, sim, ouvir os sujeitos acometidos por doenças. Por mais que o ambulatório público não seja estruturado nos padrões do consultório privado, isso não se justifica como uma condição a priori para a não realização do trabalho psicanalítico; visto que, conforme Figueiredo (1997), a Psicanálise é uma clínica da fala e, portanto, a única regra fundamental para que ela se sustente é pela via da associação livre. Esse postulado é consoante com Juhas (2014), quando argumenta que a Psicanálise no hospital tem por objetivo escutar a verdade do inconsciente e incluí-la na cena médica, sendo esta a interface entre a Psicanálise e a saúde.

No entanto, para que se efetive o trabalho do psicanalista, faz-se necessário empreender o que Freud (1913/2006) denominou de tratamento de ensaio, contato inicial que se dá em torno de duas semanas, cujo intuito é verificar se o paciente irá adaptar-se ao atendimento psicanalítico. Tamanha é a importância dada a essa etapa inicial que, nos dizeres de Lacan (1971-1972/1997, p. 27), "não há entrada possível em análise, sem entrevistas preliminares". Quinet (2009) afirma que uma das funções das entrevistas preliminares corresponde à formulação de uma hipótese diagnóstica, que tem por intuito favorecer a direção da análise. É nesse momento que ocorre a realização do diagnóstico estrutural, efetuada por meio do registro do simbólico, do qual se circunscrevem as questões primordiais do sujeito, relacionadas ao sexo, à morte, à procriação e à paternidade, quando da passagem do Complexo de Édipo. A estrutura correspondente à neurose ocorre devido ao processo do recalque como forma de negação edipiana e divide-se entre neurose obsessiva e histeria.

No caso do tipo clínico da neurose obsessiva, decorre-se uma anulação do desejo do Outro pelo obsessivo e, consequentemente, a sua mortificação. Lacan (1957-1958/1999), no Seminário 5, argumenta que o obsessivo sustenta uma contradição quanto a seu desejo, já que este implicaria na destituição do Outro, que, por sua vez, ocupa o lugar de intermediário do desejo do sujeito. Visando à não destruição do Outro, o obsessivo mantém um impasse relativo a seu desejo. O Outro é aquele que tem o gozo, postula Quinet (2009), e, decorrente disso, não há lugar para que a falta possa exercer sua função de fazer presente o sujeito do desejo. De modo a defender-se da vigilância do Outro que detém o gozo, o obsessivo constitui seu sintoma por meio da ruminação, significantização, simbolização e ritualização (Quinet, 2002). Assim, na neurose obsessiva, a identificação com o Outro resulta na figura de um pai hiperpotente e privador (Dunker, 2011), compondo uma tragédia marcada pelo desejo situado como impossível (Dunker, 2016).

Por conseguinte, tem-se que quando o sujeito neurótico obsessivo se depara com o desejo, sem fazer um sintoma disso, a angústia toma o corpo "no aperto na garganta, na perda da voz, nos arranhões, na necessidade de extrair alguma parte do corpo, na ausência ou no excesso de fome, na agitação, na diarreia, no vômito, nas crises de suor, na insônia" (Coppus & Bastos, 2012, p. 122), já que é no corpo que emerge a dimensão do vivo que o neurótico obsessivo teme.

Na Psicanálise, o corpo é, portanto, uma via de expressão de gozo, sendo a dor uma de suas manifestações. Mas essa dimensão do gozo acaba sendo excluída na relação que a Medicina estabelece com o corpo, e a isso Lacan (1966/2001) deu o nome de relação epistemo-somática, ilustrando a diferença entre o que o paciente demanda e o que ele deseja.

Ao contrário do corpo biológico, objeto de estudo do campo da Medicina, o corpo para a Psicanálise é um corpo pulsional, que se dá pela relação entre o psíquico e o somático, como afirma Fernandes (2011). A autora assinala que o adoecimento no sujeito pode gerar um corpo do transbordamento, marcado pela abundância da pulsão da morte, caracterizado pela impossibilidade de ser representado ou simbolizado. Nessa perspectiva, Moretto (2006) sublinha que o sujeito em adoecimento se vê diante de um real inominável. Assim, nem todos os fenômenos que ocorrem no corpo têm resposta, ainda que seja um corpo perpassado pela linguagem, o que nos mostra que há um furo nesse saber que interessa à Psicanálise, ao contrário da medicina, que foraclui aquilo que não tem possibilidade de ser colocado em palavras, como pontua Fonseca (2007b).

Esse postulado vai de encontro aos ditos fenômenos psicossomáticos (FPS), que Lacan (1975/1998) aborda como algo da ordem da escrita no corpo. Traços escritos no corpo como uma assinatura, ou um hieróglifo, que inviabiliza sua leitura e decifração, visto que no FPS, o corpo deixa escrever algo da ordem do número, que impede a significação pelo deslizamento na cadeia significante. Tem-se, dessa forma, que o FPS, ao contrário do sintoma, não tem estrutura metafórica (Fonseca, 2007a). Apesar de estar ligado a efeitos de linguagem, o FPS não pode ser subjetivado, o que designa o fracasso da metáfora subjetiva, conforme explicita Valas (1990). Devido a tais dificuldades na subjetivação de seu sofrimento, o paciente psicossomático fica restrito à dimensão do corpo (Nicolau, 2008). Esse gozo no corpo desencadeado pelo FPS remete ao masoquismo originário (Guir, 1990), marcado pelo prazer da dor, que se fundamenta no biológico e na constituição do sujeito.

O FPS é, portanto, algo da ordem do real, ou seja, é aquilo que não se inscreve, que está fora das construções simbólicas, não cedendo à interpretação (Nicolau & Guerra, 2012; Rinaldi, Nicolau & Pitanga, 2013; Ventura & Nicolau, 2014), pois o evento corporal não faz história, o que explica os impasses na associação livre nesses casos (Dunker, 2006), dado o seu limite no campo da linguagem (Miller, 1990).

O presente trabalho trata-se de um estudo de caso, embasado no referencial psicanalítico, de um paciente atendido em ambulatório em um hospital terciário universitário acometido por MG. O foco do trabalho se baseia em compreender a vivência subjetiva do paciente diante da MG, tendo suas repercussões no âmbito biopsicossocial, apontando os limites e alcances da atuação do psicólogo e psicanalista no hospital.

 

Método

O presente trabalho baseia-se em um estudo de caso norteado pelo método clínico, que, de acordo com Gil (2008), é sustentado por uma relação de proximidade entre pesquisador e pesquisado no âmbito do estudo psicológico. Além disso, o método clínico desponta como um dos mais importantes recursos de investigação psicológica, e isso se deve à relevância dos estudos de Sigmund Freud acerca da Psicanálise. Sendo assim, este artigo está pautado no método psicanalítico de investigação e construção do estudo de caso.

Pacheco Filho (2000a) relembra que os esforços empreendidos por Freud acerca da investigação dos fenômenos psíquicos encontraram dificuldades para adquirirem o estatuto de ciência na época, o que fez com que ele seguisse um caminho independente, convicto de que a Psicanálise era uma ciência do psíquico. Baseado na posição epistemológica apresentada por Thomas Kuhn em A estrutura das revoluções científicas (1962/1998), Pacheco Filho (2000b) disserta sobre o caminho trilhado por Freud, que, embora tenha encontrado muita resistência por parte da ciência vigente naquele período, serviu para instaurar um novo paradigma no campo da ciência: o paradigma psicanalítico, distinguindo-se, assim, da concepção de ciência normal, que consiste na mera reprodução dos paradigmas científicos correntes, proporcionando com isso uma verdadeira revolução científica na investigação do psiquismo, que na perspectiva kuhniana é chamada de pesquisa extraordinária. A trajetória de Freud nesse horizonte da pesquisa extraordinária pode ser descrita em três aspectos: (i) a ultrapassagem das restrições dos paradigmas científicos dominantes, tomando interesse por fenômenos até mesmo fora do campo da ciência; (ii) a transformação na forma de se ver o objeto de estudo, que só foi possível mediante sua intuição e experiência; e (iii) a presença de características de personalidade, como ambição, autoconfiança e determinação obstinada, que o impeliram a romper as barreiras dos paradigmas em vigor. A respeito do paradigma psicanalítico, Pacheco Filho (2000b, p. 249) prossegue aferindo que "Suas propostas incluem não apenas leis e teoria sobre os fatos psíquicos, mas também a construção de métodos para sua investigação e, finalmente, propostas de aplicação sob a forma de modos de intervenção psicoterápica".

Como nos ensina Elia (2000), a dimensão da pesquisa faz parte do escopo da Psicanálise, mas com uma diferença singular em relação à forma de se produzir uma pesquisa científica, pois, por mais que a Psicanálise seja derivada da ciência, ela promove um rompimento discursivo no saber científico, na medida em que introduz em sua práxis a noção de sujeito, que era, até então, excluída pela ciência. Essa subversão operada pela Psicanálise diz sobre um sujeito para além de todo o empirismo, que tange ao sujeito do inconsciente, o qual, excluído pelo campo da ciência, retorna ao campo da experiência analítica. É nesse sentido que Elia (2000, p. 23) refere que "Toda e qualquer pesquisa em Psicanálise é, assim, necessariamente uma pesquisa clínica [...] Por isso, a clínica, como forma de acesso ao sujeito do inconsciente, é sempre o campo da pesquisa". Esse postulado vai de encontro com Nogueira (2004), quando ressalta que não há como reproduzir a experiência que ocorre na relação entre analisando e analista. Contudo, tal experiência pode ser descrita, resultando na construção de um caso clínico, sendo essa elaboração uma investigação em Psicanálise. É desse modo que "a metodologia científica em Psicanálise confunde-se com a própria pesquisa, ou seja, a Psicanálise é uma pesquisa" (Nogueira, 2004, p. 83).

Cabe ressaltar que o paciente em questão recebeu atendimento psicológico sob o prisma da abordagem psicanalítica em Freud e Lacan, bem como autores de referência na área psicanalítica. A partir desses autores, algumas obras foram pesquisadas e estudadas. No entanto, este trabalho não tem por objetivo realizar uma revisão bibliográfica e sistemática dos temas referidos na obra dos dois autores, clássicos da Psicanálise, mas, sim, proporcionar as definições e exposições necessárias sobre os temas, a fim de que se possa atingir o objetivo do trabalho, na medida em que este pretende analisar as dimensões subjetivas, os aspectos fisiológicos, e os FPS implicados na MG, relacionados a um paciente neurótico obsessivo portador dessa condição.

Convém aqui estabelecer algumas diferenças entre somatização e conversão na obra freudiana, de modo a facilitar a compreensão do caso clínico a ser apresentado. Na Conferência XXIV: "O estado neurótico comum", Freud (1916-1917/2006) concorda que tanto os sintomas das neuroses atuais quanto das psiconeuroses são provenientes de satisfações substitutivas de origem libidinal. Contudo, enquanto nas psiconeuroses há um sentido por trás das manifestações sintomáticas, "[...] os sintomas das neuroses 'atuais' - pressão intracraniana, sensações de dor, estado de irritação em um órgão, enfraquecimento ou inibição de uma função - não têm nenhum 'sentido', nenhum significado psíquico" (p. 387), sendo constituídos por intermédio de um processo exclusivamente somático, prescindindo do componente psíquico. Já o mecanismo de conversão somática que ocorre na histeria, diferencia-se desse processo ocorrido na neurose atual, uma vez que se dá a partir de uma representação incompatível ao eu, gerando uma soma de excitação que se expressa pela via da inervação motora e/ou sensorial (Freud, 1894/2006), mas que tem um sentido, que, ao ser elucidado no processo analítico, propicia a cura do sintoma histérico (Freud, 1905[1901]/2006). Em razão de a nosografia relativa às neuroses atuais ter caído em desuso ao longo do tempo, Laplanche e Pontalis (2001) sugerem situá-la com as classificações de afecções psicossomáticas.

Lacan (1963-1964/1988) avança sobre o estudo dos fenômenos psicossomáticos, enunciando que "a psicossomática é algo que não é um significante, mas que, mesmo assim, só é concebível na medida em que a indução significante, no nível do sujeito, se passou de maneira que não põe em jogo a afânise do sujeito" (p. 215). A impossibilidade de ocorrer a afânise do sujeito é efeito da ausência do intervalo entre S1 e S2, ocasionando uma holófrase entre esses significantes, não havendo, portanto, o deslizamento na cadeia significante.

 

Relato do caso

Foram utilizados nomes fictícios com o intuito de preservar a identidade do paciente e demais pessoas de seu convívio familiar e social. Carlos, 53 anos, sexo masculino, casado, com ensino superior completo, foi diagnosticado com MG em meados de março de 2014. Meses antes, vinha se queixando de alguns sintomas característicos da doença, como sudorese excessiva, tremores nas mãos, dificuldade na fala, ptose palpebral (queda da pálpebra superior), diplopia (visão dupla - percepção de duas imagens a partir de um único objeto) e estrabismo agudo, tendo que interromper suas atividades laborais em virtude da gravidade de seu caso. No mesmo ano, foi submetido à timectomia (remoção do timo), mas não conseguiu obter a cura da MG. Adquiriu catarata como efeito colateral do uso de corticoide. Em meados de 2016, realizou a cirurgia de catarata, obtendo melhora da visão. Teve trombose na perna esquerda, mas em razão do tratamento medicamentoso, o quadro foi normalizado.

Ainda com limitações funcionais, Carlos foi encaminhado pelo médico responsável para avaliação psicológica, apresentando-se com humor lábil, ansiedade e irritabilidade, conforme exposto na ficha de encaminhamento. Foi atendido por um psicólogo durante cerca de quatro meses no fim de 2015, retomando o tratamento psicológico ambulatorial no início de março de 2016 com um novo psicólogo.

Durante o período das entrevistas preliminares, foi elaborada a hipótese diagnóstica de uma estrutura neurótica, cuja vertente clínica era a neurose obsessiva, conjuntamente à identificação do FPS presente na dinâmica de seu caso. Em seguida, deu-se início ao tratamento psicanalítico propriamente dito.

Nesse ínterim, os conteúdos trazidos pelo paciente foram elucidados pelo estudo do aporte teórico psicanalítico e discutidos em supervisão clínica, recursos que auxiliaram no esclarecimento de dúvidas relativas à conduta adotada no decurso das entrevistas preliminares, do manejo transferencial, das intervenções, assim como da compreensão dos avanços e retrocessos do paciente em relação ao andamento do processo psicanalítico.

No primeiro atendimento psicológico ambulatorial, o paciente chegou pontualmente, apresentou-se e relatou sobre o seu quadro clínico, demonstrando amplo conhecimento acerca de seu diagnóstico.

De acordo com Carlos, o início da doença se deu no começo de 2014. No fim de 2013, havia sido demitido pelo dono da empresa em que trabalhava, que, segundo ele, era um grande amigo de infância. Meses antes, recebera uma proposta de um colega para trabalhar em outra empresa, que era mais voltada à sua área. Carlos conversou com o dono de sua atual empresa sobre seu interesse no convite que recebera e ficou tudo esclarecido entre ele e seu chefe. O paciente comentou que não gostaria de sair do emprego sem dar esclarecimentos, já que essa atitude poderia magoar o chefe. Dias depois, o seu atual chefe teve um encontro com o chefe dessa nova empresa para a qual Carlos tinha interesse de ir e afirmou que se ele quisesse ter Carlos como funcionário teria que pagar a rescisão dele. Com tal proposta, o convite do paciente à nova empresa foi cancelado. Quando Carlos tomou conhecimento desse encontro, ficou estarrecido e não entendeu o porquê da conduta de seu chefe. Disse que se fosse o caso, ele mesmo pediria a demissão. Carlos entendeu que seu chefe queria mantê-lo na empresa, embora não tivesse conversado com ele sobre o motivo do ocorrido. No entanto, cerca de dois meses depois foi demitido sem mais esclarecimentos. Carlos disse que jamais o seu chefe lhe forneceu um feedback sobre seu desempenho na empresa, e se houvesse essa devolutiva sobre sua produtividade teria se esforçado mais, se fosse o caso. O paciente continuou com muitas ruminações do motivo de isso ter ocorrido. Esse evento mostrou-se ter sido grande fonte de angústia para o paciente, o que foi percebido nas entrevistas preliminares.

No início de 2014, Carlos começou a enviar currículos para arranjar um novo emprego no meio corporativo. Disse que chegou a enviar até 600 currículos, porém, sem sucesso. "Era como se as pessoas não me vissem", dizia. Para pagar as despesas da casa, teve que pegar mais turmas na universidade onde lecionava, incluindo as turmas de ensino a distância, ciente de que isso poderia sobrecarregá-lo. Em meados de março do ano de 2014, alguns sintomas característicos da MG começaram a aparecer, como estrabismo agudo, ptose, disfonia (enfraquecimento da voz) e diplopia. Após uma longa bateria de exames médicos, foi constatado o diagnóstico de MG.

Na segunda entrevista psicológica, o paciente chegou pontualmente, mesmo dizendo que estava tendo problemas no metrô, se esforçando para não se atrasar. Chegou a verbalizar: "não posso pisar na bola", referindo-se ao psicólogo que o acompanhava.

Carlos afirmou que após a demissão da última empresa em que trabalhou, enviou um currículo para uma empresa concorrente, chegando a ser chamado para uma entrevista de emprego. Teve a ajuda de um familiar para levá-lo de carro até lá e, assim que desceu do carro, segundo o paciente, seu "pescoço caiu", tendo que apoiar o queixo com a mão para chegar até a empresa. "O 'que que' tá acontecendo comigo?", relatou.

Após a entrevista de emprego, o familiar que lhe havia dado carona não estava mais ali e precisava se encontrar com a esposa, que estava fazendo compras em um local próximo. Decidiu ir até lá a pé mesmo, já que a distância era de um quarteirão apenas, embora ainda estivesse com o problema no pescoço, simplesmente para não incomodá-la.

Carlos mostra-se uma pessoa que não gosta de incomodar ou dar trabalho aos outros, ou mesmo decepcionar as pessoas ao seu redor, tendo que "dar o braço a torcer" agora que está com a doença, pedindo ajuda em muitas circunstâncias devido a sua fraqueza muscular, mesmo isso ferindo seu orgulho, conforme relata.

Seu trabalho na universidade também não foi mais possível de ser realizado, devido às limitações adquiridas pela doença, sendo afastado pela previdência social.

Ele participa, com a esposa, de um grupo de amigos que realizam apresentações musicais. Reúnem-se semanalmente para discutirem sobre os projetos musicais, mas após a instalação da MG, em grande parte das vezes em que Carlos tentava falar na reunião, começava a gaguejar, tendo sua mulher de intervir para dar continuidade. O paciente toca alguns instrumentos, mas durante as apresentações chegava a ter fortes dores no braço, além de tremores nas mãos.

Como se percebe durante o relato, a intensificação de seus sintomas sempre se dava em situações bastante peculiares, a ver, sempre que lidava com o público, sendo isso algo do qual ele nunca teve problema anteriormente, pois de acordo com Carlos, "eu chegava a dar palestras para mais de trezentas pessoas". Reitera que tem uma boa oratória, mas que essa qualidade tem sido prejudicada no contato com as pessoas, crendo que isso tem relação com os sintomas da MG.

Notou-se que em boa parte das sessões, ao chegar, o paciente queixava-se de alguma dor no corpo, como na perna, no braço e na garganta, assim como comentava sobre as limitações da doença. A partir daí, houve intervenções psicológicas no sentido de fazer com que Carlos simbolizasse sobre essas dores localizadas no corpo e as limitações impostas pela MG. Ele sabe de suas limitações, mas argumenta: "Às vezes desgasta falar dos sintomas" .

Ao longo das sessões, Carlos começou a falar um pouco de seu estado emocional. "Por mais que eu fale muito, tenha um bom discurso, como você percebeu, eu tenho tomado um certo cuidado para não me deprimir quando penso naquilo que não aconteceu". O psicólogo questionou o que é que não havia acontecido. A seguir, Carlos comentou que às vezes se comparava com colegas de profissão, que agora estão bem de vida, com bons cargos, e se cobrava por isso. Isso tem ocasionado um lado de insegurança e incapacidade de sua parte, ao que diz. Ao ser indagado sobre isso, se recordou de sua última experiência no mundo corporativo, quando foi demitido. Sua esposa lhe disse que esse foi o evento causador da MG. Quando o psicólogo lhe pergunta se acreditava nisso, Carlos diz: "eu não quero acreditar" .

A respeito do ramo corporativo, disse: "Dependendo do ramo, é preciso ser mais agressivo, mais ambicioso", e refere que houve ocasiões em que faltou de sua parte ter sido mais agressivo e ambicioso, sentindo-se frustrado por conta disso. No trabalho, sempre buscou ter alguém como referência para que pudesse ambicionar. Em suas palavras: "ambição é sonho [...] mostra que você está vivo".

Queixava-se de que estava recebendo críticas de pessoas de seu convívio familiar, referente a qualquer ajuda que se dispunha a dar. Achava que não fazia mais tudo da forma correta, devido ao seu quadro clínico.

Quando questionado se antes da instalação da doença também recebia críticas, afirmou que sim. Recordou-se que sua mãe sempre foi muito rígida com ele. "Não faça isso, não faça aquilo, se não vai acontecer isso", reproduzindo como a mãe lhe falava. Disse que teve essa rigidez desde sua criação. Tentava não reprovar de ano na escola para não apanhar ou tomar bronca dos pais, ao invés de obter uma satisfação por isso. "Com isso, você acaba criando valores e referências para si", afirma. E complementa: "Me coloquei na posição de me autocastigar se fizesse algo errado". Isso fez com que sempre fosse muito perfeccionista em tudo que se propunha a fazer.

 

Discussão

Os sintomas que o paciente traz em seu relato, referente à sua condição clínica, como ptose, disfonia e diplopia, são comumente encontrados no início da MG (Cunha, Scola & Werneck, 1999b; Aguiar et al., 2010). Por ser de origem autoimune, a junção neuromuscular é gravemente afetada (Carvalho et al., 2005), ocasionando uma fraqueza muscular persistente (Cunha, Scola & Werneck, 1999a; Branco et al., 2011) que, mesmo após terem sido incluídas em seu tratamento a corticoterapia e a timectomia (Burns, Ryan & Jones Jr., 2006), houve a continuidade das manifestações sintomáticas e suas subsequentes limitações funcionais, sendo esse resultado o mais frequente em muitos casos de MG (Rowland, 2003).

A repercussão da MG em sua vida gerou ansiedade e depressão, tal como foi descrita no encaminhamento médico, e confirmada durante o processo psicoterapêutico, uma vez que esses transtornos psiquiátricos são os mais habitualmente encontrados nessa patologia (Ybarra et al., 2011). Como declara Maria Rita Kehl (2009, p. 53): "Onde quer que se encontre o sujeito, encolhido pela depressão, é lá que o analista deve ir buscar a expressão significante de seu sofrimento". Nessa acepção, a análise realizada teve por finalidade fazer emergir o sujeito do inconsciente, auxiliando o paciente nesse trabalho psíquico a conferir sentido diante das perdas suscitadas pelo seu adoecimento. Quanto à questão da ansiedade, se a tomarmos como um sinal diante da iminência de um perigo externo identificado pelo ego, como orienta Freud (1926[1925]/2006), podemos compreender a lógica das manifestações sintomáticas apresentadas por Carlos. A demissão do trabalho do paciente, ocorrida de forma repentina e sem uma justificativa plausível, conforme o relato, o colocou diante de uma situação de perda, ou seja, uma situação potencialmente traumática. Não dispondo de recursos psíquicos para elaborar esse evento, já que teve de recorrer rapidamente a outras formas de suprir suas despesas, instaurou-se um trauma evidenciado em outras situações subsequentes, como nas dificuldades de expor suas aulas na universidade e na ocasião da entrevista de emprego. Ambas as situações precipitaram um perigo percebido pelo ego, que sinalizou recorrendo aos sintomas da MG, pois poderiam remetê-lo, novamente, à perda, com a qual o paciente não conseguia lidar.

Durante o tratamento de ensaio, como proposto por Freud (1913/2006), ou nas entrevistas preliminares, como sugere Lacan (1971-1972/1997), a função do psicanalista é a de questionar o sintoma do paciente, a fim de verificar "a que esse sintoma está respondendo, que gozo esse sintoma vem delimitar" (Quinet, 2009, p. 16). Sabe-se que o gozo no corpo "é sempre da ordem da tensão, do forçamento, do gasto, até mesmo da proeza. Há incontestavelmente gozo no nível em que começa a aparecer a dor" (Lacan, 1966/2001, p. 12).

A dificuldade do paciente em elaborar a experiência traumática da demissão do trabalho, transformando-a em um sintoma analítico, mostrou ser uma grande fonte de angústia no paciente, que eclodiu no corpo, produzindo a erupção de sintomas próprios da MG em momentos em que entrava em contato com seu desejo (Coppus & Bastos, 2012), como das vezes em que gaguejava ou que tinha tremores nas mãos quando lidava com o público. Miller (1990) orienta que o FPS seria o trauma inscrito diretamente no corpo, com a ausência da transposição da estrutura da linguagem, o que nos mostra como Carlos pode relatar sobre um evento traumático, sem, contudo, se implicar com esse fragmento de sua própria história, já que, como concebe Valas (1990), não há possibilidade de subjetivação no caso dos FPS.

Carlos acreditava que se tivesse se esforçado no trabalho não teria sido demitido, o que evidencia insegurança e incapacidade de sua parte. Durante boa parte do acompanhamento psicológico ambulatorial, ruminava os motivos que o levaram à demissão, trazendo essa questão ao longo das sessões. Se autocastigava caso falhasse e, por isso, tentava ser perfeccionista em tudo que fazia. Em seu relato, comenta que era necessário em sua área de trabalho ter mais ambição. E, se nas palavras do paciente, ter ambição é estar vivo, logo, ele reconheceu a sua mortificação. Como relata Carlos, ter alguém como referência no trabalho para poder ambicionar mostra que este alguém sustenta o lugar do Outro. No caso, Carlos pode ambicionar, mas não pode ter, pois isso resultaria na destituição do Outro (Lacan, 1957-1958/1999), que é justamente o que marca o impasse da neurose obsessiva, visto que seu desejo é dado como impossível (Dunker, 2016), em decorrência da privação do Outro (Dunker, 2011). Desse modo, constituiu o seu sintoma neurótico obsessivo a partir das ruminações, de modo a se resguardar do olhar do Outro detentor do gozo, escamoteando o seu desejo (Quinet, 2002, 2009).

Ao falar sobre a doença em si, a dificuldade de simbolização era notória, como é o esperado em casos de pacientes psicossomáticos (Nicolau, 2008). Pelo fato de o FPS ser impossível de ser lido (Lacan, 1975/1998), o manejo realizado pelo psicólogo de orientação psicanalítica intentou deslocar o sofrimento de um gozo fixado no corpo, trabalhando em cima das representações inconscientes, e da dimensão subjetiva, trazidas pelo paciente, na busca da construção de um saber (Nicolau & Guerra, 2012; Ventura & Nicolau, 2014). Foi propriamente essa passagem do FPS ao sintoma que demarcou a mudança de sua posição subjetiva, que até então era caracterizada pelas manifestações no corpo como respostas decorrentes de suas experiências de vida, sem as quais pudesse simbolizar, como uma escrita que não se dá a ler (Rinaldi, Nicolau & Pitanga, 2013). Carlos mostrava-se petrificado diante da manifestação dos sintomas da MG, que escapavam ao seu saber. Como o próprio paciente dissera, falar sobre os sintomas da MG era desgastante, visto que não havia como se dar a construção de um saber a partir do FPS. É dessa forma que Fonseca (2007a, 2007b) propõe que o sentido pode ser buscado fora do organismo, pela via do gozo fálico, já que o FPS implica o gozo do Outro. Isso foi possível quando Carlos começou a relatar sobre questões que não se limitavam ao organismo, permitindo a construção do sintoma analítico.

O masoquismo originário, tal como referido anteriormente, advém por meio de uma pulsão que atinge o próprio organismo. Por conseguinte, Guir (1990) explicita que esse conceito remete às doenças autoimunes, como a MG, que afeta Carlos.

Sabe-se que em qualquer modelo metapsicológico em que envolva o corpo há sempre algo de real, um reduto subjetivo impossível de ser apreendido, sendo esse espaço chamado de carne, como proposto por Dunker (2006) em sua abordagem lacaniana. Mas tendo em vista que o atendimento psicanalítico ambulatorial sustentou-se pela orientação psicanalítica, foi possível promover a fala do paciente, uma vez que essa é a função do analista, conforme orientam Figueiredo (1997), Victor e Aguiar (2011). Nesse sentido, como sugere Fédida (1995, citado em Fernandes, 2011), enquanto o trabalho do analisante consiste em recordar, repetir e elaborar, o trabalho do analista baseia-se em receber, conservar e reconstituir. Assim sendo, foi possível, por meio de uma escuta analítica, reconstituir a dimensão onírica do paciente, de modo a receber e conservar no próprio corpo do analista os traços de dor que lhe eram dirigidos, permitindo, com isso, uma compreensão maior acerca de seu sofrimento psíquico, que se apresentava sob a forma de manifestações corporais. Para Moretto (2006), posto que o adoecimento se coloca como um evento singular, que provoca uma descontinuidade na história subjetiva de um sujeito até então sadio, não há como prever como cada indivíduo reagirá diante desse processo do adoecer, ainda que seja realizado o diagnóstico estrutural, cabendo ao analista considerar a particularidade de cada caso. Como aponta a autora,

É importante transmitir também que, da história de um ser humano que habita um corpo que adoece, se deparando com a finitude, com a dor de existir e o pavor de deixar de existir, daí brota um sofrimento que texto algum consegue esgotar. Se entendemos que o corpo é o suporte da singularidade graças à alteridade, que possamos respeitar a subjetividade de quem sofre sem a covardia de qualificá-lo pelo tipo de doença, com a coragem de escutá-lo para daí saber o que virá. Mesmo que não saibamos o que fazer com isso, seja o que for, o que vier, virá de um Homem. (Moretto, 2006, p. 118)

Essa citação confirma a hipótese de que o objetivo do psicólogo e psicanalista no hospital é o de possibilitar que o paciente possa relatar sobre a vivência subjetiva de seu adoecimento (Simonetti, 2013), constituindo um contraponto no hospital, na medida em que se proporciona uma escuta quanto a esses fatores que escapam ao saber médico (Moretto 2013), permitindo, dessa forma, a inclusão da verdade do inconsciente do sujeito na cena médica (Juhas, 2014), fazendo com que o sofrimento não se restrinja única e exclusivamente à dimensão do corpo.

 

Considerações finais

O presente estudo verificou que a MG ocasiona limitações funcionais e pode gerar transtornos psiquiátricos que impactam negativamente na qualidade de vida do paciente. Por intermédio da compreensão psicanalítica, é possível criar um cenário em que o paciente possa simbolizar as perdas acarretadas pela sua condição de adoecimento, origem de seus sintomas depressivos. A manifestação da ansiedade no paciente pode ser interpretada como um sinal do ego diante de situações potencialmente traumáticas, mostrando-se como um mecanismo de fuga diante das perdas.

As entrevistas preliminares são de suma importância para a direção da análise. Tal como foi explicitado no presente caso, esse momento foi essencial para que se pudesse identificar a estrutura neurótica do paciente, cujo tipo clínico era a neurose obsessiva, caracterizada por suas dificuldades em entrar em contato com seu desejo, tido como impossível.

A impossibilidade de transformar um evento traumático em sintoma analítico pode se tornar origem de uma angústia que repercutirá em manifestações no corpo, a ver, os FPS. A construção do sintoma analítico nesses casos só é possível quando se dá essa travessia da dimensão orgânica para a dimensão subjetiva, reinserindo o sujeito no campo do gozo fálico, cabendo ao psicólogo hospitalar fazer com que o sofrimento restrito à dimensão do corpo se faça presente pela fala do paciente, por meio de intervenções que visem trazer à tona a subjetividade que lhe é encoberta pelo discurso médico.

 

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Recebido em: 10/08/2017
Aprovado em: 27/08/2018

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