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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.13 no.3 Belo Horizonte set./dez. 2020

https://doi.org/10.36298/gerais202013e14919 

ARTIGOS

 

Atuação do psicólogo na unidade pediátrica em iminência de cirurgia cardíaca

 

Psychologist's performance in the pediatric unit in imminence of cardiac surgery

 

 

Alexandre Marques Alves

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Belo Horizonte, Brasil. E-mail: alexandremarques.alves@hotmail.com. (orcid.org/0000-0002-1274-6542)

 

 


RESUMO

O presente artigo, a partir do método de revisão bibliográfica da literatura, visou identificar e descrever a atuação do psicólogo hospitalar em manejar estratégias que possam preparar crianças com cardiopatias congênitas e seus familiares para o procedimento cirúrgico. A psicoprofilaxia realizada pelo profissional objetiva a preparação psicológica pré, peri, e pós-operatória e viabiliza meios de a criança enfrentar e dar novo significado ao processo a que é submetida. Ressalta-se que a eficácia do pós-operatório e, por conseguinte, a desospitalização exitosa, está diretamente relacionada com a preparação psicológica pré-cirúrgica realizada pelo psicólogo de forma tríade - o paciente infantil, seus familiares e a equipe de saúde. Este trabalho é de significativa importância para a compreensão do indivíduo em processo de adoecimento e resgate da subjetividade, bem como para possíveis contribuições para formação e atuação profissional hospitalar.

Palavras-chave: Atuação do psicólogo. Pediatria. Cardiopatia. Cirurgia na infância.


ABSTRACT

The present article, based on the method of bibliographic literature review, aimed to identify and describe the role of the hospital psychologist in managing strategies that can prepare children with congenital heart disease and their families for the surgical procedure. The psychoprophylaxis performed by the professional aims the pre, peri and postoperative psychological preparation and enables the means for the child to face and give new meaning to the process to which it is submitted. It is noteworthy that the effectiveness of postoperative period and, consequently, the successful deinstitutionalization, is directly related to the pre-surgical psychological preparation performed by the psychologist in a triad - the child patient, his family and the healthcare team. This work is of significant importance for the understanding of the individual in the process of becoming ill and rescuing subjectivity, as well as for possible contributions to hospital professional training and performance.

Keywords: Psychologist's performance. Pediatrics. Cardiopathy. Surgery in childhood.


 

 

Introdução

A atuação do psicólogo no contexto hospitalar é um espaço profissional ainda com reconhecimento incipiente pela comunidade científica e a sociedade em geral, devido à falta de informação de sua relevância para a equipe multidisciplinar com vista a minimizar os impactos psicoemocionais advindos dos processos de hospitalização e desospitalização. Sob a visão distorcida e reducionista de ser aquele que aplaca ou desata processos intrincados do doente que não "aderiu ao tratamento" ou ao discurso médico, o profissional é solicitado a posicionar-se criticamente em relação a questionamentos presentes no cotidiano dos hospitais e sua complexidade.

De acordo com Melo (2015, p. 28), a Psicologia nos hospitais iniciou por volta de 1950 e se configurou como psicologia hospitalar com a intervenção de Matilde Neder a partir de 1954, ou seja, anterior ao seu reconhecimento constitucional como profissão em 1962. Em 1987, a psicóloga Ana Maria Pueyo B. de Magalhães iniciou um programa de intervenção para crianças com transtornos emocionais advindos da hospitalização no Hospital Odilon Behrens, em Belo Horizonte/MG - Brasil (Miranda, 2015).

Essas menções caracterizam a importância desse saber no processo de adoecimento do sujeito, o qual tem em vista minimizar os impactos emocionais acarretados por diversos acometimentos, a priori orgânicos, mas que, concomitantemente, são acompanhados por conflitos psíquicos desencadeados no processo de hospitalização. Tal situação carece de estratégias para a preparação de intervenções cirúrgicas de baixa ou alta complexidade, como a cirurgia cardíaca em crianças com cardiopatia congênita, público-alvo deste artigo.

Diante da ampla temática, este estudo é o resultado de um Trabalho de Conclusão de Curso proveniente de observações advindas de uma experiência de estágio curricular na Pós-graduação Latu Senso em Psicologia Hospitalar, realizado em um reconhecido complexo hospitalar de Belo Horizonte em 2016, mais especificamente na Clínica de Pediatria dessa instituição, o qual buscou compreender uma parcela dessa realidade.

O profissional de Psicologia na unidade pediátrica é de significativa importância, pois ali as fragilidades humanas são amplificadas e coexistem com as da criança, fato que implica para o paciente pueril um processo de hospitalização que pode ser compreendido de forma multifatorial. Tais aspectos abarcam as fantasias, medos, angústias, frustrações, perdas, falta de sentido e luto no paciente infantojuvenil que vivencia tais sentimentos com agudeza, pois a internação hospitalar está para além da debilidade orgânica. Há uma invasão do "outro" em seu mundo privado e esse "outro" é importante para sua formação e crescimento pessoal, mas, ao mesmo tempo, o ameaça.

É importante destacar que tais condições estão presentes na criança e em seus familiares conforme a complexidade do quadro clínico, desenvolvimento psíquico, a história de vida, a relação com o adoecer, bem como as experiências anteriores à internação. Para compreender essa realidade, o presente artigo, fruto de uma pesquisa de revisão bibliográfica, visou identificar as estratégias adotadas na unidade pediátrica pelo psicólogo para lidar com pacientes cardiopatas em iminência de cirurgia e seus familiares. Ressalta-se quanto aos objetivos específicos: identificar a aquisição de novos significados pré, peri e pós-cirúrgico da criança e seus familiares; descrever as possíveis intervenções com a família e responsáveis; identificar benefícios da atuação do psicólogo com vistas a minimizar os impactos emocionais da intervenção cirúrgica e contribuir com o estudo para possível formação e atuação do profissional em Psicologia Infantil no âmbito hospitalar.

 

Método e Revisão Bibliográfica

Método

O presente artigo realizou uma revisão bibliográfica com base em diversas plataformas de trabalhos científicos disponíveis na internet, como o Portal de Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC) e Scientific Electronic Library Online (SciELO), referências de estudos acadêmicos, bem como na literatura em Psicologia. Delimitou-se como teoria norteadora a abordagem existencial humanista, com vista a responder à temática em voga.

Para Lakatos e Marconi (2003), a pesquisa bibliográfica tem um cunho abrangente, o que possibilita ao pesquisador lançar mão de estudos científicos já publicados em diversas modalidades e meios comunicacionais. Tal método permite novos paradigmas a partir de conclusões já alcançadas; é a aceitação de atuar sobre sedimentos sobrepostos visando ampliar a leitura da realidade.

A revisão de literatura ou revisão bibliográfica apresenta como aspecto importante a "[...] construção de uma contextualização para o problema e a análise das possibilidades presentes na literatura consultada para a concepção do referencial teórico da pesquisa" (Alves-Mazzotti, 2002, apud Vosgerau & Romanowski, 2014, p. 170). Fator que possibilita, por conseguinte, realizações de análises, discussões e ensaios teóricos (Vosgerau & Romanowski, 2014).

A Psicologia, a Cardiopatia e o Poder

A Psicologia na instituição hospitalar é profissão relevante para todo o contexto na qual está inserida, pois desvela as linhas tênues das relações institucionais, de poder e interpessoais que afetam diretamente o público atendido. Apresenta-se como agente reflexivo diante de conflitos e desafios por meio do saber psicológico, o que promove articulações necessárias para delinear estratégias para o bom andamento de relações mais humanizadas, as quais se iniciam por meios comunicacionais adotados pela equipe, mais especificamente na Pediatria Geral.

Sabe-se que o ambiente hospitalar para a sociedade em geral ainda tem como representação a finitude, local no qual o indivíduo é destituído de sua autonomia para ser objeto de cuidados de diversos profissionais. E quando o indivíduo é uma criança que está em processo de aquisição da autonomia, as dificuldades se multiplicam, pois o discurso do outro tem papel preponderante, haja vista que esse acontecimento é pouco estimulado.

Segundo Morsch e Aragão (2006, s/p),

No hospital, a criança encontra, além dos aparelhos e exames, conceitos verbais novos e diferentes, expressões até então desconhecidas. Assim, ela já não come - a pergunta é: "Ela recebeu a dieta? Aceitou bem? Permanece na parenteral? Gavagem?". Ela já não faz xixi, mas sim "Ela apresentou diurese? Quanto?", para citarmos apenas algumas das novidades. Não estamos dizendo que os profissionais falam assim "com" ela, mas, sem dúvida, discutem assim "sobre" ela, à beira do leito ou mesmo na porta do quarto com outro profissional, nas bancadas das UTIs, onde tudo é visto e acompanhado por quem se sabe objeto de dicussões e de preocupações.[...].

Anterior à hospitalização, a criança estava em curso de uma linguagem própria de seu universo infantil que facilitava compreender e ser compreendida. De repente vê-se inserida em uma cama de procusto, mito grego referente a Procusto, um bandido que tinha um leito com suas medidas exatas e obrigava seus hóspedes a deitar-se em sua cama de ferro e encaixar-se nos padrões já estababelecidos. Tal metaforização retrata o contexto hospitalar, no qual o paciente é forçado a adaptar-se à realidade desconhecida, com uma linguagem institucional diferente do seu entendimento infantil, bem como de seus familiares. Conforme , Morsch e Aragão (2006), hábitos da vida prática e diária são nomeados com linguagem técnico-científica que em nada representa os significados de sua realidade, distanciada do ideal de humanização preconizado nas instituições hospitalares.

Tal fato, além de dificultar a comunicação e a ruptura com a realidade da criança, acentua o medo do desconhecido, o qual funciona como dispositivo disciplinar, conceito explanado por Foucault (2004) cuja amplitude toma dimensões impressionantes no âmbito hospitalar. O médico ou outro profissional da saúde que não explica ou não torna compreensível a sua linguagem pode utilizar desta para "controlar" o paciente, o qual permanece submisso, assujeitado e sem questionamento acerca de seu processo de adoecimento. O familiar/responsável, intermediário comunicacional da criança, pode ser suprimido das informações precisas, clarificadas, o que prejudica o processo de hospitalização. Ainda nesse contexto, tais profissionais podem vir a ser alvos de judicializações futuras.

Humanizar em instituições hospitalares, em linhas gerais, é tornar-se mais humano, e não há algo mais proeminente no ser humano e que o distingue como tal do que a linguagem verbal. Assim, destaca-se que todo processo de humanização, no sentido bem posto da palavra, deve iniciar-se nesse aspecto.

O psicólogo hospitalar, nesse contexto, está inserido social e institucionalmente em uma linha tênue, pois sua intervenção está direcionada para pacientes que apresentam adoecimento congênito em um órgão - o coração - que culturalmente representa um valor social agregado. A etimologia da palavra cardiopatia1 deriva do francês cardiopathie, que significa "qualquer doença ou afecção do coração". Já o termo congênita2 deriva do latim congenitus, que significa "que se manifesta desde o nascimento ou antes dele; espontânea".

Tais apontamentos salientam a complexidade e a necessidade de preparo do paciente infantil e seus familiares para enfrentar um procedimento cirúrgico invasivo, de maneira que possa vir a minimizar os riscos psicológicos. Cabe ao psicólogo hospitalar subsidiar recursos psíquicos com vista a aumentar os índices de sobrevida.

O Preparo Psicológico Pré-cirúrgico

Pensar em preparo psicológico, aprioristicamente, pode apresentar conotação mecanicista, questão apresentada por René Descartes (1979/2015) na "Quinta Parte" de O Discurso do Método, o qual comparou o corpo com a máquina, um autômato, com aparente despersonalização do sujeito. Mas visto que o enfoque é a psicoprofilaxia, tal intervenção é imprescindível. De acordo com as ideias de Beaumord (2015), trata-se da prevenção psíquica de emoções e comportamentos exacerbados diante de uma circunstância atípica, para evitar ou minimizar possíveis eventos traumáticos no contexto hospitalar. Por meio de uma escuta qualificada, recursos lúdicos - quando necessário - e informações precisas, tornam-se acessíveis várias possibilidades terapêuticas no processo de hospitalização, em especial para a criança.

A preparação3 psicológica pré-cirúrgica é caracterizada pela formação de um conjunto de conhecimentos e aprendizagens que ressaltam sua relevância, composta de diversas estratégias4 para atingir ou aproximar o objetivo colimado.

Segundo Crepaldi e Hackbarth (2002, apud Broering & Crepaldi, 2008, p. 62),

Já nas décadas de 1960 e 1970 estudavam-se os benefícios da preparação de criança para cirurgia e demais procedimentos invasivos, como também a importância da participação dos pais na hospitalização, como fatores relevantes no combate ao estresse e consequências nocivas da internação, além de proteger a criança de danos em seu desenvolvimento.

Em um preparo psicoprofilático pré-cirúrgico, devem ser levados em consideração a idade da criança e seu nível de desenvolvimento. Para crianças sem a possibilidade da verbalização, geralmente bebês, os pais/responsáveis são intermediários diretos na relação pais-bebê-equipe de saúde, conferindo aos profissionais melhor percepção da comunicação não verbal (Andrade & Moura, 2002).

Articuladas à vivência hospitalar, as crianças menores de cinco anos inscrevem-se no estágio de pré-operacional, no qual apresentam pensamentos mágicos e atitudes egocêntricas, cuja vivência é percebida na separação dos pais/responsáveis durante o pós-operatório no CTI infantil. O paciente infantil experimenta esse momento de cisão com fantasias, sentimentos de rancor e mágoa dos pais/responsáveis por se sentir abandonado. Entre cinco e sete anos, a criança apresenta nível de desenvolvimento conhecido como operações completas, pois tem subsídios para compreender causa, efeito e as consequências de ambos. A partir de oito anos, o infante já consegue perceber os acontecimentos sem dificuldades, na medida em que tem recursos psíquicos para compreender a preparação cirúrgica, a separação dos pais/responsáveis, o pós-operatório no CTI, a iminência de morte e algumas intercorrências da enfermaria na qual se situa. Apesar disso, fantasia a vivência de hospitalização com o sentimento de culpa, punição ou até mesmo manifestando sintomas psicossomáticos por algum comportamento que apresentou anterior à internação. Aos nove anos, no estágio operação formal, verbaliza com mais clareza acerca de seus sentimentos e fantasias e apresenta maior capacidade de abstrair, generalizar, induzir e deduzir a partir das informações que recebe (Andrade & Moura, 2002).

Embora as fases do desenvolvimento apresentadas estejam delimitadas em estágios etários definidos, a maturidade psicoemocional é significativa para a inscrição da criança na faixa correspondente. Outro fator importante é que, devido a experiências traumáticas, a criança pode apresentar mecanismos de defesas como regressões, formação reativa, projeção, racionalizações, ganhos secundários. Mecanismos esses que também podem ser observados nos pais/responsáveis (Andrade & Moura, 2002).

Outro aspecto que deve ser considerado na preparação pré-cirúrgica é o medo do desconhecido, que filogeneticamente está atrelado à preservação, à defesa da espécie, possibilitando a evolução e regulação do mecanismo de sobrevivência do ser. Para Broering e Crepaldi (2008, p. 63), essa é a "[...] principal causa de insegurança e ansiedade do paciente pré-cirúrgico. Ele teme a morte, a anestesia, o procedimento, a recuperação [...]". Tal sentimento no paciente, associado a reduzidas chances de sobrevida, pode desencadear dificuldades na aceitação de procedimentos e atualizar fantasias que, sem a devida elaboração, podem comprometer o pós-operatório e a vida diária da criança.

Além disso, um fator fundamental para o manejo de estratégias de preparação inicia-se na postura do profissional diante da criança. Para Rogers, parafraseado por Moreira (2010), a abordagem centrada na pessoa apresenta atitudes facilitadoras relevantes para o crescimento do cliente (paciente na unidade pediátrica):

[...] empatia, aceitação positiva incondicional e congruência. Através da empatia, o psicoterapeuta busca perceber e compreender o mundo do cliente na perspectiva dele. A aceitação positiva incondicional consiste no respeito incondicional, por parte do psicoterapeuta, à individualidade do cliente. A congruência, ou autenticidade, é descrita como o grau de correspondência entre o que o terapeuta experiencia e o que comunica ao cliente, sendo ele mesmo na relação terapeuta-cliente. [...]. (Moreira, 2010, p. 539)

A atitude do psicólogo na primeira abordagem entre a criança e seus familiares pode caracterizar uma estratégia facilitadora, que visa entrar em contato com a experiência da criança, seu adoecimento, sua noção de saber e as circunstâncias que os levaram àquele ambiente, compreendendo-os empaticamente. Os demais aspectos, como compreensão da família em torno do quadro clínico, experiências anteriores de hospitalização, cultura familiar, questões religiosas e espirituais, psicossociais e dimensão do luto, representam aspectos multifatoriais dessa compreensão.

Além disso, o profissional de Psicologia deve ater-se à comunicabilidade mais assertiva para transmitir informações (visuais, escritas ou verbais) para o paciente infantil, bem como as comorbidades que afetam direta ou indiretamente a intervenção atual. Esse manejo tende a contribuir para a descoberta do desconhecido por parte da criança e, por sua vez, instrumentalizar a relação terapêutica psicólogo-criança-família-equipe de saúde de maneira autêntica (Le Roy & Cols, 2003, apud Broering & Crepaldi 2008).

Em todo hospital geral, o Centro de Tratamento Intensivo (CTI), bem como a Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), têm uma representação social negativa e distorcida da realidade desse espaço. No imaginário social, o indivíduo encaminhado para essa unidade de tratamento está fadado à morte, cabendo ao psicólogo hospitalar desmitificar aos pais/responsáveis, familiares e criança o funcionamento desse local.

Na UTIP, ambiente que acolhe para tratamento apenas crianças e adolescentes, uma das maiores dificuldades encontradas é o longo período de permanência e as condições de saúde da criança internada, o que acarreta sentimentos de impotência, angústia de separação e ansiedade elevada nos pais. Já a criança experiencia esse ambiente com sentimentos de abandono, angústia, devido à separação dos pais, privação, ansiedade e desconhecimento das rotinas, procedimentos e equipamentos ali presentes (Andrade & Moura, 2002).

Como estratégia de preparação psicológica pós-cirúrgica, nessa fase psicoprofilática inicial, o psicólogo possibilita à criança conhecer os procedimentos a que pode ser submetida, como drenos, ventilação mecânica, sonda, monitores, soros, oxímetros, injeções, entre outros. O toque, o carinho por parte da equipe de saúde que promove o cuidado intensivo, visa minimizar a ausência dos pais, que podem visitá-la em horário determinado. Tais fatores propiciam à criança maior segurança em relação à equipe nesse período de afastamento da família (Andrade & Moura, 2002). Vale destacar que, atualmente, existem UTIPs que aceitam a presença do responsável pela criança em caráter excepcional, mas esse fato ainda não representa a realidade do país.

A psicoprofilaxia peri-cirúrgica, que é a intervenção psicológica durante a cirurgia, é impraticável, já que no quadro de cardiopatia congênita é necessário que tal intervenção médica seja realizada com o paciente sedado em nível de Sistema Nervoso Central (SNC), comumente conhecida como anestesia geral. O psicólogo pode ser solicitado, em casos excepcionais, a acompanhar a criança até o bloco cirúrgico, aguardando que ela seja efetivamente anestesiada, ou depois desse momento. Para Módolo, (2006, p. 1045) a "[...] agitação no despertar parece ser desencadeada por múltiplos fatores, desde imaturidade psicológica, ansiedade, temperamento, dor, etc. [...]". Assim, a preparação anterior a esse momento, o vínculo estabelecido com a paciente e seus familiares, implica no sucesso do pós-operatório, o qual geralmente se inicia na enfermaria, como já descrito.

A preparação psicológica pré-cirúrgica e de procedimentos, cuja importância é inquestionável, apresenta-se bem discutida na área da Atenção em Saúde. Entretanto, nas abordagens da Psicologia, sua análise é escassa. Das contribuições, destacam-se:

1. Teoria Cognitiva Comportamental - apresenta esquemas de reforçamento, modelagem, dessensibilização, treinamento dos pais/responsáveis, entre outras técnicas que contribuem efetivamente para aquisição de novos repertórios comportamentais na contingência hospitalar, ressaltando a emissão de comportamentos mais adaptativos e a supressão dos esquemas e regras inadequados (Beck, 2014);

2. Abordagem Psicanalítica - a preparação da criança se inscreve na escuta do binômio criança-família e na representação que o paciente cardiopata apresenta para os seus entes, como destaca Finkel (2000). Em 1957, Dora Kalff desenvolveu o instrumento psicológico de caráter não verbal chamado "Jogo de Areia", que se constituiu sob a técnica de Margareth Lowenfelf, psicanalista inglesa, que utilizou bandejas de zinco com areia no tratamento de seus pacientes. Kalff alia essa técnica à teoria de C. G. Jung, na qual observou que seus pacientes, ao construir cenas em miniaturas, liberavam conteúdos do inconsciente; ao entrar em contato com essa dimensão simbólica, abrem possibilidades às potencialidades (Machado et. al., 2001);

3. Abordagem humanista - em Broering e Crepaldi (2008), encontram-se apenas menções de estratégias para uso de entrevistas motivacionais com vista à preparação de pacientes a procedimentos, o que apresenta a pertinência dessa contribuição científica para a criança e seus familiares, ressaltando a escassez de estudos relacionados a essa área.

A Criança e sua Família: Sentido e Ressignificações

A família, mais especificamente os pais/responsáveis, chega à unidade hospitalar com um sentimento de angústia e impotência diante do quadro clínico, pois o diagnóstico prévio a leva ao sofrimento. Segundo Broering e Crepaldi (2008, p. 66), "pais com crianças menores possuem alto grau de ansiedade [...], já outros que o filho já havia sido submetido por algum procedimento anterior foram menos ansiosos", sendo assim, as autoras apontam para a importância das informações pré-cirúrgicas.

Observa-se que o familiar, em seu imaginário, concebeu a criança como seu ideal, o maior projeto de vida. Ao constatar a doença e deparar-se com a iminência de perda do recém-chegado, vê-se dicotomizada em pensamentos de vitimização e culpa: "Por que Deus fez isso comigo? O que fiz de errado?", o que leva a uma projeção da responsabilidade do sofrimento do filho ou, em última análise, à acusação entre o casal na tentativa de responsabilizar sua herança ontogenética pela doença da criança, isentando-o do sentimento de culpa apresentado (Finkel, 2000).

Segundo a autora, há desfechos mais complexos na tentativa de resolver esse impasse psíquico de não aceitação entre os pais.

[...] É comum o abandono pelo pai que não suporta o desapontamento com o filho e com a mulher que o gerou, a partir de seu sêmen, uma criança com defeito. O abandono pode ser total - o pai desaparece da vida da criança ou, de forma menos visível, pela simples omissão -; ele não se intromete e somente à mãe cabem as decisões. A rejeição com o abandono por parte da mãe é mais rara, manifestando-se comumente através da entrega da criança à avó, principalmente quando a mãe é muito jovem [...]. (Finkel, 2000, p. 31)

A sociedade ocidental, mesmo em tempos pós-modernos, com diversos paradigmas conquistados, ainda é regida por uma cultura machista e patriarcal, a qual compreende o cuidar como lugar primacial da figura feminina. Além disso, a criança com cardiopatia congênita por vezes é percebida pela família e pessoas significativas como frágil e com iminência de óbito, desencadeando uma relação simbiótica com a figura de cuidado, cuja percepção pode ser de doação da própria vida em detrimento do sentimento de culpa (Finkel, 2000).

Além disso, tais crianças promovem impactos biopsicossociais em seus familiares, pois recebem, desde o nascimento, tratamento diferenciado e centralizador em detrimento dos demais irmãos. Assim surgem pais superprotetores com dedicação excessiva e assistência sem fundamento, que impedem o crescimento emocional dos filhos, os quais são inibidos de adquirir autonomia e independência, além de serem tolhidos no brincar e criar. Essa realidade expressa sentimentos encobertos de insegurança e dificuldade de renunciar à atenção especial, fator que desencadeia e alimenta o círculo vicioso de dependência, mesmo quando a doença apresenta-se curada - o que constata o ganho secundário5 do adoecimento (Andrade & Moura, 2002). Essas implicações acarretam conflitos em relações interpessoais, tendência regressiva de padrões emocionais e baixa autoestima (Andrade & Moura, 2002), o que sinaliza a importância de estratégias de preparação psicológica com o objetivo de minimizar a situação da criança hospitalizada.

Quando a criança é diagnosticada com cardiopatia congênita (seja intrauterina ou nascitura), seus familiares são convocados a ressignificar, apresentar outro significado à existência simbólica para que a criança possa existir de fato no real, com suas limitações, debilidades e potencialidades a serem desenvolvidas. Um dos aspectos que podem dificultar a ressignificação e reforça a culpabilização do(a) parceiro(a) pela má formação do filho é o mecanismo de defesa da negação, exemplificado em um dos estágios por Kübler-Ross (1969/2008) como fator impeditivo para a concretude do fato.

Segundo Carneiro e Abritta (2008, p. 193),

[...] Estamos mais habituados a descobrir sentido na criação, como na arte e na poesia, ou na construção de vínculos afetivos. Mas não estamos acostumados a descobrir sentido no vazio. Assim como os sentidos são únicos, eles também são mutáveis. O que pode nos levar a descobrir algum propósito também em situações desfavoráveis [...].

Ao deparar-se com um quadro clínico complexo e um diagnóstico fechado, os pais/responsáveis podem esbarrar com o vazio depois do alto nível de angústia que culmina em um desespero ameaçador. Este, por ser desconhecido e colocar em jogo a dor, convida a novos paradigmas e significados existenciais, corroborando a tendência atualizante que todo o Ser-doente e seus familiares têm ao realizar novos projetos existenciais, mesmo que seja de aceitar a finitude, ressignificando-a.

O Lúdico como Estratégia de Intervenção

De acordo com o pediatra e psicanalista Donald Woods Winnicott (1971/1975, p. 80) "[...] é no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu [self] [...]". E não há outro espaço onde a despersonalização está mais presente do que no âmbito hospitalar, cujo nome, vestuário, rotinas, hábitos, passatempos, liberdade de ação são toldados em um espaço circunscrito e reduzido a um número de leito, condição que possibilita ações de intervenção para humanização. Brincando a criança organiza sua realidade e elabora conteúdos não verbais, por isso a importância da ludoterapia como instrumento psicoprofilático no processo de hospitalização, bem como na preparação psicológica pré e pós-cirúrgica.

A criança apresenta necessidade de brincar na brinquedoteca hospitalar e isso não deve ser eliminado, pois a auxilia a sentir-se mais segura junto às pessoas desconhecidas e potencializa suas diversas capacidades intrínsecas. Além disso, promove um distanciamento das rotinas hospitalares que privam do brincar, garantindo o direito da continuidade das atividades escolares, quando possível. (Lei n. 11.104, 2005, art. 1 e 2; Broering & Crepaldi, 2008; Lei n. 8.069, 1990).

Se não houver demanda da criança pelo brincar na unidade pediátrica, ela sinaliza um olhar diferenciado do psicólogo e da equipe de saúde acerca do seu adoecimento psíquico e orgânico, fator que pode configurar como pedido sintomático de socorro às ameaças circunstanciais.

É no brincar que a criança hospitalizada projeta seus desejos, temores, fantasias, angústias, ansiedades, mecanismos de defesa, conteúdos não simbolizados, sentimento de abandono, raiva, separação dos pais/responsáveis, entre outros. Nesse contexto, o psicólogo é o profissional habilitado a lançar um olhar perspicaz sobre a realidade psíquica do paciente. A prática ludoterápica pode auxiliar o paciente infantil na ressignificação de procedimentos (intervenções invasivas, injeções, dieta hospitalar, banho de leito, entre outros) e da representação do ambiente hospitalar para a criança (a figura do médico - de branco -, a separação dos pais/responsáveis e sentimentos descritos anteriormente).

Com vista a uma estratégia de intervenção, a ludoterapia ganha espaço também nos leitos de enfermarias e CTIs, porém encontra entraves provenientes da equipe de saúde, que apresenta ideias preconceituosas e distorcidas por escassez de informação acerca dessa prática, o que pode acarretar deturpação da atuação com a criança hospitalizada.

O Luto Emergente

A hospitalização como representação social pode apresentar-se para o paciente e seus familiares como preservação da vida ou iminência de morte. E, em se tratando de crianças com cardiopatia congênita, esse aspecto tende a ser acentuado para os pais/responsáveis de crianças que necessitam de intervenções cirúrgicas de alta complexidade.

Thanatos, palavra grega que significa morte, produz impactos psíquicos na dinâmica hospitalar, que enfatiza sua intervenção na promoção da saúde do paciente de modo geral. Mas, quando o óbito ocorre, a ausência de onipotência humana no resgate da vida se presentifica para a equipe de saúde e o luto instaura como mecanismo da perda de algo que aparentemente detinha.

Para Freud (1917/1976, p. 249),

O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante. Em algumas pessoas, as mesmas influências produzem melancolia em vez de luto; por conseguinte, suspeitamos de que essas pessoas possuem uma disposição patológica. Também vale a pena notar que, embora o luto envolva graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre considerá-lo como sendo uma condição patológica e submetê-lo a tratamento médico. Confiamos em que seja superado após certo lapso de tempo, e julgamos inútil ou mesmo prejudicial qualquer interferência em relação a ele. [...].

Ao considerar a iminência cirúrgica cardíaca e os riscos reais, mesmo diante da alta tecnologia presente em intervenções desse jaez, os pais/responsáveis do paciente experienciam um luto antecipado, conforme a complexidade do quadro clínico da criança, vivenciando sentimentos de impotência e falta ou perda da esperança. Além disso, quando há agravamento da situação cardíaca da criança com ausência de propedêutica exitosa para tratamento médico, a equipe de saúde pode indicar o paciente para cuidados paliativos, cujos pais/responsáveis e crianças passam a experienciar os estágios categorizados por Elizabeth Kübler-Ross (1969/2008), não necessitando que seja na seguinte ordem: Negação e Isolamento; Raiva; Barganha; Depressão; e Aceitação.

De acordo com Kübler-Ross (1969/2008, p. 55), o estágio da Negação e Isolamento pode apresentar-se com a negativa palpável: "Não, não é verdade, isso não pode acontecer comigo! [...]." No caso tratado, ao receberem o diagnóstico de irreversibilidade do quadro clínico ou chances de sobrevida circunstanciada, os pais/responsáveis permanecem convictos de que os exames comprobatórios foram trocados ou ocorreu qualquer imperícia médica. Como ápice dessa defesa, entregam-se ao abandono do tratamento. Mas essa negação é temporária, podendo adotar a negação parcial (pacto de silêncio) - como se a problemática não afetasse sua família, tampouco a criança.

O estágio da Raiva - "Por que meu filho?" - é caracterizado por sentimentos de revolta, de raiva, de ressentimento e de inveja das pessoas saudáveis. O manejo do paciente e dos familiares pelos profissionais nesse estágio torna-se mais desafiador, pois eles projetam tais sentimentos na instituição, culpabilizando-a pelo quadro clínico do doente (Kübler-Ross 1969/2008).

Kübler-Ross (1969/2008, p. 87) assevera que o estágio da Barganha é o menos conhecido dos profissionais de saúde, mas "igualmente útil ao paciente, embora por tempo muito curto [...] é uma tentativa de adiamento; tem de incluir um prêmio oferecido 'por bom comportamento', estabelece uma meta autoimposta, [...] a maioria das barganhas são feitas com Deus, são mantidas em segredo [...]". A criança, por exemplo, pode barganhar no ambiente hospitalar a ingestão de alimentos fora da dieta. Já os pais/responsáveis e familiares, para se verem livres da culpa, podem buscar meios alternativos para aliviar suas tensões psíquicas. Ressalta-se que a dimensão espiritual do Ser social quando exercida de forma autêntica em nada se assemelha a essa defesa.

A Depressão, como próximo estágio, é caracterizada pela perda e angústia existencial, no qual o paciente necessita elaborar o luto do corpo anterior, bem como das vivências que o personificavam, buscando no sono uma fuga da realidade. Tal estado psicológico pode desencadear no paciente infantil e seus familiares sentimento de abandono e desapego de situações que consideravam importantes (Kübler-Ross, 1969/2008).

No estágio da Aceitação, o paciente lamenta a perda de pessoas queridas de seu círculo de convívio, mas aguarda a finitude com tranquila expectativa. Apresenta-se mais fraco e cansado, permanecendo em momentos de sono como fuga dos sentimentos (Kübler-Ross, 1969/2008). Nesta fase, há momentos dramáticos em que a criança somente falece com a anuência de seus pais ou responsável, tamanha é essa relação transpessoal que escapa ao olhar do observador.

 

Análise e Discussão

A Psicologia Hospitalar, como uma faceta plural desse saber, tem um papel de suma importância no hospital geral, o qual se caracteriza pelo resgate da subjetividade do Ser hospitalizado. Para compreender essa realidade, especificou-se acerca da atuação desse profissional com paciente infantil que apresenta iminência de cirurgia cardíaca devido a cardiopatias congênitas, bem como as implicações que essa doença acarreta em seus familiares e responsáveis.

A criança quando já é passível de simbolização tem, a priori, como representação do âmbito hospitalar, aspectos que lhe são fornecidos pela cultura intrafamiliar, tais como: "local de doente"; "se não comer o levarei para o hospital"; "se não tomar remédio o levarei para tomar injeção!"; "o moço de branco é médico!", entre outros. Esses fatores compõem o imaginário da criança acerca dessa realidade que desconhece, o que dificulta as intervenções dos profissionais de saúde, mais especificamente do psicólogo hospitalar.

Sabe-se que não apenas tais fatores culturais afetam a atuação profissional, mas também os dispositivos disciplinares da instituição, o discurso de poder, os entraves da compreensão linguística. Essa última interfere de modo significativo no cuidado de pais/responsáveis, o que impacta diretamente na maneira de intermediar ocorrências que anteriormente eram cotidianas - alimentar, realizar as necessidades fisiológicas, brincar, entre outras -, e que devido à hospitalização, tornaram-se ameaçadoras e antagônicas.

No processo de hospitalização, lhe são destinados um leito e um local para o acompanhante e, ao Ser-doente, há uma destituição do vestuário, da autonomia relativa, associando ao seu nome uma numeração, despersonalizando-o daquilo que lhe é próprio.

A cirurgia cardíaca em pacientes cardiopatas congênitos implica procedimentos invasivos e de alta complexidade, para os quais, para além dos protocolos, não há possibilidade de realizar padronizações gerais para a realização em todos os pacientes. Dessa forma, cada intervenção cirúrgica é única, o que nos auxilia a elucubrar que o Ser em processo de saúde-doença também o é, sendo assim, demanda de uma subjetividade que necessita ser atendida em sua urgência psíquica individual.

Pensar em preparo cirúrgico hospitalar é contextualizar o atendimento ao paciente em uma equipe multiprofissional sob a lógica interdisciplinar, cujo saber está convergido para a atenção em saúde do indivíduo. Dessa maneira, as necessidades terapêuticas que surgem a partir das demandas psicossociais podem ser o fomento de uma preparação para cada processo de hospitalização e adoecimento (Tesser & Prebianchi, 2014).

A preparação pré-cirúrgica realizada pelo psicólogo é de fundamental importância para, a priori, os familiares do paciente infantil, pois atuarão diretamente com a criança como mediadores do processo. Para diminuir os níveis elevados de ansiedade, o profissional viabilizará estratégias de intervenção por meio de métodos de informações que visem à elucidação do paciente acerca da dinâmica hospitalar, conforme seu desenvolvimento psicoemocional. Trará intervenções ludoterápicas, tendo em vista a ressignificação de conteúdos não simbolizados, bem como do processo de hospitalização e desospitalização em diversos aspectos, tais como: alimentar-se pela sonda, exploração de procedimentos cirúrgicos em bonecos ludoterápicos, auscultar coração e pulmão, linguagem não verbal, separação dos pais no momento peri e pós-cirúrgico e demais sentimentos decorrentes, como medo, frustrações, angústias, raiva, ressentimento, desamparo, entre outros.(Crepaldi & Hackbarth, 2002, apud Broering & Crepaldi, 2008; Andrade & Moura, 2002).

O êxito no peri e pós-operatório está diretamente relacionado com as estratégias adotadas pelo psicólogo na preparação psicoprofiláxica anterior à cirurgia, propiciando a desospitalização precoce devido à boa recuperação em tempo hábil pelo paciente infantil, sem desconsiderar os aspectos multifatoriais que perpassam todo o processo. Para Broering (2014, p. 30) "[...] As crianças quando preparadas e assistidas em sua ansiedade tendem a se sentir mais confortáveis e colaborativas no processo de recuperação".

Assim, na estratégia de preparação pré-cirúrgica, o psicólogo hospitalar também deve considerar os fatores estressores e os que tendem a minimizar a ansiedade do procedimento atual; desmitificar a representação social Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP); estimular o protagonismo dos pais/responsáveis em buscar informações acerca do quadro clínico de seus filhos; equacionar conflitos interpessoais e institucionais, tendo em vista o andamento do processo de hospitalização-desospitalização (Chiattone, Sebastiani, Fongaro & Santos, 2013). Além disso, é papel desse profissional: auxiliar na compreensão de diagnósticos e notícias difíceis, mesmo que a intervenção seja o silêncio e a presença; promover a ausculta qualificada dos conflitos emocionais, familiares e existenciais que tendem a se revelar no âmbito hospitalar, fatores esses que vão ao encontro das ideias de Rogers acerca da tendência atualizante na busca de novo sentido existencial, o qual não escolhe local para iniciar e tampouco espaço para emergir.

Tais estratégias com os pais/responsáveis pela criança, conforme citado, permitem a construção de novos vínculos por meio daqueles que já estão estabelecidos, os quais são imprescindíveis para que a relação empática se concretize, a partir da aceitação incondicional desse sujeito e o seu modo de ser-no-mundo, sua maneira de existir, com seus valores e crenças.

Para realizar este estudo científico, foi necessário transitar por diversas abordagens teóricas com o intuito de angariar dados que subsidiassem sua concretização, mas elencou-se a abordagem existencial humanista como base norteadora desse processo. Entretanto, pode-se observar em estudos científicos esparsos que enfocam a abordagem teórica citada, que o paciente infantil em processo de hospitalização é um Ser em adoecimento e não a doença, pois suas potencialidades para encaminhá-lo para a saúde estão presentes.

A tendência atualizante permanece em todo o processo em que a criança e seus pais estão hospitalizados, mesmo mediante conflitos existenciais, familiares, psíquicos e emocionais. O Ente sempre busca a transcendência de suas particularidades, visando dar novo sentido existencial à vida. Para Selma, psicóloga hospitalar do Hospital do Servidor Público de São Paulo - HSPM-SP (1983, apud Chiattone, Sebastiani, Fongaro & Santos, 2013, p. 31), a qual define o papel do profissional no hospital: [...] "O Psicólogo Hospitalar é aquele membro da equipe de saúde que possui 'estetoscópio' para auscultar o silêncio do sofrer [...]."

Ao desenvolver a fase de banco de dados científicos para compor a pesquisa, observou-se uma escassez de material específico na abordagem citada que enfoque as crianças com iminência de cirurgia cardíaca e seus familiares, sendo necessário lançar luzes em outras áreas do saber psicológico.

A realização desse estudo permitiu constatar que a Psicologia Hospitalar ainda tem diversas limitações funcionais, já que se constituiu como especialidade do saber psicológico a partir da Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) n. 014/2000 (Melo, 2015). As Competências foram descritas na Resolução n. 013/2007 e as Recomendação sobre Sistematização da Atuação do Psicólogo Hospitalar foram realizadas pelo CRP-MG em 9 de agosto de 2009 (Miranda, Lima & Santos, 2015); marco histórico para a comunidade científica e fruto da atuação de diversos desbravadores em Psicologia na saúde.

Tais limitações desse viés em Psicologia tornam-se visíveis quando o profissional necessita se adequar às questões político-administrativas da instituição, a qual concebe e aplica seu próprio modelo de assistência psicológica à gestão, à equipe, ao paciente e a seus familiares. Tal obstáculo torna precária a relação do psicólogo com o paciente e a equipe multidisciplinar (estagiários e demais profissionais), o que representa um entrave à inserção de recém-formados na Política de Saúde (Bornholdt & Castro, 2004; Tesser & Prebianchi, 2014).

Esses fatores nos remetem à amplitude dessa área ainda pouco explorada pelo saber psicológico, pontuação já realizada por Yamamoto (1998) na década de 1990, mas ainda com prevalência contemporânea. Ou seja, os profissionais em Psicologia no hospital geral, salvo excessos, atuam de maneira polivalente e com restrições de conhecimentos científicos, bem como das diversas intervenções e instrumentalizações técnicas nas múltiplas atuações no nível secundário e terciário de Atenção em Saúde; nesse pormenor, na preparação de cirurgias cardíacas em crianças (Yamamoto, 1998).

 

Considerações Finais

O presente estudo propôs investigar a atuação do psicólogo na unidade pediátrica com iminência de cirurgia cardíaca, bem como os novos significados atribuídos por uma criança e seus familiares a um contexto hospitalar que, a priori, é um ambiente desconhecido que tem dinâmica institucional própria. Com vista a compreender essa realidade, utilizou-se como instrumento de pesquisa a revisão bibliográfica para seleção de estudos e artigos científicos em bases de dados online e abordagens tradicionais da Psicologia, ressaltando a abordagem existencial humanista como processo de investigação.

Em cada processo de hospitalização, o psicólogo necessita ocupar-se da psicoprofilaxia das crianças com cardiopatia congênita, tendo por objetivo a preparação psicológica destas e de seus familiares para o procedimento cirúrgico em vista. Para a elaboração de uma intervenção exitosa na fase pré-cirúrgica, esse profissional necessita levar em consideração o nível de desenvolvimento da criança, sua idade mental, as experiências anteriores à hospitalização, a relação da criança com o mundo que a circunda. Salientarão, também, informações compreensíveis acerca de procedimentos hospitalares e intervenções invasivas, os mecanismos de defesa por ela realizados, bem como os sentimentos aflorados em contato com o desconhecido (medo, ansiedade, abandono, desamparo, frustração, raiva, angústia, separação dos pais, entre outros).

Além disso, a psicoprofilaxia pré-cirúrgica é de fundamental importância para os processos peri e pós-operatório, visto que interfere significativamente nesse último, de conformidade com as novas significações que a criança elaborou do seu processo de adoecimento e do ambiente hospitalar anterior à cirurgia, fator esse propiciador de melhor desospitalização, recuperação e de menores transtornos emocionais.

Vale destacar que compõe a instrumentalização da estratégia para a preparação psicológica compreender a relação dos pais/responsáveis com o paciente infantil, pois eles podem atribuir a si ou ao seu parceiro(a) - junto ao filho(a) acometido por cardiopatia congênita - sentimento de culpa, remorso, impotência, entre outros. Observa-se também o surgimento de mecanismos de defesas mediante diagnósticos e quadros irreversíveis, consequências do ganho secundário da doença do filho, bem como conflitos familiares, existenciais e emocionais que se desvelam no espaço hospitalar. Tais fatores devem ser acolhidos pelo psicólogo no intuito de compreender o processo de adoecimento.

A preparação psicológica de crianças com cardiopatia tende a promover melhor aceitação do processo de hospitalização, desmitificando fatores culturais acerca do hospital, do CTI e UTIP, favorecendo, igualmente, uma melhor compreensão das intervenções da equipe de saúde e viabilizando a minimização dos impactos quanto à sua condição transitória de Ser-Doente.

Mediante o ingente esforço para angariar, em base de dados científica, conteúdos para contemplar a pesquisa à luz da abordagem existencial humanista, notou-se uma escassez de estudos nessa área em crianças cardiopatas, o que aponta a relevância deste estudo para compreender esse recorte da realidade pediátrica hospitalar. A análise apresentada promove também possíveis discussões e futuras pesquisas objetivando estudar a formação e a prática em Psicologia Hospitalar, no âmbito da Pediatria Geral.

Contudo, para investigar com mais amplitude, é necessária uma atuação mais estreita dos psicólogos hospitalares com crianças com iminência de cirurgia cardíaca, bem como de novos olhares acerca do saber psicológico e da pluralidade de seus profissionais, já que ainda é um campo pouco explorado pela Psicologia. Tal proceder possibilitará o aprimoramento de sua atuação como ciência e profissão.

 

Referências

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Recebido em: 9/1/2018
Aprovado em: 23/5/2018

 

 

1 Dicionário Caldas Aulete Virtual. Recuperado de http://www.aulete.com.br/cardiopatia#ixzz3tRzJrr5v.
2 Dicionário Caldas Aulete Virtual. Recuperado de http://www.aulete.com.br/congênito#ixzz3tRzkvxbF.
3 Preparação significa formação e conhecimentos em uma ciência ou atividade. Dicionário Caldas Aulete Virtual. Recuperado de www.aulete.com.br/preparação#ixzz3tTbNgCwj.
4 Estratégiaé uma palavra com origem no termo grego strategia, que significa plano, método, manobras ou estratagemas usados para alcançar um objetivo ou resultado específico. Recuperado de https://www.aulete.com.br/estrat%C3%A9gia.
5 O Ser Doente que não quer ficar bom por desejar as atenções do tratamento que é dado por amigos, parentes, pois vem compensar o desespero existente. Essas atenções especiais ao Ser-Doente são encaradas como privilégios, tendo a sensação íntima de satisfação, reduzindo sua angústia ou criando um desejo de exploração de carinho (Angerami-Camon, 2013, p. 162).

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