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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.3 no.1 Florianópolis June 2003

 

ARTIGOS

 

Grupo focal em pesquisa qualitativa aplicada: intersubjetividade e construção de sentido

 

 

Roque Tadeu Gui

Psicólogo Organizacional Universidade Corporativa Banco do Brasil rgui@bb.com.br
Psicólogo Analítico Mestrando em Psicologia na Universidade de Brasília rgui@terra.com.br

 

 


RESUMO

Este artigo analisa a utilização da técnica de grupo focal (focus group) a partir da experiência do autor e colaboradores com pesquisa qualitativa aplicada. A técnica é descrita em conformidade com a literatura científica e a sua aplicação é problematizada a partir da avaliação realizada pelos informantes envolvidos. Alguns aspectos relativos à intersubjetividade dos participantes do grupo focal são destacados: a condição de sujeitos sociais assumida pelos participantes, a emergência de significados no decorrer do processo, o envolvimento dos informantes com a construção desses significados, a criação de "espaço de sentido" constituído a partir da percepção dos participantes sobre os propósitos da pesquisa e as intenções dos pesquisadores.

Palavras-chave: Grupo focal, pesquisa qualitativa aplicada, intersubjetividade, espaço de sentido.


ABSTRACT

This paper analyses the use of focus group technique based on the author's and his collaborators' experience with applied qualitative research. The technique is described according to the scientific literature and its application is analysed based on the experience evaluation of the informers involved with specified research situation. Some aspects concerning the focus group participants intersubjectivity are emphasized: social subject condition assumed by them, emergence of intersubjective signification along the process, informers psychological involvement with the construction of the meanings, creation of a "meaning-space" from participant perception about the research purposes and researchers intentions.

Keywords: Focus group, applied qualitative research, intersubjectivity, meaning-space.


 

 

1. Contexto da Pesquisa

Pretende-se, neste artigo, analisar a utilização da técnica de grupo focal (focus group) em pesquisa qualitativa aplicada, ressaltando a emergência dos aspectos intersubjetivos de construção de sentido. Busca-se problematizar o uso da técnica a partir da literatura científica e da avaliação realizada pelos participantes. Para isso, é necessário situar a técnica no contexto da pesquisa na qual foi utilizada.

O conceito de representação social implica um processo social que se desenvolve por meio da comunicação e do discurso, ao longo do qual " (...) significados e objetos sociais são construídos e elaborados" (Wagner, 1999: 149).

Em meados de 2000, um grupo de profissionais da área de recursos humanos do Banco do Brasil realizou pesquisa com o objetivo de descrever as representações sociais construídas por seus pares sobre o tema "prazer e sofrimento no trabalho" (Amidani e colaboradores, 2000).

Pretendia-se que o estudo fosse de natureza descritiva e de caráter exploratório. Segundo Gil (1995), as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis, enquanto que as pesquisas exploratórias têm como principal finalidade o esclarecimento ou a transformação de conceitos ou idéias, com vista à formulação de problemas mais precisos ou de hipóteses que possam ser objeto de estudos posteriores:

As pesquisas exploratórias são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. Este tipo de pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e torna-se difícil sobre ele formular hipóteses precisas e operacionalizáveis (Gil, 1995: 45).

O caráter exploratório decorreria, portanto, do fato de haver poucas pesquisas sistematizadas voltadas para o tema do sofrimento e prazer associados ao trabalho do profissional qualificado (Mendes, 1994). Os pesquisadores desconheciam a existência de outros trabalhos que tivessem sido realizados com profissionais de Recursos Humanos.

O estudo do tema, inédito no contexto da organização em que a pesquisa se realizaria, mostrava-se promissor pelos seus reflexos sobre diversos processos gerenciados pelos profissionais participantes da pesquisa. A partir do estudo do envolvimento subjetivo desses profissionais com o tema, seguido por suas elaborações intersubjetivas no grupo, esperava-se que surgissem insights importantes a respeito das vicissitudes do trabalho de profissionais de RH em geral. Além disso, as conclusões da pesquisa subsidiariam reflexões sobre outros temas de relevância para a área de Recursos Humanos da Instituição, tais como "clima organizacional", "motivação", "desempenho profissional", "saúde ocupacional", "liderança", "comunicação".

 

2. Opção Metodológica

[...] o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo. (Minayo, 1998: 21)

Além da fundamentação teórica necessária para a pesquisa do tema - teoria da psicodinâmica do trabalho e teoria das representações sociais - o grupo pesquisador estava convencido da necessidade de conduzir o trabalho numa perspectiva metodológica que ressaltasse a dimensão qualitativa do objeto em estudo. Procuraria, então, fazer justiça a essa necessidade e consideraria a natureza qualitativa da experiência humana, expressa na fala dos entrevistados. Isso implicaria, segundo Minayo,

"(...) considerar o sujeito de estudo [como] gente, em determinada condição social, pertencente a determinado grupo social ou classe com suas crenças, valores e significados. Implicaria também considerar que o objeto das ciências sociais é complexo, contraditório, inacabado, e em permanente transformação" (1998:22).

Abandonar-se-ia, conseqüentemente, as expectativas de se chegar a uma conclusão definitiva, inequívoca e exata sobre o objeto em estudo.

Não é o caso de nos estendermos na fundamentação teórica do estudo em cujo contexto utilizou-se a técnica do grupo focal; os interessados poderão recorrer ao trabalho realizado (Amidani e colaboradores, 2000). É suficiente, para os objetivos deste artigo, destacar que o método de pesquisa deveria ser instrumentalizado por técnica que possibilitasse uma aproximação empática dos pesquisadores à experiência dos participantes do estudo, capturando as significações atribuídas por estes às questões de pesquisa. O instrumento escolhido deveria favorecer a livre expressão dos pensamentos e sentimentos dos informantes, permitindo emergir os significados relacionados ao tema. Se este objetivo fosse realizado, estaríamos procedendo ao "(...) trânsito de uma epistemologia da resposta a uma epistemologia da construção", nas palavras de González Rey (2002: 3).

Decidiu-se, então, pela utilização da técnica do "grupo focal" (focus group), como o principal instrumento de coleta de dados. Diríamos, antes, construção de informações. O uso do termo construção denota a ênfase numa concepção epistemológica em que se considera o dado - a informação gerada pela pesquisa - como já parcialmente construído desde o primeiro momento de sua identificação. Não se trata, portanto, propriamente de uma coleta, como se o dado ali estivesse à espera de ser capturado, mas sim de captar os significados que emergem no "aqui e agora" da situação de pesquisa, à medida que os participantes refletem e discutem sobre o tema proposto.

2.1 INSTRUMENTALIZAÇÃO DO MÉTODO

GRUPO FOCAL (FOCUS GROUP)

Segundo Berg (1998), a técnica do grupo focal existe desde o início da Segunda Grande Guerra, tendo sido utilizada para determinar a efetividade dos programas de rádio destinados a elevar o "moral" das tropas americanas. Até recentemente, seu uso mais extenso ocorreu com os pesquisadores de marketing. Durante a década de 90, a técnica passou a ser mais aceita pelos pesquisadores sociais a ponto de um autor declarar que "(...) a metodologia do grupo focal é um dos instrumentos de pesquisa qualitativa mais amplamente utilizados nas ciências sociais aplicadas" (Sussman e colaboradores, apud Berg, 1998).

Segundo Morgan (1997), a marca registrada do grupo focal é a utilização explícita da interação grupal para produzir dados e insights que seriam menos acessíveis sem a interação produzida em grupo. A principal vantagem do grupo focal é a oportunidade de observar uma grande quantidade de interação a respeito de um tema em um período de tempo limitado.

No grupo focal, não se busca o consenso e sim a pluralidade de idéias. Assim, a ênfase está na interação dentro do grupo, baseada em tópicos oferecidos pelo pesquisador, que assume o papel de moderador. O principal interesse é que seja recriado, desse modo, um contexto ou ambiente social onde o indivíduo pode interagir com os demais, defendendo, revendo, ratificando suas próprias opiniões ou influenciando as opiniões dos demais. Essa abordagem possibilita também ao pesquisador aprofundar sua compreensão das respostas obtidas.

A Teoria das Representações Sociais adiciona novos fundamentos à técnica. Segundo Sá ,

"seu interesse [...] reside no fato de que ela de certo modo simula as conversações espontâneas pelas quais as representações são veiculadas na vida cotidiana. [...] Em que pese um certo grau de artificialidade, os grupos focais podem fazer emergir uma boa quantidade dos mesmos temas e argumentos que fariam parte de uma conversação sobre o assunto no ambiente natural" (1998:93).

Compreende-se, então, a razão adicional pela qual os pesquisadores optaram pelo uso da técnica do grupo focal (além daquela outra, de cunho epistemológico, apontada na seção anterior deste artigo): descrever representações sociais cuja natureza cambiante exige instrumento que favoreça a observação de processos construtivos de sentido.

2.2 Vantagens e Desvantagens do Grupo Focal

Para Morgan (1997), o grupo focal ocupa uma posição intermediária entre a técnica de observação participante e a da entrevista aberta, e apresenta, como qualquer outro instrumento, vantagens e desvantagens em sua utilização.

A principal vantagem do grupo focal em relação à observação participante consiste na oportunidade de observar uma quantidade muito maior de interação entre os participantes a respeito de um tópico, em um limitado intervalo de tempo, podendo o pesquisador direcionar e focalizar o tema da pesquisa. Em contrapartida, pode-se ver aí uma desvantagem à medida que, em certo sentido, o grupo constituído para efeitos de pesquisa já não representa um espaço natural de trocas sociais. A interação em ambientes naturais, objeto da observação participante, possibilita a coleta de informações sobre uma ampla variedade de comportamentos, maior variedade de interação entre os participantes e discussão mais aberta sobre os tópicos da pesquisa.

Outra desvantagem do grupo focal refere-se ao fato deste limitar-se ao comportamento verbal, consistindo apenas de interação em discussões de grupo, criadas e administradas pelo pesquisador. Assim, a técnica não substitui a observação participante quando for necessário observar comportamentos em seu contexto natural e, principalmente, quando for necessário acompanhar esses comportamentos ao longo do tempo.

O fato de o pesquisador criar e dirigir o grupo focal pode torná-lo menos natural do que a observação participante. Pode ser que o facilitador, na tentativa de manter o foco da entrevista, influencie as interações do grupo. A presença de outras pessoas pode, para alguns participantes, afetar o que eles dizem ou como dizem.

Embora a crítica possa ser pertinente, ela afeta igualmente outras estratégias de obtenção de informações, tal como, por exemplo, a entrevista individual. Afinal,

"(...) O simples conhecimento, por parte do sujeito, de que está envolvido em um estudo é suficiente para alterar, de forma significativa e certamente em um nível desconhecido, sua resposta diante do pesquisador. A preparação do grupo para a discussão, com a criação de um clima favorável à exposição de pensamentos e sentimentos, torna-se crítica para minimizar esses efeitos indesejáveis" (Lincoln & Cuba, conforme citado por González Rey, 2002: 78).

Caberá ao facilitador do grupo focal a preparação dos participantes para a discussão que seguirá, favorecendo uma conversação espontânea em que a "[...] a intimidade entre os sujeitos participantes cria uma atmosfera natural, humanizada, que estimula a participação e leva a uma teia de relação que se aproxima à trama das relações em que o sujeito se expressa em sua vida cotidiana" (González Rey, 2002: 87).

Em relação às entrevistas individuais, a vantagem do grupo focal é a possibilidade de observar a interação das pessoas em torno do tema proposto, evidenciando-se as similaridades e as diferenças nas opiniões e experiências. A entrevista individual, por outro lado, possibilita um controle maior por parte do pesquisador e é particularmente útil quando a quantidade de informação que o informante tem para compartilhar é muito grande.

Outra limitação do grupo focal a ser considerada é a dificuldade de reunir as pessoas que participarão dos encontros. Além disso, ele exige maior atenção do facilitador e fornece menos detalhes sobre as opiniões de cada um dos participantes. O facilitador precisará optar entre dar controle ao grupo, e possivelmente ouvir menos sobre o tópico pesquisado, ou tomar o controle da situação e possivelmente perder a fluidez da discussão.

No balanço das vantagens e desvantagens da utilização do grupo focal para a obtenção de informações, podemos dizer que a técnica possibilita o acesso a uma grande variedade de tópicos, selecionados segundo o interesse do pesquisador. É um recurso rápido e de aplicação relativamente fácil, desde que o facilitador tenha sido preparado para isso. A interação grupal possibilita aos participantes insights sobre temas e comportamentos complexos, dando continuidade ao processo de construção social que ocorre no cotidiano das relações entre as pessoas.

2.3 Características do Grupo Focal

Berg (1998) caracteriza a técnica de grupo focal a partir da existência dos seguintes elementos:

1. objetivo ou problema de pesquisa claramente definido;

2. características do grupo, tais como a homogeneidade ou heterogeneidade de seus membros e a adequação de sua composição para os propósitos da pesquisa;

3. qualidade da relação estabelecida entre o pesquisador e os membros do grupo, clima de confidencialidade em relação aos assuntos discutidos e facilitação da fala espontânea dos participantes;

4. facilitador preparado e bem organizado, que tenha clareza sobre as questões a serem propostas para discussão;

5. ouvir atento do facilitador, que permita a emergência de novos temas não previstos no planejamento inicial;

6. estrutura, direcionamento e contribuição restrita do facilitador para a discussão do tema, evitando opiniões e comentários substantivos;

7. assistente de pesquisa que ajude a elaborar notas sobre a dinâmica grupal, a transcrever as falas ou lidar com os equipamentos de registro de voz ou vídeo, quando permitidos e utilizados;

8. registro sistemático das informações de maneira a permitir o uso de técnicas de análise de conteúdo por quaisquer pessoas interessadas em elaborar conclusões sobre os dados.

2.4 Participantes do Grupo Focal

A escolha dos participantes que integraram o grupo focal foi feita conforme os propósitos da pesquisa. Embora Morgan (1997) recomende a utilização de pessoas estranhas entre si para compor o grupo, a experiência relatada neste artigo contradiz essa recomendação, como veremos mais adiante. De resto, pesquisas aplicadas desenvolvidas no âmbito de organizações tornam inevitável e, muitas vezes, até mesmo desejável, a participação de pessoas que se conhecem.

Vichas (apud Giovinazzo, 2001) afirma que os grupos devem ser homogêneos quanto a determinados parâmetros definidos de acordo com a pesquisa a ser realizada. Essa homogeneidade favorece a identificação e integração entre os participantes, evitando posições radicalmente conflitantes entre os membros do grupo. Contudo, muitas vezes, interessam exatamente as diferenças contrastantes de perspectivas e pontos de vista dos participantes, exigindo-se, nesse sentido, uma certa heterogeneidade na composição do grupo focal.

2.5 Moderador ou Facilitador do Grupo Focal

O moderador do grupo focal deverá apresentar certas habilidades decisivas para uma boa condução do encontro. Deverá ser capaz de criar um ambiente de empatia, não ameaçador, que encoraje os participantes a exporem suas idéias e sentimentos. Será flexível ao lidar com as dúvidas e questionamentos do grupo, ao controlar a seqüência de tópicos a serem discutidos e o tempo disponível para isso. Controlará a emergência de comportamentos de dominação por parte de um ou mais integrantes do grupo, resguardando o fluxo democrático da palavra. Deverá, ainda, ser capaz de identificar o momento em que o assunto já se esgotou ou está se tornando excessivamente ameaçador.

O nível de diretividade do moderador dependerá dos objetivos estabelecidos para a pesquisa e, conseqüentemente, do tipo de informação que se espera do grupo. De maneira geral, a baixa diretividade é indicada quando a coleta de informações possui o caráter francamente exploratório e há tempo disponível para sessões seqüenciais que permitam o aprofundamento gradual do tema discutido. Quando, ao contrário, se procura assegurar que alguns tópicos sejam necessariamente discutidos, em um período de tempo restrito, o alto envolvimento do moderador se torna desejável. A primeira circunstância favorece a emergência, por parte do grupo, de interesses não previstos, embora os conteúdos possam surgir de modo menos organizado.

Seja como for, mesmo quando o moderador vier a assumir uma conduta mais diretiva, evitará a expressão de suas próprias opiniões a respeito do tema em discussão. O seu papel deve ser percebido pelos participantes como o de um facilitador do fluxo de comunicação.

2.6 Conteúdos abordados pelo Grupo Focal

O grupo focal pressupõe, como seu nome indica, a existência de um "foco", ou "tema", em torno do qual as pessoas irão expor suas idéias, percepções, sentimentos. É desejável, então, que o processo de discussão seja cuidadosamente planejado, seqüenciando-se os aspectos do tema a ser discutido. Os tópicos devem ser organizados, e roteirizados, segundo o esquema lógico mais adequado ao projeto de pesquisa em questão. Essa medida auxiliará o moderador a se orientar no decorrer da sessão, dando-lhe maior controle sobre a situação. Além disso, favorecerá uma abordagem mais "homogênea" dos grupos focais, quando houver mais de um facilitador conduzindo os encontros. O roteiro, contudo, não deverá transformar-se em uma "camisa de força" que obrigue o grupo a discutir mais extensamente um tópico que claramente não lhe interessa ou a passar para outro tópico quando ainda tem o que dizer a respeito da questão que está sendo examinada.

Krueger (apud Giovinazzo, 2001) avalia que o número ideal de questões para compor o roteiro de entrevista é de aproximadamente 12, discutidas ao longo de 1h30 a 2h00. O autor deste artigo e colaboradores utilizaram um roteiro com 6 questões básicas, eventualmente esclarecidas por subitens, quando necessário. O expediente parece ter funcionado satisfatoriamente.

2.7. Saturação Informacional do grupo focal

Mattar (apud Giovinazzo, 2001) considera que o tamanho ideal para os grupos deve ficar entre 8 e 12 pessoas. Segundo o autor, experiências mostram que grupos acima de 12 pessoas inibem e reduzem as possibilidades de participação de todos. Assim, quando o número de integrantes exceder a 12 pessoas, é aconselhável dividir o grupo.

Segundo Morgan (1997), é desejável que se formem de três a cinco grupos, composto de seis a dez pessoas cada. Observou-se que um número maior de grupos raramente produz mais informações. Aqui, intervém a habilidade do pesquisador em cessar a coleta de dados quando perceber que o ponto de saturação já foi atingido.

 

3. A experiência de utilização dos grupos focais

Em grupos, é possível observar os padrões de argumentação e, por meio disso, testemunhar os processos de pensamento na prática, como os respondentes se comprometem no entra-e-sai da discussão.

(Billig, conforme citado por González Rey, 2002: 88)

Dada a natureza do tema em estudo - representações sobre prazer e sofrimento - e a necessidade de contar com a espontaneidade nas manifestações dos participantes, a equipe de pesquisa optou por compor grupos de voluntários, mediante convite, organizando-os de maneira a assegurar a maior representatividade possível do coletivo de profissionais de recursos humanos da instituição pesquisada: "(...) Às vezes, quando a participação na pesquisa é exigente, ou por razões éticas, o tema abordado for delicado, apelar-se-á a uma amostra de voluntários fazendo um apelo para reunir pessoas que aceitem participar" (Laville e Dionne, 1999: 170).

Ao todo, 75(setenta e cinco) profissionais participaram da pesquisa, a saber: o Diretor de Recursos Humanos da instituição; o Superintendente Executivo de Recursos Humanos; 3 (três) Gerentes Executivos; 6 (seis) Gerentes de Divisão; 39 (trinta e nove) funcionários em diferentes cargos (analistas e assistentes); 15 (quinze) funcionários dos Centros de Formação mantidos pela instituição e 10 (dez) funcionários das unidades do Serviço de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT).

A técnica do grupo focal foi utilizada com 45 desses participantes: 1 grupo com os 6 Gerentes de Divisão e 5 com os 39 analistas e assistentes (4 grupos com 7 participantes cada e 1 grupo com 11). Os demais informantes foram ouvidos mediante entrevistas individuais (Diretor, Superintendente e Gerentes Executivos) e por meio de questionários (funcionários dos centros de formação e das unidades do SESMT). A escolha desses recursos deveu-se às dificuldades de agenda dos executivos, impossibilitando a realização dos encontros exigidos pela técnica do grupo focal. No caso dos funcionários dos centros de formação e SESMT a técnica não foi utilizada pelo fato dos profissionais estarem distribuídos em diversas regiões do País.

3.1 Roteiro de Entrevista

A equipe de pesquisa elaborou roteiro de entrevista para a condução das sessões, constituído por perguntas centradas em 11 categorias definidas a priori, com base na literatura sobre Psicodinâmica do Trabalho, a saber: significado do trabalho, conhecimento do trabalho, controle sobre o trabalho, relacionamento interpessoal, conceito de prazer e de sofrimento, existência de prazer e de sofrimento na organização, causas do prazer e do sofrimento, efeitos do prazer e do sofrimento no indivíduo, efeitos do prazer e do sofrimento na organização, formas de lidar com o sofrimento, papel do profissional de Recursos Humanos.

O quadro a seguir contém as perguntas, com os intervalos de tempo previstos para a exploração de cada questão, 6 (seis) ao todo. As perguntas descritas nos subitens foram criadas para esclarecer a questão ou estimular a discussão, caso fosse necessário. Como regra geral, o conteúdo expresso nos subitens emergiu espontaneamente na discussão grupal em torno das questões básicas.

 

Quadro 1

 

Além de contar com um roteiro estruturado, os pesquisadores adotaram algumas providências preparatórias que se revelaram muito importantes para viabilizar a realização dos grupos focais. Assim, o grupo apresentou o projeto da pesquisa e o cronograma das reuniões ao Comitê Tático da Unidade de Recursos Humanos, com os seguintes objetivos: a) conseguir a adesão dos gerentes de divisão para que constituíssem um dos grupos e b) facilitar a liberação dos funcionários que desejassem participar dos demais grupos a serem formados. Posteriormente, duplas de pesquisadores visitaram as divisões da unidade para efetivar o convite aos funcionários e comunicar os propósitos da pesquisa.

Conforme já citado, o número de integrantes em cada grupo variou de 6 a 11 (1 grupo com 6 participantes, 4 grupos com 7 participantes e 1 grupo com 11 participantes). Os encontros foram realizados no período de 8 a 12 de maio de 2000. Cada sessão durou cerca de 2 horas. Para conduzir as sessões, os pesquisadores optaram pela seguinte organização:

• um moderador;

• um co-moderador;

• um responsável pelo equipamento de gravação; e

• dois observadores e controladores do tempo.

Esta estrutura foi alterada de acordo com a disponibilidade da equipe de pesquisadores; no entanto, a estrutura mínima de um moderador, um co-moderador e um observador foi respeitada em todos os grupos.

Um primeiro grupo foi utilizado como grupo-piloto, possibilitando aos pesquisadores verificar a adequação do roteiro de perguntas, dos tempos previstos e das instruções dadas aos participantes.

O moderador, ao iniciar os trabalhos com o grupo, adotava o seguinte protocolo:

• Agradecia a participação de todos;

• explicava o objetivo do encontro;

• solicitava autorização para gravar, explicitando que haveria sigilo das informações, na utilização dos dados e no anonimato dos participantes, pois apenas os integrantes da equipe de pesquisa teriam acesso às fitas. As gravações seriam inutilizadas ao final do trabalho;

• informava sobre a devolução dos resultados, bem como sobre sua apresentação e discussão, em um único encontro com a presença de todos os participantes. Estes poderiam não só assistir à apresentação das conclusões, mas também discutir os resultados obtidos e participar com sugestões e críticas, configurando uma autêntica co-construção do conhecimento. Esse encontro seria realizado antes da apresentação final da pesquisa à instituição patrocinadora.

3.2 Enquadramento

A seguir, descreve-se a interação inicial do moderador com os participantes de um dos grupos focais.

Moderador: - Todos se conhecem? [os participantes acenam afirmativamente]. Nós vamos ficar aqui conversando por cerca de duas horas, temos ali uns salgadinhos e algumas bebidas, ok? Vamos falar um pouco sobre como vai funcionar a nossa dinâmica. A idéia é que vocês possam falar a respeito dos temas propostos aqui. Eu vou coordenar o trabalho e L. [o moderador aponta para a co-moderadora] vai me ajudar nesse processo. As colegas [o moderador aponta para duas pesquisadoras auxiliares] vão estar observando, cuidando do equipamento e acompanhando nossa dinâmica, mas sem interferir, ok? Minha posição vai ser a de moderar. Não vou participar, não vou dar as minhas opiniões. A palavra vai estar com vocês. [...] Não vamos exigir que cheguemos a um consenso; trata-se apenas de ouvir a opinião que vocês têm a respeito desses temas. Toda palavra deve ser dirigida ao grupo e não a mim.

É importante a gente falar sobre a questão do sigilo. Embora nós estejamos gravando [o grupo concordara previamente com a gravação], a idéia é poder recorrer a essa gravação para poder fazer as transcrições, mas as pessoas não serão identificadas e as fitas depois de usadas serão inutilizadas. O que vai sobrar serão as transcrições onde as pessoas não serão reconhecidas. Da mesma forma, a gente pede a vocês que ao saírem não façam comentários sobre o que foi discutido aqui. Isto é um pacto de sigilo para que todos possam ficar à vontade para dizer qualquer coisa.

Bom, para que a conversa possa fluir melhor eu pediria que fale um de cada vez, que a gente procure o máximo possível ocupar o nosso espaço e dar espaço para o outro, que as nossas colocações não sejam excessivamente extensas, para que todos tenham oportunidade de opinar a respeito do tema. Depois de concluído este trabalho, vocês terão, por volta de junho ou julho uma devolução. Vamos reunir todas as pessoas que participaram da pesquisa e vamos fazer uma devolução dos dados que obtivemos e da análise que nós teremos feito até então. E vocês terão acesso à monografia também. O tema é as representações sociais dos profissionais de RH sobre sofrimento e prazer no trabalho. Traduzindo isso numa linguagem mais simples, desejamos conhecer a visão que os profissionais de Recursos Humanos têm a respeito do tema. É óbvio que vocês têm uma visão sobre seu próprio sofrimento e sobre o sofrimento do funcionário do banco em geral. As duas coisas estarão em questão aqui. Para isso eu vou propor alguns "motes" para que vocês comecem a conversar. [...] Bom, uma primeira questão que a gente quer propor é sobre o significado do trabalho na vida das pessoas. Como vocês vêem essa questão: o papel que o trabalho tem na vida das pessoas.

Reproduziu-se extensamente a fala inicial do facilitador a fim de evidenciar os elementos de enquadramento da dinâmica que ocorrerá no grupo focal. Lembremos que os grupos focais foram antecedidos de encontros nos diversos setores de trabalho da Unidade de Recursos Humanos da Organização, conduzidos pelos pesquisadores, nos quais foram expostos os objetivos do trabalho e, em linhas gerais, a dinâmica que ocorreria nos grupos.

Analisemos alguns aspectos do enquadramento. O coordenador procura estabelecer um contato informal ("todos já se conhecem"), e lembra a todos o intervalo de tempo de que precisarão dispor (os integrantes se afastaram do posto de trabalho para participar do grupo). A seguir define o seu papel e o dos participantes. Esclarece sua reduzida intervenção ("não vou participar", "a palavra deverá ser dirigida ao grupo") e a não-exigência de consenso. Convida os participantes a pactuarem o compromisso do sigilo necessário para a espontaneidade das interações. Propõe uma ordenação da fala dos participantes a qual, sob risco de limitar ou inibir a expressão, visará assegurar o processo de ouvir e ser ouvido. A seguir, o coordenador assegura ao grupo a existência de um momento para a devolução das informações coletadas e discussão das conclusões elaboradas pela equipe pesquisadora. Por fim, ainda mais uma vez, dá esclarecimentos sobre o tema que será objeto da conversa e oferece o estímulo inicial na forma de uma primeira pergunta.

3.3 Tratamento das informações e avaliação dos resultados da pesquisa

Após o término dos encontros, o grupo de pesquisadores transcreveu todas as fitas cassetes, realizou a análise das informações produzidas e elaborou suas conclusões.

Embora o foco deste artigo refira-se aos aspectos intersubjetivos da construção de sentido na experiência de grupo focal, cabe fazer algumas considerações sobre o tratamento e análise das informações produzidas pelos grupos focais.

A leitura geral do material transcrito confirmou as categorias teóricas pré-definidas. O conteúdo das falas foi recortado, resumido e classificado nas 11 categorias.

Utilizou-se a abordagem qualitativa de análise de conteúdos (Laville & Dione, 1999: 226):

O pesquisador decide prender-se às nuanças de sentido que existem entre as unidades de análise, aos elos lógicos entre essas unidades ou entre as categorias que as reúnem, visto que a significação de um conteúdo reside largamente na especificidade de cada um de seus elementos e na das relações entre eles, especificidade que escapa amiúde ao domínio do mensurável.

Adotou-se, a seguir, a estratégia de associar os dados a um modelo teórico - a Psicodinâmica do Trabalho - com a finalidade de compará-los e melhor compreender as representações construídas pelos participantes. Buscou-se examinar as unidades de sentido, as inter-relações entre essas unidades e entre as categorias em que elas foram reunidas. Comparamos, ainda, as representações dos grupos pesquisados, procurando semelhanças e diferenças, corroborações e contradições. O procedimento aproxima-se da estratégia descrita por Laville & Dionne (1999:227) denominada "construção iterativa de uma explicação" que se presta particularmente aos estudos de caráter exploratório.

Frases representativas da fala dos participantes foram selecionadas, compondo o quadro de análise das categorias. Esta estratégia foi utilizada com o propósito de resgatar o significado e o colorido afetivo das manifestações dos participantes, ofuscados pelas diversas reduções inevitáveis no processo de tratamento dos dados e de análise do conteúdo.

Concluída a pesquisa, o grupo de pesquisadores planejou e conduziu o encontro de devolução das informações. Nesse encontro, os participantes tiveram a oportunidade de comentar os resultados elaborados pela equipe de pesquisadores e construíram propostas para a atuação do profissional de recursos humanos no que diz respeito às condições da emergência do prazer e do sofrimento no trabalho.

 

4. Discussão

O sentido é uma construção social, um empreendimento
coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual
as pessoas - na dinâmica das relações sociais
historicamente datadas e culturalmente localizadas -
constroem os termos a partir dos quais compreendem e
lidam com as situações e fenômenos à sua volta.

(Spink & Medrado, 1999: 41)

Morgan (1997) questiona se entrevistas individuais e grupos focais produzem o mesmo tipo de informação. Talvez o interesse por um comportamento individual possa não ser bem atendido por meio de dados obtidos em entrevistas em grupo. Por outro lado, um interesse de pesquisa sobre comportamento de grupo também pode não ser bem atendido por meio de entrevistas individuais. Certamente é esse o caso quando se deseja acompanhar o processo de construção de sentido que se dá ao longo das trocas discursivas no grupo focal. A adequação do uso do grupo focal dependerá, assim, do escopo da pesquisa a ser realizada e dos pressupostos epistemológicos adotados pelo pesquisador.

Assim, com a finalidade de analisar alguns dos fatores críticos para o sucesso da estratégia do grupo focal numa perspectiva que vá além da mera justaposição dos discursos individuais, recorremos à avaliação efetuada pelos participantes ao final dos encontros. O que segue é uma versão resumida das avaliações. Os elementos grifados são objeto de análise.

Os grupos valorizaram a oportunidade de reflexão, de desabafo, de franqueza e de troca de idéias representada pelos grupos focais. Muitos dos participantes declararam terem aceitado participar dos encontros, mesmo que essa participação representasse um certo ônus para suas rotinas de trabalho, em decorrência do interesse despertado pela proposta de pesquisa. Muitos se referiram, também, à credibilidade e confiança depositada no grupo de pesquisadores, todos eles companheiros de trabalho e reconhecidos por seus pares como profissionais comprometidos com o valor de centralidade do ser humano nas organizações. Os participantes consideraram a discussão do tema como questão crítica para o profissional de RH, sugerindo que esse tipo de trabalho venha a ocorrer com certa regularidade. A condução por parte dos facilitadores, que poderia sugerir à primeira vista uma certa restrição ao fluxo espontâneo das conversações, foi, ao contrário, valorizada e percebida como uma forma sistematizada de abordagem do tema.

Os participantes manifestaram preocupação de que suas opiniões pudessem ser vistas como muito específicas de profissionais de recursos humanos e sugeriram que elas sejam cotejadas com a opinião de outros funcionários do banco. Expressaram, também, a expectativa de que o trabalho auxilie na melhoria das relações no interior da área de RH e na diminuição do sofrimento na organização. Esperam fundamentalmente que o trabalho resulte em ações concretas. Segundo eles, "já sabemos demais, precisamos fazer".

Os aspectos em destaque merecem ser comentados. O grupo focal representa para o participante uma oportunidade social de expressão de idéias que podem ser, eventualmente, confirmadas, complementadas, ampliadas ou retificadas, pela intervenção dos demais interlocutores. Reproduz, assim, em um micro-espaço interacional, qualidades encontradas nas redes sociais cotidianas em que essas pessoas estão inseridas. O grupo representa, ainda, uma oportunidade de desabafo, de liberação das tensões e ansiedades associadas ao tema. O desabafo gera informações importantes sobre os componentes afetivos das representações construídas pelo grupo.

Um outro aspecto assinalado na avaliação feita pelos grupos refere-se à importância que os informantes atribuem ao tema em discussão. De fato, as pessoas envolveram-se com as questões propostas, implicaram-se na expressão de suas idéias e de suas emoções, por identificarem um campo de significação, ou uma "zona de sentido", na acepção de González Rey (2002). O tema as toca, tem a ver com o sentido de seu trabalho, com as emoções de suas vidas:

"(...) A qualidade e a complexidade da informação produzida pelos sujeitos pesquisados, condições essenciais para a construção do conhecimento sobre a subjetividade, só são alcançadas pela implicação daqueles nas redes de comunicação desenvolvidas pela pesquisa". (González Rey, 2002: 56).

Certamente, um grupo focal que aborde tema não-significativo para seus membros dificilmente poderá contar com a implicação e espontaneidade das pessoas.

Credibilidade atribuída aos facilitadores (e mais ainda, à toda a equipe de pesquisa), associada à confiança, parece constituir fator crítico para a mobilização subjetiva dos informantes. O pacto de sigilo proposto pelo coordenador pode ser aceito ou rejeitado psicologicamente, dependendo do clima criado nas interações iniciais entre a equipe de pesquisa e os informantes. Embora a crítica de artificialismo do grupo focal - conforme autores que escreveram a respeito da técnica - possa ser procedente e aplicável também a outras técnicas de captação de informações, na experiência ora relatada ela se atenua. Os grupos valorizaram a sistematização da exposição de opiniões, uma certa ordem não exatamente encontrada nas interações do dia-a-dia. O moderador passava para a questão seguinte apenas quando o grupo considerava o tema suficientemente discutido, tendo todos os participantes oportunidade de expor seu pensamento.

A técnica parece ter propiciado uma certa desaceleração nos discursos individuais, assegurando-se uma melhor escuta de cada um por parte dos demais interlocutores. As pessoas apreciaram ter falado e ter ouvido de uma maneira organizada. O fluxo de comunicação torna-se qualificado e qualificante, ou seja, permite a expressão de cada um dos participantes ao mesmo tempo em que a valoriza.

E, por fim, aspecto não menos importante refere-se ao sentido de finalidade atribuído pelas pessoas envolvidas às informações coletadas. Quando se trata de um tema diretamente vinculado à vida dos participantes, é natural que estes desejem conhecer os desdobramentos, as conseqüências do investimento de suas energias intelectuais e afetivas. "Digo o que penso e o que sinto a troco de quê? O que elaboramos neste grupo servirá para algo? Posso sentir-me contribuinte para algum processo de transformação?". As respostas possíveis a essas perguntas íntimas nortearão o grau de envolvimento dos participantes do grupo focal.

 

5. Conclusões

Procurou-se avaliar a utilização da técnica do grupo focal no contexto de uma pesquisa qualitativa aplicada que enfatizou o processo de construção de sentido em relação ao tema estudado. A experiência aponta para sua efetividade enquanto instrumento de captação de informações, ao tempo em que ressalta os cuidados que precisam ser adotados quanto ao tamanho dos grupos, à quantidade de questões discutidas, à profundidade desejada para a discussão e aos riscos de dispersão da conversa e, conseqüentemente, distanciamento em relação aos propósitos da pesquisa. De maneira geral, as características da técnica, tais como indicadas por Berg (1998) e Morgan (1997), foram observadas e ratificadas pela experiência relatada neste artigo. O compromisso com o processo construtivo do discurso levou à observação de importantes aspectos relativos a intersubjetividade dos participantes do grupo focal, significativos para a reflexão sobre a metodologia qualitativa e a pesquisa aplicada:

a. reconhecimento do papel de sujeitos sociais desempenhados pelos participantes, aptos à expressão de idéias que podem ser confirmadas, contestadas, ampliadas ou alteradas pela interlocução com outros indivíduos;

b. expressão de sentimentos e emoções que conformam as representações sociais do grupo e contribuem para a construção de um conhecimento grupal sobre o tema discutido;

c. implicação dos participantes na situação estruturada pelo grupo focal, decorrente da emergência de significados no transcorrer das discussões;

d. experiência de ouvir/ser ouvido, em ambiente de confiança, parece ser fundamental para a consecução dos objetivos pretendidos pela técnica. A confiança diz respeito às relações estabelecidas pelos facilitadores com os participantes do grupo, e destes entre si, fundamentadas na empatia e na ética. Diz respeito, também, ao contexto social e institucional em que se realiza a pesquisa e se utiliza o instrumento. Ambientes ameaçadores certamente produzirão outras relações intersubjetivas que poderão dificultar a expressão espontânea das opiniões. Esse risco, contudo, aplica-se a quaisquer outros instrumentos utilizados em pesquisa; e por fim,

e. espaço de significação criado pelo grupo focal inclui necessariamente a percepção dos participantes sobre as finalidades a que se prestarão as informações coletadas.

Na experiência discutida, esses elementos tornaram-se perceptíveis e contribuíram para a realização dos objetivos da pesquisa. Convém advertir, contudo, que o uso por si só de uma técnica, por melhor estruturada que seja segundo os padrões estabelecidos pela literatura científica, não irá assegurar o cumprimento do programa epistemológico que fundamenta o método qualitativo. Outras condições deverão ser observadas, conforme assinala González Rey (2002). Pretendeu-se neste artigo discutir algumas dessas condições, ressaltando-se a potencialidade de um instrumento - no caso, o grupo focal - que auxilie o projeto de pesquisa transitar, de uma "epistemologia da resposta" (González Rey 2002), para uma outra que enfatize a criação de espaços de significação e re-significação do objeto de pesquisa pelos informantes.

 

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