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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.14 no.2 Belo Horizonte maio/ago. 2021

http://dx.doi.org/10.36298/gerais202114e16269 

ARTIGOS

 

Isso o que te ofereço é "não": o autista e a transferência

 

That what I offer you is "no": the autistic and the transference

 

 

Cirlana Rodrigues Souza

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil. E-mail: cirlanarodrigues@gmail.com; (orcid.org/0000-0002-5946-0111)

 

 


RESUMO

Este trabalho parte da transferência como condição da clínica psicanalítica com a criança autista. Aborda-se a hipótese de que essa clínica se instale não apenas na lógica da inversão própria da experiência analítica com crianças, mas na lógica de uma reversão na direção dessa experiência, pois negando a primazia da fala, o autista não instalaria a demanda. Diante disso, cinco modalidades de transferência nessa clínica são examinadas. Conclui-se com a proposição da corporeidade como um mediador na transferência com o autista.

Palavras-chave: Transferência. Autista. Clínica psicanalítica. Criança.


ABSTRACT

This work starts from the transference as a condition of the psychoanalytic clinic with the autistic child. We approach the hypothesis that this clinic is installed not only in the logic of the inversion proper to the analytical experience with children, but in the logic of a reversion in the direction of this experience, because denying the primacy of speech, the autistic would not install the demand. Therefore, five modalities of transference in this clinic are examined. It concludes with the proposition of corporeality as a mediator in the transference with the autistic.

Keywords: Transference. Autistic. Psychoanalytic clinic. Child.


 

 

O título "Isso o que te ofereço é 'não': o autista e a transferência" remete à formulação de Jacques Lacan (1971-1972) para a demanda: Peço-te que me recuses o que te ofereço porque não é isso. Na transferência, o autista oferece a negativa anterior à afirmação necessária de juízos e representações da realidade, a recusa como marca de sua relação com a linguagem. O autista não nega a linguagem, posto que ela se impõe a despeito dele; nega o recurso à primazia da fala e, assim, questiona a demanda na clínica e o desejo do analista: desejo não vislumbrado, usando a expressão de Jacques Lacan (1967/2003), na dissolução da transferência.

A transferência é condição da clínica e o psicanalista é parte de uma cena analítica onde o que faz laço não é a palavra, onde o que está em cena não é a repetição de conteúdos e afetos recalcados. Em se tratando de criança nas vias do autismo, o inconsciente se estrutura reiterando o momento inicial que Freud (1911/2004) descreve como o encontro do organismo vivo com a linguagem. Desse tempo mítico, cada um inventa o unbewusst, o não-sabido. O autista passará a vida apoiado nesse não para recusar o sabido que, conforme Lacan (1960-1961/2010), na transferência, é um amor ao suposto saber do Outro sobre o objeto causa do desejo: o autista não supõe que o Outro sabe, testemunha o não saber. De modo paradoxal, esse que é suposto não saber é quem supõe o sujeito do inconsciente encoberto sob o signo "autismo".

Na experiência clínica compartilhada com um garotinho de três anos, em meio às entonações e modalidades do repetir-se em uma língua maciça, indo adiante, paralisando-se, retornando até dizer o nome próprio ouvido da boca da analista (índice da temporalidade topológica da formação do Eu), algo se destacou: um chiado vazio de formas da língua realizado fora da ordem do registro imaginário de signos e de suas formas mínimas fonetizáveis, entoado plenamente de modo persistente e resistente.

Contornando esse chiado esvaziado, ele se agitava, pegava brinquedos que direcionava para si, colando-os ao corpo. Esse bordeamento instaurou outra direção de tratamento apoiada em suas relações com a língua, sustentada no laço imaginário com o outro. Trata-se da emergência do fazer em torno do vazio (Lacan, 1959-1960/2008), na bidimensionalidade imaginário e real, com suas primeiras marcas simbólicas que remetiam ao que entra em cena na análise com a criança: o corpo da analista e o corpo da criança analisanda. Na transferência, um contrassenso, pois na psicanálise o corpo só existe por ser falado. Contudo, mesmo não falado, ele pode existir em outra dimensão, desde que seja lido.

Não há clínica com crianças que não se tenha que imaginarizar o corpo, falar do corpo e trabalhar o corpo: pega-se a criança no colo, segura-lhe as mãos; algumas abraçam, outras empurram, algumas se enlaçam no corpo do analista - o analista empresta seu corpo como ancoragem; outras correm, pulam, as mãos seguram e lançam objetos, entoam sonorizações, insiste-se nos diálogos e os desenhos são linhas imaginárias a serem perdidas que partem do corpo da criança. Diz-se ser uma clínica com o corpo em cena: o corpo em constituição da criança e o corpo castrado do analista. Com o autista, esse corpo a ser lido é inominável. Corpo, como mostrou Freud (1914/2010), sem erotização, ensimesmado: transferência revertida ao topos inicial disso que não se erogenizou; desse corpo de onde ecoa aos ouvidos do analista o vazio de palavras que possibilita propor a transferência, entre as várias modalidades possíveis, a partir de indagações sobre que corpo está em cena com uma criança autista.

Com base em Sigmund Freud e Jacques Lacan, serão feitos apontamentos iniciais sobre a transferência na clínica psicanalítica, de modo específico, na clínica com a criança autista, considerando o autismo como estrutura subjetiva, uma forma de existência marcada por uma relação distinta com a linguagem, relação de recusa da alteridade. Na sequência, serão apresentadas cinco modalidades de transferência nessa clínica: o laço imaginário, o amor e o grande Outro, a transferência entre o real e o simbólico, o duplo e os objetos autísticos como mediadores na transferência e a transliteração significante. Em continuidade, será proposta a lógica do corpo e sua incidência na transferência, a partir da noção de corporeidade de Dunker (2011). Essas elaborações teóricas serão ilustradas por cenas clínicas e pelo encontro da coreógrafa francesa Mathilde Monnier com a autista Marie-France, no ateliê Ruído Branco (Bruit Blanc, França/1998).

Este texto é um recorte sobre as diferentes modalidades de transferência, de modo a tematizar como o sujeito autista impõe essa diferença como efeito das particularidades de sua constituição subjetiva, sem se pretender uma articulação entre essas modalidades.

 

Do lugar onde tudo começa

O início do acontecimento psíquico se instaura a partir das "exigências imperiosas oriundas de necessidades internas do organismo que perturbavam o estado de repouso" (Freud, 1911/2004, pp. 65-66). O bebê alucina a satisfação: desvairar-se é resposta a essa perturbação. Esse pequeno ser, diante da não satisfação esperada, frustra-se e abandona seu devaneio, e o aparelho psíquico passa a ter que "conceber as circunstâncias reais presentes no mundo externo" e a "almejar uma modificação real deste", pois "não mais era imaginado o que fosse agradável, mas sim real, mesmo em se tratando de algo desagradável" (Freud, 1911/2004, pp. 65-66).

Do nascimento do psiquismo, o autismo é uma singular resposta a esse acontecimento universal, não representando o que lhe satisfaz, não imaginando o agradável: há um acontecimento autoengendrado do imaturo organismo vivo em seu encontro com a linguagem que se lança sobre ele de modo imaginário. O autista recusaria essas antecipações: na topologia de Jacques Lacan, na posição zero da estruturação psíquica, as antecipações imaginárias são investidas pelo semelhante sobre o organismo para inscrição da matriz simbólica (Vorcaro, 2004). Nesse topos psíquico da alternância entre tensão e apaziguamento, instaura-se e congela-se o autista: há a não imaginarização do real, sendo possível inferir que o autista recusa, dessa imaginarização, a inscrição da matriz simbólica.1 Nessa posição zero não haveria o nascimento do sujeito do inconsciente. Porém, supor o autista sujeito do inconsciente é localizar o que congela como resposta imediata ao real e antecipatória na linguagem que o faz permanecer na posição vazia, não mais posição zero; do vazio se inventa uma resposta ao real, o sujeito. O pequeno organismo perturbado por suas necessidades internas não alucina a satisfação; o psiquismo atravessado pelo princípio da realidade recusa essa realidade antes de afirmá-la. Para se conservar, congela-se, e alucinar não será satisfação.

 

Alguns aspectos da clínica com a criança autista e a transferência

No discurso, alocamos a criança marcando sua constituição subjetiva. Como sintoma, a criança é representante de uma verdade estrutural (Lacan, 1969/2003). "Sintoma da criança" é a escritura de sua lógica de funcionamento subjetivo e "criança sintoma" é a criança como significante que representa as fantasias parentais, e por extensão, as fantasias de outros discursos que dizem sobre ela.

Na atualidade, o signo autismo embaralha e ao mesmo tempo revela o esvaziamento das fantasias parentais: mães que destituídas de sua função de maternagem passam a ser terapeutas, pais que não vislumbram a paternidade de um menino que tapa os ouvidos diante dele. Ainda, esse signo autismo, objeto de fascínio, decantado como significante, representa toda criança que não se comunica, com qualquer problema de linguagem, com dificuldades de interação, com comportamentos repetitivos e vazios simbolicamente; condensa as psicoses infantis, as debilidades, as crianças melancólicas e desamparadas afetivamente, aquelas com problemas de aprendizagem, de adequação do comportamento, com ansiedades generalizadas, inibições, psicossomatizações; outras com paralisias cerebrais e com deficiências intelectuais. Na transferência, lidamos com esses pais, essas mães e seus fantasmas, com a criança como esse sintoma do discurso parental e social.

Na clínica com a criança autista, a fantasia é gerida muitas vezes pelas frustrações, pelo fracasso de antecipações imaginárias frente ao imperativo orgânico definido pelo saber biotecnológico, apagando a transmissão simbólica pelo controle medicalizado da vida. Que demanda fazem, afinal? Que suposição de saber nos endereçam essas mães e esses pais? A reinvenção desse lugar de supor saber sobre seus filhos, a restituição de suas fantasias, aproximando-se da reinvenção da posição do analista provocado nesse lugar de supor saber.

A transferência é a repetição do amor recalcado endereçado ao analista pelas vias da palavra (Freud, 1912/2017, 1914/2017). Na criança, o inconsciente está se estruturando e o que entra na cena analítica é o percurso de estabelecimento do infantil e seus impasses constitutivos: não o retorno, mas o acontecimento na estrutura. Não há repetição como transferência de conteúdos recalcados; há repetição como ato de tradução necessário à estruturação do psiquismo. Por isso, pensa-se uma psicanálise invertida, "que vai do real ao simbólico e que cria um efeito de negativização" (Vorcaro, 1999, p. 65)2. A criança, cujo percurso na linguagem vai dando a direção de uma recusa à alteridade, inscreve uma imutabilidade e um corpo que não se aloca nem no imaginário e nem no simbólico, primando por uma sensopercepção ensimesmada, instaurando uma espécie de reversão como condição da transferência: primeiro, invertida, por ser ainda uma criança na direção de inscrições imaginárias e simbólicas e, segundo, revertida, pois é necessário que se instaure um percurso analítico do vazio da inscrição primordial: de modo radical, trabalho clínico de pura invenção de tornar possível a crença em ser desejante.

Lacan (1964/2008) faz uma torção importante na transferência amorosa: a repetição é uma necessidade do sujeito, não importando o que se repete. Para a criança, essa repetição é exercício de inscrição inconsciente e a transferência é espaço dessa estruturação. No autismo, a repetição é revertida em uma não mutação, nem automática e nem inesperada, mas o mesmo vazio iterativo que se reedita na cena analítica, o que coloca o analista diante daquilo que, com outros sujeitos, seria final de análise: a não nomeação, o silêncio, a estagnação dialética. A fala, com o autista, não é mediadora da transferência; é a recusa da fala que instaura o vazio em torno do qual o analista se coloca a trabalho, nessa clínica. Sócrates instaura a ignorância, o não-saber como vazio no centro da transferência (Lacan, 1960-1961/2010): por sua vez, o autista ignora que sejamos desejantes, ponto de onde partimos.

Falar em transferência com o autista é perguntar como um autista se dirige ao analista. Ele se dirige ao analista? Essa resposta é fundamental nestes tempos de epidemias do autismo, porque é na transferência que localizamos o sujeito na sua relação com a linguagem. Tanto a cobertura imaginária do signo autismo (seu espectro) como sua rigidez sintomática possibilitam pensar diferentes modalidades transferenciais. Jean-Claude Maleval (2018) as chama de pluralidade de transferência do autismo e insiste que não se recuse essa noção, por ser ela condição da clínica psicanalítica, sendo preciso revisitá-la a partir da clínica com os autistas, considerando uma modalidade de laço com o Outro própria de cada sujeito autista.

Como isso que não se instaura - a lógica do Outro - permite que se pense em psicanálise com autistas? O bebê que faz saídas subjetivas pelas vias do autismo foi aquele que não ofereceu seu choro ao outro, foi aquele cujo toque no corpo era insuportável, foi aquele que não olhou para a boca da mãe e nem ofereceu seu corpo aos joguinhos amorosos com esse outro, segundo contam mães e pais das crianças.

Na conferência em Genebra sobre "O sintoma", Lacan (1975/1998) fala dos autistas ao ser indagado sobre esses seres que se escutam a si mesmos e falam muitas coisas, pois ele havia dito que não há seres não falantes, advertindo sobre o fato de que "ouvir forma parte da palavra" e "a ressonância da palavra é algo constitucional":

Trata-se de saber por que há algo, no autista ou no chamado esquizofrênico, que se congela, poderíamos dizer. Mas o senhor não pode dizer que não fala. Que o senhor tenha dificuldade para escutá-lo, para dar seu alcance ao que dizem, não impede que se trate, finalmente, de personagens de preferência verbosos. (Lacan, 1975/1998, s/p)

Destaca-se: ouvir forma parte da palavra, ouvir aquilo que ecoa dos sujeitos e isso no autista que se congela. O que diz Lacan se liga à recusa ao Outro como linguagem e ao imutável no psiquismo do autismo, identificado por Kanner (1943/1968) como uma obsessão ansiosa e agitada pela permanência. Esse congelamento é a lógica do inominável, do real: pensemos na angústia, funcionando no simbólico, que nos dá indícios do que não se nomeia, não se sabe o que é, mas está ali, não engana, porém não nos congela. "Se gèle", diz Lacan, algo que se paralisa nesses sujeitos hipersensoriais, no sentido em que permanecem no registro sensorial, sem acesso à transposição ao registro dos signos perceptivos, conforme Freud (1896/1996), e em constante agitação motora ou encapsulados.

Congelar-se também remete a outro aspecto, para além do que se paralisa no início do psiquismo, e será traço estrutural do autista. Aquilo que "se gèle" conserva-se no plano sensorial; essa imutabilidade do autista que toma forma nas suas experiências cotidianas como nos modos de repetição do mesmo, na organização própria de seu entorno e seus objetos, é para se preservar. Se a transferência principia como a reedição das problemáticas inconscientes dos sujeitos, o que se transfere desse imutável? Como o analista pode ler essa protoescrita de marcas é o que será exposto no que tange às modalidades de transferência.

 

Modalidades de transferência na clínica com a criança autista

Na sequência, abordam-se as modalidades de transferência com o autista, construções que são possíveis a partir da escrita lógica de cada autista e suas manifestações na linguagem.

 

Laço imaginário: o apaixonamento criança e analista

Tiussi e Kupfer (2008), ao discutirem o enquadre analítico com uma criança autista, propõem não seguir a orientação freudiana e lacaniana no que diz respeito ao olhar. A recomendação freudiana é a de que se retire do enquadre o olhar do analisante dirigido ao analista, a fim de conter a transferência imaginária, privilegiando a associação livre. Para Lacan (1964/2008), trata-se de isolar a transferência imaginária, pois as trocas de olhares, propícias ao apaixonamento, colocariam o analisando em um funcionamento ilusório. As autoras (Tiussi & Kupfer, 2008) ressaltam que o estágio do espelho tem função fundamental na formação do Eu [Je], de inscrição da matriz simbólica (Lacan, 1949/1998). Reconhecendo que, para alguns autistas, não haveria esse circuito pulsional pelo olhar (recusa ao olhar), devido aos impasses na formação do Eu, na clínica com a criança autista se daria o avesso, o encontro com o olhar da criança, do tempo da criança reconhecer-se no olhar do semelhante: "esse sinal clínico não nos indicaria que, enquanto na análise clássica se trata de afastar o olhar para poder trabalhar, na clínica do autismo trata-se de trabalhar para permitir que o olhar se instale?" (Tiussi & Kupfer, 2008, p. 9).

A criança autista não jubila diante da imagem de si refletida no olho do semelhante, por vezes se desvia dele, por vezes se fixa em objetos: a pulsão não se constitui em sua parcialidade, não faz circuito. As autoras supracitadas sugerem que o trabalho do analista seja em torno da instalação da transferência imaginária: com o autista é produtivo supor esse primeiro reconhecimento de si no olho do outro (analista).

Em nossa experiência clínica, certo garotinho às voltas com suas peças de encaixe, que se sentava de costas para a analista, protegendo-se e protegendo seus objetos, como resposta à aproximação quando se colocava outras peças ao seu lado para que ele as pegasse para si, agora, de frente para analista em um circuito, quando chamado, sempre olha e sorri; porém, o olhar não se mantém muito, logo volta para seus objetos. No pequeno espelho que manipula quando se depara com sua imagem, não há satisfação, ainda, mas segundos de espera, pois responder ao real é operação das mais complexas: reconhecer o outro como semelhante, reconhecer que aquela unidade olhada é ele e reconhecer que depois de estar aqui e estar lá algo se perde, e que aquela imagem é estranha por ser uma imagem - cisão, matriz simbólica na formação do Eu (Lacan, 1949/1998). Em outra lógica, nós nos fazemos ser reconhecidos pelo autista: nos fazemos existir aos olhos daqueles que não nos olham.

 

Do amor, o nascimento do Outro

Do trabalho da psicanalista francesa Rosine Lefort (1984), recorta-se do tratamento iniciado com a criança Marie-Françoise, de trinta meses, que não fazia nem pedidos e nem demandas ao Outro, o ponto da instauração da transferência: a analista não escuta a demanda, mas justamente a ausência desta. A psicanalista percebeu que a aproximação do Outro instaurava uma crise de angústia. O que é isso de se aproximar de alguém cuja ausência de demanda coloca em risco sua existência frente à fragilidade de seu ser, mas que a qualquer aproximação se mortifica?

A pequena Marie Françoise mostrou a Rosine Lefort (1984) o insuportável da angústia do sujeito imerso no real sem a regulação pelo simbólico - sem o Outro da linguagem - o que resultou na tese central da autora para o autismo e seu tratamento: "na ausência de um Outro Simbólico, se impõe um Outro real". O que vem do Outro como alteridade não entra no circuito de gozo do autista: recusa do olhar, da voz, do toque, nem modalidade de linguagem, nem outro imaginário. Os recursos sonoros de Marie-Françoise são onde habitam o que Rosine escuta como significantes e ordenam o mundo da pequena. Ecolálica, Marie entoa esses significantes sem estendê-los para fora: parece retê-los inspirando-se ao entoá-los em ritmo próprio e repetitivo. Essa sonoridade de significantes esvaziados ressoa em Rosine Lefort e, nas cenas seguintes, em meio a movimentos repetitivos, é possível que Marie olhe para a analista, se aproxime dela.

A transferência na clínica com o autismo tem, nos termos de Rosine Lefort e da pequena Marie-Françoise, a função de criar uma estrutura para a demanda pulsional, estabelecendo uma nova forma de relação do autista com o grande Outro, onde o tratamento tem o objetivo da extração do objeto causa do desejo.

Na clínica, Teco é "Um Teco de lindo", disse uma senhora sobre outro garotinho que iniciou tratamento por volta dos dois anos diante da visível recusa ao Outro, e que, nas palavras da mãe, "não me pedia nada". Agora, aos cinco anos, e no momento de encerrar o tratamento, consegue o desfralde que foi sua última recusa. Também, agora, oferece seus brinquedos, que tanto ama e protege, às outras crianças.

 

Recusa à alienação na linguagem: transferência entre real e simbólico

Drapier (2012) destaca que devido à recusa do autista em entrar na alienação da linguagem, e por isso se deter na borda entre real e simbólico, ele enfrenta uma "perseguição pelos signos da presença do Outro: a voz, o olhar, o toque, o desejo e a vontade, as injunções superegoicas [do tipo 'pare', 'não faça isso'], a mudança do enquadre, etc.", assim como "tentará anular o Outro (mutismo, neolinguagem, recusa do olhar e do toque) e o pequeno outro em sua presença e seus desejos (a ignorância soberba do autista)" (p. 39). Na transferência e na interpretação com o autista, o manejo pelo analista incide sobre essa perseguição e anulação.

Sobre o corpo presentificado na transferência com o autista, Drapier (2012) destaca que ele expõe sua presença pelos signos de sua fala, impondo atenção à escolha dos "significantes a serem utilizados ou evitados", à modulação da voz, ao olhar, mas também ao tocar, sendo "necessário se deixar guiar pela criança, pelo corpo da criança" naquilo que ela nos apresenta, "estar presente sem saturá-los de nossa presença" (pp. 39-40).

Para Drapier (2012), ficar de viés "parece a expressão mais justa para definir a posição do analista" (p. 41) diante de uma criança autista, sujeitos hipersensoriais que nos percebem de modo intenso. O "enquadre que deve entrar qualquer interpretação", como a junção dos significantes do analista com os significantes do sujeito, "articulados, enunciados claramente por ele, ou não [...] [devem] fazer ato, fazer com que o sujeito não seja o mesmo antes e depois do ato: essa é a própria definição de ato" (Drapier, 2012, p. 41). Nessa direção, o peso do signo na língua do autista deve ser decantado em significante, o que seria desatá-lo de significações e injunções.

Existe no autista uma rigidez naquilo que compreendemos como alternância psíquica, sua extensão vai em um circuito que não ultrapassa o dentro e o fora, o que pode ser visto em comportamentos do tipo on-off: Eles colocam e tiram peças, encaixam e desencaixam em um ritmo sem distância entre estar dentro e estar fora, sem aquilo que o fort-da da experiência relatada por Freud (1920/2010) inscreve no psiquismo da criança. Aquele mesmo garotinho, em nossa experiência clínica, mencionado anteriormente, que começa a olhar para o olho do outro quando chamado, sempre se organizou nas sessões com seus objetos postos em uma ordenação sem distância. O manejo, pela linguagem, é pelo ato de cantarolar a cena analítica, pois cantigas prontas não funcionam para esse enlace. Assim, durante sua organização imutável - sempre as mesmas peças, as mesmas cores -, cantarolar (oferecer-lhes ressonâncias) instaurou uma espécie de circuito de espera: coloca a peça (ou bate algum jogo de movimento alternado), espera que a analista cantarole marcando o ritmo com números ou onomatopeias, e então coloca a peça na outra ponta. Desse joguinho constituinte repetido, as peças começaram a ser colocadas não mais na linha horizontal infinita, onde não se permitia a aproximação do outro, mas em grupos circulares divididos por cores. Agora, ele que não se jubilava na imagem no espelho, ao se levantar e olhar de cima o que fez, sorri, agita as mãos diante desse imaginário montado com o outro. Esse cantarolar ganha dimensão de gesto simbólico que inclui a criança na linguagem. O toque do analista pelo significante no corpo da criança autista ressoa invertido: do analista para a criança e revertido em torno do vazio.

 

Na borda: o duplo e os objetos autísticos como mediadores da transferência

Bordas são modalidades de autoproteção do autista contra a invasão da linguagem, parte do corpo do autista (a libido) que escoa sobre si mesmo3. Na clínica com o autista, essas bordas com seus objetos e duplos localizam o gozo autístico, sintoma que não faz laço social, e corresponde ao modo como o autista se trata diante do real, suas soluções.

Jean-Claude Maleval (2009, 2010, 2008/2017) define bordas como fronteiras que assegurariam a proteção frente ao outro, possibilitando, por meio dos objetos autísticos que inventa e pelos duplos, aproximar-se do mundo exterior, estabelecendo relações que lhes são possíveis. Essas bordas ancoram para o autista o que não se aloca no simbólico e nem no imaginário.

Na contramão das terapias que promovem a retirada de objetos usados de modo não funcional pela criança, na clínica psicanalítica trata-se de lançar mão daquilo que o autista nos oferece como mediador, na transferência. Essas bordas protetoras garantem, além da aproximação possível e da distância necessária ao Outro, a perseverança de sua imutabilidade: em termos de relação/representações com o mundo, corresponde a uma organização interna necessária para essas crianças e muitas vezes é confundida com o estabelecimento de uma rotina. Essa rotina, como terapêutica, teria sua função; porém, "rotina" é algo imposto pelo social e cultural aos sujeitos que devem se adaptar aos padrões da sociedade. Esse imutável do autista é particular e pode ser conflituoso com essa rotina, tratando-se de seguir as invenções de cada criança aonde alocaremos o externo nessa imutabilidade, e não seu contrário. Tal rotina muitas vezes é terapêutica e não comporta espaços e tempos de expressão de subjetividade da criança, como o brincar, o dedicar-se a algo de seu interesse e, menos ainda, 'o ficar sem fazer nada'. Crianças ditas autistas não podem ficar sem fazer nada, como se isso fosse retê-las em seu isolamento, que não depende da vontade de uma exterioridade, aliás, um sintoma atual da infância. A lógica da borda mostra que esse isolamento é avesso: é necessário ao autista que construa algo entre ele e o Outro.

Para Maleval (2009, 2010, 2008/2017), o analista deve identificar os interesses do autista e trabalhar de modo sutil com o objetivo de inscrever uma dinâmica libinal e pulsional. Essas inscrições de elementos diferenciais permitem uma mudança na economia do gozo do autista do real para o campo do Outro. O autor defende que o autista está na linguagem, assimilando os signos, o que podemos ver nas ecolalias - ao repetir o que assiste na televisão, na repetição de slogans, de músicas que escuta, ícones -, na funcionalidade de sua língua e no meio de suas enunciações por signos, onde um ou outro significante irrompe endereçado ao outro.

No espaço do "grupinho", na clínica, o já mencionado garotinho organiza potes de tinta sobre a mesa. Em torno dela estão sentadas a analista, a fonoaudióloga e uma outra criança, e cada uma pinta em um canto do papel estendido sobre essa mesa. Ele, em pé ao lado da analista e de frente para a colega, continua a usar os potes de tinta a seu modo: enfileirando, fazendo o contorno ao redor do papel estendido. Certo momento, pega das mãos da outra terapeuta o pote, ao que ela, sutilmente, diz-lhe que ele deveria ter pedido antes de pegar, continuando a pintar. Passados alguns minutos, a analista escuta destacar-se dele o significante "Desculpa", endereçado à fonoaudióloga, em resposta ao que nele ressoou. Ela, atenta ao que fazia com a outra criança, não o escuta, ao que a analista faz mediação: "Ele te disse 'Desculpa'". Ela se dirige a ele aceitando suas desculpas, pois ele é daqueles que, para muitos, não falam. Dessa cena, é possível ver, por vezes, que não escutamos o que os autistas dizem e nem vemos seus objetos mediando o laço, como os potes de tinta.

Maleval (2009) defende que os objetos autísticos simples, aqueles da vida de cada um, e complexos (aqueles produzidos pelos autistas de autodesempenho a partir de suas ilhas de competência, como a clássica Máquina do Abraço de Temple Grandin), são mediadores da transferência. Esses objetos não são nem o perdido na linguagem e nem o transacional, como marca da maternagem que o sujeito vai carregar pela vida. Esse objeto autístico descontrói a função do objeto sempre duro, com movimentos próprios, frios, que captura esses sujeitos: não é significado e nem simbolizado; está situado no topos do psiquismo que se congela, tem função de preservação e, por meio dele, o autista começa a instaurar uma espécie de animação pulsional (girar um carrinho entre as pontas dos dedos mostra esse processo). Esses objetos se situam ali onde nas outras estruturas se situam os objetos pulsionais, como o olhar, as fezes e a voz. O objeto autístico funciona como duplo objetal desses sujeitos: nessa dinâmica do duplo, estaria a dinâmica psíquica da criança autista (Maleval, 2009), aquilo que o autista toma como si, o corpo do analista como duplo que fala por ele, leva-o para pegar algo que quer, se adesiva à criança, sendo uma via privilegiada de transferência com o autista.

Sobre a transferência, Maleval (2009) supõe que ela se instaura pela via do objeto autístico e do duplo para o autista, na construção do Outro de síntese permeado pelos signos e elementos concretos. O autor adverte que o analista deve saber apagar-se como presença e, simultaneamente, apresentar-se como objeto de fomento da transferência. O psicanalista, no manejo da transferência, deve se atentar para não se fundir com o sujeito, suscitando uma transferência negativa produtora de ideias de intrusão, até mesmo de sedução abusiva, segundo o autor.

Esse "Outro de síntese" é aquele em que o analista é colocado quando um menino autista, que usa os signos enlaçados a imagens, pega em sua mão em todas as sessões e diz "Vamos escrever ?!". Trata-se de um lugar possível da transferência. De modo imperceptível, a analista retira a mão e deixa que ele vá digitando [escrevendo] letra por letra do que quer, no teclado do computador, enquanto faz uma função do tipo "soletradora das palavras", que ele repete de modo ecolálico: é o corpo como duplo e o computador na função de objeto autístico, vazio de onde se risca a transferência.

 

A transliteração do significante

Vorcaro e Lucero (2010) circunscrevem o autismo na lógica dos três registros do psiquismo propostos por Lacan: o real, o imaginário e o simbólico, onde o sujeito é a resposta do real ao avanço do significante sobre o organismo. Da fala, o autista recusa a presença restrita do simbólico. Entretanto, mesmo na fala sem função, todo signo comporta um significante: desse modo, os autistas estão marcados na definição de sujeito para a psicanálise como aquilo que um significante representa para outro significante. Na concatenação instaurada na recusa associada ao olhar endereçado, desviar-se desse olhar é índice de uma resposta em um circuito descontínuo, onde o analista reconhece a presença de um sujeito que o reconheceu e o recusou. Como resposta ao real, é a cadeia significante que congela, o que implica uma solidificação da linguagem: para se conservar, congela a seriação significante. O sujeito não aparece como falta, mas como monolito cuja significação se iguala à mensagem enunciada. A consequência, para o psiquismo, é que havendo o congelamento no simbólico, é no imaginário que se pode formular algo do funcionamento do autismo e a aposta das autoras é de que o autista chega a um registro do imaginário "por um enquadramento de uma referência integral à imagem do corpo. E os registros do simbólico devem encontrar seus suportes na função imaginária" (Vorcaro & Lucero, 2010, p. 151), como inscrição do intervalo que faça seriação.

Vorcaro (1999), ao tratar da transferência com a criança autista, parte do reconhecimento do estatuto de significante sobre a prevalência discursiva imaginária da criança, em que o analista trabalha com o deciframento das cifras e não na apreensão de sentidos. O real só pode ser suposto como uma leitura simbólica, que ocorre pelas vias: a) da tradução, que localiza a criança e seu mal-estar numa hipótese estrutural, teórica, portanto, na consistência imaginária articulando significantes e sentidos, sujeito e grande Outro; b) da transcrição de uma seriação, onde se constrói uma ficção das produções simbólicas da criança que trazem os arranjos da linguagem; c) da transliteração que irrompe na trama simbólica, fazendo furo (do real), decifrando os impasses da criança, seus sintomas. A interpretação entra na direção do tratamento pelas vias do significante, produzindo sentidos novos.

Na criança autista, o gozo na linguagem não se efetiva, retorna no sujeito: a borda autística mostra essa não aderência dos significantes que a circundam. Ao discorrer sobre a direção de cura, a autora nos coloca algo fundamental: "A condição de análise é que o analista saiba em que lugar a criança o põe" (Vorcaro, 1999, p. 64). A criança autista recusa o analista como alteridade, não supõe saber, o analista nem foi instituído nessa posição para dela ser destituído, não se enamora de início pelo analista, pode tomá-lo como perseguidor, não demanda nem ideais e nem maternagem. Logo, a intervenção é um "exercício da operação significante, intervindo sobre o organismo, para ali criar uma borda ao real capaz de contorná-lo" (Vorcaro, 1999, p. 66).

O laço transferencial amarra o real dessa criança com o simbólico do analista. Essa amarração não se refere a modalidades específicas de atividades, mas, sejam quais forem, trata-se, na experiência clínica, do trabalho do analista em concatenar, em conjugar signos e significantes sem antecipação e imposição de sentidos, ao que a criança vai realizando, colocando-a a fazer com "o real ao invés de sofrê-lo". Assim, o "analista carrega a única transferência possível a um autista: a de receber a demanda do Outro como negativa direta, não como invertida" (Vorcaro, 1999, p. 69). Na proposição da referida autora, trata-se de uma aproximação à transferência como revertida, levando-se em conta que essa negativa é o distintivo no psiquismo do autismo.

Ao pular em uma cama elástica, entra na cena terapêutica a complexa motricidade de um menino, sua impossibilidade de suportar o toque do outro, sua rigidez no movimento de "subir/descer". Isso pode ser ajustado em termos de tônus-postural, mas não sem que a analista entre com essa concatenação, com o "subindo e descendo" cantarolado, inscrevendo a temporalidade e o espaço em torno de seu corpo, produzindo uma imaginarização desse real nos signos que o localiza como imagem em um corpo duplo e falado. Nesse ponto, pular na cama elástica de frente para a analista segurando-lhes as mãos aponta para um furo nessa borda de recusa do Outro, e, na sequência, pular de frente para a analista com os braços estendidos em cruz é supor que, nesse corpo em desequilíbrio, o significante o equilibra - dos signos oferecidos, algo fez inscrição nesse corpo, foi transliterado do real dando uma unidade, para além do equilíbrio motor.

 

Do corpo à corporeidade na transferência

A apresentação feita das cinco modalidades de transferência mostrou que o autista torna impossível reduzir a transferência aos fundamentos estabelecidos na clínica psicanalítica ou, ainda, a este ou aquele modo de intervenção. A recusa ao simbólico, recusa à fala como mediadora do laço na clínica, impõe a invenção a partir do vazio que essa recusa inscreve na cena analítica: sempre o início de um percurso a ser revisitado, revertido na análise a esse topos vazio. Dentro dessa perspectiva, aborda-se, na sequência, o corpo e a corporeidade do autista na transferência analítica.

O corpo, em psicanálise, não tem seu correlato no organismo. Corpo é uma representação psíquica fundada no início do psiquismo, é linguagem. Ao definir as pulsões, Freud (1915/2013) as coloca entre o somático e o psíquico. Nas elaborações do psicanalista francês Jacques Lacan, o significante corpo representa uma dimensão articulada aos registros borromeanos de imaginário (o corpo especular, corpo que imagino que tenho iniciado como unidade e que será uma consistência cindida pela linguagem), e de simbólico (é o corpo falado pelo sujeito e pelo outro, superfície tomada pelos significantes que o antecedem). Como linguagem, esse corpo é não-todo, incompleto, é marca do real no encore, do gozo no dizer. É esse corpo o topos da extração do objeto a: cedido ao Outro como preço a ser pago pela saída da alienação na linguagem. Essa superfície de linguagem se instaura como uma borda ante o real, o simbólico ordenando as pulsões e seus objetos. No autismo, o sujeito precisa criar e articular as dimensões imaginárias e simbólicas de corpo: a recusa ao olhar do outro, as bordas autísticas e a hipersensorialidade mostram essa não articulação.

Jacques Lacan (1962-1963/2005) constata que há algo inominável e irrealizável na linguagem que inscreve o furo nos corpos psíquicos: é o real que não é organismo, não é linguagem e nem consistência imaginária, ex-siste (Lacan, 1974-1975) e sempre retorna na repetição, sempre retorna como acontecimento de corpo, como "um evento corporal" (Lacan, 1975/2003, p. 565) cuja extensão é inacessível ao Outro, pois concerne ao Um do ser, não mais uma unidade, mas unicidade.

No autismo, o trabalho na transferência com o corpo do analista fazendo duplo, sendo objeto dinamizador, mediando estar em um grupo com outras crianças, remete aos indícios do corpo especular, onde o Eu em formação se apresenta como imagem de um semelhante (Lacan, 1949/1998): Eu e esse semelhante somos um. Ao pegar na mão do analista para que este lhe faça algo, a criança toca a imagem de si que o analista reflete na cena analítica, pois é pelo contorno da borda autística, pelas costas que ele oferece, pela recusa ao olhar e pelo tapar os ouvidos que a criança autista vai permitindo que o analista se posicione diante dela: essa recusa é um reconhecimento negativizado. As pulsões "são no corpo, o eco do fato de que há um dizer" (Lacan, 1975-1976/2007, p. 18), resíduos gozantes de lalíngua - a língua do inconsciente de cada um, não universal, não compartilhável. O corpo do autista nos mostra que há o que está nele marcado como vazio não preenchido pelo dizer: o eco do irrealizável da linguagem que nos causa sendo preservado como marca estrutural.

A questão borromeana para o sujeito autista é inventar-se contorcendo esse furo impreenchível. Daquilo que o autista conserva do início de seu psiquismo, a suposição é que o irrealizável na fala ecoa (e ressoa) na direção do que o corpo do analista comporta e não lhe é mortífero, nem perseguidor e nem castrador: a ignorância alocada como significante vazio, como não interpretável que marca o corpo, o objeto a. Localizar essas representações e esse reconhecimento negativizado do autista no corpo impõe ao analista um trabalho de invenção a partir do que se oferece. Por vezes, ele pode oferecer um corpo não falado, para ser lido: ler, na transferência, a lógica da corporeidade.

Para desenvolver tal proposição, retoma-se o chiado esvaziado mencionado no início deste escrito, encerrando com a corporeidade na dança entre a coreógrafa francesa Mathilde Monnier e Marie-France. A invenção das duas foi nomeada de Ruído Branco, um ato inventado a partir de uma linguagem morta, fora do simbólico, que ecoava de Marie-France e foi escutada por Mathilde: nem consistência imaginária, nem simbólico, e não era o organismo. A hipótese é a de que na perturbação na relação com o Outro, o corpo de Marie-France permanecia à deriva do gozo infinito, porém, o desejo não vislumbrado de Mathilde intercambiou pela corporeidade de Marie-France esse Ruído Branco, constante e imutável4. Mais do que emprestar seu corpo como duplo, Mathilde se enlaça a Marie-France construindo uma corporeidade na cena que se deixa coreografar pelo que ecoa de Marie-France.

Da criança que se escutou dizer o nome próprio, encontra-se um garoto de doze anos que depois de um grave episódio depressivo volta para o lugar de onde partiu. Quando chamado pelo nome, responde e sua ecolalia está ali, alocada no mesmo lugar que foi escutado pela última vez. Porém, se o menino brincava com a língua tentado traçar significantes nesse corpo que dava indícios de ser nomeado como um eu, agora, tratava-se não da angústia de repetição marcada em sua ecolalia. Congelado, ele alucina, trazendo um corpo para a cena, e não é o corpo fragmentado da esquizofrenia que remete o sujeito a uma exterioridade, mas é um evento corporal. Esse gozo alucinatório é na carne, pois o autista não fez corpo para ser perdido enquanto unidade; essa carne não se ausenta como o corpo pelas vias imaginárias ou simbólicas. Quando escuta um cachorro latindo no supermercado, isso instaura uma crise alucinatória, onde repete gozando sem alternância: "o cachorro mordeu, cachorro mordeu?!", enquanto mostra e aperta na perna a "marca de mordida" que não existe aos nossos olhos: o real se presentifica negativizado, é o real que não se inscreve no corpo como linguagem5. Tem-se um real em cena que insiste nesse ponto da carne: ali ele vai, pela automutilação, começar a cavar e fazer buraco, tentar fazer entrar o real. Se Marie-France ecoa seu Ruído Branco como contorno de sua carne, o menino faz buraco como frente ao horror do som da mordida de um cachorro. Falar em "carne" é possível porque o corpo do autista merece ser libertado, conforme Dunker (2011, p. 3), da "compulsão à identidade e à unidade", libertá-lo da insistência significante e da idealizada unidade do eu. Isso merece ser tomado, na clínica, como uma corporeidade topológica: corpo, carne e organismo, destacando que o corpo sofre esse sofrimento que "se corporifica na transferência".

O autismo é tomado hoje com um corpo biológico - não um organismo, porque é falado em significantes como cérebro, órgão, sensorial-cognitivo, DNA (morto), neurotransmissores, aquele que não articula a fala. Se considerarmos as manifestações sintomáticas do autismo, estas se realizam nesse corpo biológico a serviço da leitura gozante do Outro: hipersensorial, agitação motora, flappings e estereotipias/movimentos repetitivos, o andar nas pontas dos pés, entonação da fala, hiperatividade, crises de auto e heteroagressão, automutilações, não expressam dor (pois essa é um registro psíquico), ficam de costas, a excitação motora, o problema com o xixi e o cocô. Ainda, se presentificam marcas no corpo de quedas que viram feridas, colagem no corpo do outro, corpo assexuado, sem subjetividade, corpo imaginado em treinos e discursivizado como deficiente, corpo para ser controlado e receber comandos, para ser amarrado e ensinado, corpo homogeneizado. Enfim, tratam o corpo do autista como corpo dessubjetivado.

A topologia coloca em cena o elemento impossível de nomear que tanto a alucinação na carne do menino como o Ruído Branco de Marie-France nos fazem supor, pois uma corporeidade topológica não é uma unidade corporal, é algo impossível de se definir antes de seu acontecimento. Seria a corporeidade uma emergência na transferência? Para Dunker (2011), a corporeidade é o que enoda os três elementos: corpo, carne e organismo, fenômenos que podem não corresponder às estruturas clínicas que as definem, "combinatória heterogênea, onde o primeiro termo designa a estrutura em ato e o segundo o registro no qual se localiza seu efeito" (p. 96), como mostrado no fenômeno alucinatório mencionado. Essa corporeidade do autista seria o imutável não determinado que toma formas heterogêneas nos diferentes discursos e sintomas e só poderia ser lida na relação com as experiências de cada sujeito no encontro com a linguagem.

A proposição de "carne" permite supor o imutável do autista que escaparia às formas congeladas de significantes e signos, realizando-se na transferência. Carne designa dois processos na linguagem de inversão de significante entre interior e exterior, o da seriação, que faz conjunto, e o da negativização da imagem, o retorno do gozo ao corpo: "separação entre simbólico e real e ao mesmo tempo o isolamento imaginário" (Dunker, 2011, p. 100). A angústia no psiquismo que se forma entre prazer e desprazer - a coisa/Das Ding, produz a angústia diante do objeto a, objeto traumático, perdido, que retorna sempre no corpo e coloca o sujeito na repetição. Se a angústia traduz o objeto a no corpo, na carne o que não se forma aparece no autista: conjunto de zeros negativados, o vazio.

Dunker (2011, p. 101) esclarece que Jacques Lacan lê em Merleau-Ponty a noção de carne e assevera que a Coisa freudiana permite introduzir essa noção como "ponto de reversão ou de torção da própria visibilidade, e por extensão de toda sensibilidade. A carne não é representável nem especularizável, não é dimensional". Com base nessa elaboração, a hipótese para o psiquismo do autista é seu congelamento e preservação na imaginarização do real. A reversão, na transferência com a criança autista, coaduna com essa negativa do representável e especularizável que a carne comporta por ter a marca dos resíduos da linguagem, dos quais o autista não escapou: é possível que sejam esses restos que nele se congelam como marcas da linguagem que ele insiste em recusar. Não se trata de ir do imaginarizável para o simbólico, ou do real para o simbólico, ou do simbólico para o real, mas retornar ao que há de vazio inscrito no sujeito: nessa clínica, o trabalho é com o que há de real.

No autista, a carne reafirma a ausência (da fala), negativização da carne como presença do real, do vazio não representado, isso com o que se aposta vir-a-ser um acontecimento de corpo, que não pode ser interpretado e alocado em significantes. Se na linguagem o sujeito castrado perde de seu corpo imaginarizado e falado o objeto causa de seu desejo, Dunker (2011) mostra que esse sintoma - que não é esse objeto a - é a "libra da carne", preço real "que o sujeito paga para ingressar na ordem simbólica" (p. 17), preço cujo valor é o vazio. Essa "libra da carne" designaria "a criança (mítica) antes de sua entrada na linguagem"6.

Jacques Lacan examina, no Mercador de Veneza, de William Shakespeare (1596-1958/2007), o pagamento que Antônio deve ceder ao agiota Shylock, interessado na amada de Antônio: "uma libra de vossa bela carne, que do corpo vos há de ser cortada onde bem me aprouver". Este, não tendo o tratado se realizado, segundo a corte de Veneza, pode exigir esse pagamento em "libra da carne", mas sem uma gota de sangue derramada. O sujeito perde na carne aquilo que perderá na linguagem: um objeto. Dunker (2011) ressalta que seria preciso ao sujeito realizar a troca simbólica desse objeto indiscernível, "uma vez que não se pode derramar uma gota sequer de sangue do organismo" (p. 104). O corte é feito pelo significante, marca do traço unário. Nesse mito lacaniano da carne, "encontramos uma teoria da contra-identidade, pela qual o ser próprio do corpo depende de uma operação de separação entre simbólico e real e de um ato de realização do simbólico". No autista, a automutilação sempre no mesmo lugar, que faz ver o osso da mão de tão profunda, testemunha esse valor vazio da libra da carne, não um corte significante: se uma criança "lambe-se" quando se machuca ou se morde as pontas dos dedos, é direção de tratamento ascender significantes que lhe façam borda, que façam essa separação da carne.

A carne "exprime a íntima possessão pela qual o Outro goza falicamente no sujeito, no delírio da psicose, no fetiche do perverso ou no sintoma do neurótico, mas também na experiência impronunciável do gozo feminino", diz Dunker (2011, p. 107). Na experiência inominável do autista de recusar que o Outro goze dele, ele paga na carne na forma de uma marca vazia imutável e engendrada. Aquilo que o Outro lhe oferece de significantes ele retorna como libra da carne mutilada.

Na transferência, esse reconhecimento do que o autista recusa e do preço que paga nessa recusa deve mediar a aproximação possível: o analista não está ali para gozar do sujeito. Essa aproximação pela corporeidade é despossuída de fala e de imagem, de metáforas e metonímias: é estar ali onde o autista poderá inventar suas bordas. O risco é que a carne não se torne corpo, não havendo o Um-a-menos referido por Lacan e retomado por Dunker (2011): não há ornamentos discursivos nessa corporeidade, apreensível ou pelos resíduos do simbólico ou pelo que insiste do organismo não nomeado. Os objetos autísticos seriam uma solução do autista a essa condição, por razão de estarem fora de sua realização cultural e afetiva que os objetos têm para outras crianças. Os sintomas do autista não são, dessa forma, metáforas do que o acomete em seu psiquismo. Na transferência, o analista comporta essa carne, esse trauma alocado no corpo. Essa é a dimensão do desejo do analista que toca o autista: negando-se ao reconhecimento de nosso suposto saber, reconhece nossos resíduos, nossos restos.

Ao recusar materializar-se em significante (corpo simbólico) e a imaginarizar-se em uma ideal unidade do real no corpo, o que o autista realiza não é somatização, não é psicossomatização, nem conversão, nem compulsão, nem obsessão, nem a alucinação que se realiza no corpo fragmentado em dentro e fora do esquizofrênico: é algo da ordem da carnificação, onde ainda é complexa a imaginarização do corpo e sua representação simbólica. Sem os efeitos formadores da imaginarização do real (formação do Eu), o que ecoa do que se congelou no nascimento de seu psiquismo? O que se descongela senão a carne, os pedaços inaudíveis e inomináveis de carne cortados pelo primeiro significante?

Um acontecimento de corpo para mostrar esse arranjo na carne e que ascende a outro topos tem a ver com o que se conhece comumente, na clínica, como "marcha equina/andar nas pontas dos pés", a não flexão do pé, que em termos sensoriais-motores mostra o difícil diálogo dessas crianças com as diferentes texturas e barulhos do mundo, com o equilíbrio tônus-postural e, em termos imaginários, tem a ver com a primeira representação de uma imagem corporal como unidade, como um eixo. Esse andar quase que sobre si mesmo - recusando a superfície do mundo - desaparece durante a vida de crianças que foram acompanhadas em seu percurso constitutivo (efeito terapêutico de suas soluções subjetivas), porque nelas não haveria uma causa ortopédica anterior ao autismo. Porém, quando isso não se dá, esse andar quase que sobre si mesmo produz na criança uma lesão no tendão do calcanhar, no pé, e algumas crianças, por exemplo, ficam com uma perna mais curta. Por outro lado, vê-se que quando há registro imaginário desse andar sob as pontas dos pés no autista, a criança não toma como invasivos procedimentos ortopédicos como tentativas de resolução desse sintoma imaginarizado. Essa somatização é um registro importante para o autista, pois aloca no corpo aquilo não inscrito na corporeidade, ganha função sintomática. Quando não ocorre essa imaginarização, esses procedimentos e outros, como o uso de botinhas goteiras, são extremamente invasivos, pois atravessam a carne da criança.

O chiado e o Ruído Branco são restos que ecoam da carne da criança mencionada e de Marie-France e que se enlaçam na transferência. Com o autista, as formas residuais do corpo imaginárias e simbólicas são um percurso topológico na experiência de cada um desses sujeitos conforme seus funcionamentos subjetivos. Sobre os restos do real, é o que não se predica, não pode ser predicado em nenhuma dessas formas residuais, trata-se da não predicação, da negativa que o identifica diante do Outro.

Mathilde, coreógrafa que escreve com o corpo, ao ler a carne em cena de Marie-France e escutar o indizível, instaura um engajamento corporal ali no limite intransponível para o autista entre imaginário e simbólico, faz um corte nesse corpo. Como sujeito do desejo, Mathilde transmite, nessa dança, o significante que, como gesto simbólico, instaura uma nova direção a Marie-France, um desejo de ser essa corporeidade em cena. Em um palco, Mathilde Monnier entra em cena seguida de Marie-France, que segue seus passos, pisa em suas pegadas. Dos traços apagados feitos por Marie-France, elas vão criando uma nova paisagem na cena: elas se dançam em tentativas de se enlaçar. Nos entremeios desses movimentos silenciosos, delicados, ressoa de Marie-France sua sonoridade branca, o ruído de si mesma, o mesmo que Mathilde escutou em seus primeiros encontros, constante e imutável. Essa invenção é topológica, realiza-se na cena, repete-se, não é prevista, onde a coreógrafa aceita o que Marie-France lhe oferece, aceita enlaçar essa corporeidade de duas. Marie-France nos ensina que o autista, mesmo destituído de fala, de ilhas de competências, de objetos e de duplo tem na carne o traço de sua existência subjetiva e, como sujeito do inconsciente, vai dela fazer-se representar ao Outro. É preciso que escutemos o que dele ecoa, o inominável.

 

Considerações finais

Este trabalhou mostrou como diferentes modalidades de transferência na clínica psicanalítica com a criança dita autista, dentro do recorte teórico feito, ratificam a recusa da supremacia da fala e da alteridade simbólica no autismo como estrutura subjetiva: o laço imaginário pela recusa ao olhar do semelhante, a recusa do amor ao grande Outro em face de sua necessidade, a transferência entre o real e o simbólico que nos coloca de viés diante desses sujeitos que tapam os ouvidos, o duplo e os objetos autísticos que inscrevem o limite entre a criança e o analista, e a transliteração significante que permite ao analista contar à criança que há uma ausência entre os significantes que lhe acometem, a alternância entre ele e o outro.

A hipótese da transferência como uma reversão, nessa clínica, propõe que se considere sempre o vazio que é marca no psiquismo do autista. Há ali voltas e retornos sempre a serem feitos como direção de tratamento, não havendo uma resolução do simbólico para o real, ou do real para o simbólico, pois a negativa inscrita nesse topos mítico não se reescreve, é a marca estrutural do autista e regula essa clínica. Isso que o autista nos oferece em transferência é um percurso sempre inédito a ser percorrido junto com cada criança, a partir do que dela ecoa e ressoa - a voz do autista -, tal como foi mostrado no laço pela corporeidade construído no fazer entre Marie-France e Mathilde, em que a dança foi mediadora nesse laço.

A clínica psicanalítica com os autistas se mantém em sua tradição de ir na contramão do controle dos corpos, do controle dos dizeres e, mais ainda, resistindo e subvertendo toda tentativa de apagamento das subjetividades, sem perder de vista que o inconsciente nada tem em comum com o cérebro. Nela, a transferência é o manejo dos elementos que a atravessam e a determinam advindos da escuta desses sujeitos no enfrentamento da epidemia do diagnóstico de autismo, em que toda criança atravessada por impasses em seu desenvolvimento é alienada no imaginário do signo autismo. A transferência nos permite ler a posição do sujeito do inconsciente na linguagem, sua estrutura subjetiva.

 

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Recebido em: 21/7/2018
Aprovado em: 8/4/2020

 

 

1 Usamos o termo "Imaginarização", ao longo deste artigo, não como imaginação, mas referente ao imaginário naquilo que essa dimensão da realidade psíquica contempla, dentre outros aspectos do psiquismo, as antecipações imaginárias e a formação do eu como unidade.
2 Collete Soler (1994, p. 62) propõe o termo "análise invertida" para o tratamento do autismo e da psicose infantil. Segundo a autora, se na análise tradicional do adulto, o manejo da transferência vai do simbólico em direção ao real, o que implica a queda do suposto saber, o fim do amor ao analista, na análise das crianças ditas autistas e psicóticas, o manejo da transferência busca a inscrição simbólica a partir do real.
3 "Borda" autística é uma noção defendida por Eric Laurent (2010) que diz sobre aquilo que o autista toma como parte do próprio corpo para escoar em si mesmo a energia libidinal: nada escoa para o outro. O objeto da criança autista não seria para brincar, mas é algo que a completa e ao mesmo tempo algo que a isola. Esse elemento não é um meio em direção ao outro e, sim, um complemento que mantém a homeostase, uma proteção e uma barreira.
4 Em música e acústica, o termo "ruído branco" pode ser usado para qualquer sinal que tenha um som constante e semelhantemente sibilante. Em processamento de sinal, o ruído branco é um sinal aleatório com igual intensidade, uma sonorização não descritível nas formas da língua (o chiado da televisão é ruído branco).
5 Jacques Lacan (1975/1976) constata que quando a gente se bate, o real é aquilo que não entra, é o impossível de penetrar.
6 A criança mítica antes da entrada na linguagem foi designada como assujeito e remete ao sujeito que ainda não fala, um vir-a-ser no encontro entre organismo, materialidade do corpo e linguagem. A relação do autista com a fala não é correlata dessa posição de todo infans na linguagem: negar a primazia da fala é possível após o encontro com essa fala, cerne de qualquer negação no psiquismo.

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