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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.2 n.2 Florianópolis dez. 2002

 

ARTIGOS

 

Estresse ocupacional e indicadores de saúde em gerentes de um banco estatal

 

 

Fernanda Amaral PinheiroI; Isolda de Araújo GüntherII

IDoutoranda do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho na Universidade de Brasília. Psicóloga da área de Saúde e Bem-Estar da Caixa Econômica Federal. (fernandaamaral@terra.com.br)
IIPesquisadora Associada Sênior no Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento. Universidade de Brasília. (isolda@unb.br)

 

 


RESUMO

O efeito dos estímulos físico-químicos ambientais sobre a saúde dos indivíduos no trabalho é bastante óbvio e vem sendo bem documentado. Entretanto, o impacto de variáveis de ordem psicossocial sobre o desenvolvimento de doenças carece de maior determinação. Este trabalho buscou investigar a influência de variáveis psicossociais antecedentes de estresse sobre a saúde de gerentes de uma instituição bancária, considerando como seus indicadores a pressão arterial, o consumo de medicamentos, o índice de massa corporal e o relato de sintomas. Análises de variância e de correlação canônica mostraram que, em geral, a percepção de maiores índices de estresse esteve associada a níveis mais elevados de pressão arterial e ao aumento do consumo de medicamentos e da ocorrência de sintomas. Os resultados evidenciaram a existência de uma dimensão de somatização unindo variáveis ambientais e os indicadores de saúde. O papel de variáveis intervenientes no processo é discutido, como também estão colocadas sugestões para o redelineamento da função de gerente.

Palavras-chave: saúde ocupacional; aspectos psicossociais do estresse; bem-estar no trabalho.


ABSTRACT

Physical effect in workers health has been very well documented. However, psychosocial impact in disease development needs further investigation. The purpose of this study was to investigate psychosocial stressors influence in managers health in a state owned bank, considering blood pressure, medicine consumption, body index and symptom report as indicators. Analysis of variance ando canonical correlation showed that higher stress levels are related to higher blood pressure leveis, frequent symptom report and higher medicine consumption. Results showed that there was a dimension linking environment variables lo health indicators. Intervening variables role and changes in manager task's design are discussed.

Keywords: occupational health; psychosocial factors in stress process; well being at work.


 

 

1. Introdução

A influência do ambiente de trabalho sobre a saúde dos indivíduos tem sido tema de interesse para estudos diversos, particularmente nas últimas décadas. Como exemplo, a revisão de literatura conduzida por Bongers, de Winter, Kompler e Hilldebrandt (1993) relatou relações significativas estáveis entre fatores psicossociais do ambiente de trabalho e a saúde das estruturas osteomusculares. Smith, Kaminstein e Makadok (1995) também mostraram que fatores presentes no ambiente ocupacional associam-se a efeitos sobre a saúde física dos empregados. Contudo, a forma pela qual o trabalho pode levar ao adoecimento, exceto pela via dos fatores físico-químicos ambientais, está ainda por ser melhor esclarecida. Autores diversos têm sugerido que o estresse resultante de fatores psicossociais presentes no ambiente de trabalho poderia ser uma via explicativa (Caplan, Cobbs, French, Harrison, Pinneau, 1975; Cooper e Marshall, 1976; Kristensen, 1989; Parkes, 1990).

Considera-se estresse a condição em que há um desequilíbrio real ou percebido entre as demandas do ambiente e os recursos adaptativos dos indivíduos (Monat e Lazarus, 1985). Para o propósito deste trabalho, as demandas do ambiente foram compreendidas como as que decorrem da inserção do indivíduo em um grupo e em uma organização particulares, bem como daquelas inerentes ao exercício de uma função especifica.

 

2. Antecedentes psicossociais de estresse ocupacional

Os estudos apontam para uma diversidade de fontes de estresse consideradas de ordem psicossocial, incluindo um ou mais dos seguintes aspectos:

1. relativos à tarefa: incluem a responsabilidade pelo trabalho de terceiros, o esforço físico ou mental exigidos, a urgência, a sobrecarga de trabalho, a preocupação pela qualidade do trabalho, a realização de horas extras por exigência do trabalho, o grau de desafio, os riscos à segurança pessoal, a clareza da tarefa e a adequação entre conhecimento e atividade exercida;

2. relativos ao papel ocupacional: abrangem o conflito entre papéis, o grau de autonomia, a ambigüidade do papel, a importância atribuída ao trabalho e a auto-estima ocupacional;

3. relativos ao grupo ocupacional: incluem o reconhecimento pela chefia, o grau de satisfação com a supervisão, o relacionamento com os colegas e com a chefia e a percepção de suporte social no grupo;

4. relativos à organização: consideram a oportunidade de desenvolvimento, a imagem pública da empresa, as políticas de pagamento e administração de recursos humanos, o grau de identificação com os valores organizacionais e a percepção de eqüidade no sistema de promoção.

2.1 Efeitos do estresse sobre a saúde

A relação entre fontes psicossociais de estresse e efeitos sobre a saúde tem se mantido inquestionável ao longo das últimas décadas, e vem sendo bem documentada por House, J. S., Wells, J. A, Landerman, L. R., Mc Michael, A. J., Kaplan, B.H. (1979); Schmitt, N., Colligan, M. J., Fitzgerald, M. (1980); Schnael, P. L., Pieper, C., Schwartz, J. E., Karasek, R. A, Schlussel, Y, Devereux, R. B., Ganau, A., Alderman, M., Warren, K., Pickering, T. G. (1990); Moraes, L. F. R., Swan, J. A., Cooper, C. L. (1993); Frone, M. R., Russel, M. Cooper, M. L. (1995).

A magnitude da relação é, entretanto, bastante variável, o que se deve, possivelmente, aos arranjos metodológicos dos estudos que elegem diferentes definições operacionais da variável dependente, além de diferentes conjuntos de variáveis independentes e respectivas medidas.

Embora se considere que o estresse seja um dos fatores presentes na etiologia e no agravamento de qualquer doença (Taylor, 1986), os estudos têm privilegiado as relações significativas entre estresse ocupacional e a ocorrência de hipertensão arterial, talvez em função da objetividade da medida. É importante anotar, igualmente, que a hipertensão arterial constitui importante fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardíacas-coronarianas e renais.

Outros indicadores importantes de saúde física são as alterações metabólicas, quantificáveis através de exames laboratoriais, e o Índice de Massa ou Composição Corporal (IMC), que se apresentam como precursores de doenças diversas e traduzem, muitas vezes, hábitos nutricionais dos indivíduos. O relato de sintomas e o consumo de medicamentos têm sido também utilizados como indicadores de saúde física e mental, apesar do potencial viés que o método de auto-relato encerra.

2.2 Variáveis intervenientes na relação entre o estresse e a saúde

O papel de variáveis que modificam a relação entre estressores e saúde tem sido mais explorado ultimamente. Postula-se que tais variáveis possam desempenhar o papel de mediadores ou moderadores na relação entre o ambiente ocupacional e a saúde dos indivíduos nas organizações. As mais comumente citadas, entre os estudos, seriam apoio social (Cobb, S., 1976; Gentry e Kobasa, 1984; Taylor, 1986; La Rocco e colaboradores, 1980; Parkes, 1990), comportamento Tipo A (Cooper e Marshall, 1986; Jamal, 1990), envolvimento e comprometimento com o trabalho (Mathiew e Zajac, 1990;), estratégias de copingou enfrentamento do estresse (Folkman e Lazarus, em Gentry, 1984; Taylor, 1986) e hábitos (Taylor, 1986, Steffy, Jones e Noe, 1990; Morris Pollard Everitt e Chave, 1980).

Este trabalho buscou identificar fontes psicossociais de estresse entre gerentes de um banco estatal e investigar sua relação com a saúde considerando como indicadores a pressão artenal, o IMC, as alterações metabólicas, o relato de ocorrência de sintomas e do uso de medicamentos.

A influência de variáveis intervenientes na relação entre o estresse e a saúde dos sujeitos foi também investigada, levando-se em conta a percepção de apoio social, o envolvimento com o trabalho e o tabagismo, como hábito.

 

3. Método

3.1 Participantes da amostra de pesquisa

Todos os gerentes (n = 60) da filial de um banco estatal foram convidados para participar de um estudo sobre saúde ocupacional. Desse total, 47 (41 homens e 6 mulheres) fazem parte desta pesquisa. A média de idade foi de 39 anos e 68% dos respondentes concluíram algum curso superior. O grupo tinha, em média, 15,7 anos de serviços prestados à empresa e 8,6 anos de exercício em gerência.

3.2 Instrumentos

3.2.1 Antecedentes psicossociais de estresse

Foram reunidas, em um mesmo questionário, as medidas mais freqüentemente utilizadas para a quantificação de aspectos psicossociais do estresse ocupacional, com base na escala desenvolvida por House, Wells, Landerman, Mc Michael e Kaplan (1979), na WES (Work Environmental Scale Moos 1986), na escala de fontes de pressão no trabalho do OSI (Occupational Stress Indicator, desenvolvida por Cooper e Banglioli, 1988) e na escala utilizada por Borges-Andrade (1990) para a mensuração de comprometimento organizacional.

O instrumento final resultou em uma relação de 36 proposições sobre a situação de trabalho abrangendo os aspectos psicossociais do estresse, ao lado das quais o sujeito deveria registrar, em colunas distintas, sua opinião quanto à situação real e quanto à situação ideal, por meio de uma escala Likert de cinco pontos de freqüência ou de intensidade. A diferença entre os escores real e ideal, em valores absolutos, foi a definição operacional de estresse ocupacional (La Rocco e colaboradores, 1980). Determinou-se, a priori,que valores maiores indicariam progressão na variável.

3.2.2 Indicadores de saúde

As medidas de saúde física utilizadas foram as descritas a seguir: a) ocorrência de sintomas, segundo relato dos sujeitos, por ocasião da entrevista e da avaliação clínica; b) consumo de medicamentos, assinalado pela freqüência de uso de remédios, com ou sem prescrição médica; c) pressão arterial, caracterizada pelas medidas sistemáticas realizadas nos exames de saúde periódicos e na consulta médica. Foram necessárias três medidas iguais ou superiores a 140 x 090 mm Hg para que o sujeito fosse considerado hipertenso; d) exames laboratoriais que forneceram medidas objetivas das alterações metabólicas dos níveis de colesterol, triglicerídeos, glicose, uréia, ácido úrico e creatinina, na ocasião em que se realizou este estudo; e) composição corporal (IMC), enfatizando o percentual de gordura corporal, considerado bom preditor de doenças cardiovasculares e hipertensão arterial. O IMC foi obtido calculando-se o peso multiplicado pelo quadrado da altura, sendo peso e altura obtidos na avaliação clínica.

3.2.3 Hábitos e estilo de vida

O registro de hábitos como o tabagismo, bem como a percepção de apoio social, foram obtidos segundo o relato dos sujeitos na entrevista e na avaliação clínica.

3.3 Procedimento

Convocou-se uma reunião com todos os gerentes, onde estes foram convidados a participar de um estudo sobre saúde ocupacional, integralmente custeado pela empresa. Após descrição sucinta do estudo e mediante manifestação do interesse, quarenta e sete sujeitos receberam solicitações para exames laboratoriais e avaliação cardiológica, bem como instruções para a realização do trabalho. Este grupo não diferiu do grupo dos demais gerentes relativamente às variáveis demográficas consideradas neste estudo.

De posse dos resultados da avaliação de saúde, os sujeitos foram convocados a uma entrevista semi-estruturada e forneceram dados sobre a sua vida funcional, hábitos e estilo de vida. Nesta ocasião, preencheram o questionário sobre fontes psicossociais de estresse ocupacional.

Os dados obtidos na entrevista foram submetidos à análise de conteúdo. Os demais dados foram tratados estatisticamente, utilizando-se o SPSS.

As variáveis demográficas gênero, grau de escolaridade e estado civil distinguiram os sujeitos relativamente ao seu nível de estresse (Tabela 1). Sujeitos do sexo feminino relataram, em geral, maior intensidade de estresse do que seus colegas do sexo masculino. Indivíduos que concluíram o ensino superior mostraram menos estresse, quando comparados aos seus colegas de escolaridade média, exceto para as variáveis "relacionamento com os colegas" e "importância do trabalho". Gerentes solteiros relataram maior estresse do que seus colegas casados.

 

 

3.3.1 Antecedentes psicossociais de estresse e indicadores de saúde

Os itens da escala que suscitaram registros de maior intensidade de estresse ocupacional (média mais um desvio padrão) estão relacionados a variáveis sob o controle da organização (falta de recursos humanos e materiais, insatisfação com o salário, percepção de ineqüidade no sistema de promoção). Em ordem decrescente de intensidade, mencionou-se antecedentes de estresse relativos à tarefa (percepção de sobrecarga, riscos à segurança pessoal) e ao grupo ocupacional (falta de apoio dos colegas).

Resultados de análises de variância entre estressores ocupacionais e indicadores de saúde mostraram que indivíduos com maiores escores de estresse ocupacional devido ao esforço exigido pelas tarefas consumiam medicamentos com freqüência. Aqueles que relataram maior estresse devido à sua participação no processo de tomada de decisão, ou devido a terem que tomar decisões que podem acarretar riscos e prejuízos, também consomem medicamentos com maior freqüência do que seus colegas (Tabela 2).

 

 

Pressão arterial também mostrou ser um indicador de saúde vulnerável ao estresse ocupacional. Sujeitos que registraram maior estresse devido à falta de autonomia em seu trabalho apresentaram pressão arterial sistematicamente superior ao limite de 140 x 090 mm Hg. A relação entre pressão arterial e apoio social do grupo e entre pressão arterial e identificação com os valores organizacionais, foi inversa ao esperado: quanto menor o estresse devido a estes fatores, maior a pressão arterial (Tabela 3).

 

 

Utilizando-se correlação canônica, buscou-se identificar a relação entre os indicadores de saúde e um subconjunto das variáveis antecedentes de estresse, a saber: participação no processo de tomada de decisão, riscos inerentes à função, autonomia, desafio, desenvolvimento e progressão funcional e realização de horas extras.

Análises preliminares mostraram que não houve dados faltosos, Nenhum caso foi identificado como extremo. A variável "participação no processo de tomada de decisão" tinha distribuição positivamente assimétrica e tentou-se a transformação logarítmica, mas não se obteve melhor distribuição e a variável permaneceu original.

Apenas um par de variantes canônicos foi considerado significativo, com um coeficiente de correlação canônica igual a 0,654, Este par explicou 52,2% da variância na solução (Tabela 4), O conjunto de indicadores de saúde explicou 28% da variância do segundo conjunto, enquanto que fontes psicossociais de estresse explicaram 8% da variância interna e 20% da variância entre os indicadores de saúde.

 

 

Considerando-se as variáveis que fazem parte de cada variante canônico, tem-se uma dimensão unindo os dois conjuntos que pode ser interpretada como efeitos sobre a saúde do estresse decorrente da percepção de: participação no processo de tornada de decisão (ou da ausência dela), dos riscos à segurança pessoal e do grau de desafio que os sujeitos atribuem ao seu trabalho.

É possível interpretar também que indivíduos com alterações hemodinâmicas registradas por meio de exames laboratoriais, que apresentem sintomas e estejam utilizando medicação, sejam mais suscetíveis ao estresse ocupacional.

3.3.2 Estresse e Tabagismo

Sujeitos que deixaram de fumar há menos de cinco anos relataram maior nível de estresse devido à responsabilidade pelo trabalho de terceiros, do que indivíduos que nunca fumaram. O mesmo padrão se repetiu nos dois grupos, para o estressor "urgência das tarefas". O grupo dos fumantes apresentou nível de estresse mais elevado que o grupo de não fumantes e inferior ao nível apresentado pelo grupo de ex-fumantes. Entretanto, a diferença entre as médias não foi considerada significativa.

 

4. Discussão

4.1 Antecedentes psicossociais de estresse e variáveis demográficas

De acordo com os resultados, gênero foi urna variável importante na diferenciação dos grupos em relação ao estresse ocupacional. As mulheres consideraram seu trabalho altamente desafiador e pareceram satisfeitas com isto. Os homens idealizaram que o trabalho fosse ainda mais desafiador do que lhes parece na situação real.

É possível que as mulheres encontrem dificuldades, relativamente aos homens, em romper barreiras culturais no ambiente de trabalho quando no desempenho da função de gerente, o que pode ser compreendido a partir das grandes demandas do papel que, na maioria das vezes, criam conflito com as solicitações de outros papéis como os de mãe e esposa. Apesar das dificuldades, estas mulheres pareceram adaptadas à sua função, embora se ressintam mais da falta de controle sobre as circunstâncias que envolvem o seu trabalho do que seus colegas do sexo masculino.

Estado civil mostrou ser também uma variável importante na compreensão do estresse ocupacional. É possível que a variável apoio social esteja mediando a percepção que os indivíduos têm dos estímulos ambientais, fazendo com que os casados apresentem menores índices de estresse do que solteiros.

Entre as variáveis sócio-demográficas, o grau de escolaridade foi a que melhor diferenciou os grupos relativamente aos antecedentes psicossociais de estresse ocupacional. Os resultados parecem demonstrar a focalização do trabalho na vida dos sujeitos com escolaridade média, em detrimento de outras atividades. A grande maioria dos sujeitos ascendeu socialmente em função da carreira que percorreu ao longo dos anos, independentemente de haver cursado o nível superior, o que pode resultar em um elevado grau de comprometimento para com a organização. Essa situação é compatível com os achados de Mathiew e Zajac (1990), lembrando que estes autores especulam que altos níveis de comprometimento podem levar ao estresse em função de dificuldades no desempenho de papéis familiares.

Indivíduos com nível de escolaridade superior podem ter outros interesses e sentirem-se melhor preparados para o exercício da função. Esses indivíduos, porém, ressentem-se mais do que seus colegas de escolaridade média da importância que atribuem ao seu trabalho (0,35 e 0,06 respectivamente, alpha = 0,03). Possivelmente porque estes indivíduos terão desenvolvido, ao longo de sua formação acadêmica, a expectativa de se profissionalizar em sua área específica de interesse.

4.2 Estresse e indicadores de saúde

Pode-se afirmar que os maiores estressores percebidos por este grupo de trabalhadores dizem respeito a aspectos relacionados à organização, corno a falta de recursos humanos e materiais que projetem a empresa segundo certos critérios de excelência. O desenvolvimento tecnológico e a política de recursos humanos que promova eqüidade são exemplos destes critérios. Antecedentes de estresse relativos à tarefa e ao grupo ocupacional estão mencionados em ordem decrescente de intensidade.

Foram as seguintes as variáveis psicossociais que se associaram a efeitos sobre a saúde: a) esforço físico e mental; b) participação no processo de tornada de decisão; c) decisões que podem acarretar sérios riscos e custos; d) riscos à segurança pessoal; e) falta de clareza da tarefa; f) falta de autonomia; g) apoio social do grupo; h) identificação com os valores organizacionais; i) importância do trabalho.

A relação entre estresse ocupacional e os indicadores de saúde mostrou-se direta para todas as variáveis psicossociais, exceto para as variáveis: apoio social do grupo, identificação com os valores organizacionais e importância do trabalho.

Curiosamente, apenas duas variáveis, exposição a riscos à segurança pessoal e a falta de apoio social do grupo é que foram fontes percebidas de estresse por ocasião da entrevista. Isto leva a supor que variáveis ambientais antecedentes de estresse importantes na determinação da saúde destes sujeitos podem não estar sendo sequer percebidas corno estressores.

A variável consumo de medicamentos diferenciou significativamente os grupos com relação ao estresse ocupacional. Indivíduos que se ressentem do esforço exigido pela tarefa consomem medicamentos com regularidade. Sujeitos que não gostariam de tornar decisões que podem acarretar riscos e custos, também relataram consumir freqüentemente medicamentos. Além disso, a média de estresse devido à falta de participação no processo de tornada de decisão que afete o trabalho é maior entre os indivíduos que consomem medicamentos com regularidade.

Pressão arterial foi um outro indicador de saúde que se associou significativamente às variáveis psicossociais. Indivíduos hipertensos mostraram maior nível de estresse devido à falta de autonomia em seu trabalho do que os normotensos (1,46 e 0,85, respectivamente; alpha = 0,05). Este dado é compatível com o modelo de tensão no trabalho desenvolvido por Karasek (1979), citado por Taylor (1986), para quem o estresse resultaria de urna combinação de altas demandas no trabalho e baixa amplitude de decisão. Confirma, também, os resultados encontrados por Schnael e colaboradores (1990), que demonstraram que pressão arterial diastólica mais elevada foi encontrada entre trabalhadores expostos ao estresse ocupacional.

Contrariamente ao esperado, indivíduos hipertensos mostraram menores níveis de estresse devido à falta de apoio social no grupo do que seus colegas (0,54 e 1,24, respectivamente; alpha = 0,02). Uma possível explicação para este fato pode ser buscada na metanálise conduzida por Kristensen (1989), onde pelo menos três autores discutem a possível tendência que indivíduos hipertensos apresentariam para negar ou evitar os estressores. É possível que esta seja urna estratégia de enfrentamento do estresse voltada para minimizar a extensão de um problema percebido, evitando o surgimento de conflitos.

Sujeitos com pressão arterial elevada mostraram também níveis significativamente menores de estresse devido à identificação com os valores organizacionais (0,38 e 1,00, respectivamente; alpha = 0,05). Eles consideraram a situação real de forma mais favorável do que seus colegas normotensos, relativamente à sua identificação para com os valores defendidos pela organização (médias = 3,73 e 2,94 respectivamente).

Considerando que a identificação é um fator preponderante para o comprometimento organizacional (Borges-Andrade e colaboradores, 1990; Jamal, 1990), pode-se sugerir que aqueles indivíduos encontram-se mais comprometidos com a instituição, embora afirmações conclusivas só possam ser feitas a partir da quantificação do conceito como um todo.

Vale ressaltar que os membros deste grupo tinham elevada auto-estima ocupacional em função da imagem pública da organização e da importância que atribuíam ao seu trabalho. Estes resultados podem ser compreendidos à luz do que Mathiew e Zajac (1990) chamaram "conseqüências negativas do comprometimento organizacional", entre as quais o estresse ocupacional é citado.

Sujeitos com padrões hemodinâmicos alterados para glicose, ácido úrico, triglicerídeos e colesterol não relataram nenhum estresse no que tange à importância que atribuem ao seu trabalho, enquanto que sujeitos com padrões hemodinâmicos normais o fizeram (O e 0,38, respectivamente; alpha = 0,005). É importante lembrar que estes sujeitos, em sua maioria, alimentam se fora de casa e sem restrições de dieta. É possível que a supervalorização de seu papel profissional não os deixe atentos a indicadores de saúde mais sutis.

Pode-se concluir que o estresse ocupacional está associado aos indicadores de saúde consumo de medicamentos e pressão arterial. Variáveis antecedentes de estresse já definidas em estudos anteriores, como o baixo grau de autonomia no trabalho, esforço físico e/ou mental exigidos em alto grau, falta de participação no processo de tomada de decisão, exposição a riscos à segurança pessoal ou prejuízos e falta de clareza das tarefas associaram-se significativamente a aqueles indicadores. Além disso, os resultados da análise de correlação canónica mostraram uma dimensão unindo os dois variantes canônicos, consolidando a idéia de uma relação entre antecedentes psicossociais do estresse e efeitos sobre a saúde.

As variáveis apoio social no grupo e identificação com os valores organizacionais parecem mediar a percepção do estresse, mas não impediram o seu impacto sobre a saúde dos sujeitos.

4.3 Estresse, hábitos e estilo de vida

O estresse ocupacional devido à responsabilidade pelo trabalho de terceiros relacionou-se ao tabagismo de forma que indivíduos que deixaram de fumar há cinco anos ou menos mostraram nível de estresse significativamente superior ao de seus colegas que nunca fumaram (2,23 e 1, 6, respectivamente; alpha = 0,01). Sujeitos que deixaram de fumar apresentaram, também, níveis significativamente mais elevados de estresse devido à urgência das tarefas do que aqueles que nunca fumaram (1,46 e 0,79 respectivamente; alpha = 0,05). Coerentemente, o nível de estresse dos sujeitos ex-fumantes não foi significativamente diferente do nível de estresse dos fumantes, embora permanecesse sempre mais elevado. Também o nível de estresse dos fumantes não diferiu significativamente do nível de estresse dos que nunca fumaram, embora permanecesse consistentemente mais elevado. Este resultado reforça a suposição que o tabagismo é utilizado por estes sujeitos como forma de lidar com o estresse.

 

5. Considerações finais

Não há como determinar, a priori,se um estímulo ambiental é antecedente de estresse, dada a complexidade envolvida no processo de avaliação que os indivíduos fazem do contexto ocupacional. Outros estudos deverão privilegiar a percepção que os indivíduos têm do seu ambiente de trabalho porque é esta que determina a sua avaliação, bem como a escolha das estratégias de enfrentamento a serem utilizadas.

A eleição do grupo ocupacional como unidade de análise para o estudo de variáveis antecedentes de estresse mostrou-se uma boa escolha, em parte porque ultrapassa a subjetividade individual, sem desconsiderá-la, e, por outro lado, porque exibe claramente os aspectos relativos à tarefa e ao papel ocupacional passíveis de reestruturação.

Os maiores estressores percebidos pelo grupo de gerentes dizem respeito a variáveis que se encontram sob o controle da organização e que se traduzem na política de recursos humanos. Entretanto, os estressores que se associaram a efeitos sobre a saúde foram relativos à tarefa e ao papel ocupacional. Isto sugere a necessidade do redelineamento da função, em seus aspectos mais críticos. Além disso, uma vez que o apoio social parece ser de grande importância para os membros deste grupo, é de se supor que o incentivo à cooperação seja de grande valia como forma de suporte afetivo e instrumental. Paralelamente, a realização de programas de manejo do estresse no trabalho seriam úteis para viabilizar o aprendizado e a manutenção de hábitos promotores da saúde como, por exemplo, a atividade física e a dieta balanceada, e para desencorajar práticas nocivas como a auto-medicação e o tabagismo.

O delineamento deste trabalho não permitiu concluir sobre o papel moderador ou mediador de variáveis como a identificação com os valores organizacionais e a imagem pública da organização que, simultaneamente, parecem favorecer a auto-estima ocupacional, a satisfação no trabalho e o conflito entre papéis por meio da focalização do papel profissional, em detrimento de outras atividades. Outros estudos serão necessários para investigar a relação destas variáveis com o estresse ocupacional e indicadores de saúde, particularmente com a pressão arterial.

 

Referências

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Recebido em 23/08/2001
Revisado em 18/10/2002
Aceito em 21/10/2002

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