SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.2 issue1Citizenship behaviors of university teachers: the promising childhood of the constructOrganizational and individual impacts of training: an analysis based on an institutional evaluation model and on the multilevel theory author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.2 no.1 Florianópolis June 2002

 

ARTIGOS

 

Confiança: modos de produção e principais determinantes no relacionamento entre equipes de pesquisa parceiras

 

Trust: production modes and main predictors in research teams' partnerships

 

 

Suzana Maria Valle LimaI; Magali dos Santos MachadoII; Antônio Maria Gomes de CastroIII

IPsicóloga. PhD em Sociologia das Organizações. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-Embrapa (svlima@sede.embrapa.br)
IIMestre em Psicologia Embrapa. (magali@sede.embrapa.br)
IIIEngenheiro Agrônomo. PhD em Sistemas Agrícolas. Embrapa (amcastro@sede.embrapa.br)

 

 


RESUMO

O presente trabalho busca estabelecer quais são os modos de produção de confiança mais importantes na formação de equipes parceiras; que fatores determinam a confiança inicial nessas equipes; que alterações sofre a confiança, após um período de trabalho de pesquisa e quais os determinantes dessas alterações, A relação de parceria entre equipes de pesquisa foi escolhida como unia instância de interação social cooperativa e caracterizada por incerteza entre os parceiros, condição essencial para o estudo de confiança. As questões de interesse foram investigadas em uma instituição pública de pesquisa agropecuária, pela aplicação de um instrumento destinado a líderes das equipes e às próprias equipes parceiras e analisadas por meio de modelos de regressão linear. Os resultados obtidos mostram que: a confiança em equipes parceiras é resultado, principalmente, do modo de produção de confiança baseado em instituições; a confiança inicial é influenciada pela importância da capacidade técnica da equipe na formação da parceria e de que a iniciativa desse relacionamento tenha sido do líder; o relacionamento técnico entre líderes e equipes parceiras é essencial na determinação da confiança atual. Os resultados são discutidos em termos de suas implicações teóricas e práticas.

Palavras-chave: confiança; modos de produção de confiança; equipes de pesquisa parceiras; parcerias de pesquisa.


ABSTRACT

This paper aims to identify the main trust production modes in cooperative research teams (interorganizational teams), the variables which determine initial trust, in these teams, the changes in trust after a period of time, and the main influences over these changes. The relationship among these research teams was chosen as a form of social interaction characterized by cooperation and uncertainty, essential conditions to the study of trust. These kind of relationships were investigated in a large public agricultural research organization, through the application of an instrument addressed to leaders (of research teams) and research teams themselves, and analyzed through linear regression models. The results show that: the main mode of trust production, for these teams, is the so-called "institutional based mode" ; inítial trust is influenced both by the importance of teams technical capacity and by the leader role in the structuring of the partnership; technical relationship between leaders and teams is crucial to present trust. The main results are discussed and their theoretical and practical implícations are indicated.

Keywords: trust; trust production modes, cooperative research teams.


 

 

1. Introdução

O estudo sobre confiança, descrito nesse trabalho, ocorre no contexto de uma forma de relacionamento interinstitucional denominada de parceria,em instituições de pesquisa e desenvolvimento. Segundo Freitas Filho et al,esta forma de relacionamento consiste em um "conjunto de procedimentos e ações de respeito mútuo e de convergência de interesses entre instituições, ou entre unidades de uma mesma instituição (...) se caracteriza como uma ação entre iguais (...) É central nesse tipo de ação a cooperação para a solução de demandas de interesse mútuo (...) [e] (...) a utilização compartilhada de recursos humanos, financeiros e físicos" (1994:230).

Existem, no entanto, outras formas de relacionamento interinstitucional, também descritas por aqueles autores. São essas: a) parceria plena, onde geralmente a demanda, execução e apropriação de resultados são partilhadas igualmente, e a relação tem duração de longo prazo; b) parceria limitada, quando há demanda e apropriação de resultados partilhada, execução mais intensa por uma das partes, e duração de curto ou longo prazo; c) alianças, em que a demanda, a execução e a apropriação de resultados pode ser comum ou unilateral, e a relação tem geralmente caráter temporário, e d) relação fornecedor-cliente, na qual demanda, execução e apropriação de resultados são unilaterais, e a duração da relação é limitada.

Em instituições de pesquisa e desenvolvimento costuma-se encontrar todas as formas de relacionamento acima citadas. Nestas instituições, por outro lado, a forma conhecida como de parceriageralmente se estabelece "com vistas à geração e transferência de tecnologias ou à prestação de serviços tecnológicos, numa relação meramente cooperativa entre as partes, através de projetos, sem envolver transações comerciais. Numa freqüência menor, ela ocorre de forma contratual, em que um ou ambos os parceiros objetivam auferir ganhos de natureza pecuniária". Neste último caso, trata-se de parcerias limitadas.

Santos (1990) afirma que a confiança entre as partes e a reputação das instituições (às quais pertencem as diferentes equipes participantes da parceria potencial) são elementos essenciais para que esta relação se estabeleça, já que a busca de uma solução tecnológica (para uma demanda identificada), que caracteriza esta forma de relacionamento interinstitucional em organizações de P&D, só pode ser realizada dentro de um contexto com estas características. O conceito de confiança(no caso, confiança técnica, primordialmente) assume então um papel importante no entendimento da formação de parcerias nestas organizações.

O fenômeno de confiança tem sido estudado pela literatura psicológica, sociológica e econômica. Os autores que têm se dedicado ao tema conceituam-no como um construto ou traço psicológico (Lewis & Weigert, 1985), ou como uma ação [de um indivíduo] em relação a outro, em que: a) existe uma expectativa sobre a ação do outro; ou b) a ação do outro é tomada como garantida (Zucker, 1986).

Vários autores discorrem sobre as condições para que se possa falar sobre confiança. Segundo esses autores, deve haver, na situação de troca: a) vulnerabilidade de um indivíduo em relação ao outro (Lorenz, 1988), risco (Luhmann, 1988), incerteza sobre o comportamento do outro, possibilidade de desapontamento com suas ações, liberdade limitada da pessoa que confia (Gambetta, 1988). Outros autores apontam para a característica temporal da relação de confiança, isto é, a possibilidade de que a confiança se modifique com o passar do tempo e a interação (Zucker, 1986; Bradach & Eccles, 1989; Gambetta, 1988).

Zucker propôs três modos de produção de confiança: 1) confiança baseada em processo; 2) confiança baseada em similaridades entre as pessoas que interagem na relação; 3) confiança baseada em instituições.

O presente trabalho procura investigar a confiança que se estabelece em relações de parceria. Especificamente, focaliza as seguintes questões de pesquisa:

• Que modos de produção de confiança são mais importantes, na decisão sobre a escolha de uma equipe parceira?

• Quais são as variáveis preditoras de confiança inicial, entre variáveis que descrevem os modos de produção de confiança e a formação da parceria?

• Que variáveis determinam alterações na confiança entre equipes parceiras de pesquisa, após um certo tempo de relacionamento de trabalho efetivo entre essas equipes?

1 .1. Modelo conceitual

Confiança,um mecanismo essencial de controle da vida social e econômica, tem recebido atenção crescente nos últimos anos. Um acontecimento particularmente importante, a este respeito, é o fato de que confiança foi redescoberta como uma questão sociológica, como um fenômeno que não pode ser concebido à parte de relações sociais (Lewis & Weigert, 1985).

Neste sentido, Granovetter (1985) reintroduziu o conceito, com grande impacto, nos debates sobre as bases da vida econômica, em seu famoso artigo sobre o futo de que relações de troca estão "embutidas" (embedded)em relações sociais. Seu argumento critica concepções econômicas e sociológicas que desconsideram a força das relações sociais em tornar provável a emergência de um importante mecanismo de controle de trocas econômicas: a confiança.

Tradicionalmente, o conceito de confiança tem sido estudado a partir de um paradigma psicológico ou de ciência política. De acordo com Lewis & Weigert (1985), os psicólogos conceituam confiança como um construto ou traço psicológico que os indivíduos desenvolvem, e que será influenciado por suas experiências sociais e socialização, consistindo em uma expectativa generalizada sobre a possibilidade de confiar em terceiros. Essa é, segundo esses autores, a mesma linha que tem sido seguida na pesquisa e teoria sobre confiança política. Ainda uma outra vertente psicológica estuda confiança comportamental, principalmente por meio de experimentos de laboratório sobre o jogo do "dilema do prisioneiro1". Nesse caso, confiar é uma escolha de comportamento "de confiança", isto é, cooperativo.

Dois outros autores, Luhmann & Lorenz, baseiam-se na literatura psicológica para definir confiança. Lorenz (1988), estudando as relações entre firmas francesas e seus contratantes, define comportamento de confiança como uma ação que "(1) aumenta a vulnerabilidade de um indivíduo em relação a outro, cujo comportamento não está sob o seu controle e (2) tem lugar em uma situação em que a penalidade no caso de ocorrer abuso de confiança levaria o indivíduo a arrepender-se da ação. Em termos econômicos isto implica em que a ação não seria realizada na ausência de confiança porque o beneficio líquido esperado seria menor do que outra alternativa" (p. 84)

Luhmann (1988), por outro lado, afirma que confiança pressupõe uma situação de risco, onde se escolhe uma ação a despeito da possibilidade de desapontamento ou frustração futura com o comportamento de outros, e onde possíveis prejuízos podem ser maiores do que as vantagens procuradas.

Na literatura sociológica, de acordo com Zucker (1986), existem duas perspectivas relevantes sobre o conceito de confiança. Em uma vertente, confiança é considerada como significando que, em uma relação de troca, os atores esperam que outros atores coloquem o auto-interesse de lado em favor de uma orientação-ao-outro ou uma orientação-à-coletividade. Esta vertente é mais identificada como uma visão funcionalista ou Parsoniana do fenômeno.

A outra vertente teórica sobre confiança, de acordo com Zucker, é representada pelo trabalho de Garfinkel (1967), e visualiza confiança como a capacidade dos atores de tornarem como dadas (taking for granted) as ações e as decisões de outros atores envolvidos em uma relação de troca, isto é, de "tornar sob confiança um vasto conjunto de características da ordem social" (Garfinkel, 1967: 56). Sob esse ponto de vista, o auto-interesse é esperado e legítimo em estágios avançados da relação, embora em seu início alguma orientação-a-outro seja esperada. De acordo com Lorenz (1988), existem três elementos que devem estar presentes para que a confiança possa operar: (I) uma situação de risco, ou seja, de vulnerabilidade atual ou potencial ao comportamento de outros; (2) uma situação na qual a ação (que representa o comportamento de confiança) é evitável (por exemplo, uma firma não tem que se engajar em trocas com uma outra firma) e, (3) o risco na situação deve ser causado pelo comportamento de outros, não por eventos exógenos que podem prejudicar a situação de troca.

Gambetta (1988) afirma que a condição de ignorância ou incerteza sobre o comportamento de outras pessoas é essencial para caracterizar uma interação social como envolvendo confiança. Essa só se torna uma questão relevante devido ao fenômeno da racionalidade limitada, isto é, ao fato de que não ternos acesso a todas as informações necessárias para a tomada de decisões com total certeza.

A segunda condição sugerida por Gambetta é que os agentes com quem o indivíduo deve interagir devem possuir graus de liberdade para desapontá-lo em suas expectativas. A possibilidade de "retirada, traição, desistência" deve estar presente para que a confiança possa operar. Este autor afirma, a este respeito, que confiança pode ser definida como um mecanismo para lidar com a liberdade dos outros.

A terceira condição proposta por Gambetta está relacionada à liberdade da pessoa que confia nos outros em uma relação; assim, esta pessoa deve ter uma liberdade limitada na troca, ou seja, ele/ela tem que ter a escolha de terminar a relação ou não entrar nela. A liberdade é limitada porque se o conjunto de alternativas é muito amplo a pressão para confiar em alguém em particular tende a ser menor.

Outra condição de confiança mencionada por vários autores (Zucker, 1986; Bradach & Eccles, 1989; Gambetta, 1988) está relacionada à dimensão temporal do fenômeno, ou seja, este conceito refere-se a ações, no presente, que podem ser lamentadas no futuro. Além disso, as conseqüências passadas do relacionamento com um agente, podem dificultar ou facilitar a confiança neste agente no momento atual. Portanto, de acordo com Bradach & Eccles (1989) o futuro é construído a partir de ações passadas e presentes.

Embora reconhecida como uma característica essencial da vida sócio-econômica, a confiança tem sido pouco estudada, talvez devido aos problemas envolvidos na mensuração do construto.

Lewis & Weigert (1985), a respeito desta questão, listam várias dificuldades para a realização de tal medida:

• Confiança é um fenômeno multidimensional, e por isto pode ser extremamente simplório perguntar a um indivíduo se ele confia ou não em outra pessoa ou instituição (o indivíduo pode confiar em algumas situações e contextos, mas não em outros);

• Nos experimentos com o jogo do "dilema do prisioneiro", as condições não permitem o desenvolvimento de relações sociais entre os participantes; assim, os pesquisadores não estavam estudando confiança, mas "os processos pelos quais indivíduos conseguem predizer o comportamento de outros e agir de acordo com tais predições" (1985:112). Além disso, esta abordagem ignora a dimensão emocional da confiança, devido ao seu foco em comportamento cooperativo;

• As três dimensões propostas colocam um novo problema: pode-se confiar comportamentalmente sem confiar cognitivamente (ou vice-versa);

• Como Bradach & Eccles (1989) apontam, a confiança pode afetar as relações de troca em diferentes formas: com o passar do tempo, uma troca baseada em preço ou autoridade pode se transformar - através de arranjos informais - em uma troca baseada em confiança, ou ainda a confiança gerada em outro contexto (laços de amizade pessoal, por exemplo) pode ser transferida para uma outra situação (transações econômicas, por exemplo).

Tentando superar tais dificuldades, Zucker (1986) propôs mensurar confiança através de indicadores, conceitualizando três modos de produção de confiança:

Confiança baseada em processo: forma de confiança ligada à experiência passada de sucesso em uma relação (experiência do próprio indivíduo ou de outro em quem ele confia);

Confiança baseada em característica: forma de confiança relacionada às similaridades em características entre os indivíduos que interagem na relação (por exemplo, similaridades em origem familiar, sexo ou origem étnica); e

Confiança com base em instituições: dividida em duas categorias:

I - confiança específica a pessoas ou empresas específicas: forma de confiança baseada em similaridade de educação, filiação a associações e certificações entre os indivíduos, ou em similaridades em procedimentos entre organizações;

II - confiança através de mecanismos intermediários: confiança observada quando algum tipo de mecanismo assegura a ambas as partes que a transação será completada ou terá o retorno esperado.

Zucker (1986) afirma ainda que estes modos de produção de confiança são substituíveis em alguma extensão, embora não exista nenhuma progressão obrigatória de um para o outro. A característica mais importante da produção de confiança, segundo esta autora, é que essa se desenvolve com o passar do tempo, sendo legitimada socialmente a longo prazo.

Os argumentos de Zucker são provocativos, coerentes com outras perspectivas sobre confiança e compatíveis com explicações teóricas correntes sobre relações interorganizacionais. Seus indicadores, por outro lado, relacionam-se a processos mediante os quais a confiança é gerada. Possuem ligações evidentes com o processo de formação de parcerias, em organizações de pesquisa, e aparentemente, apresentam as características defendidas por Hackman (1987) sobre as variáveis a serem incluídas em um modelo normativo (neste caso, de formação de parcerias): são indicadores poderosos (isto é, sua influência sobre a formação destas relações não é trivial), são potencialmente manipuláveis (isto é, podem ser modificadas pelas organizações envolvidas) e são acessíveis (isto é, as pessoas podem entendê-las e usá-las).

O interesse em termos do papel exercido pela confiança técnica está justificado, tanto pelo interesse teórico que a questão merece, como por suas implicações para políticas de gestão de Ciência & Tecnologia. Assim, dependendo dos modos de produção prevalentes em uma instituição, pode ser interessante incentivar formas alternativas de comunicação entre pares ou eventos institucionais de intercâmbio com outras instituições. Formas de controle organizacional destas relações também podem ser criadas ou modificadas com base nestas informações. Finalmente, podem ainda ser identificadas distorções - por exemplo, parcerias baseadas tão somente em similaridades - que contrariem políticas de pesquisa e desenvolvimento usualmente adotadas por muitas instituições de pesquisa (neste caso, uma tendência a endogenia).

Na situação de pesquisa em parceria, o trabalho, portanto, centra-se nas diferentes formas ou modos de produção de confiança. Nessa situação, as várias condições para a ocorrência de confiança (risco, incerteza, vulnerabilidades, possibilidade de frustração de expectativas, liberdade limitada dos parceiros, etc.) estão presentes. Na investigação dos modos de produção de confiança pretende-se identificar as variáveis determinantes do fenômeno, na relação estudada. Outras variáveis relativas à formação de parcerias e à interação entre as equipes parceiras também são analisadas como possíveis determinantes do fenômeno.

 

2. Método

As questões descritas acima foram investigadas em uma instituição pública de pesquisa agropecuária, que em 1997 contava com 2200 pesquisadores trabalhando em cerca de 3000 subprojetos, relacionados a 606 projetos de pesquisa. Nessa ocasião existiam, na instituição, relações interinstitucionais (dos diversos tipos anteriormente descritos) estabelecidas com cerca de 3844 instituições (empresas estaduais de pesquisa agropecuária, universidades, empresas privadas, etc.).

Pela política da empresa, o projeto busca soluções para problemas tecnológicos de natureza abrangente e complexa, exigindo usualmente o concurso de diferentes disciplinas. O subprojeto, por sua vez, procura responder a delimitações especificas do problema às quais o projeto se refere, e tem um caráter disciplinar. Ou seja, enquanto o projeto adota um enfoque sistêmico e holista, o subprojeto adota uma perspectiva mais reducionista, dirigido ao alcance de seus objetivos (Castro et al,1994). A parceria, questão que interessa ao presente estudo, é operacionalizada usualmente através de um subprojeto de pesquisa.

A técnica de coleta de dados consistiu na aplicação de dois questionários (Machado, 1998), um destinado aos líderes de projeto e outro às respectivas equipes de subprojetos dos diversos centros de pesquisa da empresa estudada. Todas as variáveis foram mensuradas a partir de escalas de Likert, de cinco pontos, em que O correspondia ao ponto mínimo e 4 ao ponto máximo da escala ou por meio de variáveis dum mies que descreviam alguns aspectos da formação da parceria. A Tabela 1 descreve as variáveis independentes e dependentes utilizadas na análise.

 

 

A escolha de líderes e equipes participantes da pesquisa foi definida por procedimentos de amostragem aleatória simples. Foram selecionadas para integrar a amostra da pesquisa 1.560 equipes de subprojetos, integrantes dos 606 projetos.

A amostra final foi composta por 358 subprojetos em execução. Das 358 equipes, 102 (28,5%) realizavam parcerias intra e inter organizacionais com outras equipes de trabalho.

A análise de dados baseia-se em modelos de regressão linear, utilizando o procedimento stepwisedo SAS (Statistical Analysis System).

 

3. Resultados

3.1. Descrição das equipes parceiras

Em relação às equipes parceiras, todas executavam subprojetos de pesquisa e desenvolvimento. O tempo médio de execução dos projetos de pesquisa em andamento era de 37 meses. A maioria dos projetos era composta por até seis equipes de subprojetos. Os líderes estavam à frente dos projetos, em média, há 32 meses. A principal forma de designação da liderança ocorria por indicação ou convite da chefia do centro de pesquisa (62%). As equipes dos subprojetos possuíam um número efetivo de aproximadamente cinco membros, que dedicavam de 20 a 30% do seu tempo às atividades das suas respectivas equipes. Grande parte das equipes dos subprojetos já estava formada há 32 meses, sendo que a maioria dos seus membros já estava nelas há 30 meses. Em geral, a duração total prevista para execução dos subprojetos era de 36 meses.

A confiança técnica, avaliada pelo líder do projeto no início da relação, era razoavelmente elevada (média de 3,79). Uma descoberta interessante é que essa confiança mostra uma tendência declinante, à medida que ocorre a interação entre as equipes (do projeto e do subprojeto parceiro). Assim, a confiança atual apresenta uma média de 3,73: um pouco inferior, portanto, à confiança inicial. Essa diferença é significativa, conforme revelou teste chi-quadrado realizado.

Como parte da análise inicial dos dados, todas as variáveis relativas à parceria foram submetidas também a uma análise fatorial, utilizando-se os métodos de extração principal component analysis e principal axis factoring,do SAS. Ambas as análises indicaram a presença de um único fator, considerando-se as variáveis investigadas. A análise de confiabilidade (usando o Alpha de Cronbach), indica um coeficiente de confiabilidade de 0,89 para o instrumento de confiança utilizado no presente trabalho.

3.2. Determinantes da confiança técnica ao início da relação de parceria

A confiança técnica ao início da relação de parceria foi hipotetizada como sendo influenciada pelos modos de produção de confiança (escolha do parceiro) e das variáveis dummies que descreviam a formação da parceria. A Tabela 2 apresenta os resultados dessa primeira análise de regressão.

 

 

Estes resultados mostram que a confiança inicial, portanto, é determinada pela capacidade técnica da equipe de pesquisa parceira. Também é maior quando a negociação da parceria é deixada sob a responsabilidade do próprio líder. Por outro lado, e esse resultado é interessante, do ponto de vista da gestão, quando não há negociação prévia formal sobre como serão apropriados os resultados, a confiança inicial na equipe parceira é também maior.

3.3. Determinantes da confiança atual na equipe parceira

A confiança técnica atual foi primeiro hipotetizada como sendo uma função da escolha da parceira (modos de produção), da satisfação com a parceira, da confiança técnica inicial, dos aspectos relativos à formação da parceria e do tempo de duração da parceria. A Tabela 3 apresenta os resultados obtidos nessa análise de regressão.

 

 

Confirma-se, por esses resultados, a importância da capacidade técnica da equipe (na sua escolha como parceira), como influência relevante e positiva sobre a confiança atual. O senso comum, que indicaria que a confiança atual é também uma função da confiança inicial, também é confirmado. As demais variáveis descrevem a satisfação com a própria relação de parceria e a contribuição dada por essa relação ao projeto de pesquisa. Quanto maiores as diferenças no modo de trabalho - do líder e da equipe parceira - menor a confiança atual desse último. Confia se mais, além disso, em parcerias que contribuem com recursos financeiros, e menos nas que contribuem com recursos humanos técnicos.

Uma segunda regressão investigou um modelo segundo o qual a confiança atual seria somente função de fatores que descrevem a interação da equipe parceira, tais como: i. organização do trabalho; ii. contexto em que o trabalho ocorre; iii. sinergia da equipe; iv. auto-avaliação de resultados pela própria equipe parceira; v. avaliação de resultados pelo líder do projeto. Esses fatores correspondem aos fatores determinantes de efetividade de equipes, nos modelos de Hackman (1987) e Machado (1998). Nessa regressão, tornou-se evidente que apenas o último fator (avaliação dos resultados pelo líder do projeto) era determinante significativo da confiança atual (R2 ajustado=.466).

Um terceiro modelo investigou a influência das variáveis consideradas no primeiro modelo (escolha, satisfação, formação, confiança atual, relação de parceria, tempo da parceria), além daquelas que compõem o fator de avaliação de resultados pelo líder do projeto, sobre a confiança atual. A Tabela 4 apresenta os resultados significativos obtidos nessa regressão.

 

 

Observa-se agora a importância de variáveis anteriores à relação de parceira, que descrevem a sua formação (influência de similaridade de formação e da capacidade técnica da equipe) e a confiança técnica inicial. Duas variáveis que indicam a qualidade da relação também aparecem aí (contribuição da parceira, com recursos humanos técnicos e dificuldade por diferenças no modo de trabalhar). A confiança atual é maior quando a parceira não contribui com esse tipo de recursos humanos, e quanto menor é a dificuldade de coordenação por diferenças no modo de trabalhar. Finalmente, os resultados obtidos pela equipe parceira também influenciam a confiança atual: essa é maior quanto maior a qualidade técnica das metas alcançadas.

3.4. Determinantes da diferença entre confiança atual e confiança inicial

Como muitos teóricos já observaram, a confiança é uma variável para a qual a dimensão temporal é bastante importante, já que depende da interação que se desenvolve entre diferentes atores sociais. Por isso, definiu-se um último modelo para investigar as influências sobre essa mudança. A variável dependente, no caso, foi a diferença entre a confiança atual e a confiança inicial. Nesse modelo, foram consideradas como variáveis independentes: os modos de produção de confiança, a satisfação com a relação de parceria, aspectos da formação da parceria e o tempo de duração. A Tabela 5 apresenta os resultados obtidos pela análise desse modelo.

 

 

Variáveis semelhantes àquelas que apareceram no segundo modelo (determinantes de confiança atual), parecem exercer importante influência sobre a diferença entre confiança atual e inicial. A direção da relação também é a mesma, nesse caso. A diferença é maior, no entanto, quando a iniciativa do contato partiu de dirigente da instituição parceira. Nesse caso, é possível que o fato de que a iniciativa foi exógena implique em uma menor confiança inicial, que é depois compensada pela interação com a parceira.

 

4. Discussão

Zucker (1986) propôs a existência de três modos de produção de confiança: a) confiança baseada em processo; b) confiança baseada nas características dos atores sociais envolvidos; c) confiança baseada em instituições.

Dos modos de produção propostos por Zucker (1986), apenas aquele ligado à instituição (confiança específica obtida através de similaridade de educação, certificaçôes, similaridade de procedimento, etc.) parece ser importante, na determinação da confiança técnica (tanto no início como após um período de interação com a parceira). Isso é indicado pela importância da capacidade técnica da equipe parceira, como influência para sua escolha, e pelo fato de que diferenças no modo de trabalhar comprometem a confiança atual e a diferença entre essa e a confiança inicial na equipe parceira.

Por outro lado, a confiança de natureza técnica (inicial) parece ser comprometida quando mecanismos institucionais intermediários - tais como contratos formais prévios, para apropriação de resultados - são utilizados. Assim, esse modo de produção de confiança não é apropriado, nos casos em que o que se quer estabelecer é confiança técnica. Aqui, pode também estar ocorrendo uma relação causal de mão-dupla, isto é, menor confiança inicial levaria a uma maior preocupação com o estabelecimento de mecanismos formais que diminuíssem a incerteza sobre o comportamento do parceiro.

Como seria de se esperar, em organizações de P&D - que são orientadas pelo mérito e pelos cânones das diferentes profissões que dela fazem parte - as características individuais (família, sexo, etnia) não são determinantes importantes da confiança que se desenvolve nas interações entre equipes de pesquisa. Por outro lado, também a experiência passada de relação com outro ator social - no caso, uma equipe de pesquisa parceira também não se apresenta como relevante para a determinação da confiança atual entre as partes.

Esse último resultado pode estar relacionado ao fato de que as equipes de pesquisa, embora desenvolvam um trabalho intenso e criativo, durante o tempo de duração do projeto (e de seus subprojetos), podem nunca mais estabelecer nova relação, uma vez que um projeto particular é concluído. Assim, a experiência de relação anterior com uma equipe de pesquisa parceira e, possivelmente, um acontecimento menos freqüente, e que portanto nao tem uma relevância muito grande na determinação de confiança na parceira.

A liberdade concedida ao líder do projeto para estabelecer a relação de parceria parece ser importante determinante de confiança. Isso é indicado pelo fato de que a confiança inicial é major quando o líder participa na negociação da parceria, e pelo fato de que a diferença entre confiança inicial e a confiança posterior (atual) é maior quando a escolha do parceiro foi realizada por dirigentes (e não pelo líder). Assim, uma variável importante na literatura - a chamada liberdade limitada da pessoa que confia - parece estar relacionada a esses resultados. Quanto maiores os graus de liberdade para entrar na relação, maior a confiança entre essas equipes.

Os seguintes determinantes apresentaram-se relevantes em relação à confiança atual: influência da capacidade técnica da equipe na escolha da parceira e confiança técnica no início da relação de parceria (ambas com uma relação positiva com a variável dependente); dificuldade (para coordenação) devido a diferenças no modo de trabalhar; e contribuição da parceria com recursos humanos técnicos e com recursos financeiros (essas últimas apresentando uma relação negativa com a VD). Essas variáveis permanecem no modelo mesmo quando são introduzidas variáveis que descrevem a avaliação do líder do projeto, em relação aos resultados obtidos pelo trabalho em parceria. Nesse momento, duas variáveis além das mencionadas, emergem como importantes: qualidade técnica das metas atingidas (relação positiva) e influência da similaridade de formação (entre líder e responsável) na escolha da parceira.

Esses resultados apontam para a centralidade de aspectos do relacionamento técnico, entre líder e equipe parceira, na determinação de confiança atual. O aparecimento de uma variável relativa à escolha da parceira (similaridade de formação) pode estar relacionado a um possível conflito entre líder e responsável, quando os dois compartilham formação similar. Assim, embora esse possa ser um critério para a escolha da parceira, não parece ser um bom indicador da confiança, depois de estabelecido o relacionamento entre as equipes parceiras.

Um resultado interessante a destacar é aquele que indica que o tempo - ao contrário do que preconizam os teóricos sobre confiança - não exerce influência significativa sobre a confiança atual. Na verdade, como em outros casos em que a dimensão temporal tem importância, não é o tempo em si que deve exercer influência. mas outros fatores e variáveis que se desenvolvem com o tempo. Por exemplo, as interações entre líderes e equipes parceiras, o conhecimento de ambos sobre o modo de trabalhar do outro, o desempenho e os resultados que vão sendo apresentados com o desenrolar do trabalho. Essa explicação é apoiada, em parte, pelo fato de que variáveis que descrevem essa interação (diferenças no modo de trabalhar e qualidade técnica das metas atingidas) aparecem como determinantes importantes da confiança atual.

A confiança do líder do projeto nas equipes parceiras é, de modo geral, declinante ao longo do tempo. Quer dizer, considerando a confiança inicial, a prática de trabalho com a equipe parceira diminui a confiança do líder em seu trabalho. No entanto. esse decréscimo é maior para equipes que iniciaram com menor confiança do líder do projeto. De novo, esse dado aponta para a importância da confiança inicial como determinante do fortalecimento da confiança posterior na equipe parceira.

Tomando-se os resultados como um todo, observa-se que os gerentes de P&D devem atentar para as seguintes variáveis, na formação de equipes parceiras em que se requeira confiança técnica:

• Consideração à opinião do líder sobre capacidade técnica das equipes parceiras potenciais, como forma de garantir melhor interação futura com essas equipes.

• Delegação de responsabilidade, ao líder do projeto, na negociação da parceria: isso garantirá seu envolvimento e comprometimento com a relação interinstitucional assim definida.

• Internalização, entre os líderes de projeto, de que os mecanismos institucionais de negociação prévia formal de apropriação de resultados, constituem instrumentos de proteção a ambas as instituições envolvidas, mas que não implicam em suspeição sobre a equipe parceira.

• Em programas de desenvolvimento de equipes, institucionalizar o planejamento de atividades de "desenvolvimento de um marco referencial de trabalho", entre equipes parceiras, para evitar dificuldades de coordenação, para o líder, devido a esse aspecto. Equipes de P&D são, por princípio, equipes interdisciplinares e, portanto, se caracterizam pela formulação explicita de uma metodologia e um marco referencial comum que cruza as diferentes disciplinas (Gibbons et al,1997). Esse cuidado deve ser observado mesmo para equipes não-parceiras interdisciplinares, mas se torna ainda mais importante quando os membros das diferentes equipes estão vinculados a diferentes organizações.

 

Referências

BRADACH, J. L. & ECCLES, R. G. Price, Authority and Trust: from ideal types to plural forms. Annual Review of Sociology,15, 1989, pp. 97-118.        [ Links ]

CASTRO, A. M. G.; COBBE, R. V.; QUIRINO, T. R.; LUCHIARI JR., A.; MARTINS, M. A. G. Aplicação do enfoque sistêmico na gestão de CeT. Em: GOEDERT, W. J., PAEZ, M. L. D.; CASTRO, A. M. G. (Eds.), Gestão em Ciência e Tecnologia: Pesquisa Agropecuária.Brasília: EMBRAPA-SPI, 1994.        [ Links ]

FREITAS FILHO, A; CASTRO, A. M. C.; RIBEIRO, O. C.; KORNELIUS, E.; REIS, A. E. G. Parceria: mecanismo contemporâneo de atuação interinstitucional. ln: GOEDERT, W. J., PAEZ, M. L. D., CASTRO, A. M. C. (Eds.). Gestão em Ciência e Tecnologia: Pesquisa Agropecuária.Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Brasília: EMBRAPA-SPI, 1994.        [ Links ]

GAMBETTA, D. Can we trust trust? Em: GAMBETTA, D. (Ed.). Trust:making and breaking cooperative relations. New York: Blackwell, 1988.        [ Links ]

GARFINKEL, H. Studies in Ethnomethodology.Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1967.        [ Links ]

GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociologyv.91, 1985, pp. 481-510.         [ Links ]

GIBBONS, M.; LIMOGES, C.; NOWOTNY, H.; SCHWARTZMAN, S.; SCOTT, P.;TROW, M. The new production of know ledge:the dynamics of science and research in contemporary societies. London: Sage Publications Ltd, 1997.        [ Links ]

HACKMAN, J. R. The design of work teams. Em: LORSCH, J. (Ed.) Handbook of Organizational Behavior.New York: Prentice-Hall, 1987.        [ Links ]

LEWIS, J. D.; WEIGERT, A. Trust as a social reality. Social Forces,v.63, 1985, pp. 967-985.        [ Links ]

LORENZ, E. H. Neither friends nor strangers: informal networks of subcontracting in French industry. Em: GAMBETTA, D. (Ed.). Trust:making and breaking cooperative relations. New York: Blackwell, 1988.        [ Links ]

LUHMANN, N. Familiarity, Confidence, Trust: problems and alternatives. Em: GAMBETTA, D. (Ed.). Trust:Making and Breaking Cooperative Relations. New York: Blackwell, 1988.        [ Links ]

MACHADO, M. S. Equipes de trabalho: sua efetividade e seus preditores.Dissertação de Mestrado. Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília: Brasília, 1998.        [ Links ]

SANTOS, S. A Negociação de projetos tecnológicos nas instituições de pesquisa. Revista de Administração,v.27 n.1, 1990, pp. 41-60.        [ Links ]

ZUCKER, L. G. Production of Trust: institutional sources of economic structure. Research in Organizational Behavior,v.8, 1986, pp. 53-111.        [ Links ]

 

 

1 O jogo do "dilema do prisioneiro" tem sido uma situação experimental freqüente, em estudos sobre comportamento cooperativo baseados na teoria dos jogos. Nessa situação, dois prisioneiros suspeitos de haver cometido um crime, são interrogados separadamente e incentivados pela polícia a implicar um ao outro. O resultado dependerá do que os dois façam. mas nenhum deles sabe a resposta do outro.

Creative Commons License