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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.3 n.2 Florianópolis dez. 2003

 

ARTIGOS

 

Dialogando com os princípios de uma abordagem substantiva da organização

 

Principies of a substantive organizational aprouch

 

 

Yara Lúcia Mazziotti BulgacovI; Felipe Zilles CastigliaII

IDoutora em Educação. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (ybulgacov@hotmail.com)
IIAcadêmico de Psicologia da Universidade Federal do Paraná e de Administração da FAE-Business Scholl (felipezcastiglia@hotmail.com)

 

 


RESUMO

Este ensaio introdutório apresenta alguns princípios da abordagem substantiva de organização de Guerreiro Ramos. Discorre-se, inicialmente, sobre as concepções de sociedade e de homem que fundamentam tal abordagem. A partir destes fundamentos, são enunciadas algumas premissas orientadoras de um programa de extensão universitária - "Programa Integrar: um espaço para o desenvolvimento do idoso", desenvolvido pela Universidade Federal do Paraná, enquanto um exemplo de organização que pode, em termos de suas diretrizes, ser entendida como confronto a uma realidade social excludente.

Palavras-chave: substantiva de organização; idoso; desenvolvimento humano.


ABSTRACT

This introductory essay presents some principles of the Substantive Organization approach proposed by Guerreiro Ramos. It begins by discussing the conceptions of society and of man at the base of such approach. From thence, it highlights some of the premises of a university extension program called "Integrating - a Space for the Development of the Senior". This program is being developed at the Federal University of Paraná, and is presented here as an example of an organization that can be understood, by its orienting premises, as a means to cope with an excluding social reality.

Keywords: substantive organization; senior; human development.


 

 

1. Introdução

Têm sido uma tendência marcante as pesquisas que demonstram os impactos, para o homem, da dominância da racionalidade instrumental no mundo do trabalho (Ramos, 1989; Chanlat, 1992; Davel, 1996; Aguiar, 1997). Este artigo apresenta alguns princípios da teoria substantiva da organização de Guerreiros Ramos (1989) enquanto uma alternativa organizacional a essa dominância.

No cotidiano ocorre um fenômeno que deve ser alvo de constante denúncia. Pensa-se a organização como um dado, como algo natural e, pela tradição, legitima-se apenas os formatos organizacionais existentes. Há a tendência, portanto, de reificar, de naturalizar as produções humanas. Contrariando este movimento, entende-se que as organizações devem sempre ser olhadas com interrogação, principalmente quando se prioriza o bem-estar e a saúde dos homens (Katz e Kahn, 1967). Nesta mesma linha de raciocínio, Caldas (1994) afirma que organizações não são obras divinas - elas foram instituídas pelos homens, e que devemos "explorar outros viveres do desenho organizacional" (p. 10). Sandelands e Srivatsan (1993) são autores que também convidam a pensar a organização como possibilidade. Criticam a concepção de organização como entidade e não como um arranjo. Uma entidade, afirmam, é como se fosse uma substância, no tempo e no espaço, definida por suas qualidades, enquanto que um arranjo é uma abstração que especifica o modo pelo qual idéias, relações e substâncias são relacionadas umas às outras, sendo, assim, passíveis de rearranjo.

Ao se pensar a organização como possibilidade, torna-se imperativo inverter a razão funcionalista-positivista que concebe o homem conforme a medida em que o seu comportamento aumente a eficácia dos resultados da organização (Robins, 1998). Há que introduzir novamente as pessoas, o ser humano, numa posição central (Chanlat, 1992), projetando arranjos organizacionais em que o foco seja o desenvolvimento humano. Para tanto, parte-se de duas premissas básicas. Primeiro tem-se plena convicção de que a racionalidade da organização tradicional (baseada na racionalidade instrumental voltada para os resultados organizacionais) não se confunde com a racionalidade da vida humana em geral (Barnard, 1938 e White, 1971, apudEtzioni, Ramos, 1983). Segundo é possível e desejável uma organização voltada dominantemente para o desenvolvimento humano enquanto estratégia de confronto com uma realidade social maior e excludente. Entende-se como realidade social excludente aquela que não considera o homem em sua totalidade, seu bem estar e suas múltiplas expressões e necessidades, qualificando-o apenas do ponto de vista da performance produtiva-econômica.

O papel do especialista não é legitimar a total inclusão das pessoas no limite da organização formal, mas definir o escopo de tais organizações na existência humana em geral. Pensar na criação e no desenvolvimento de uma associação humana voltada para o desenvolvimento humano requer a identificação e a análise de um conjunto de pressupostos que orientam implicitamente as teorias organizacionais (Burrell e Morgan, 1982). Importante é a explicitação e também a reflexão sobre estes implícitos que orientam, nem sempre conscientemente, a ação dos profissionais.

Guerreiros Ramos (1989), ao propor as bases para uma nova ciência organizativa, alerta para a necessidade de se considerar a categoria totalidade e, portanto, o imperativo de levar em conta não só a estrutura interna da organização, mas também as suas relações com outras esferas da vida social. Quando a preocupação se volta apenas para as condições internas da organização, afirma o autor, não há questionamento da sociedade - ela é então legitimada tal como é concebida tradicionalmente. Nesse sentido, abre a possibilidade de, ao olhar de forma critica para a sociedade, não apenas reproduzi-la, mas, se necessário, confrontá-la.

Nesta perspectiva, descreve-se, no próximo tópico, sob a ótica da teorização, algumas concepções críticas de sociedade, mostrando-se o cenário que justifica uma proposta organizacional alternativa, que confronte a dominância funcionalista das teorias organizacionais tradicionais com a miopia das ciências administrativas (Ramos, 1983) e com a cegueira das ciências sociais (Spink, 1991). Em seguida, são apresentadas algumas concepções de homem coerentes com as críticas sociais e que igualmente fundamentam a formulação organizacional substantiva. Após a apresentação das características da organização substantiva propriamente dita, proposta por Guerreiro Ramos, são apresentados os princípios orientadores do "Programa Integrar: um espaço para o desenvolvimento do Idoso", desenvolvido pelo departamento de Psicologia da UFPR, como exemplo de uma proposição organizativa moldada, no que diz respeito às suas diretrizes, na ótica substantiva de organização.

 

2. Concepções de Sociedade

Considerando que toda concepção de organização traz implícita uma visão de sociedade (Burrell e Morgan, 1982), este item exemplifica concepções críticas de sociedade de teóricos que serviram de fundamentos básicos para a enunciação da teoria organizacional substantiva proposta por Guerreiros Ramos (1989). São teóricos que entendem a sociedade contemporânea como fonte de alienação do homem, como inibidora das possibilidades de realização humana. De forma resumida e sem perder de vista os objetivos do presente trabalho, serão expostas as concepções de sociedade de Habermas (1989) e de Marcuse (1982).

Habermas (1989) e Marcuse (1982) são teóricos que, como Ramos (1989), manifestam uma profunda insatisfação com a ordem social, compreendendo-a como origem de toda alienação; e nesta dimensão, eles assemelham-se. Diferenciam-se apenas no encaminhamento de uma solução. Habermas (1980) aponta para uma proposta no nível da comunicação, através de sua Teoria da Ação Comunicativa. Marcuse (1982), por sua parte, não chega a enunciar uma alternativa, enquanto que Guerreiros Ramos (1989) entende que essa sociedade instrumental poderá ser confrontada na medida em que ocorra um número cada vez maior de organizações substantivas.

O trabalho de Habermas (1989), expoente da teoria crítica, é uma reação à sociologia positivista e interpretativa. Critica a orientação positivista, por esta servir aos interesses de controle, e a orientação interpretativa, por buscar o entendimento e o significado em si (sem relação com a sociedade), denuncia-as como perspectivas que atendem aos interesses de quem as utiliza. Destaca a perspectiva da ciência crítica, característica da Escola de Frankfurt, que visa a ambos - ao entendimento do mundo e à mudança do mundo.

Habermas (1989) defende a posição de que as ciências sociais não devem abrir mão da dimensão hermenêutica, ou seja, não devem suprimir o problema da compreensão. Define a hermenêutica como "toda expressão dotada de sentido que pode ser identificada tanto como uma ocorrência observável como uma objetivação de um significado"(p.40). Contudo, argumenta que para captar o significado é preciso participar de algumas ações comunicativas na comunidade. O sujeito não é visto como aquele que se relaciona com os objetos para conhecê-los e/ou dominá-los, mas como aquele que, durante seu processo de desenvolvimento histórico, é obrigado a se entender junto com outros sujeitos, negociando significações (Siebneichler, 1987:62, apud Mager, 1999:24). Para Habermas (1989), compreender o que é· dito exige participação, e não mera observação. É uma sociologia da mudança radical (Morgan, 1982).

Para apreender a fundamentação de sua crítica à sociedade faz-se necessário conhecer a análise de temas éticos e morais, que ocupa um lugar central no seu pensamento. Qual a especificidade que Habermas (1989) confere ao agir moral? Contrapõe ao agir moral o agir estratégico, pragmático e o agir ético (Gaseli, 2002).

Habermas (apudGaseli, 2002) toma o conceito de razão prática de Kant, enquanto capacidade de pensar e raciocinar voltada para o agir, em contraponto com a nossa capacidade de pensar e raciocinar, voltada para a atividade intelectual (razão teórica). Para ele, o agir prático do sujeito pode adquirir três formas distintas, segundo a motivação ou o interesse fundamental que o impulsiona: a razão prática pode ser utilizada para fins pragmáticos, éticos ou morais.

O uso pragmático da razão prática define o agir orientado para fins, voltado para o que o sujeito pretende obter, seu interesse imediato, egocêntrico e, diga-se, de um eu voltado para fora, para realidades externas e não para a vivência interior. Estágio este em que não há questionamento a respeito do seu sentido, do seu alcance, das conseqüências para os outros seres humanos. Não se questiona o conteúdo ético ou moral da ação. Trata-se de um agir baseado na teoria ética do utilitarismo; seu critério para a ação é o da utilidade, do que tende a promover a felicidade, entendida como prazer e ausência de sofrimento. Para o autor, as implicações sociais deste agir estratégico é responsável pelo sistema capitalista, cujo princípio é o agir motivado pelo objeto, pelo resultado, o agir voltado para o benefício próprio, em que não se pergunta a quem beneficia. Um agir estratégico, responsável pelas injustiças sociais, pela exploração. Segundo Habermas (1989), há uma invasão desta lógica racionalista da eficácia em todos os aspectos da vida pessoal e social; a isto Habermas chama de colonização do mundo da vida.

O uso ético da razão prática define o agir orientado para a busca do que é bom, tanto para o indivíduo como para a coletividade; um agir que busca o bem-viver. Baseia-se em certos valores, nos modelos próprios da sociedade, definidos pelo grupo social, e busca o ideal deste grupo, sua tradição. Valoriza-se o autoconhecimento, e o indivíduo deve buscar uma forma de se integrar que respeite a sua individualidade.

O uso moral da razão prática define o agir norteado pela justiça, pelo que é moralmente certo, mesmo que isto signifique conflito e ruptura com a tradição. As interações libertam-se do caráter local, histórico e transitório. A busca da justiça motiva o agir. Agir que não é individual, mas se dá em nível comunitário. É um agir comunicativo, que deve ser desenvolvido e baseado em normas de ação que só acontecem no diálogo. Há um pressuposto de que os princípios morais capazes de fundamentar normas de ação só ocorrem no diálogo, onde estão envolvidos todos os interessados. Não há princípios morais preexistentes à realidade da interação comunicativa. Trata-se de uma moral dialógica, resultante do entendimento, da comunicação, em que todos participam com vistas ao entendimento, à universalidade, contra todas as discriminações, bairrismos, racismo e divisões. Há o respeito pelo outro, a sinceridade, a veracidade e o respeito pela verdade. Exclui qualquer manobra que procure distorcer o processo de diálogo. Busca-se o verdadeiro e o justo e, finalmente, a renúncia a todas as formas de violência e coação.

Para Habermas (1989), o princípio fundamental da moral é a universalidade: aquelas normas que podem ser aceitas, sem coação, por todos os indivíduos envolvidos na situação em que serão aplicadas. Opta igualmente por uma moral cognitivista, o que significa que é através da razão, do conhecimento, que se atinge o ponto de vista moral. Os juízos morais têm um conteúdo cognitivo; não se limitam a dar expressão às atitudes afetivas, preferenciais ou decisões contingentes de cada falante ou ato. Igualmente, é a favor de uma moral formalista, o que quer dizer que o ato moral não se define pelo conteúdo material e sim pela forma que assume, do ponto de vista dos sujeitos que o concebem, podendo variar em cada cultura ou situação históricas. O que importa é a atitude do sujeito; o conteúdo concreto das ações que vai realizar sofrerá transformações em função das transformações históricas.

Sua concepção de sociedade é uma vertente da crítica hegeliano-marxista da sociedade contemporânea. Inverte a problemática que caracteriza o funcionalismo de regulação social, de aceitação das normas de racionalidade, da ciência, da função da tecnologia, da neutralidade da linguagem e da construção teórica livre de valores. Tenta a mudança de atenção operada por Marx na consideração da estrutura econômica do capitalismo, movendo-se em direção às formas-chave da sociedade pós-capitalista. Enfatiza que a estrutura de dominação está incorporada em nossa linguagem do dia-a-dia.

Habermas compreende que o problema da linguagem deve ser colocado como um problema da consciência e, para enfrentar estas questões, desenvolve a teoria da comunicação competente, provendo um vínculo entre macroestrutura e os atos da fala. Propõe uma dialética emancipatória, que transcenda a antinomia subjetivo-objetivo, observador-observado, fato e valor, e uma hermenêutica em seu empreendimento de entender o mundo social e o significado subjetivo nele locado.

Desenvolve o conceito de situação de fala ideal, na qual a interação simbólica é possível e genuinamente reconhecida como consenso, sem a operação do poder. A situação ideal da comunicação é contrastada com a comunicação distorcida, supondo-se um consenso no qual há uma distribuição igual do poder (Burrell e Morgan, 1982).

Habermas (1989) defende uma distinção entre trabalho e interação. Do conceito de trabalho vai apontar os aspectos negativos e impeditivos da liberdade e da participação, e do conceito de interação vai recuperar exatamente estas características. O trabalho, na sociedade capitalista, é uma forma dominante de ação social, tendo como propósito racional a ênfase no atendimento de metas definidas em termos das relações meio-fim. O sistema desenvolve papéis para guiar as ações e os modos de pensar, enfatizando a trajetória de habilidades e qualificações necessárias para a execução adequada do papel. A interação, por outro lado, é uma ação comunicativa entre os homens que desenvolve normas com reflexos na linguagem ordinária, intersubjetivamente.

De forma resumida, pode-se dizer que Habermas (1989) se preocupa com o conflito estrutural da sociedade, com os modos de dominação, com as contradições e privações, mas pode-se dizer também que aposta nas potencialidades humanas para superar o aprisionamento, a alienação social pela dominância da razão prática/utilitária. Ao propor a ética discursiva, parte do princípio de que o indivíduo é um ser racional, com identidade única, capaz de se autodeterminar; parte igualmente do princípio de que compete ao meio o dever ético de delimitar o espaço dentro do qual podem ser efetivados projetos de autorealização de indivíduos e de grupos de indivíduos, garantidos os princípios da universalização, como a igualdade de direitos de todos os homens, em que estes não sejam tratados como meio mas como fim (Aguiar, 1997).

A profunda insatisfação com a ordem social, uma das características centrais do humanismo radical, como evidenciado em Habermas (1989), aparece igualmente em Marcuse (1982), filósofo nascido na Alemanha e radicado nos Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial.

Uma de suas obras mais famosas, "A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional" denuncia a aparente liberdade propiciada pelo desenvolvimento técnico, explicitando as sofisticadas técnicas e mecanismos de controle social. A tecnologia, ao criar a abundância e conduzir à satisfação das necessidades dos homens, e a organização tecnológica, ao transfigurar a dominação em administração, tendem a tornar os homens passivos e acríticos em relação ao sistema maior e de trabalho.

Apresenta Marcuse (1982), nessa obra, um conjunto de fatores que contribuem para tornar o trabalhador - e, por extensão, a sociedade - acríticos, passivos, paralisados, enfim, sem consciência de estar em oposição ao sistema de trabalho. Um padrão de vida crescente, afirma o teórico, "é o subproduto inevitável da sociedade industrial politicamente manipulada. A produtividade crescente permite um consumo aumentado, o que reduzirá o valor de uso da liberdade, não havendo razão alguma para insistir na autodeterminação, se a vida administrada for confortável e até boa" (Marcuse, 1982:62). Argumenta, bombasticamente:

" ... se os indivíduos estão satisfeitos a ponto de se sentirem felizes com as mercadorias e serviços que lhes são entregues pela administração, por que deveriam eles insistir em instituições diferentes para a produção diferente de mercadorias e serviços diferentes? E se os indivíduos estão pré-condicionados de modo que as mercadorias que os satisfazem incluem também pensamentos, sentimentos, aspirações, por que deveriam desejar, pensar, sentir e imaginar por si mesmos?" (Marcuse, 1982:64).

O autor questiona, entre as várias maneiras possíveis e reais de organizar e utilizar recursos disponíveis, quais oferecem a maior possibilidade de ótimo desenvolvimento (Marcuse, 1982:15). Segundo ele, uma teoria social deve se interessar pelas alternativas históricas, promovendo valores ligados a estas alternativas, tornando-os fatos ligados à transformação social.

Além de sua crítica à sociedade consumista, interessa-nos a posição do autor no que se refere à sua concepção de homem unidimensional, que será apresentada mais a seguir.

Como foi visto, um dos aspectos centrais das teorias críticas da sociedade é a preocupação com as possibilidades de ótimo desenvolvimento humano, preocupação que igualmente se evidencia na proposta de uma nova ciência da organização desenvolvida por Ramos (1989).

 

3. Concepções de homem

Mesmo considerando a especificidade de cada análise crítica dos teóricos sociais, pode-se observar um ponto comum: a busca da emancipação humana. Refletir sobre a emancipação humana significa passar pelo conceito de consciência humana.

A ênfase dada à consciência em geral e à alienação em particular distingue esses teóricos - denominados por Burrell e Morgan (1982) de humanistas radicais - dos estruturalistas. Estes últimos, argumentam os autores, embora advoguem uma mudança social, tendem, em suas análises, a conferir mais ênfase às estruturas econômicas e políticas, enquanto os humanistas radicais ressaltam dimensões como consciência e alienação, sem desconsiderar a totalidade.

Serão apresentadas, a seguir, as concepções de homem de Marcuse (1992) e de Ramos (1983, 1984, 1989).

Marcuse (1982), por meio do conceito de Homem Unidimensional, atenta para as características da alienação à qual o homem é submetido pela dominância da racionalidade técnica. Ressalta as regras alienantes da tecnologia, da ciência e da lógica, que reprimem a libido, mantendo a força de trabalho e criando falsas necessidades. Trata-se de um indivíduo voltado unicamente para o consumo, a vida "boa", satisfeita e feliz com as mercadorias. É pré-condicionado de modo que as mercadorias satisfaçam seus pensamentos, sentimentos, aspirações. Nesse sentido, indaga o autor: qual a necessidade do homem em desejar, pensar, sentir e imaginar por si mesmo? "Apesar da moderna sociedade industrial parecer, em seu conjunto, a própria personificação da razão, ela é irracional como um todo, sua produtividade é destruidora do livre desenvolvimento das necessidades e faculdades humanas" (Marcuse, 1982, contracapa).

Ramos (1984), baseando-se inclusive no próprio Marcuse (1982), ao defender a tese de que as teorias administrativas não podem mais legitimar a racionalidade funcional, propõe-se a fazer uma reavaliação da evolução da teoria administrativa, tomando como ponto de referência o modelo de homem parentético, contrapondo-se ao homem operacional e reativo.

Considerando que, em toda a história do estudo da administração, teóricos e profissionais fizeram suposições acríticas a respeito da natureza do homem, afirma: "Hoje uma teoria administrativa que não tenha consciência das suas implicações psicológicas dificilmente poderá ser aceita" (Ramos, 1984:5).

O autor acredita que a prática administrativa ainda é largamente permeada por tais modelos de homem operacional (homem econômico, da escola clássica) e homem reativo (homem sociológico, da academia). Reconhece que no meio intelectual esses modelos são largamente criticados, mas acredita que nenhuma alternativa de ampla aceitação foi apresentada. Embora algumas mudanças já tenham surgido, pensa que os progressos ainda são periféricos. A visão que predomina continua sendo a reativa - uma visão inquestionável de ambiente, cuja meta é ajustar-se, adaptar-se. Um outro problema desta visão envolve a relação indivíduo/organização; tal visão defende a integração, omitindo, portanto, o caráter básico e duplo da racionalidade.

Denomina de homem parentético1 aquele que pode prover a teoria administrativa com uma sofisticação intelectual indispensável para enfrentar questões e problemas que provocam tensões entre a racionalidade substantiva e a racionalidade funcional.

O homem parentético não pode deixar de ser, em princípio, um participante da organização. Porém, argumenta o autor, ao tentar ser autônomo, não pode ser enquadrado como aqueles indivíduos que se comportam de acordo com os modelos operacionais e reativos. Ele possui uma consciência crítica altamente desenvolvida das premissas de valor presentes no dia-a-dia. Embora o homem parentético seja simultaneamente reflexo das circunstâncias sociais, ele tem a capacidade crítica de se excluir tanto do ambiente externo como do ambiente interno e examiná-los com visão crítica, capacidade parentética. O homem parentético está apto a refletir sobre o fluxo da vida diária para examiná-lo e avaliá-lo como espectador capaz de se afastar de seu meio familiar e romper as suas raízes.

É um estranho em seu próprio meio, de maneira a maximizar a sua compreensão da vida. "A atitude parentética é definida pela capacidade psicológica do indivíduo de separar-se de si mesmo e de seu ambiente interno e externo" (Ramos, 1984:8).

Acredita que estar estritamente arraigado às suas condições sociais impede que a pessoa se imagine em outras posições: o mundo torna-se ontologicamente justificado, impedindo que possibilidades sejam examinadas e um número maior de escolhas possa ocorrer. O homem parentético, em vez de favorecer um relativismo inconseqüente, está eticamente comprometido com valores que conduzem ao primado da razão.

A relação do homem parentético com a organização e o trabalho não está voltada para a obtenção do sucesso da maneira como foi convencionada. Ele dá grande importância ao eu e tem urgência em encontrar um significado para a sua vida; não aceita acriticamente padrões de desempenho, embora possa ser grande empreendedor quando lhe atribuem tarefas criativas. Não trabalha apenas para fugir da apatia, porque o comportamento passivo fere a sua auto-estima e a sua autonomia. Esforça-se por influenciar o seu ambiente para retirar dele tanta satisfação quanto possível. É ambivalente em compreender que a organização tem uma racionalidade funcional limitada.

Ramos acredita que atualmente existem razões para o surgimento do homem parentético; julga que o homem não está motivado somente pela sobrevivência, pelo darwinismo social, mas que surgem, hoje, novas prioridades, o que o faz justificar a proposição do novo desenho organizacional.

 

4. Abordagem Substantiva da Organização

Ramos (1989), ao propor as bases da nova ciência das organizações, o faz principalmente sobre uma crítica à estrutura da sociedade: uma sociedade centrada no mercado que, "mais de duzentos anos depois de seu aparecimento, está mostrando agora as suas limitações e a sua influência desfiguradora da vida humana como um todo" (Ramos, 1989:XII).

Resgatando o conceito básico de razão como "aquela que prescreve como os seres humanos deveriam ordenar a sua vida pessoal e social" (p.23), o autor denuncia o impacto desfigurador sobre a vida humana da dominância da racionalidade instrumental, característica da sociedade de mercado, onde o ser humano não é senão uma criatura de cálculo utilitário de conseqüência próprio desse mercado. Em contraposição, sustenta a racionalidade substantiva como o ponto de referência para a ordenação da vida social e na estruturação da vida humana (Ramos, 1989:22-23).

Retoma a tese de Habermas (1989) de que na moderna sociedade industrial as antigas bases da interação simbólica foram solapadas pelos sistemas de conduta de ação racional com propósito (significado subordinado ao imperativo técnico da natureza e da acumulação do capital), acrescentando que nessas sociedades a interação simbólica (essência da vida social significativa) somente é possível em enclaves extremamente residuais ou marginais. Denuncia que "o mercado hoje tende a transformar-se na força modeladora da sociedade como um todo (...) os padrões de mercado para pensamento e linguagem tendem a tornar-se equivalentes aos padrões gerais de pensamento e linguagem: esse é o ambiente da política cognitiva" (Habermas, 1989:92).

Como se pode perceber, Ramos (1989) também se mostra insatisfeito com a sociedade atual, com a sua lógica de mercado e com a sua força modeladora da mente dos cidadãos. Argumentando que nenhuma sociedade do passado esteve tão dominantemente centrada no mercado como em nossos dias, denuncia, com vistas à emancipação humana, os seus processos atuais de socialização.

Defende o autor uma visão multicêntrica da sociedade. Afirma que a sociedade tem numerosos aspectos - o político, o econômico, a estrutura social, cultural, psicológica - em que cada uma destas grandes áreas da atividade humana contribui com sua parte no processo interativo. Como chegar a esta sociedade multicêntrica? O autor não vê a sociedade multicêntrica como uma conseqüência "natural"; toma-a como empreendimento racional para ser construído e implementado, um empreendimento intencional.

Propõe uma variedade de enclaves sociais, incluindo o mercado, mas em que este seria limitado e regulado. A idéia é prover opções diferentes de atividades substantivas, incluindo um sistema de governo capaz de formular e implementar políticas e decisões distributivas requeridas para as transações entre enclaves sociais, deixando de lado o mercado como principal categoria de ordenação, como se dá no modelo unidimensional.

Essa interpretação multicausal e interativa da sociedade lhe parecem mais útil, em contraposição a sociedades que insistem em um tipo de primazia, especialmente na primazia do econômico, o qual em nenhum momento o autor nega - apenas se opõe à sua dominância.

É um teórico que reconhece o papel das organizações no contexto social maior. Enfatiza uma delimitação organizacional de aprendizagem e sugere meio capaz de facilitar múltiplos tipos de microssistemas sociais no contexto da tessitura geral da sociedade, criando maior espaço vital para a vida humana, deixando maior margem para relacionamentos interpessoais livres de pressões projetadas e organizadas.

Essa visão de sociedade está diretamente vinculada a uma visão de homem: um homem complexo, portador de diferentes necessidades e interesses, e cuja satisfação requer múltiplos cenários sociais e espaços organizacionais adequados à atualização pessoal, a relacionamentos de convivência e atividades comunitárias dos cidadãos. Oferece, pois, respaldo conceitual a uma sociedade diversificada necessária ao desenvolvimento humano integral.

Ramos (1989), a partir, então, de uma crítica à sociedade, elabora uma formulação alternativa para pensar a organização. Critica o modelo tradicional de análise de sistemas sociais baseados somente nos pressupostos de uma sociedade centrada no mercado, propondo as bases conceituais para uma nova ciência das organizações que levem em conta as exigências ecológicas, humanas do ponto de vista psicológico, garantindo assim que não se reproduza uma sociedade baseada tão-somente no mercado, tampouco os seus impactos negativos para a vida humana associada. Denuncia a dominância da racionalidade instrumental característica do sistema de mercado, e seu impacto desfigurador sobre a vida humana associada.

Entende Ramos (1989), como Habermas (1989), que atualmente a linguagem foi capturada pelos padrões operacionais de eficiência e pela racionalidade substantiva; a qualidade de vida desaparece num mundo em que o cálculo utilitário de conseqüência passa a ser a única referência para as ações. Esta dominância da racionalidade instrumental, com sua capacidade manipuladora, pré-reflexiva, torna o individuo presa fácil de interesses imediatos, como argumentou Marcuse (1982).

Ramos defende diretrizes para a criação de espaços sociais em que os indivíduos possam participar de relações interpessoais verdadeiramente autogratificantes; o lugar adequado da razão é a psique. A psique, para ele, é o ponto de referência tanto para a ordenação da vida social quanto para a conceitualização da ciência social e para o estudo sistemático da organização. Sugere o que denomina de teoria substantiva da vida humana associada, enquanto categoria essencial para a ordenação dos assuntos sociais e políticos, num contraponto com a teoria formal, funcionalista.

Em sua abordagem substantiva da organização, chama a atenção para formas possíveis de ambientes igualitários, sem burocracia, sem hierarquia - o que ele chama de isonomia. Da mesma forma, não acredita na ausência de normas; espera-se que o próprio indivíduo, num contexto de escolha, possa definir as suas próprias normas, pois todo trabalho implica certas prescrições.

Tendo como eixo central o indivíduo, denomina de fenonomia um sistema social que, além de ter as características citadas acima, seja um ambiente propício à criatividade, à autonomia, onde o indivíduo tenha possibilidade de agir e não apenas de se comportar de maneira passiva. Trata-se dum sistema social em que os indivíduos se empenhem apenas em atividades automotivantes, atividades que promovam sua singularidade, mas no qual isto se dê com consciência social, estando os indivíduos prontos a partilhar e apreciar, associando mutualidade e estética.

A partir dessa declaração de necessária intencionalidade no processo de construção de uma sociedade multicêntrica, o autor enuncia algumas das dimensões essenciais de sistemas sociais que necessariamente serão consideradas pelos planejadores de sistemas de confronto: a tecnologia, o tamanho, a cognição, o espaço e o tempo.

Os planejadores sociais devem estar criticamente conscientes de que os modelos sociais do homem são sempre categorias de conveniências pela dimensão do poder, do interesse, da ideologia, do político e do tempo, que estão diretamente ligados aos objetivos e metas do sistema. Alerta para o processo de unidimensionalização do tempo que vitima a maior parte das pessoas que vivem numa sociedade de mercado e para o comprometimento crônico com patologias, insônia, ansiedade, estresse, suicídio. Alerta para a variada experiência com o tempo para se poder engajar em atividades autogratificantes.

Segundo Ramos (1989), para que uma teona da organização não reproduza acriticamente a sociedade, será necessário:

a) não identificar a natureza humana com a síndrome do comportamento que é inerente à sociedade de mercado, libertando-a desta visão reducionista e episódica;

b) reconhecer que os ambientes formais de trabalho não são adequados para a atualização humana, afirmando como permanente e inevitável o conflito entre indivíduo e sistemas projetados;

c) considerar que a sociedade de mercado, com a sua categoria de emprego como o único meio para que as pessoas tenham significação social, tem custado um preço psicológico, caracterizado por baixo envolvimento, despersonalização e impessoalidade dos indivíduos na estrutura formal;

d) perceber que, no contexto das organizações econômicas, a comunicação é essencialmente instrumental, planejada para maximizar a capacidade produtiva, e que o próprio indivíduo é um recurso que deve ser empregado eficientemente;

e) reconhecer que, no âmbito das organizações formais, admitir falar em comunicação substantiva, em auto-atualização, em autenticidade e em projetos de humanização é, sem dúvida, incorrer em política cognitiva;

f) distinguir o real e o fabricado (em que se aprende a reprimir padrões substantivos de racionalidade, beleza e moralidade inerentes ao senso comum);

g) reconhecer, com clareza, os limites da organização formal no centro da existência humana;

h) dar ênfase, na questão da delimitação organizacional, aos limites da aprendizagem dos meios capazes de facilitar múltiplos tipos de microssistemas sociais na tessitura social, deixando margem para relacionamentos interpessoais livres das pressões e não projetados nem organizados;

i) nortear-se pela racionalidade substantiva como orientadora de um delineamento organizacional.

 

5. Dialogando com alguns princípios da abordagem organizacional substantiva para a construção de uma arquitetura organizacional voltada para o desenvolvimento do idoso

A partir dos fundamentos teóricos desenvolvidos, elege-se o "Programa de Extensão Integrar" como um exemplo de organização que tem como ideal estruturar-se sob a ótica de uma organização substantiva.

Aprendemos com a perspectiva de Guerreiros Ramos a importância da categoria da totalidade para configurar o nosso pensar e o nosso agir frente ao delineamento de uma organização. Levando em conta a importância de assumir a categoria de totalidade, proposta por Ramos (1989), a primeira reflexão é a inclusão de uma análise da sociedade. Não só de uma análise, mas sobretudo de um olhar crítico para esta sociedade em relação ao idoso. Neste sentido, uma primeira e fundamental questão é: Qual é o significado de envelhecer em nosso contexto histórico e social? Que tratamento a sociedade dá ao idoso?

Birman (1995) alerta para o fato de que conceitos como juventude e velhice são construídos historicamente, o que envolve as dimensões da ética, da política e da estética da existência, ou seja, tais conceitos estão inseridos em um campo de valores e precisam ser repensados constantemente. Segundo o mesmo autor, o conceito de velhice passa a fazer sentido a partir do século XVIII, quando a ciência inaugura a ideologia do evolucionismo, fundando a transformação humana em processos biológicos e, conseqüentemente, delimitando diferentes fases de desenvolvimento: nascer, crescer, envelhecer e morrer. O conceito também situa o homem num contexto histórico e, dessa forma, a existência humana passa a ser representada nas dimensões do tempo e da história.

Dentro desta perspectiva historicamente situada, observa-se que desde o início da vida, na sociedade contemporânea, são impostos ao indivíduo certos padrões a serem seguidos nas diferentes etapas do seu desenvolvimento. O trabalho norteia toda a formação do cidadão; o trabalho abrange um lugar simbólico de intermediação de reconhecimento de uma subjetividade tanto do sujeito consigo mesmo como na relação com o outro. O reconhecimento pelo outro se dá a partir da idade adulta, através do fazer do trabalho e de sua significação, tanto na contextualização individual como na coletiva. Esta relação faz com que a identidade do indivíduo esteja essencialmente ligada à questão profissional.

Quando o indivíduo, pela aposentadoria, interrompe a fase profissional ativa, uma parte central da identidade é colocada em questão, aquela parte da identidade valorizada: dominantemente, sob o viés do fator econômlco. A valorização pessoal está relacionada com a questão da atividade laboral, e é reconhecida, primordialmente, por meio desses valores. Nesse sentido, ocorre uma crise de identidade ao se deparar com a perda de algo que sempre foi enunciado como valor máximo do homem na sociedade - a produtividade econômica.

A perda do trabalho vem associada com a questão da improdutividade segundo os padrões capitalistas, e o sujeito passa a ser estigmatizado como pessoa improdutiva. São os valores de uma sociedade moderna, consumista e imediatista. Os velhos passam a ser encarados como peso social, associados com idéias de declínio e inadequação. Na verdade, uma inadequação a um mundo que não foi construído para eles.

Percebe-se na linguagem, construída na cultura, que os termos velho e velha vêm carregados de conotações negativas, como um objeto que está desgastado, em oposição ao novo. A pessoa chega, então, a uma fase onde está escrito nas entrelinhas o que não se deve fazer, como não se deve agir. O indivíduo, na sua relação com o ambiente social, interioriza o mundo como realidade concreta, subjetiva.

Nesse sentido, há um grande número de pessoas que atingem o envelhecimento e ocupam uma posição alienada, em que não há uma atitude questionadora dos valores impostos, acabando por legitimar, com seu comportamento, o que é esperado pela sociedade. O indivíduo deixa, assim, de assumir uma posição ativa perante a vida, empobrecendo sua qualidade de vida e ficando à mercê dos estereótipos impostos.

Concluindo, o idoso vive um processo de exclusão de uma sociedade onde predomina a lógica instrumental em torno do trabalho e da produção. Além da exclusão física, promove-se com eficácia, por meio da linguagem e da cultura, mecanismo de auto-exclusão pela introjeção dos estereótipos associados à velhice. Uma sociedade em que a razão utilitária domina o mundo da vida (Habermas, 1989); uma sociedade que constrói o homem unidimensional (Marcuse, 1992); uma sociedade que enseja o homem operacional, o homem reativo (Ramos, 1984); enfim, uma sociedade em que predomina o sistema cognitivo funcional e alienante.

Considerando esses aspectos, pretende-se que o Programa Integrar seja um projeto organizacional de emancipação do idoso em face de uma realidade social excludente - um projeto cujas perspectivas, em coerência com os fundamentos aqui descritos, se caracterizem como uma associação humana:

• Em que prevaleça a racionalidade substantiva, por exemplo, na medida em que seus objetivos não são econômicos, mas sim essencialmente voltados para o desenvolvimento humano e para o resgate de uma consciência crítica e emancipada;

• Que contribua para a construção de uma sociedade multicêntrica na qual coexistam organizações de naturezas diversas que venham a atender às diferentes necessidades e interesses humanos, enquanto estratégia de confronto relativamente à predominância da racionalidade econômica da maioria das organizações;

• Em que se repense o desenvolvimento humano - infância adolescência/juventude e velhice - refletindo historicamente sobre os seus significados, construindo uma ética, uma política e uma estética da existência de forma compartilhada e crítica;

• Cujo imperativo seja transcender, superar a concepção ideológica evolucionista de velhice que valoriza o indivíduo tão-somente com base na produção econômica, aprisionado-o em teias de significados, mitos e modelos que o tornam co-participante nos processos de exclusão social;

• Cujo objetivo seja reintegrar essa parcela excluída da sociedade, recriando espaços institucionais de aprendizagem, de resgate de uma singularidade que, mesmo inscrita num período histórico, tem desejos, significações próprias, o que lhe permitirá confrontar a sensação de vazio, inutilidade e exclusão que acomete um número significativo de pessoas em nossa sociedade. Um espaço organizacional que, como prevê Guerreiro Ramos, é adequado à atualização pessoal, a relacionamentos de convivência e a atividades comunitárias dos cidadãos;

• Consciente da necessidade de ressignificar a velhice, promover a reflexão, visando à autonomia e à construção de um projeto de vida, em que se aumente a possibilidade de construir um lugar ativo e autônomo de vida;

• Onde se instituam condições para a construção de um homem parentético, um homem reflexivo, um homem que mesmo situado historicamente consegue se colocar entre parênteses, refletir e superar cognitivamente seus condicionamentos, em confronto com o homem unidimensional, reativo;

• Cuja concepção se oriente para um agir voltado para a busca do que é bom, tanto para o indivíduo quanto para a coletivida de, um agir que busca o ideal do grupo, sua tradição, e que valoriza o autoconhecimento, buscando formas de integração que respeitem a individualidade;

• Que se constitua num espaço de ressignificação de uma identidade negada via atividades expressivas, intelectuais, culturais, constituindo-se num espaço de integração e inserção social;

• Que acredita na capacidade do idoso em ressignificar o seu processo de envelhecimento, saindo do caráter passivo de legitimação dos valores da cultura para ir, talvez pela primeira vez, contra os valores ali apregoados, negando sistematicamente o processo de exclusão social;

• Que tem como objetivo, dentre outros, promover condições de reconstrução da cidadania e autonomia, voltando-se para a construção e a administração de um projeto de vida, e garantindo condições, espaço e instrumentos que possibilitem sua expressão, sua identidade em todas as dimensões: psicológica, social, biológica, política, artística, estética, etc.

 

6. Palavras Finais

Este artigo buscou apresentar alguns princípios da proposta organizativa substantiva de Guerreiros Ramos (1989) como uma das alternativas para se confrontar uma realidade social excludente.

Considerando a opção de discorrer teoricamente sobre a concepção de organização substantiva e seus fundamentos, tomou-se o Programa de Extensão "Integrar: uma proposta para o desenvolvimento do Idoso" apenas como uma forma de exemplificar de que maneira uma organização, a partir de uma visão crítica de sociedade, pode vir a se constituir em uma instância de ressignificação para o indivíduo alienado pela configuração social.

 

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Recebido: 10/02/03
Revisado: 06/08/03
Aceito: 20/11/03

 

 

1 O adjetivo parentético provém da noção de Husserl de "suspenso", "entre parênteses", quando distingue a atitude crítica da atitude natural. A atitude natural seria aquela do homem "ajustado", desinteressado da racionalidade noética e aprisionado por seu imediatismo. A atitude crítica suspende, coloca em parênteses a crença no mundo comum, permitindo ao indivíduo alcançar um nível de pensamento conceitual e, portanto, de liberdade.

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