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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.1 n.1 Florianópolis jun. 2001

 

ARTIGOS

 

Configurações de poder organizacional e estilos de caráter

 

 

Maria das Graças Torres da PazI; Ana Magnólia Bezerra MendesI; Lannis GabrielII

IDoutora em Psicologia. Professora do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasilia
IIDoutor em Psicologia. Professor da Universidade de Bath-UK

 

 


RESUMO

Contemplando diferentes níveis de análise e diferentes metodologias, o estudo tem por objetivo investigar as relações entre as configurações de poder organizacional - autocracia, missionária, instrumento partidário, sistema fechado e meritocracia - e os estilos de caráter narcisista, obsessivo, coletivista, individualista heróico e cívico, considerando o caráter como uma manifestação do comportamento organizacional, quando estabelecidas relações simbólicas entre o indivíduo e a organização, e o poder como a capacidade de afetar os resultados organizacionais. Realizado em duas etapas, o primeiro estudo tem por finalidade analisar as configurações citadas; usa a escala de configuração do poder organizacional aplicada em duzentos empregados de uma empresa, 15% da sua população, que compuseram a amostra estratificada. O segundo estudo usa entrevistas coletivas e semi-estruturadas para identificar os estilos de caráter predominantes na empresa, tendo participado 16 funcionários divididos em dois grupos - chefes e subordinados. De acordo com os resultados, os indivíduos percebem sua organização como Sistema Fechado, com forte coalizão interna, tendo padrões de comportamentos associados ao estilo de caráter coletivista, que prima pela coesão grupal e homogeneidade organizacional.

Palavras-chave: Configurações; poder; estilos; caráter; organizações.


ABSTRACT

Utilizing different levels of analysis, the goal of this study is to investigate the relationships between different Configurations of Organizational Power including; autocracy, missionary, partisan instrumental, closed system, and the merit system, with different character styles including; narcissist, obsessive, collectivist, heroic and civic individualist. Character is considered to be a manifestation of organizational behavior, in terms of established symbolic relationships between the individual and the organization, and power is considered to be an ability to affect organizational results. Undertaken in two stages, the purpose of the first study is to analyze the configurations mentioned above; a Scale of Power Configuration was issued to two hundred employees of a company, 15% of all workers, in order to create a stratified sampie. The second study used semi-structured and collective interviews with 16 employees divided into two groups - bosses and thelr subordinates - to identify predominant character styles m the company. The results indicate that the individuais perceive their organization as a Closed System, with a strong internal coalition, and which has behavior patterns associated to the collective character style, which strives for group cohesion and organizational homogeneity.

Keywords: Configurations; power; styles; character; organizations.


 

 

1. Introdução

Sobrelevando a abordagem diádica de dependência que caracterizava os estudos sobre o poder no âmbito da Psicologia Social, incluindo as relações do mundo do trabalho, a literatura mais recente passa a enfocar o indivíduo ou grupo em seus contextos de trabalho, superando a dicotomia entre abordagens micro e macroorganizacionais. São vários os autores que estabelecem a relação entre o poder organizacional e o pessoal, salientando a habilidade individual de influenciar ou modificar o comportamento de outros, associada ao poder da organização entendido como a capacidade de afetar resultados e alcançar objetivos e como fenômeno estrutural criado pela divisão de trabalho. (Ragins & Sundstrom, 1989; Krausz, 1987; Clement, 1994; May,1994; Cotton, 1994; Pettigrew & McNulty; 1995; Paz,1997).

Contemplando diversos níveis de análise e diferentes metodologias, os estudos sobre o poder organizacional vêm 1143 se proliferando, constatando-se, porém, a carência de teorias mais abrangentes que contemplem dimensões individ uais e coletivas, internas e externas, intra e entre grupos, que trabalhem, portanto, com conceitos multidimensionais e que sejam transculturais, permitindo diferenciar organizações numa mesma sociedade e em sociedades diferentes.

Nesta perspectiva, está sendo desenvolvido um projeto mtegrado de pesquisa, há algum tempo apoiado pelo CNPq, que contempla a metáfora política e investiga as relações entre variáveis como configurações de poder, estilos políticos, valores organizacionais e individuais, justiça no trabalho, vínculos de dependência e, mais recentemente, estilos de caráter.

É importante salientar que neste texto está sendo apresentado apenas um estudo exploratório, que relaciona as variáveis configurações de poder e estilos de caráter, portanto um recorte do projeto maior.

Inicialmente é sintetizada a Teoria do Poder Organizacional, que propõe uma tipologia das configurações de poder. Em seguida, retrata-se a proposta dos estilos de caráter e as hipóteses teóricas das relações entre as variáveis citadas. Por último, apresentam-se objetivo, método, resultados e discussão de uma pesquisa empírica.

 

2. A teoria do poder organizacional: uma síntese

Fazendo uma síntese da Teoria do Poder Organizacional, que, segundo Moreira (1995), parece ser até então aquela que contempla o maior número das dimensões anteriormente descritas, Paz (1997) enfatiza que Mintzberg (1983) focaliza o poder dentro e em torno das organizações, partindo da premissa de que o comportamento organizacional é um jogo de poder, e que os elementos básicos desse jogo seriam os influenciadores, os jogadores, que tentam exercer o controle através de sistemas de influência. O jogo do poder na organização se caracterizaria tanto por reciprocidade, como por relações de dependência, como controle de recursos, habilidade técnica, corpo de conhecimento crítico, prerrogativas legais e acesso aos poderosos que controlam as condições anteriores, condições essas que constituiriam as bases de poder. O exercício do poder, portanto, que implicaria elaboração e/ou manutenção de estratégias para atingir metas pessoais e da organização, demandaria energia, além de vontade e habilidade política, esta última ligada a recursos pessoais, como inteligência e esperteza, atratividade e charme, necessários à utilização efetiva das bases de poder para convencer pessoas e alcançar resultados. O poder, então, é concebido como uma força mobilizadora, um fenômeno pulsante e definido como a capacidade de afetar os resultados. Estando dentro ou fora da organização, qualquer pessoa tem o direito de exercer o poder, desde que tenha competência para consegui-lo.

A teoria do poder organizacional propõe uma tipologia das configurações de poder, decorrente da inter-relação entre coalizões internas e externas, e sistemas de influência e de metas. A coalizão externaé composta pelos que estão fora da organização, acionistas, associações, públicos diversos e Conselho Diretor. A coalizão interna- os que vivem o dia-a-dia da organização e que a ela estão diretamente vinculados e envolvidos - é constituída pelo Chief Executive Office (CEO),operadores, gerentes, analistas, pessoal de suporte e pela ideologia. Os quatro sistemas de influênciasão utilizados para exercer o controle das ações e decisões, podendo organizar ou desorganizar o fluxo de poder. O sistema de Autoridade (pessoal e burocrático), além de sistematizar os vínculos entre superiores e subordinados, padroniza e massifica os comportamentos individuais. O sistema ideológico, que, através das crenças, mitos, valores, etc., estabelece uma identidade pouco diferenciada, conduzindo os empregados à lealdade e à coesão grupal. O sistema de especialistas tem naqueles que dominam o conhecimento o centro do poder, legitimado pelo domínio de funções críticas e execução de trabalhos altamente complexos, imprescindíveis à organização. E o sistema político que transforma todos em jogadores, tentando subverter os interesses organizacionais em favor dos individuais e grupais e vice versa. É o único sistema que está à disposição de qualquer membro organizacional. Por último, o sistema de metas, que são sobrevivência, eficiência, controle e crescimento, básicas em toda organização. A combinação destes diferentes elementos resultam numa tipologia das configumções de podernas organizações, que são as seguintes: autocracia, instrumento, missionária, sistema fechado, meritocracia e arena política.

Estas seis configurações seriam as mais comuns e representariam as possibilidades predominantes de combinação entre os diversos elementos. Como decorrência de mudanças de maior peso no macrocontexto, elas podem transformar-se internamente e, num processo dinâmico, serem substituídas por outras, resultando num modelo de estágios de desenvolvimento. Assim, como num contínuo que vai desde autocracia passando por instrumento ou missionária até meritocracia ou sistema fechado - estas duas últimas configurações em fase de maturidade -, as organizações vivem seu processo de transformação. Elas nascem, crescem, amadurecem e morrem. Podem, no entanto, renascer.

Mas, para entender a organização, é necessário entender que intluenciadores estão presentes, que jogos são mais utilizados por estes (construção de império, formação de alianças, insurgência, campos rivais, entre outros), que necessidades possuem para serem atendidas pela organização e como cada um está apto para exercer o poder tendo em vista satisfazê-las.

Considerando que Mintzberg adota uma perspectiva sistêmica para estudar o poder, sem, no entanto, aprofundar o enfoque subjetivo, pretende-se introduzir no estudo do poder nas organizações novos elementos teõricos que permitam uma análise dinâmica do contexto organizacional. Os jogos característicos das configurações de poder são mediados pela interação entre o particular e o social, o individual e o coletivo, o que implica o estudo da realidade psíquica e da realidade organizacional como entidade integrada.

 

3. Estilos de caráter

Segundo Kaes (1991), a realidade psíquica é mobilizada, trabalhada e apoiada na dinâmica organizacional. As instituições estruturam e sustentam a identidade, sendo dessa forma um objeto para o indivíduo, passando a funcionar como um sistema de vínculos do qual o sujeito é parte integrante.

Assim sendo, as ações individuais são reações simbólicas a um contexto organizacional específico, sendo a estrutura organizacional intluenciadora das relações entre seus membros, (Diamond,1993; Kets de Vries,1991; Baun,1987; Hirschhorn,1988; Gabriel,1991).

Admitindo estas diversidades de relações estabelecidas entre indivíduo e organização, a teoria psicanalítica freudiana é usada como explicativa desta dinâmica do comportamento organizacional. Nesta perspectiva, os estilos de caráter são estudados com base nas relações simbõlicas que o indivíduo estabelece com a sua organização, que podem ser das mais primárias às mais elaboradas, dependendo do tipo de conteúdo simbólico que estas organizações podem suscitar ou resgatar.

O estudo do caráter tem fundamento em Freud (1905,1930/1974). O caráter estrutura-se nas fases do desenvolvimento da criança a partir da direção tomada pela pulsão, que é a força contida nas tensões geradoras das necessidades. As pulsões têm pressão, fonte, alvo e objeto. E um conceito-limite entre o psíquico e o somático, sendo seus alvos e objetos definidos em função das vicissitudes da história do indivíduo. Segundo Laplanche & Pontalis (1983), a pulsão é "um processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga energética, fator de motricidade) que faz tender o organismo para um alvo".

Inicialmente os objetos da pulsão são a própria criança; em seguida, a mãe ou quem cuida dela, e depois os outros. Quanto aos alvos, a pulsão é satisfeita em determinadas partes do corpo da criança. As primeiras satisfações estão mais concentradas na zona oral, tendo em vista a necessidade de alimentação; depois, com o desenvolvimento biológico, a satisfação concentra-se mais na zona anal em função do controle esfincteriano, e depois na fase genital, com a satisfação sexual.

A criança escolhe objetos para investir sua pulsão a partir do processo de identificação. A primeira relação de objeto da criança é com a mãe. Esta relação é indiferenciada e fusional, porque a criança ainda não tem maturidade cognitiva para perceber-se como alguém diferente; ela não consegue diferenciar o que é dela e o que é da mãe. Com o tempo, a criança passa a reconhecer-se como diferente, iniciando a construção de sua auto-imagem. No momento em que se sente separada da mãe, percebe os outros como objetos que também podem ser investidos pulsionalmente para lhe trazer satisfação. Estes outros objetos personalizam-se primeiramente na figura do pai e depois são os outros sociais, que continuam a ser escolhidos ainda na fase adulta.

Ao longo deste desenvolvimento, a criança obtém gratificação ou frustração do seu investimento pulsional nos objetos e alvos escolhidos. Quando existe excesso ou escassez de satisfação, a criança pode fixar-se ou regredir a um destes estágios. Isso quer dizer que o adulto amadurecido apresenta um equilíbrio nos seus traços de caráter, enquanto alguém fixado ou regredido apresenta predominância de certos traços. O equilíbrio na passagem destas fases recebe influência da sublimação da pulsão, ou seja, o prazer oral, anal e fálico é vivenciado pela criança durante o estágio de desenvolvimento que se encontra, mas é consecutivamente e continuamente deslocado para objetos e alvos socialmente aceitos, mesmo que mantendo a satisfação vivenciada em cada uma das fases. Quando a pulsão não é sublimada, mas sim reprimida, sendo negado o prazer que cada fase oferece, os traços de caráter associados àquela fase tendem a se fixar no comportamento do indivíduo.

Simbolicamente, a organização é um objeto de investimento pulsional que tem por objetivo propiciar a satisfação das necessidades individuais. O caráter, apesar de estruturar-se no nível individual, é compartilhado nas organizações por meio de padrões de comportamento que tendem a se repetir para a maioria dos membros da organização, tendo em vista que os indivíduos estão submetidos às mesmas condições e relações de trabalho que delineiam a estrutura organizacional. Esta, por sua vez, pode gratificar ou frustar em excesso as necessidades, fazendo com que haja uma repetição das vivências de determinadas fases do desenvolvimento infantil. Isso quer dizer que alguém que tenha um equilíbrio dos seus traços de caráter, ou até a predominância de um deles, pode, quando submetido a determinados contextos organizacionais, pela relação simbólica com eles, estabelecer comportamentos regressivos associados a fases mais primárias do desenvolvimento infantil. Mas não é possível desconsiderar as exceções. São as pessoas que já escolhem uma organização em função do seus traços de caráter, tanto na direção do compartilhar quanto no sentido do evitar o contexto. Além disso, o estilo de caráter pode fazer com que os indivíduos percebam a organização atendendo suas necessidades, o que pode não ser compartilhado por todos e não corresponder à realidade organizacional.

Os estilos de caráter vêm sendo estudados por Gabriel (1998). O autor propõe que a relação que o indivíduo estabelece com a organização é baseada nos seus traços de caráter. A proposta é desenvolvida a partir dos estudos freudianos, associando a cada fase do desenvolvimento da sexualidade infantil um estilo de caráter que expressa a forma como o indivíduo vivencia sua organização. Os tipos de caráter apresentados são o narcisista, associado à fase oral, o obsessivo à anal, e o coletivista, o individualista heróico e o individualista cívico à fálica. O autor caracteriza cada um destes estilos em função da dinâmica psicológica, das vicissitudes da pulsão, dos principais traços e do tipo de relação que é estabelecida com a organização.

3.1. Caráter narcisista

Em relação à organização, o narcisista não consegue ter a idéia desta como separada e autõnoma da esfera das relações sociais, tendo um comportamento fusional com a mesma. As relações são experimentadas como pessoais e focadas no ego, por isso o desejo de que as solicitações no trabalho sejam mais no nível pessoal que profissional.

O narcisista sente dificuldade de apreender o chefe como representante da organização, percebendo-o mais num plano pessoal que profissional, desejando-o ambicioso e carismático. Por isso, suas relações com o chefe são indiferenciadas e o comportamento ditado pelos impulsos e emoções geradas no contato com ele. Geralmente deseja um chefe ambicioso e carismático. A dependência é negada, tendo em vista a extrema necessidade dos referenciais externos para se sentir valorizado, o que constitui uma contradição entre a necessidade de dependência do outro e sua negação, compensada na busca de autonomia.

As pessoas com predominância de caráter narcisista precisam de admiradores para se sentirem comprometidas, mas podem ser espontâneas, dinâmicas, sob algumas circunstâncias produtivas, especialmente diante de apreciações positivas, principalmente do chefe. Estão mais presentes em organizações carismáticas, pelas quais têm devoção por serem imbuídas de crenças coletivas e de suprema beleza e poder. as líderes narcisistas podem ser inescrupulosos e usar em seu próprio benefício estas características de dependência, tirando proveito de uma situação que também é favorável aos seus próprios sentimentos de onipotência, beleza e grandeza.

Este estilo de caráter pode ser responsável pelo que Diamond (1993) chama de idealização organizacional. aespelho e a transferência da idealização na organização gera um perfeccionismo narcisista, não se querendo detectar ou corrigir erros, negando, assim, a imperfeição humana.

3.2. Caráter obsessivo

No caráter obsessivo, o aspecto mais relevante é a dificuldade de estabelecer contato pessoal com o outro. É um estilo dirigido pela ordem, pelo controle e pela parcimónia. A ordem significa uma formação reativa contra a sujeira, havendo uma supervalorização das regras, que, por sua vez, são entendidas, mas não compreendido o seu significado. acontrole é a marca da impessoalidade e da distância emocional. Todos são tratados como se precisassem da mesma necessidade de controle, tentando, com isso, obliterar qualquer tipo de espontaneidade.

Este caráter se caracteriza pela necessidade de acumular sem aparente prazer em possuir, dando origem, às vezes, a comportamentos sadomasoquistas, imprimindo sofrimento e humilhação aos outros. Ao mesmo tempo tem como característica gostar de cuidar, prestar assistência e prolongála. Subordina-se a rotinas mecânicas e comportamentos baseados na repetição, violência, agressão e, ao mesmo tempo, inércia e descaso. Às vezes, esta violência é simbólica, representada no controle da natureza e de objetos inanimados.

Este estilo de caráter não é engajado na organização, busca segurança nela. É na estrutura organizacional que encontra conforto, baseado na idéia de organização como sistema de regras, tempos, rotinas, controles. Há veneração da tradição, percebendo as áreas da empresa que buscam mudanças como um potencial para a catástrofe. Geralmente, é um estilo dirigido pela ansiedade. Resiste à mudança, tem dificuldades relativas à criatividade e a interações espontâneas que são vistas como ameaçadoras, fazendo com que não haja envolvimento nas demandas emocionais. Tem pouca afeição pelos colegas, estabelecendo fracos laços afetivos. Esse estilo de caráter tem prazer de trabalhar em organizações burocráticas e impessoais.

Há pouco entusiasmo com o trabalho, alto profissionalismo, sistematização, redução da ineficácia e gastos, e necessidade de impressionar com os atas de cuidados e simplicidade. Na observação dos detalhes, pode ser esquecido o espírito no qual as regras são produzidas, se geram injustiça ou ineficiência. Demonstra capacidade de implantar métodos e caminhos eficientes mas, às vezes, desumanos. A lealdade é pelo setor mais do que pela organização.

3.3. Caráter coletivista

o caráter coletivista tem como característica o conformismo, implicando dificuldade de fazer julgamentos entre problemas triviais e de fundo moral. O grupo é quem define o bom e o ruim, existindo submissão em relação às normas do grupo. Neste sentido, reprime-se a espontaneidade, provendo um poder de base para o grupo: a interação e coesão organizacional. Como há idealização daqueles que fazem parte do grupo, as pessoas sentem-se amadas, orgulhosas e têm o sentimento de inclusão no grupo. O coletivista experiencia a organização como um grupo perfeito.

Como a criatividade e imaginação não são características preponderantes neste tipo de caráter, há compensação através da construção coletiva do "nós", o que também implica uma intolerabilidade para expressão das individualidades. São dependentes e "bairristas" como se a organização fosse parte da sua vida como um todo. Há dificuldade de confrontos ou conflitos com as pessoas em quem confiam, sendo excluídos os que não refletem uma identidade com o grupo.

A organização representa o próprio "ego" para os coletivistas. Eles respondem a isso com uma alta proposta moral, sendo inaceitável e reprimida qualquer descrença na organização. Fazem sacrifícios pessoais e agem pelos interesses organizacionais mesmo que seja um risco para eles ou que recebam pouco retorno. Há compromisso e lealdade, sendo esperado da organização apenas sua boa vontade de tê-los como seus membros.

Fazem o que o chefe deseja sem questionar sua qualificação, como uma questão de respeito à autoridade, bem como de manter a fantasia da perfeição no chefe, que encontra respaldo no grupo para manter esta situação.

A tentativa de manter a ficção da perfeição pode trazer desprazerosas conseqüências quando à aparência desta perfeição não é sustentada pelas restrições da realidade.

3.4. Caráter individualista heróico

O individualista heróico caracteriza-se nas organizações pelo fato de a submissão ao superego dar-se através de distinção, excelência e realização. A simples conformIdade a lei não satisfaz o superego. A realização é a motivação de vida, fazer coisas, ter conquistas, ter status, poder e reconhecimento.

Trata-se de pessoas que trabalham muito para ter sucesso não são vaidosas, mas têm um grande orgulho dos seus empreendimentos, buscando o apogeu. Há necessidade de audiência e afirmação externa de que é uma pessoa que faz.

Os membros organizacionais com este tipo de caráter salientam-se por apresentar visão, serem ativos e dominadores. Percebem a organização como uma arena para nobres e heróis, que envolve derrotas e vitórias, sucesso e fracasso, epor isso,acham, algumas pessoas serão capazes de salvar a organização.

Este tipo de caráter, algumas vezes, chega a ser confundido com o caráter narcisista, tendo em vista que ambos querem amor e admiração, precisando de audiência e afirmação externa. A diferença reside na influência da fase do desenvolvimento da sexualidade infantil. O individualista heróico recebe influência da fase fálica. Seu desejo é de ser admirado pelo que faz, é ativo e dominador nesta busca, sendo seu ego ideal, enquanto causa das frustrações, um motivo para novas lutas e estímulo para realizações. No fundo estas realizações merecedoras de admiração são manifestações deles mesmos, razão porque devem ser admirados.

Neste sentido, a recompensa narcísica do individualista heróico é colocada para o senso da responsabilidade social, quando entãojá i'ssume características do individualista cívico. Diferentemente do coletivista, marcado pelo conformismo, o individualista busca um lugar especial na sociedade, status e reputação. Quando esta necessidade de se colocar no mundo assume uma forma individualizada, considerando-se mais importante que os outros, têm origem os traços do caráter individualista heróico. Enquanto que, se a forma de colocarse no mundo respeitar a conexão social com os outros e a aceitação de que todos podem ter realizações, tem origem o caráter individualista cívico.

3.5. Caráter individualista cívico

Este caráter revela uma clareza dos limites eu-outro, a busca da construção de relações de troca, uma aceitação do mundo das normas e regras, e a responsabilidade social. É um momento onde as demandas do id, do ego e do superego são atendidas indistintamente e com justiça.

O superego assume uma nova dimensão, na qual punição, restrições e idealização são substituídas por obrigações mútuas. E instituída a ordem simbólica do sistema de regras que opera na sociedade e que envolve participação, tolerância e aceitação das diferenças. A justiça e o sucesso são valores que requerem vigilância para não estarem desconectados do nexo das obrigações e direitos sociais. A organização é o lugar para o desenvolvimento da cidadania.

Os individualistas cívicos acreditam na sua competência, assumem o trabalho como valor supremo para conseguir progredir, criticam seu próprio desempenho e estão sempre buscando melhorar. O desejo de ser admirado é função do contexto no qual todos têm a mesma possibilidade de fazer e serem admirados, sendo a distinção dada pela competência. A organização é percebida como um lugar de ajuda para o crescimento e prosperidade, por esta razão, há o desejo de fazer carreira na organização e dar o melhor de si na expectativa de receber recompensas.

O desejo, neste tipo de caráter,é pensar a organização como um espaço no qual todos os membros são confiáveis, cidadãos, e participam igualmente no desenvolvimento da prosperidade e do bem comum.

Neste sentido, existe uma ilusão de que os conflitos podem ser resolvidos com argumentos razoáveis, tendo assim um desejo de harmonia incompatível com a realidade organizacional, que é marcada por contradições nem sempre resolvidas, embora negociadas.

Este aspecto da ilusão de que todos têm a mesma oportunidade, da democracia e harmonização dos conflitos, constitui o ponto frágil deste tipo de caráter. Existe uma dificuldade de aceitação dos conflitos e desigualdades como inerentes à condição humana. A negação da agressividade e destrutividade como fazendo parte da dimensão psíquica leva a comportamentos de ingenuidade, inocência e otimismo desproporcional ao que se apresenta na realidade.

Mesmo diante de situações de frustração deste desejo de harmonia, o individualista cívico encontra suporte no seu ego, mais tolerante e flexível do que os outros tipos de caráter, bem como nas relações de troca com o mundo externo.

Neste trabalho, os estilos de caráter são estudados como padrões de comportamento organizacional compartilhados. São padrões que se manifestam num contexto organizacional, podendo não ser uma constante para o indivíduo quando em interação com outro ambiente, e, conseqüentemente, outros objetos e alvos do seu investimento pulsional.

 

4. Relações entre estilos de caráter e configurações de poder organizacional: hipóteses teóricas

Para levantamento das hipóteses teóricas, considera-se, primeiramente, que cada um dos estilos de caráter anteriormente descritos predomina mais em certas configurações de poder que em outras. Os tipos de necessidades individuais e organizacionais a serem atendidas em cada configuração resgata, na maioria dos empregados, um certo padrão de comportamento resultante destes estilos de caráter, definindo, por exemplo, os jogos de poder para cada uma das configurações. Tais necessidades, muitas vezes inconscientes e primárias, contaminam a natureza e a intensidade da relação estabelecida com a organização, podendo gerar resultados prejudiciais ou levar a um processo contínuo de amadurecimento dos indivíduos e da organização.

Partindo do pressuposto de que as configurações de poder, segundo Mintzberg, podem ser mais ou menos desenvolvidas do ponto de vista da maturidade organizacional, os estilos de caráter predominantes em cada uma delas também serão mais ou menos amadurecidos, dependendo das fases do desenvolvimento da sexualidade infantil que será resgatada. Nesse sentido, de uma forma geral, quanto mais amadurecida a configuração de poder mais amadurecidos os comportamentos dos seus membros.

As configurações menos amadurecidas como autocracia, missionária e instrumento tenderiam a resgatar padrões de comportamentos mais associados às fases oral e anal, enquanto as configurações mais amadurecidas como o sistema fechado e a meritocracia resgatariam comportamentos mais associados à fase fálica. A configuração arena política, por caracterizar um momento de crise da organização, pode associar-se a qualquer um dos estilos de caráter, ou não discriminar um estilo específico vinculado à configuração.

Na configuração autocrática, segundo Mintzberg, o poder é centrado no mais alto chefe da organização, líder poderoso, que define e maximiza as metas que devem ser alcançadas. Não há espaços para jogos políticos. A única opção que os subordinados têm na organização é expressar lealdade ao chefe. A autocracia está, portanto, centrada na relação com o chefe.

Como primeira hipótese, associa-se esta configuração ao estilo narcisista, tendo em vista a sua necessidade de dependência das figuras de autoridade, mesmo que com conflitos por negar esta dependência e buscar a autonomia. Geralmente, a figura do chefe é muito importante para os tipos narcisistas em decorrência da sua necessidade de proteção, encontrada na relação com a mãe. As características de espontaneidade e iniciativa não são desvinculadas do apoio da figura de autoridade, é preciso um referencial externo para que se sintam reconhecidos, tendo em vista a indiferenciação com o objeto e alvo da pulsão. Quando em cargos de chefia, tendem a ser centralizadores e desejar pessoas passivas ao seu redor, e quando no papel de subordinados buscam autonomia e liberdade para fazer o que querem, de preferência com a aprovação do chefe, cujas relações se estabelecem no plano pessoal e não profissional.

A configuração missionária é marcada pela confiança dos membros nas crenças e tradições para a manutenção da missão organizacional, uma vez que o grande influenciador é a ideologia. A organização favorece uma forte identificação dos seus membros com as metas e objetivos ideológicos e, normalmente, líderes carismáticos exercem grande influência neste tipo de organização. São muitos os voluntários que prestam seus serviços a organizações com este tipo de configuração.

A segunda hipótese é que a configuração missionária também resgata mais comportamentos associados ao estilo narcisista. Isto se justifica porque a relação do narcisista com a organização é forte, sendo os objetivos pessoais intrincados com os orgamzacionals, implicando um vínculo quase que fusional com a organização. Para este estilo, a organização tem um significado simbólico carismático, dando uma idéia de ser experienciada como um prolongamento do próprio ego. As relações entre os membros são mais pessoais do que profissionais, buscando a gratificação de necessidades de proteção, segurança e apoio, o que pode provocar uma certa dependência da organização.

A configuração de instrumento serve de ferramenta para o alcance dos objetivos claramente estabelecidos por um indivíduo ou grupo que são os influenciadores dominantes e que estão fora da organização. A hierarquia é rígida e a burocracia é forte, favorecendo a impessoalidade nas relações e fracos envolvimentos emocionais.

A terceira hipótese associa a configuração de instrumento ao estilo obsessivo, tendo em vista a forte presença dos mecanismos de controle, das regras e da impessoalidade nas relações, dando margem a vivenciar a organização como uma burocracia.

A configuração sistema fechado enfatiza a manutenção da eficácia organizacional, de forma a garantir a estabilidade, a sobrevivência e o crescimento, admitindo mudanças, mas não em detrimento da proteção dos interesses organizacionais mais amplos. Os que fazem a coalizão interna são mais motivados pelo utilitarismo que por valores ideológicos, sendo o sistema de recompensas bastante valorizado nesta configuração.

A meritocracia caracteriza-se pelo exercício do poder dos especialistas. A competência é valorizada e recompensada pela organização. O sistema de autoridade é fraco e a ideologia organizacional é fraca porque a ideologia profissional é forte, sendo os objetivos formais da organização facilmente deslocados para objetivos pessoais dos especialistas.

A quarta hipótese é que a essas configurações podem associar-se os estilos coletivista, individualista heróico e cívico, dependendo da fase do desenvolvimento organizacional em que a configuração se instala. Considera-se que esses estilos fazem escolha de objeto como separado deles, ocupam-se com questões da competência e realização profissional, apresentam compromisso com a organização e estabelecem relações de troca, ainda que, para cada estilo, essas trocas sejam motivadas por necessidades diferentes. De qualquer forma, existe a busca de promoção e crescimento dentro da organização, mesmo que para o coletivista a organização seja vivenciada como um grupo perfeito, para o individualista heróico como espaço de lutas e para o individualista cívico como um espaço para a construção de relações de troca e de obrigações sociais mútuas, mostrando uma variação nos níveis de maturidade de cada um dos estilos de caráter.

Estas são hipóteses que fundamentam estudos empíricos que estão sendo desenvolvidos e serão confirmadas ou não, à medida que as pesquisas avançarem. No momento os estudos são exploratórios, como a pesquisa apresentada a seguir, e têm por objetivo verificar quais as relações entre determinadas configurações de poder e os estilos de caráter, buscando os primeiros passos para a construção de um modelo relacional que explique, de forma mais ampla e sem perder a visão sistêmica, o poder nas organizações.

 

5. A pesquisa empírica

5.1. Amostra, instrumentos e procedimentos

A pesquisa foi realizada em duas etapas. A primeira, cujo objetivo foi identificar as configurações de poder da empresa, consistiu na aplicação da escala de configuração do poder organizacional, de cinco pontos, tipo Likert, elaborada por Paz (1997) com base na teoria do poder organizacional de Mintzberg. Composta de quarenta itens descritivos, com cargas fatoriais igualou superior a .30. que se distribuíram em cinco fatores ao final do processo estatístico de validação, todos com alphas de Cronbachacima de .79. Os fatores resultantes corresponderam a cinco configurações: autocracia, missionária, meritocracia, sistema fechado e instrumento partidário. Estes equivalem às configurações de poder propostas por Mintzberg, com exceção de um, denominado instrumento partidário, por apresentar características muito específicas de um instrumento de partidos políticos. A configuração arena política não se firmou como um construto na validação da escala. A sua identificação se dá quando várias configurações aparecem ao mesmo tempo como características de uma mesma organização, inclusive com médias muito próximas, sem diferenças estatísticas significativas. Esta escala foi utilizada em várias pesquisas, confirmando a sua aplicabilidade (Paz, Magalhães & Carmo,1996;Gama & Paz,1996; Paz, Mendes, Martins & Moreira, 1997).

Duzentos empregados, gerentes, analistas, técnicos, administrativos e operadores, com um tempo mínimo de dois anos de permanência na empresa, correspondendo a 15% da população, responderam individualmente o instrumento.Compuseram uma amostra estratificada, representativa de todas as áreas da empresa, em número de quatro.

Na segunda etapa da pesquisa, cujo objetivo era identificar os estilos de caráter, foram realizadas entrevistas de forma coletiva para investigação dos estilos predominantes e compartilhados pelo grupo, sendo importante o discurso como representante de um coletivo, que expressa de forma geral como são estabelecidas as relações entre esta organização e seus membros.

As entrevistas foram realizadas com dois grupos de oito participantes cada, separadamente, um de gerentes e outro de subordinados, a fim de estabelecer comparações entre grupos de diferentes características em relação ao estilo de caráter. Tiveram duração de duas horas e foram gravadas e transcritas para fins de análise.

As entrevistas tinham início com uma questão aberta sobre o significado de estar trabalhando na empresa. Em seguida perguntava-se sobre os sentimentos em relação à organização e, por fim, era solicitado que representassem simbolicamente a organização como uma pessoa, descrevendo o porquê e os sentimentos decorrentes deste significado atribuído.

5.2. Análise dos dados

Com relação aos dados coletados através da escala, foram utilizadas análises estatísticas descritivas, sendo calculados, além de freqüências e porcentagens, a média e o desvio-padrão para cada configuração.

As entrevistas coletivas foram submetidas à análise de conteúdo, que permitiu a classificação das verbalizações em categorias, sistematizadas a partir da concordância e freqüência com que certos temas foram abordados pelos grupos. A análise foi baseada num discurso coletivo, não tendo sido considerados aspectos individuais, nem aqueles que não foram assumidos pelo grupo enquanto fazendo parte da realidade da organização como um todo.

A análise do tipo de caráter a partir do discurso destes grupos pode não se aplicar aos indivíduos isoladamente, mas constitui uma marca do tipo de comportamento predominante nesta organização, sendo possível entender, a partir da identificação destes traços, as necessidades que predominam nos jogadores nesta organização.

Realizadas as classificações dos conteúdos em categorias, estas foram definidas conceitualmente, objetivando contemplar o tema freqüente nas verbalizações. Os conteúdos representam sentimentos ou tipos de vínculos afetivos que os membros estabelecem com a organização em decorrência dos tipos de questões realizadas nas entrevista.

 

6. Resultados e discussão

Tendo a pesquisa sido realizada em apenas uma empresa, os resultados limitam-se a discussão de apenas uma configuração de poder e sua comparação com o estilo de caráter. Obtiveram-se como resultado duas configurações de poder caracterizando a organização: sistema fechado e instrumento partidário e um estilo de caráter coletivista.

A análise estatística dos dados revelou que a Configuração de Poder predominante na organização é Sistema Fechado, com média 3.1, seguida pela Configuração de Instrumento Partidário, com média de 2.9. Estes resultados significam que como Sistema Fechado esta é uma organização cujo poder é mais centrado na coalizão interna, especialmente nos administradores, que preferem um estilo de gestão mais participativo, favorecendo uma distribuição de poder de forma mais homogênea entre os membros da organização. Montam estratégias para manter a coalizão externa passiva, permitem a utilização dos mais variados jogos de poder e mantêm o sistema de autoridade através da burocracia, que não chega a ser engessante.

O fato de também denotar uma organização com Configuração de Instrumento como segunda característica pode ser explicado pela sua própria história. No passado, a empresa foi fortemente influenciada pela coalizão externa, os acionistas majoritários, que determinavam objetivos e metas a serem atingidas. Embora haja espaço para a coalizão externa influenciar, a empresa tem-se adiantado às demandas externas, criando condições para negociação e barganha.

Esta dinâmica reflete um processo de transformação da Configuração de Poder, implicando amadurecimento da organização enquanto estágio de desenvolvimento.

A partir dos resultados das análises de conteúdo, as verbalizações dos dois grupos foram classificadas em quatro categorias, as quais nos permitem fundamentar a discussão das relações entre a configuração de poder de sistema fechado e o estilo de caráter coletivista.

A. Categorias para o grupo de gerentes

1. Lealdade - coesão e participação na construção da empresa, gerando sentimento de fidelidade, orgulho e defesa diante das influências externas, além de crítica às pessoas que não compartilham deste sentimento.

2. Amizade - percepção da organização como amiga, fiel, que respeita as necessidades individuais, ajuda e promove o crescimento, favorece um clima de boa convivência entre as pessoas, sabe ouvir e dizer não.

3. Prazer - satisfação das necessidades pessoais e profissionais, gerando um sentimento de prazer em trabalhar numa excelente empresa.

4. Estabilidade - percepção da organização como sólida, rentável, que detém o monopólio e atende bem a comunidade, resultando num vínculo forte com sua marca e com a imagem interna e externa.

B. Categorias para o grupo de subordinados

1. Afetividade - vínculo de amor e percepção da organização como extensão da própria casa.

2. Preservação - defesa da organização, responsabilidade pela condução das metas organizacionais e crítica às pessoas descomprometidas com a organização, que invadem os espaços profissionais ou provocam mudanças desfavoráveis aos objetivos organizacionais.

3. Amizade - percepção da organização como amiga, fiel, que respeita as necessidades individuais, ajuda e promove o crescimento, favorece um clima de boa convivência entre as pessoas, sabe ouvir e dizer não.

4. Dependência - dificuldade de se desvincular da organização, gerando preocupação e medo com a aposentadoria e um sofrimento em pensar um dia deixar a organização.

De uma forma geral, é possível identificar que os dois grupos apresentam basicamente os mesmos resultados em termos dos conteúdos das categorias, sendo apenas distintos em relação a uma delas - estabilidade, no grupo de gerentes, e dependência no grupo de subordinados.

Considerando tais resultados, estes grupos parecem ter um comportamento predominantemente marcado pela lealdade, amizade, preservação e afetividade, indicando uma aproximação com o estilo de caráter coletivista.

O caráter coletivista experiencia a organização como um grupo perfeito. Este grupo apresenta uma lealdade e preservação quase como comportamentos "bairristas", como se a organização fosse parte da sua vida como um todo, ao comentar que a organização é um prolongamento da casa e que permite o crescimento pessoal além do profissional.

As categorias lealdade e preservação significam que os grupos são fiéis aos propósitos organizacionais, têm orgulho de pertencer a esta organização e são protetores dos objetivos organizacionais à medida que não aceitam influências externas ou falta de compromisso, defendendo, acima de quaisquer circunstâncias, os interesses da organização como um grupo coeso e fechado.

A organização parece representar, como acontece no caráter coletivista, o próprio eu de cada um. Por isso, torna-se inaceitável qualquer descrença na organização, bem como torna-se desejável fazer sacrifícios pessoais e agir pelos mteresses organizacionais, acreditando que o compromisso e a lealdade serão retribuídos pelo fato de considerarem esta organização perfeita.

A organização é vista como amiga pelos dois grupos, o que indica uma relação de troca. É percebida como a que nutre e satisfaz as necessidades, que imprime frustrações e limites, que recompensa, que atende a necessidades, mas exige um retorno do seu investimento nos empregados. Esta troca indica que não há projeção na organização da relação primária com a mãe, existindo uma relação diferenciada, onde a organização é vista como objeto de investimentos afetivos, que dá recompensas ao atender a necessidades de crescimento profissional.

Esta relação de amizade, comum aos dois grupos, slmbohcamente pode representar o interesse de todas as crianças quando entram no período de latência. A criança começa a ter outros prazeres, sendo o grupo, os heróis, os mitos, o poder, as ambições, as grandiosidades e as realizações a base dos seus investimentos em direção à vida adulta. No caso dos grupos entrevistados, o investimento pulsional na organização tem como alvo a relação de amizade, que gratifica necessidàdes de reconhecimento, segurança e crescimento.

A categoria dependência no grupo dos subordinados também pode ser analisada como uma manifestação do caráter coletivista, que como indivíduos dentro da organização são cheios de orgulho, auto-estima e confiança, e quando fora sentem-se inseguros e com dúvidas. Esta insegurança fica retratada no medo de sair da organização e no sofrimento de se imaginar longe dela, provavelmente pela dificuldade de lidar com a perda de um espaço que percebem como perfeito, dIficultando a aceitação e superação das próprias imperfeições.

A categoria estabilidade para o grupo de gerentes pode ter o mesmo significado da categoria dependência, apenas o grupo não assume este medo e esta insegurança de perder esta establhdade. A identificação com a marca e imagem externa da organização indica uma percepção desta como um grupo forte, grandioso, que dá segurança, também evitando o confronto com as imperfeições.

As pessoas que estão fixadas ou regredidas a este tipo de caráter passaram pelo dramaedipiano, mas não conseguiram uma resolução satisfatória na medida em que fazem uma escolha de objeto, mas ainda idealizada, sendo o grupo o suporte para encobrir as frustrações do desejo de ser objeto de escolha dos pais. Não existe aceitação das diferenças sexuais e das individualidades, sendo a solidão de ser sujeito de si mesmo substituída por comportamentos conformistas.

Do ponto de vista dinâmico, para tornar-se adulto é preciso abandonar esta promessa de ser como a mãe ou o pai, saindo do drama edipiano e descobrindo um mundo social, com objetos distintos dos seus primeiros objetos, que poderão ser escolhidos de forma mais realista e menos idealizada.É neste momento que os grupos pesquisados encontram-se, buscando ser adultos e crescer. A visão crítica dos entrevistados, bem como as categorias afetividade e amizade são favoráveis a estas buscas. O comportamento ainda é infantil, o que pode trazer conseqüências para o crescimento e amadurecimento organizacional. Ainda tem um percurso na direção de aceitar a imperfeição do mundo adulto. Como a sublimação, como processo é o que está na base das mudanças, sendo mais favorável a elas do que a repressão, é sinal de que as possibilidades de crescimento estão presentes neste grupo.

É importante salientar que, mesmo o grupo tendo este padrão de comportamento coletivista, que se manifesta numa configuração de poder de sistema fechado, não se podem isolar os aspectos estruturais e conjunturais nos quais a organização está inserida. Esta dinâmica que envolve a relação indivíduo-organização pode mudar num determinado tempo e espaço e ser diferente para pessoas e grupos da mesma organização. A interação entre realidade psíquica e realidade organizacional num dado momento é que define a intensidade e natureza do tipo de relação que o indivíduo estabelece com a organização.

Do ponto de vista organizacional, a configuração de sistema fechado pode estar ainda sendo construída, o que provavelmente não favorece um comportamento mais associado aos estilos individualsita heróico e cívico, que são mais amadurecidos do ponto de vista psicológico. Possivelmente, a organização está no caminho para encontrar sua maturidade e, como conseqüência, poder resgatar comportamentos mais amadurecidos dos seus membros.

 

7. Considerações finais

A percepção da configuração de poder sistema fechado nesta organização influencia um comportamento mais associado ao estilo de caráter coletivista. Apesar das limitações do nosso estudo, por ser ainda exploratório, consideramos de grande contribuição a introdução de aspectos subjetivos e simbólicos aos estudos do poder organizacional. Como conseqüência, é possível identificar as necessidades dos influenciadores nesta organização, quando comparamos os níveis de maturidade individual e organizacional.

Esta organização como sistema fechado ainda está em fase de consolidação, podendo futuramente resgatar comportamentos baseados em estilos de caráter mais amadurecidos. No momento, as necessidades dos influenciadores estão associadas ao desejo de manter a organização como um grupo perfeito.

A direção das mudanças organizacionais podem ser dadas a partir da identificação destas necessidades, que, ao serem mudadas, exigem outros tipos de comportamento, possivelmente mais próximos dos estilos individualista cívico, ou quem sabe até de um equilíbrio nos traços de caráter, indicando um alto nível de maturidade organizacional.

Finalmente, deve ser esclarecido que a configuração de poder é antecedente ao estilo de caráter, mesmo que existam exceções. Caso as organizações mudem suas configurações em função das mudanças necessárias ao cumprimento da sua missão, os estilos de caráter também mudam, o que pode acontecer através da alternância das pessoas que fazem a organização, tendo em vista que a dinâmica que envolve a relação indivíduo-organização é estabelecida de forma diferente em termos do tipo de investimento pulsional que o ambiente externo passa a exigir do indivíduo.

 

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