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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.2 n.2 Florianópolis dez. 2002

 

RESENHA

 

O prazer de pesquisar*

 

 

André Luiz Picolli da SilvaI; Silvio Paulo BoloméII

IMestrando em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (kuluzan@hotmail.com)
IIDoutor em Psicologia. Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (botome@cfh.ufsc.br)

 

 

Escolha um trabalho agradável e que você goste.
Você nunca mais precisará trabalhar.
Provérbio Chinês

 

É possível realizar uma pesquisa científica na qual o trabalho do pesquisador não seja uma atividade cansativa, estressante ou maçante? Pode a organização e sistematização criteriosa do conhecimento tornar-se uma atividade quase lúdica de descoberta do mundo? No livro "Planejamento de pesquisa: uma introdução", Sérgio Vasconcelos de Luna demonstra como a atividade "fazer ciência" não é sinônimo de um trabalho rígido, fixo em normas e procedimentos imutáveis, que aprisionam o pesquisador em uma forma única de produzir conhecimento. Para uma pesquisa científica ser gratificante, Luna enfatiza que ela deve ser realizada como uma atividade dinâmica, um exercício de descobrimento e que, para ser feita de maneira eficaz, é imprescindível a realização de um bom planejamento do processo de produção de conhecimento que ela representa. Vale a pena conferir!

Como o próprio autor afirma, seu trabalho surgiu da necessidade de elaborar um roteiro próprio de como realizar uma pesquisa, já que ele mesmo nunca teria encontrado um livro que atendesse as demandas que encontrava por parte de seus alunos. Assim, foi por intermédio da redação de textos para aulas, do trabalho como orientador de pesquisas e da participação em bancas e demais atividades acadêmicas, que o autor pôde reunir o material adequado para originar o livro. Um texto construído como um instrumento norteador de pesquisa e não como um roteiro de etapas, de maneira a substituir o "falar sobre pesquisa" por uma atividade bem mais próxima do "fazer pesquisa".

Para que uma pesquisa científica se torne agradável de realizar, informações para facilitar o seu planejamento são fundamentais e o autor as apresenta com constância. O leitor tomará conhecimento de como a noção sobre o que é metodologia tem variado ao longo dos anos e que a sua definição ainda não é um consenso. Luna expõe, de uma forma simples e acessível, que não faz sentido examinar metodologia sem considerar um referencial teórico e seus pressupostos epistemológicos. Assim, a metodologia afasta-se da busca pela verdade e aproxima-se da tentativa de explicação e formulação das teorias, sendo o pesquisador um intérprete da realidade por ele pesquisada, utilizando os instrumentos fornecidos pelo conhecimento existente. Luna enfatiza também que a pesquisa não é uma seqüência linear de eventos; mas que a ciência se manifesta, antes disso, enquanto uma constante reformulação e retomada de decisões, sempre de forma dinâmica e mutável.

Além disso, o autor mostra muito bem como a clareza em relação ao problema de pesquisa constitui o passo fundamental do processo de pesquisar. Muitas vezes ocorre a confusão entre elementos que dizem respeito ao problema de pesquisa e o próprio problema. Isto se deve ao fato de se tomar como sinônimos itens como: área, tema, título e sujeito da pesquisa.

Outro fator a pedir a reflexão do leitor diz respeito à confusão, feita em algumas pesquisas, entre problema de pesquisa, pergunta de pesquisa, hipótese de pesquisa e objetivo de pesquisa. Luna elucida essa questão quando demonstra que a pergunta e a hipótese de pesquisa são maneiras de formular o problema de pesquisa. Já o objetivo da pesquisa, diz respeito a sua relevância, tanto científica quanto social, embora o objetivo de uma pesquisa também possa ser considerado uma terceira maneira de formular o problema de pesquisa.

Por se tratar de um livro para pesquisadores iniciantes, a argumentação também é feita no sentido de demonstrar como a insegurança típica dos primeiros trabalhos é uma das principais condições que pode inviabilizar a pesquisa para essas pessoas. Essa insegurança pode fazer, por exemplo, com que o pesquisador, por temer o não reconhecimento, queira fazer uma pesquisa gigantesca. Ou, por desconhecer o processo de construção do saber na ciência, queira resolver "os problemas do mundo em uma única pesquisa". Em ambos os casos, tais definições acabam impossibilitando a conclusão do trabalho iniciado, ou podem alterá-lo até a descaracterização. Tal situação pode ser superada facilmente por intermédio de um exame desse tipo de preocupação.

A insegurança para realizar uma pesquisa origina-se do desconhecimento sobre o processo de produção do conhecimento. Por compreender essa insegurança inicial e para tentar reduzir a tensão do pesquisador, o autor procurou dar informes gerais de como proceder na realização de uma pesquisa sem, no entanto, transformar o livro em um manual de metodologia. Desse modo, na obra, é possível obter noções sobre detalhamento de um problema de pesquisa, viabilidade de um projeto, fontes de informações, tipos de fonte, tipos de informação, procedimentos para coletas de informação, tratamento dos dados obtidos etc, sem se constituir, contudo, em um roteiro de atividades a serem realizadas, como ocorre nos típicos manuais de metodologia.

Luna destaca o processo de revisão de literatura, chamando a atenção não apenas para os procedimentos de sua realização mas, principalmente, para sua função em uma pesquisa. No final da obra é examinado porque a revisão da literatura é uma parte importante do trabalho científico (podendo ela mesma vir a ser ela própria uma pesquisa científica) e, apesar de não valer a pena padronizar o processo de realização de uma revisão bibliográfica, a mesma faz parte de um trabalho comunicacional sendo preciso, portanto, um mínimo de critérios. Com bom humor, o autor examina a necessidade de haver objetivos para fazer uma revisão de literatura e discorre sobre alguns deles, como determinação da história da arte, revisão teórica, revisão de pesquisa empírica e revisão histórica, informando sobre como proceder para localizar o material desejado, bem como organizar o material encontrado e adequá-lo ao objetivo de investigação definido pelo pesquisador que faz a revisão de literatura.

Ainda em relação à revisão de literatura, o autor salienta que esse é um importante passo para quem pretende realizar uma pesquisa. A revisão da literatura é, inclusive, uma condição para viabilizar a pesquisa como uma contribuição ao desenvolvimento do conhecimento existente. Sem esse procedimento, destaca o autor, fica difícil saber se a pesquisa a ser realizada, não se tornará apenas uma repetição do que já é conhecido. E mais: a revisão não pode ser aleatória, nem servir para o simples propósito de demonstrar erudição; o material selecionado deverá contribuir com informações relevantes para desenvolver o conhecimento.

Ao utilizar qualquer material oriundo da revisão de literatura, o pesquisador deve indicar sua avaliação a respeito, visto ser responsável por tudo o que apresenta em sua pesquisa, não podendo se eximir dessa responsabilidade, remetendo-a ao autor original do trabalho citado. Com o capítulo sobre revisão da literatura em uma pesquisa o livro de Sérgio Luna apresenta uma agradável leitura como contribuição para quem quiser entender melhor; a "razão de ser" dessa etapa do trabalho científico.

Por fim, essa é uma obra cujo texto mostra uma reflexão profunda e um exame cuidadoso do processo de produção de conhecimento científico. Ao mesmo tempo, o texto revela-se simples e agradável. A maneira como foi escrito - de uma forma pessoal, quase conversando com o leitor - propicia leveza a um tema tradicionalmente considerado denso (ou chato!). É assim que esse livro auxilia na desmistificação do processo de realização de uma pesquisa científica, facilitando a aprendizagem do fazer ciência. Ainda que o autor tenha se dirigido mais a um público de alunos de pós-graduação, seu livro é importante inclusive para alunos de graduação, iniciantes na prática da pesquisa científica, ou que pretendam fazê-lo. E, finalmente deixando a presunção de lado, este é um livro útil para orientadores de pesquisa e pesquisadores em geral. De certa forma, é um texto próximo daquele outro famoso, de Umberto Eco, o "Como se faz uma tese1 " - significando assim que é um texto, além de tudo, divertido.

 

 

Recebido em 13/12/2002
Revisado em 17/12/2002
Aceito em 21/12/2002

 

 

* Resenha do livro de Sérgio Vasconcelos de Luna. Planejamento de pesquisa: uma introduçãoPublicado em 2002 pela Editora da Pontificia Universidade Católica de São Paulo, com 108 páginas.
1. ECO, U. "Como se faz uma tese". 16a ed. Perspectiva. São Paulo: 2001.

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