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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.15 no.1 Belo Horizonte jan./jun. 2022

http://dx.doi.org/10.36298/gerais202215e17560 

ARTIGOS

 

O sentido do trabalho na vida de comerciários de um hipermercado de Belo Horizonte

 

The meaning of work in the life of a hypermarket traders of Belo Horizonte

 

 

Luana Pinto MoraesI; José Newton Garcia de AraújoII

IPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil. E-mail: luana.moraes.psi@gmail.com. (orcid.org/0000-0002-9009-7111)
IIPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil. E-mail: jinga@uol.com.br. (orcid.org/0000-0001-9648-9741)

 

 


RESUMO

Esta pesquisa buscou investigar as relações entre trabalho e saúde, junto a comerciários do setor varejista, um dos segmentos mais empregadores no mercado de trabalho. Tentou-se compreender os impactos psicológicos e sociais das atividades dos profissionais menos qualificados desse setor. A pesquisa bibliográfica constatou haver poucos estudos sobre o tema, na área da psicologia do trabalho. A investigação empírica, de cunho qualitativo, ocorreu em um hipermercado, na cidade de Belo Horizonte, MG, por meio de entrevistas semiestruturadas e observação de campo. Foram realizadas 22 entrevistas com participantes de ambos os sexos, trabalhando no nível operacional da empresa. Os resultados evidenciaram a insatisfação no trabalho, mesmo entre os sujeitos aparentemente identificados com suas atividades. No limite, restam-lhes poucas possibilidades de realização pessoal, dada a desarticulação entre as condições de trabalho e as aspirações pessoais, com impactos negativos nas demais esferas de vida, o que também gera sofrimento e adoecimento.

Palavras-chave: psicologia do trabalho; hipermercado; sentido do trabalho; saúde mental e trabalho.


ABSTRACT

This study aimed at investigating the relationships between work and health among retail employees, one of the sectors responsible for most hirings on the job market. We tried to understand the psychological and social impacts of the activities performed by the lowest-qualified workers of this sector. The bibliographical research showed that studies about the subject are scarce in the field of occupational psychology. The empirical qualitative investigation was carried out in a hypermarket located in the municipality of Belo Horizonte, state of Minas Gerais, by using a series of semi-structured interviews and field observation. We interviewed 22 operational-level employees of both genders. The results clearly indicated job dissatisfaction, even among individuals apparently identified with their activities. , they have only a few possibilities left to obtain personal achievement, given the gap between working conditions and personal aspirations, which generates negative impacts on all other life aspects and leads to suffering and illnesses.

Keywords: Work psychology, Hypermarket, Meaning of Work, Mental health and work.


 

 

O setor varejista brasileiro apresentou profundas mudanças estruturais e culturais, no decorrer das últimas décadas, refletidas na efervescência de suas estratégias mercadológicas e publicitárias. Ele é, atualmente, um dos segmentos que mais geram oportunidades de emprego no mercado de trabalho, oferecendo funções diversificadas para profissionais de diferentes áreas. Numa ótica puramente mercadológica, Levy e Weitz (2000, p.27) o caracterizam como "um conjunto de atividades de negócios que adiciona valor a produtos e serviços vendidos a consumidores para seu uso pessoal e familiar". Esses autores acrescentam: num "ambiente altamente competitivo e desafiador, os varejistas estão contratando e promovendo pessoas com amplas gamas de habilidades e interesses". (p.31).

Vale aqui lembrar que, historicamente, nas clássicas sociedades capitalistas, o emprego era direcionado, basicamente, para os segmentos do setor industrial. Paulatinamente, no entanto, com o desenvolvimento das sociedades de consumo, os setores de serviço, entre eles o mercado varejista, passam a concorrer com o industrial, na geração de empregos.

As estatísticas relativas a trabalho e emprego poderiam sugerir um presumível papel social do setor varejista, visto como fonte relevante de absorção de mão de obra. No entanto, nossa pesquisa mostrou que, assim como outros ramos de serviço, o varejo pode representar, no cenário contemporâneo de desemprego estrutural, apenas mais uma alternativa instável e transitória de inserção profissional. Se as estratégias de marketing facilitam e até glamourizam as compras de milhares de consumidores, inclusive nos hipermercados, isso não corresponde, forçosamente, à garantia de qualidade de vida de seus trabalhadores.

Um primeiro indicador da precarização do trabalho, no setor varejista, evidencia-se na pouca exigência de qualificação profissional, para grande parte de seus operadores. Ao comparar os trabalhadores do varejo aos da produção industrial, Novaes (1994) afirma que, enquanto se requer uma qualificação básica ou avançada ao trabalhador da indústria, o operador do comércio é visto como um recurso humano de reposição "mais fácil", sem que se exija dele uma formação prévia especializada. Isso permite, embora com exceções, que ele seja contratado sob condições precárias e, por vezes, ao arrepio das leis trabalhistas.

Neste artigo, propomos discutir os resultados de uma pesquisa sobre empregados de supermercados, em especial aqueles alocados nos setores operacionais. Nosso objetivo principal é investigar, no atual contexto de empregabilidade, os sentidos que esses sujeitos atribuem ao próprio trabalho, no horizonte temporal relativo às possibilidades ou entraves aos seus projetos de carreira profissional e de vida. Com efeito, pareceu-nos que o atual emprego é visto como uma falta de alternativas ou mera passagem para futuras e mais compensadoras opções laborais. Paralelamente, visamos também investigar as condições e a organização do trabalho desses operadores, cujos riscos psicossociais incidem sobre sua saúde física e mental.

 

Referenciais teóricos

Em um levantamento bibliográfico inicial, verificamos que a produção acadêmica sobre o setor do varejo encontra-se dispersa em periódicos nacionais e internacionais, com relativa diversidade de enfoques, embora com significativa ênfase nos estudos ligados ao comportamento do consumidor, em detrimento das investigações voltadas para os trabalhadores do ramo. Como exemplo, citamos o estudo de Harb (2005), que analisa as competências organizacionais nos segmentos de hipermercado e supermercado, no Brasil, visando identificar as competências básicas para a competitividade, no setor. Citamos ainda a pesquisa de Révillion (1999), voltada para a discussão da satisfação do consumidor.

De nossa parte, ancoramo-nos nas perspectivas da psicologia do trabalho, tendo como pressuposto um encontro com sujeitos singulares, buscando acessar o cotidiano de suas atividades profissionais e, enquanto possível, um pouco de suas histórias laborais e extralaborais. Neste sentido, a psicossociologia inclui, no conceito de trabalho, o conjunto de atividades dentro e fora do ambiente laboral. Isso requer, pois, uma distinção entre os termos trabalho e emprego. Para Lhuilier (2017, p. 302), é importante reconhecer "as atividades que (...) fazem as mesmas funções do trabalho, no sentido habitual do termo: funções utilitária, social e identitária. Não há descontinuidade entre os diferentes tipos de atividades e as que são economicamente sancionadas". Assim, o conceito de trabalho abarca atividades domésticas, familiares, sindicais, políticas ou de sociabilidade, o que permite superar, ainda segundo Lhuilier (2016), a clivagem entre vida profissional e vida extraprofissional.

E é nesta direção que nos interessa, aqui, discutir a dimensão temporal do trabalho do comerciário, ou seja, aquilo que abre um horizonte ou um sentido ao momento presente de sua vida profissional. Vale assinalar, no entanto, que tanto no plano conceitual como da experiência vivida, o termo trabalho carrega uma conotação ambígua, de representações contraditórias. De um lado, em sua dimensão antropológica, ele é uma atividade humana estruturante, uma referência essencial em nossas vidas. Tanto para Hegel (1992) quanto para Marx (1983), é ao transformar, criativamente, o objeto (natural ou social) que o homem se transforma. Segundo Viegas (1989), "trabalho é a forma humana de fazer jus à vida, é a forma humana de produzir, não no sentido de criar objetos reificados, simplesmente, mas no sentido de criar significações". De outro lado, ele é fonte de sofrimento, adoecimento e de malogro existencial. A esse respeito, Antunes (2005, p. 11) comenta que o trabalho "tem sido compreendido como expressão de vida e degradação, criação e infelicidade, atividade vital e escravidão, felicidade social e servidão".

É essa ambiguidade que tentamos levantar, junto aos participantes desta pesquisa, a fim de compreender o sentido do trabalho, em suas vidas. Para tanto, na ótica das "clínicas do trabalho", partimos da análise da atividade, uma vez que, segundo Gaillard (2014, p. 43), é "no curso da atividade que se instaura uma interação entre o sujeito e o sentido que o trabalho traz para ele". No caso concreto do setor varejista, esta autora nos ajuda a pensar também sobre a ambiguidade do sentido do trabalho, inclusive no que ele representa, em termos de riscos psicossociais. Para a autora, é na análise da atividade que se detecta a posição do sujeito na organização, o que implica relações de confiança ou desconfiança, sua adesão ou não aos valores empresariais, suas possibilidades de renormalizar o trabalho, de discutir as regras em vigor. Essa posição pode significar, para ele, fonte de prazer ou de frustração, de humilhação, tensões e conflitos.

Aqui se descarta uma análise psicologizante do trabalho, que situa os problemas puramente no sujeito, uma vez que sua atividade está submetida a prescrições, a normas, a uma cultura autoritária ou não da gestão, à utilização de meios tecnológicos que podem favorecer ou ser nocivos à sua saúde. Assinalemos ainda que, tanto como produtor de saúde ou de adoecimento, o trabalho está essencialmente atravessado pelo social. Para Enriquez (1999, p.79),

Toda essa inserção vai permitir a cada um sentir-se útil no seu trabalho, na sociedade, além de buscar algum sentido para a própria vida. Pois a partir do momento em que existir um sentido para a vida, este não se limitará somente ao fato de termos um papel na empresa, mas ao fato de estarmos inseridos num sistema social mais completo, podendo ter investimentos políticos e nos sentir verdadeiramente cidadãos.

 

Método

Este estudo, realizado em um hipermercado da cidade de Belo Horizonte, buscou identificar o sentido atual e futuro do trabalho para os profissionais do setor operacional, bem como seus impactos na sua saúde física e mental. Ele se caracterizou como uma pesquisa exploratória, que visa "desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista, a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores" (Gil, 1999, p.43), a fim de se aproximar de uma visão geral acerca do fato investigado.

Como ferramentas da investigação empírica, recorremos, inicialmente, à observação assistemática (Gil, 1999; Marconi & Lakatos, 1999), à maneira de uma ação não estruturada, registrando dados, sem meios técnicos especiais, por tratar-se da fase exploratória da pesquisa, sem controle previamente elaborado. Essa observação de campo permitiu uma troca informal com os trabalhadores do supermercado, relativa a situações aparentemente corriqueiras, mas reveladoras das condições e da organização do trabalho, bem como de suas relações com colegas e chefias. Já adiantando aqui alguns resultados da observação, ressaltamos que ela nos permitiu identificar, entre outros fatores:

a) o descontentamento dos trabalhadores do setor de frutas, legumes e verduras, carente de equipamentos de uso comum, como balanças e carrinhos para transporte, o que gerava disputas e conflitos diários entre colegas de trabalho;

b) a falta de operadores, nos setores de açougue e peixaria, o que exigia maior agilidade no atendimento ao cliente, gerando queixas em relação ao desgaste físico e emocional;

c) a falta de equipamentos de proteção individual, nos setores de peixaria, açougue, padaria e salsicharia, com atividades de risco, ligadas diretamente ao processamento dos produtos;

d) queixas que traduziam um sentimento de injustiça, em relação ao setor "frente de caixa", que recebia cestas básicas, caso seus operadores não tivessem faltas no trabalho, privilégio que não se estendia ao restante da loja. Semelhante descontentamento se referia aos operadores do setor de eletroeletrônicos, que são comissionados e utilizam uniformes diferenciados, considerados de melhor qualidade.

Num segundo momento, na ótica da abordagem qualitativa, realizamos 22 entrevistas semiestruturadas, com sujeitos de ambos os sexos. Observe-se que esses recursos para a coleta de dados esbarraram em alguns limites, advindos das contingências do campo. Com efeito, apesar da aparente abertura e disponibilidade da gerência para a realização da pesquisa, não houve uma comunicação prévia da mesma aos operadores que, inicialmente, mostraram certa desconfiança, em relação à pesquisadora, pois esta poderia estar ali a serviço da empresa, avaliando o desempenho dos mesmos.

Além disso, as entrevistas foram realizadas no próprio ambiente de trabalho, em espaços improvisados e parcialmente devassados, deixando a pesquisadora e os participantes pouco à vontade. Isso apontou para dificuldades relativas ao que Poupart (2012, p. 227) trata como "princípios e estratégias subjacentes à arte de fazer falar o outro", ou seja, obter a colaboração do entrevistado, deixando-o à vontade, ganhando sua confiança, levando-o a se envolver e a tomar a iniciativa do relato.

Outra dificuldade: os participantes das entrevistas foram convocados de maneira aleatória, de acordo com sua disponibilidade, por indicação do supervisor da área ou de um colega já entrevistado. Assim, não foi possível entrevistar os operadores de todos os setores. O açougue, por exemplo, contava só com dois funcionários. Os vendedores da seção de eletroeletrônicos também se ausentaram, por serem comissionados e, para eles, deixar o posto de trabalho significava diminuição dos rendimentos. Apenas uma participante, operadora de loja, apresentou-se espontaneamente para a entrevista.

De toda maneira, foi possível coletar dados relevantes para os objetivos da pesquisa. As entrevistas, gravadas e transcritas, foram analisadas por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2011), seguindo suas diferentes fases, como: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados e interpretação. Assim, selecionamos as questões recorrentes, tomadas como categorias de análise do objeto estudado.

Os procedimentos éticos foram devidamente observados, tendo o projeto sido encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos, recebendo o número de registro CAAE 47888915.5.0000.5137, antes da realização da coleta de dados. Os trabalhadores envolvidos foram informados sobre os objetivos, a finalidade e a natureza do estudo. Solicitou-se a carta de consentimento da empresa, autorizando a entrada da pesquisadora em suas dependências, além do termo de consentimento livre e esclarecido para todos os participantes da pesquisa. Manteve-se aqui o sigilo da identidade da empresa e dos participantes.

 

Análise dos resultados

Para desenvolver este item, partimos da observação inicial de que os hipermercados têm uma organização complexa, com diversos níveis de hierarquia e múltiplas repartições. Em nossa pesquisa, como já dissemos, focalizamos apenas o coletivo dos operadores, distribuídos nos diversos setores e exercendo tarefas específicas. A tabela abaixo mostra o perfil resumido, com alguns dados sociodemográficos dos participantes, bem como os setores em que estavam alocados e seus cargos. Os nomes fictícios, como se vê, foram emprestados de flores.

 


Tabela 1 - Clique para ampliar

 

Relatamos, a seguir, parte dos resultados que a observação de campo e as entrevistas nos permitiram coletar, tendo-se em conta que os dados empíricos adquiriram relevância, ao longo da investigação, cujo caráter indutivo nos permitiu ir além das possíveis hipóteses que a pesquisa bibliográfica inicial nos permitia levantar. Tal é o caso, entre outros, da expressiva presença feminina, entre os participantes da pesquisa, mostrada abaixo.

 

Divisão sexual do trabalho

Embora este dado só se refira ao grupo entrevistado, verificamos que ele se aplica ao corpo total dos operadores da empresa. Assim, 77,3% desse grupo eram do sexo feminino, contra 22,7% do masculino. Os setores da área operacional, com efeito, absorvem uma significativa força de trabalho feminino, daí a importância de se levar em conta seu lugar no mercado varejista. Esse dado nos faz interrogar a saúde física e psíquica dessas mulheres, muitas das quais ainda se dedicam ao "terceiro turno" dos trabalhos domésticos.

Ao investigar as relações de gênero no trabalho de um hipermercado de Aracajú/SE, Araújo (2011, p. 2) afirma que o trabalho feminino é "caracterizado frequentemente pela atribuição de tarefas monótonas, repetitivas e estressantes", acrescentando que a divisão desigual de tarefas, em termos de mais ou menos monótonas, não estaria ligada à natureza feminina, mas retrataria uma construção social.

Nesta mesma perspectiva, Hirata e Kergoat (2007) consideram que a divisão sexual do trabalho decorre das relações sociais entre os sexos, determinadas histórica e socialmente. Ela se caracteriza pela "designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.)". (Hirata & Kergoat, 2007, p.599). Como em muitas outras organizações de trabalho, as tarefas de maior responsabilidade são ocupadas por homens, geralmente alocados no topo da hierarquia da empresa. De fato, no hipermercado pesquisado, diversas funções de menor qualificação eram ocupadas por mulheres.

Questionada sobre os momentos mais pesados do seu dia de trabalho, uma operadora de loja de produtos têxteis comenta que a natureza repetitiva e monótona de seu trabalho é vivida como fonte de estresse.

(...) é um serviço que às vezes se torna improdutivo, porque você repõe, coloca tudo no lugar, as mercadorias que estão fora dos ambientes. Você recoloca e chega uma remessa de clientes, daqui a pouco está tudo fora do lugar. Então o mais pesado é isso, a gente tem que manter a organização da loja para o dia seguinte. Fica meio repetitivo e você fica meio estressado, muita monotonia, todo dia a mesma coisa, aí você fica meio desgastada. (Iris).

Essa divisão sexual do trabalho só é episódica no caso de algumas tarefas exigirem maior esforço físico: carregamento de produtos pesados, reposição de pneus e outras mercadorias que, na conferência de estoque, da reposição ou envio para os locais de venda, são deslocadas manualmente. Nesse caso, tal repartição de tarefas é, quase sempre, assimilada espontaneamente pelos homens, sugerindo sua solidariedade, em relação às colegas:

A gente faz o serviço mais braçal. Mas elas não correm de serviço também não. Mas eu não gosto, eu mesmo reclamo. Não gosto que elas peguem peso não, porque isso não é feito pra mulher não, né? (Cravo).

Alguns homens, no entanto, relatam que, mesmo não sendo contratados diretamente para tarefas que exigem força física, costumam ser convocados para exercê-las, sem treinamento, com riscos de acidente, dores no corpo ou outros prejuízos físicos, levando-os à utilização regular de medicamentos.

Escolaridade

A análise do grau de escolaridade dos sujeitos pesquisados mostrou que 68,2% completaram o ensino médio, 22,7% possuem superior incompleto, 4,5% não completaram o ensino médio e 4,5% não finalizaram o ensino fundamental. Segundo Camarotto (2009, p.149), "(...) historicamente, os profissionais desses setores possuíam baixa escolaridade e pouca qualificação". Relatos dos participantes mostraram que a empresa investe pouco no treinamento e no desenvolvimento profissional, necessário ao exercício de diversas atividades, entre as quais o trato com os clientes. Esse deficit na capacitação funcional, em situações especialmente constrangedoras, gera grande desgaste emocional.

Tempo na empresa

Os dados colhidos revelaram que 45,5% dos participantes possuem menos de 1 ano de trabalho no hipermercado e atuam em setores variados, como a salsicharia, caixa, peixaria, têxtil e padaria; 22,7% estão na empresa entre 1 a 4 anos e 31,8% há mais de 4 anos. As entrevistas mostraram que o setor de maior rotatividade é o chamado "frente de caixa", cuja função é manter um contato mais próximo entre a empresa e o cliente. Nele trabalham: o fiscal de caixa, o operador de caixa e o recepcionista de atendimento. Esse dado é confirmado por estudiosos do varejo, como Novaes (1994), para quem as funções deste setor são avaliadas como de fácil reposição e alta rotatividade.

Trabalho e saúde

O aparecimento quase simultâneo de supermercados e hipermercados, mesmo em pontos próximos, nas grandes cidades, é um fenômeno que parece alheio aos tempos de crise econômica que o país atravessa. Enquanto os consumidores tendem a apreciar esse fenômeno, inclusive porque a concorrência entre tais empresas pode lhes ser favorável, os empregados se ressentem da intensificação e da precarização do trabalho, além da insegurança relativa aos direitos trabalhistas e à própria saúde.

Ao focalizarmos os riscos psicossociais do trabalho, os participantes relataram sintomas depressivos, estresse, ansiedade, causados por fatores como pressão das chefias, dificuldade em lidar com o cliente, perda da vida social, entre outros. Já discutimos que a saúde do trabalhador compreende o todo de sua vida, dentro e fora do ambiente de trabalho. Le Guillant (2006), em seu estudo sobre a neurose das telefonistas, mostra como essas trabalhadoras levavam para casa as consequências do sofrimento no trabalho, sentindo-se nervosas e irritadas, tanto junto ao marido, com o qual "(...) desencadeiam brigas injustificadas (...)" quanto junto aos filhos, "não suportando que façam o mínimo ruído, [devendo] controlar-se para não bater neles". (Le Guillant, 2006, p. 179-180). Queixa análoga apareceu em nosso estudo:

(...) não é todo dia que você está 100%, que você está bem (...) você leva o trabalho pra casa. Às vezes, você não está bem no trabalho, você chega em casa e você não consegue conversar com o filho, com o esposo ou com a esposa. (Margarida).

Eu não estava conseguindo separar os meus problemas de casa com os problemas do trabalho, e estava me afetando. Na verdade, afetando muito. (Lavanda).

Para algumas trabalhadoras, o desgaste no trabalho parece "machucar a alma". Nesse caso, ele não incide tanto na saúde física, mas sobretudo no mal-estar psíquico:

É o que machuca a alma, machuca mais a alma. Eu estava até tendo crise de choro em casa. Em casa eu não aguentava, tinha vez que eu lembrava. Dava vontade de bater cartão e ir embora. Hoje mesmo eu estava com vontade de bater o cartão de manhã e ir. (Margarida).

Sim, tive um problema de depressão. Fiquei afastada durante um tempo (...) eu estava tomando um remédio tarja preta, eu ia trabalhar e parecia que eu estava lesada. (Lavanda).

As queixas se referiam também às restrições à vida social, devido à organização das jornadas de trabalho, que incluem os fins de semana.

Aí a gente fica meio sem vida, né? Você não pode sair, sábado eu não tenho vida, porque eu trabalho, a gente não tem vida social, não consegue sair. Geralmente as coisas acontecem sexta, sábado e domingo, e você não consegue sair. Faz muito tempo mesmo que eu não saio, não faço nada. (Orquídea).

Algumas falas apontam para a perda da solidariedade entre pares, em função das pressões da gestão. Nesse caso, desaparece o poder de agir do trabalhador (Clot, 2010), tomado em sua dimensão coletiva. Se os sujeitos já não eram ouvidos e acolhidos pela organização, em seu sofrimento e necessidades, essa carência de apoio passa a ocorrer também entre colegas, ou seja, é o próprio coletivo de trabalho que se torna fragilizado.

Muita gente está com dificuldade, porque eu vejo, eu ouço e converso. Eu fico no meu canto. Só que às vezes a pessoa chega pra mim e acaba desabafando (...) e eu fico pior, né? Às vezes eu quero ajudar a pessoa, mas às vezes eu não tenho, não é força, é palavra para dizer, aí eu acabo falando a mesma coisa. (Margarida).

O cliente tem sempre razão

Na gestão das empresas de serviço, entre as quais as do varejo, o clichê "o cliente tem sempre razão" se impõe, sem ser questionado. Ele atinge, especialmente, o trabalhador que mantém contato direto com o cliente. Isso ocorre nas lojas de produtos têxteis e eletrônicos, no bazar, padaria, açougue, banca de frutas, seção de frios. Também se incluem aqui recepcionistas de atendimento e, finalmente, os caixas, ponto final do percurso das compras. Os diferentes tipos de contato com o cliente costumam gerar desgaste emocional.

O "cliente-rei" deve sempre ser bem atendido, pois sua satisfação gera a fidelização. Isso requer, do trabalhador, estratégias para contornar as incivilidades do consumidor, bem como as falhas da organização, como marcação incorreta de preços, estratégias de venda que ferem o direito do consumidor, falta de produtos etc. Ajunte-se que o trabalhador, em geral, não é adequadamente treinado para enfrentar esses problemas. Vejamos as falas:

Tem cliente que é difícil demais, nossa! A gente tenta, né? Controlar. Como o cliente tem sempre razão, a gente vai com calma. Mas é estressante! (Petúnia).

(...) às vezes vem algum cliente mais alterado. Costuma dar medo de a gente ser ameaçada (...) a briga maior é com o preço errado, está um preço na gôndola e quando chega no caixa passa outro preço (...) eles não entendem que é o sistema, pensa que é a pessoa que fez errado. Aí eu tenho que proteger elas de qualquer forma, eu tomo o problema pra mim. Até explicar isso e mudar o preço. (Violeta).

O desgaste psíquico pode ser maior, quando o trabalhador se vê cobrado de dois lados, do cliente e da chefia. Na fala acima, a ajuda vem de uma colega, não da empresa. Como foi apurado, os operadores não têm uma qualificação suficiente para lidar com tais eventos. O treinamento é, às vezes, improvisado, realizado por um colega, no próprio posto de trabalho e na presença do cliente. Além de constrangedor, ele é insuficiente para o exercício da função.

Polivalência, Precariedade e Trabalho Sujo

O trabalho precário nos supermercados pode decorrer das transformações ocorridas no setor, nas últimas décadas. Segundo Rosso (2008, p.171), "o trabalho no ramo de supermercados também já está em adiantado estado de transformação organizativa, por meio da aplicação dos conceitos de polivalência, qualidade total e gestão por resultados (...)". Em outros termos, os trabalhadores devem ser polivalentes, versáteis e flexíveis.

No entanto, pesquisas diversas evidenciam que, mesmo com possíveis benefícios, essa polivalência desemboca, entre outros fatores, na intensificação do trabalho. Lhuilier (2005, p. 218) refere-se aos riscos provocados pelas diferenças de capacitações, funções e responsabilidades: "a diluição da referência à profissão em benefício de princípios de mobilidade, de polivalência, de adaptabilidade conduz a uma maior indeterminação das funções e a uma fragilização das referências associadas às inscrições no mundo do trabalho".

Essa intensificação do trabalho, devido à polivalência imposta, é recorrente na maioria dos ambientes laborais, inclusive nos supermercados, conforme os relatos abaixo:

Aqui nós somos registrados como operador de loja, mas podemos fazer de quase tudo. Só quando tem uma profissão específica é que tem uma profissão separada, como padeiro, gerente, caixa, açougueiro, ajudante de açougue. (Bromélia).

Agora eu faço algumas funções à parte, no caso de operador de loja do setor de fruta, legumes e verduras. Eu sou empilhadeira na hora que é necessário, aí eu vou para o depósito, descarrego o caminhão, a empilhadeira, volto, trabalho aqui normal. (Girassol).

A mobilidade dos operadores se deve ao fato de que, aos olhos dos gestores, suas atividades não exigem maior qualificação, sendo socialmente desvalorizadas, o que acarreta sua alta rotatividade, deixando-os insatisfeitos. Acrescente-se a isso a precariedade das relações de trabalho, relativas a contratos, salários, horários, entre outros aspectos.

Como já vimos, a busca de vagas nessas organizações se liga à falta de um melhor emprego. Observe-se que o trabalho desvalorizado costuma ser também visto como degradante. Tal é o caso do peixeiro, que trabalha num ambiente de "odor desagradável". Vejamos os depoimentos abaixo:

Olha, o meu nome estava cadastrado na padaria. Mas a peixaria estava com dificuldade de encontrar funcionário, por que ninguém queria ficar lá. Eu digo que não é qualquer um que pega a peixaria. Por causa do cheiro. Cheiro forte de peixe. Friagem. Aí o chefe de lá, ele falou, manda ela para a peixaria. (Margarida).

Eu não tive outra opção, eu fiz mais de 15 entrevistas e não passava, aí ela me colocou na peixaria. Só que, quando eu entrei aqui, eu não tava aguentando trabalhar nessa peixaria. (...) eu estava com dois meses, não podia mudar de setor, eu estava na experiência. Porque ninguém queria ir pra lá, porque fica fedendo peixe. (Gardênia).

O trabalho na peixaria pode ser considerado entre as atividades classificadas como "trabalho sujo". Esta noção foi criada por Everett Hughes (1996), em sua análise dos dramas sociais do trabalho, que compreende uma divisão moral e psicológica entre atividades ora nobres, ora desvalorizadas. Ela se aplica àqueles trabalhos considerados repulsivos, degradantes, delegadas por alguém que não suporta realizá-los. Às vezes, esse trabalho se passa num ambiente de isolamento social, atingindo mesmo a dignidade do sujeito.

Essa divisão social do trabalho distingue as profissões de prestígio das demais, desconhecidas ou indesejáveis. O julgamento de valor destas últimas contamina o seu protagonista, identificando-o com as "tarefas física ou simbolicamente nojentas, humilhantes, degradantes (...)" (Lhuilier, 2014, p.16). Esta autora coloca tais atividades no plano de um "negativo psicossocial", pois são rejeitadas ou representadas como um extrato negativo da sociedade. Do mesmo modo, Bendassolli e Falcão (2013, p.1.156) afirmam que a noção de "trabalho sujo" se refere "(...) àquelas situações e atividades de pouco prestígio e visibilidade social, em geral estigmatizadas, inobstante serem importantes para a reprodução social".

A questão do sentido

A pergunta inicial de nosso estudo referia-se ao sentido do trabalho para os operadores do hipermercado pesquisado. Como dissemos, a noção de sentido remete à experiência vivida da temporalidade, no sentido que Heidegger (1988) lhe confere: atraídos pelo futuro, voltamos ao próprio passado e, na síntese dessas duas dimensões - o presente -, buscamos orientar nossas opções, nossas histórias individuais e coletivas. Não vamos discutir aqui a maior ou menor margem de liberdade dos operadores do varejo para escolher seu atual trabalho, confrontando liberdade e necessidade de sobrevivência. De todo modo, entendemos que o "existir" como empregado de um hipermercado se conecta, no presente, às dimensões de futuro e passado. E é na confrontação entre satisfação ou frustração existencial que seu atual trabalho adquire um sentido. Segundo Barus-Michel (2005, p. 247),

O sujeito fazedor de sentido trabalha para se recapitular no seu passado, como se projecta no futuro que ele deseja ou teme; tenta ajustar nele o seu presente, a fim de poder contar a si mesmo, fazer de sua vida uma história, uma trajectória orientada, decididamente por ele, infelizmente pelos outros, temerariamente pelas circunstâncias. Uma vida sem esperança é uma vida da qual o sujeito não pode conceber a sequência: o sentido tem a ver com o sentimento de manter o domínio do desenrolado da sua história, a capacidade de orientar a sua trajectória, prosseguir fins, não podendo decidir o fim.

Foi nessa perspectiva que buscamos captar, junto aos participantes, a atual representação de seu trabalho, interrogando suas histórias de vida e suas perspectivas futuras. Para tanto, partimos da seguinte pergunta: "Quais seriam os seus planos e objetivos para os próximos cinco anos?". Isso lhes permitiu contar um pouco da própria história, na qual buscavam traçar um sentido profissional e pessoal. A primazia do futuro e suas alternativas são claras na seguinte fala:

Até pouco tempo atrás, eu participava de uma banda marcial, uma pequena orquestrazinha (...). Pretendo continuar na música e ser professor (...). Ou até mesmo, eu fico um pouco em dúvida, porque eu penso em também fazer um concurso público, trabalhar para o governo. Mas a faculdade é certa! Estar ganhando mais e estar fazendo a faculdade, esses são os meus planos. (Girassol).

A esse respeito, Cavalcanti (2014, p. 65) lembra que "(...) embora sejam muitas as dificuldades, no que tange à melhoria da formação profissional, as expectativas de realizar cursos, fazer ou terminar a faculdade, são grandes entre operadores de supermercado".

No entanto, quando o futuro é desprovido de novos projetos, mesmo que o presente traga alguma satisfação ou acomodação, resta um sabor de insatisfação ou um desejo ainda indefinido de mudança.

Adaptei-me, não achei que ia ficar tanto tempo, mas acabei que estou aí. Preenche o tempo, né? Mas eu tô satisfeito? Não tô! (Cravo).

Ah (...) se seu pudesse, eu queria outra coisa, né? Mas é um trabalho, eu gosto de ser caixa, eu gosto de mexer com dinheiro. É responsabilidade. Eu gosto, mas se eu pudesse ser alguma coisa melhor (...) (Orquídea).

Em vários outros relatos, o presente parece desconectado de um projeto, pois seu único sentido é imanente à necessidade de sobrevivência, o que também soa como insatisfação ou frustração, relativamente ao futuro:

Nada não. Só o dinheiro. (Dália).

É só porque eu preciso, não é o emprego que eu quero. Eu estava procurando um serviço e apareceu (...). (Tulipa).

Escolher estar aqui foi só o desemprego. Não foi uma escolha assim: "ai, eu quero trabalhar aqui!" É porque eu estava desempregada. (Violeta).

Sobre o fenômeno do desemprego, convém lembrar o equívoco de atribuí-lo apenas a um problema pessoal do trabalhador. Com efeito, ele é fruto da nova ordem globalizada que gera não só o chamado desemprego estrutural, mas ainda a perda progressiva das conquistas jurídicas e sociais dos trabalhadores. Para Castel (1998), o capitalismo flexível se tornou uma fonte de inempregáveis, de uma vulnerabilidade que ele denomina desfiliação social, pois o sujeito perde os suportes sociais garantidores dos direitos básicos de cidadão, mesmo nas sociedades democráticas. A crise globalizada, segundo Antunes (2005), afeta os aspectos materiais e a subjetividade da "classe-que-vive-do-trabalho". Por sua vez, Seligmann-Silva (1994) vê no desemprego, além da desproteção socioeconômica, um processo de empobrecimento que gera perturbações à saúde, com distúrbios psicossociais e psicossomáticos, excluindo o trabalhador dos laços sociais e afetivos, levando-o à perda das referências identitárias e do próprio sentido de existir, muitas vezes induzindo a estados depressivos graves, que caminham para o desespero ou até mesmo o suicídio.

 

Considerações finais

O presente estudo mostrou que o trabalho na empresa pesquisada é, em geral, representado como portador de mal-estar físico e psíquico, dando aos seus trabalhadores poucas chances efetivas de satisfação pessoal e crescimento profissional, mesmo que uns poucos operadores se identifiquem com sua atividade laboral. O emprego nessa empresa é considerado como uma "ponte" para se alcançar algo fora dele, num futuro mais promissor.

Apesar de termos levantado questões relevantes, relativas às condições e à organização do trabalho pouco favoráveis, não julgamos cabível uma generalização dos resultados aqui discutidos, especialmente porque, como já explicitamos, a coleta de dados esbarrou em alguns obstáculos, tais como: locais inadequados para a realização das entrevistas; comunicação inadequada aos participantes da pesquisa sobre a natureza da mesma; pouca disponibilidade das chefias para liberar um tempo maior para as entrevistas, o que resultou em respostas sucintas.

No início das entrevistas, notou-se uma artificial referência positiva ao trabalho, provavelmente devido à desconfiança em relação à pesquisadora. No entanto, no decorrer da interlocução, os participantes se sentiam mais soltos para dar outra versão de suas experiências laborais, relatando situações geradoras de sofrimento físico e psíquico, além da não identificação com as atividades ali exercidas. Essa mudança da narrativa seria também, pelo menos por hipótese, indício de desconfiança, em relação à gestão, o que remete a um mal-estar no ambiente organizacional.

Os trabalhos empíricos revelaram também questões não colocadas, inicialmente, no projeto da pesquisa, tais como: a) a divisão sexual do trabalho e o lugar pouco valorizado que as mulheres ocupam, na escala hierárquica; b) a existência do chamado "trabalho sujo", item que não se limita ao ambiente de trabalho do peixeiro, citado acima, pois nele se incluem outras atividades nas áreas internas da empresa, como carregamento e descarregamento de mercadorias, manejo de material descartável, do lixo etc. Essas últimas informações, no entanto, foram relatadas por estagiários e estudantes não participantes da pesquisa, motivo pelo qual não as incluímos na discussão dos resultados.

Os sujeitos pesquisados, enfim, debatem-se diariamente com necessidades básicas, simbólicas e materiais. Eles não buscam apenas segurança ergonômica, no manejo de equipamentos que envolvem atividades de risco. Eles reivindicam também o reconhecimento, por meio de sua valorização pessoal e profissional, da possibilidade de crescimento na carreira, da melhoria salarial. Assim, o reconhecimento apenas verbal soa vazio:

Pra eles reconhecerem, é dando um aumento de salário, valorizar o que a gente faz e [favorecer] o crescimento na empresa. (Cravo).

Embora este estudo não tenha o alcance necessário para se compreender a totalidade da organização pesquisada, julgamos que ele possa contribuir, minimamente, para a produção de conhecimentos, no ramo do setor varejista. Ele pode se abrir a novas estratégias de gestão que garantam maior satisfação e autonomia do trabalhador, o que remete, finalmente, ao conceito de saúde, no sentido de Canguilhem (2007). Com efeito, para este autor, saúde não é apenas ausência de doença, mas um debate de normas e valores entre o homem e seu meio, entre heteronomia e autonomia, pois é próprio do homem criar seu meio de trabalho, suas próprias normas. Do contrário, estamos diante do risco de "reduzir o trabalho humano a um mecanismo inanimado, regulado em função do maior rendimento econômico" (Canguilhem, 2001, p. 115).

A nosso ver, as reflexões acima são elementares para se pensar as dimensões clínica e política da psicologia do trabalho. Ou para se discutir os fatores que apontam para os sentidos criativo ou alienante do trabalho. Aqui está em jogo toda atividade humana, não importa se nos referimos ao ofício do cientista ou do operador de um hipermercado.

 

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Recebido em: 21/1/2019
Aprovado em: 27/5/2019

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