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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.3 no.2 Florianópolis Dec. 2003

 

ARTIGOS

 

Avaliando efeitos do treinamento de metodologia na formação profissional rural

 

Evaluating the effects of training in methodology upon the rural professional education

 

 

Carla Barroso da CostaI; Sônia Maria Leite Ribeiro do ValeII

IServiço Nacional de Aprendizagem Rural-SENAR (carla@senar.ogr.br)
IIUniversidade Federal de Viçosa

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivos investigar os efeitos do treinamento de metodologia para instrutores do SENAR e analisar as relações existentes entre variáveis antecedentes (características do indivíduo; características do treinamento de metodologia; contexto funcional; trabalho desenvolvido e didática) e variáveis-critério (elaboração do plano instrucional e atuação metodológica do instrutor). Foram feitas auto-avaliações (instrutores) e heteroavaliações (supervisores). A amostra consistiu em 234 instrutores egressos do treinamento metodológico e 50 supervisores, sendo a pesquisa realizada em 14 Administrações Regionais do SENAR. Os dados foram submetidos a análises qualitativas, análises fatoriais e de regressão múltipla padrão. Os resultados evidenciaram ser a didática um forte indício da atuação metodológica, na visão dos supervisores. Para os instrutores, as características do treinamento, o trabalho desenvolvido e o contexto funcional apresentaram-se como significativas para a atuação metodológica. Quanto à variável critério 'elaboração do plano instrucional', o grau de escolaridade e a quantidade de treinamentos metodológicos realizados pelos instrutores foram consideradas as suas variáveis preditivas.

Palavras-chave: avaliação de treinamento; transferência da aprendizagem; formação profissional rural.


ABSTRACT

The goals of this study were to investigate the effects of methodological training for instructors at the Brazilian National Rural Learning System (SENAR) and analyze the relationships between background variables (individual characteristics, characteristics of the training in methodology, the job context, the work carried out and didactics) and criterion variables (development of a teaching plan and the instructor's methodological performance). The instructors did self-evaluations, and the supervisors evaluated others. The sample consisted of 234 instructors who received methodological training, and 50 supervisors. The study was conducted at 14 Administrative Regions of SENAR. The data were submitted to qualitative analysis, factor analysis and standard multiple regression. The results showed didactics to be a strong predictor of methodological performance, in the supervisors' view. For the instructors, the characteristics of the training, the work carried out and the job context proved to be significant for methodological performance. As for the variable 'development of a teaching plan', years of schooling and the number of methodological training courses taken by the instructors were taken as predictor variables.

Keywords: training evaluation; transfer of learning; rural professional education.


 

 

1. Introdução

Treinamento é um investimento organizacional que tem por objetivo a capacitação de Recursos Humanos, visando a uma atuação competente no trabalho. É uma atividade, portanto, que deve ser orientada para os objetivos das empresas, bem como para as necessidades de melhoria do desempenho sentidas pelos funcionários. Compondo-se de ações para promover o aperfeiçoamento não só do indivíduo, mas também de toda a equipe de trabalho, o treinamento, em sua essência ação intencional e sistematizada, pertence a um conjunto maior denominado por "desenvolvimento".

A área de treinamento e desenvolvimento (T&D) adquiriu força nas instituições, em virtude de uma maior competição pela conquista de mercados de produtos e serviços, fruto da abertura comercial em todo o mundo. A necessidade sentida pelas organizações de ter um corpo de funcionários competente e motivado fez de T&D uma área estratégica para o alcance dos objetivos institucionais de maneira efetiva.

No âmbito nacional, embora os estudos direcionados à área de T&D estejam se ampliando, muito ainda resta a ser feito. Segundo Abbad (1999), em um levantamento de resumos de teses e dissertações nacionais feito por Borges-Andrade e Abbad O.-C. se constatou que dentre 4.855 resumos analisados, somente 11 (0,23%) se referiam a trabalhos sobre T&D. A análise incluía resumos de pesquisas oriundas de 45 instituições cadastradas pelo MEC/SESU/CAPES entre 1980 e 1995.

Constata-se, também, que dos textos relacionados à área de T&D nessa mesma época (de 1980 a 1995), divulgados em revistas nacionais das áreas de educação, psicologia e administração, 53% lançavam mão de coleta de dados. O restante dos artigos consistiam em relatos subjetivos sobre o assunto, não apoiados em estudos empíricos. Explica-se, assim, a necessidade de se realizarem pesquisas sobre T&D no Brasil, área em expansão e crescimento nas organizações.

Apesar da importância dessa área para as organizações modernas, não é incomum que a operacionalização de treinamentos ocorra desassociada dos objetivos e diretrizes da organização ou mesmo desvinculada das necessidades e interesses daqueles que compõem o público-alvo dos programas realizados. Acrescente-se o fato de que em muitas organizações não se avalia a eficiência e a eficácia dos treinamentos, sendo estes, portanto, considerados como um fim em si mesmo. Treinamentos sem vínculo com os objetivos institucionais e com as necessidades e interesses do público beneficiário, bem como a falta de avaliação planejada e sistematizada, significam investimento de tempo e dinheiro em ações nem sempre produtivas e que podem até desacreditar aqueles que as organizam e conduzem. Treinamentos isolados, descontextualizados e que não consideram ações avaliativas para seu aprimoramento acabam sendo alvo de cortes quando da primeira turbulência financeira da organização, uma vez que não conseguem justificar a sua existência.

Para Barreto (1993), o medo de ser avaliado traz para dentro das organizações idéias distorcidas do processo avaliativo, que, pode ser entendido como: uma tarefa simplória, capaz de ser realizada de forma assistemática, informal e desestruturada, sem a necessidade de planejamento e preparação prévia para a sua execução; uma ação extremamente complexa, que requer procedimentos de alto custo e necessita de grande investimento material e humano; ou uma tarefa inútil e totalmente dispensável, uma vez que os eventos instrucionais são por si próprios sempre gratificantes.

No entanto, está na avaliação, principalmente no processo de transferência da aprendizagem, a razão da existência de programas instrucionais. Saber se os egressos de programas de treinamento estão utilizando na prática aquilo que foi aprendido é, sem dúvida, um dos mais importantes níveis de avaliação existentes. Tomando, portanto, como ponto de partida a importância da realização de avaliação para verificação do processo. de transferência de treinamento, o presente artigo tem por objetivo apresentar os efeitos de treinamento metodológico para instrutores de uma organização privada voltada para a profissionalização de trabalhadores e produtores rurais.

1.1 Treinamento e Desenvolvimento

O advento da globalização, bem como as constantes e aceleradas transformações tecnológicas, têm provocado importantes alterações nas estruturas das organizações modernas. A atuação das instituições sob bases rígidas, a fragmentação, a rotinização e a extrema hierarquia, marcas do taylorismo, cederam o seu lugar a uma atuação fortemente baseada no capital humano, no investimento organizacional para o aprimoramento e satisfação no trabalho. O acirramento da competição de mercado, a busca constante pela qualidade dos produtos e serviços e o uso de tecnologias cada dia mais avançadas promovem, no ambiente organizacional, a necessidade do estabelecimento de um novo paradigma fundamentado na flexibilização e no impulso pelo contínuo desenvolvimento de seus talentos humanos. No cenário em que as organizações modernas atuam, o treinamento situa-se como um importante sistema que proporciona aos indivíduos e às organizações um aperfeiçoamento de seus trabalhos e seu conseqüente desenvolvimento.

Muitos educadores referem-se ao treinamento como adestramento, ou seja, como uma ação mecanicista que leva em consideração somente a simples repetição de práticas. No entanto, esse significado não corresponde aos empregados por aqueles que se envolvem com a área de treinamento em organizações modernas. Afinal, num mundo globalizado em que impera o conhecimento amplo frente ao parcial, certamente não haverá trabalho para pessoas não qualificadas, nem para aquelas capacitadas sob o paradigma do adestramento.

Treinamento, portanto, reveste-se de um conceito mais abrangente, sendo um processo de educação especializada, sistematizada e intencional, que visa iniciar a pessoa em, aperfeiçoar ou atualizar determinado trabalho, conciliando os interesses e as necessidades do indivíduo com os objetivos institucionais.

Há diferentes posicionamentos entre os autores quanto à abrangência dos significados da palavra treinamento. Em estudo realizado por Bastos (1991), o sistema de treinamento é apresentado como um processo em evolução, acompanhando o desenvolvimento económico-social dos países. Referindo-se aos dois estudiosos do assunto, Pontual e Romiszowsky, e fazendo um paralelo entre suas visões, o autor relata o progresso do treinamento em quatro fases ou ondas, que se iniciam no processo da industrialização mundial e caminham até aos dias atuais. A primeira fase é calcada no modelo taylorista, do trabalho em série. O treinamento é visualizado como um evento de pouca importância para a organização e, quando realizado, tem como objetivo aumentar a produção e a produtividade. A segunda fase compreende o treinamento como um evento destinado ao aprimoramento da gerência e da supervisão, no sentido de administrarem com efetividade áreas específicas. A terceira fase começa a ter como foco dos treinamentos o indivíduo, e não somente o produto. Nessa fase, as organizações passam a visualizar o processo administrativo de maneira diferenciada, já delegando tarefas e retirando a excessiva centralização dos dirigentes. As pessoas passam a co-responsabilizar-se pela qualidade do trabalho e do produto. Inicia-se, assim, um processo de treinamento mais flexível e abrangente no que tange aos escalões das empresas. A quarta e última fase, ou onda, relaciona a informação e o conhecimento com o crescimento e o desenvolvimento institucionais, tendo-os como fontes imperiosas de um trabalho consciencioso.

Portanto, enquanto na década de 50 o treinamento era visualizado como um instrumento de aprimoramento do profissional unicamente em seu posto de trabalho, na década de 90 passa a ser apresentado como uma estratégia organizacional que tem por objetivo unir a informação e o conhecimento de toda a sua equipe de trabalho.

Assim como Bastos, também Goldstein (1980), em seu artigo sobre Treinamento e Desenvolvimento (T&D), enfatiza o avanço do sistema de treinamento, tornando o desenvolvimento econômico-social como base para tal evolução.

Os propósitos do treinamento estão sempre relacionados com a melhoria do desempenho do indivíduo ou de uma equipe no trabalho que exerce, a fim de: (1) superar determinadas limitações aparentes; (2) preparar pessoas para o exercício de trabalhos que requerem novos conhecimentos, habilidades e atitudes; e (3) readequar o trabalho em virtude da introdução de novas tecnologias. Esses aspectos estão sempre baseados nos princípios, diretrizes e metas organizacionais, bem como nas análises das tarefas e dos indivíduos.

1.2 Avaliação de treinamento

"Avaliar (...) se reveste de grande importância, uma vez que o homem, para desenvolver-se, necessita avaliar as suas experiências, reconhecer as suas possibilidades e limitações" (Soeiro e Aveline, 1982:29).

Atualmente, a ação organizacional de desenvolver programas de treinamento não pode abdicar dos procedimentos avaliativos, principalmente dos níveis mais complexos, como a transferência da aprendizagem e seus efeitos para a organização. São eles que apontam para as potencialidades e também para as fragilidades dos programas, e possibilitam o aprimoramento constante de todo o sistema de treinamento.

Para Abbad (1999), a avaliação de treinamento "é um conjunto de atividades, princípios, prescrições teóricas e metodológicas que visa, entre outros objetivos, produzir informações válidas e sistemáticas sobre a eficácia de sistemas instrucionais. Neste sentido ( ... ) é um subsistema do sistema maior denominado treinamento" (p.8).

A avaliação constitui um processo propulsor da efetividade do treinamento, e é aliada da melhoria organizacional. E com razão que Carvalho (1988:152) recomenda que a avaliação do treinamento deve merecer, de parte da gerência de formação, os mesmos cuidados que cercam a elaboração dos programas de desenvolvimento de recursos humanos".

Sendo subsistema de um sistema maior e portanto influenciada pelas abordagens conceituais sobre treinamento, a avaliação também vem passando por vários estágios de evolução, que acompanham os progressos conceituais da palavra treinamento. No primeiro estágio, a avaliação é realizada com base nas reações e opiniões dos participantes em relação ao treinamento. Mede-se a efetividade do programa a partir do grau de satisfação dos egressos em relação aos conteúdos, às técnicas, aos recursos instrucionais utilizados e ao instrutor. No segundo estágio, estudos experimentais investigam, com maior profundidade, os efeitos do treinamento. No entanto, aspectos sobre a influência do ambiente organizacional nos resultados dos treinamentos são ainda ignorados. O terceiro estágio da avaliação constitui-se na preocupação com a adequação metodológica dos estudos e na inclusão do ambiente organizacional como fator influenciador dos resultados dos programas implementados na área de T&D. No quarto e último estágio, a avaliação torna-se um processo tão importante quanto o planejamento e a execução de treinamentos. O foco passa a ser a validação de procedimentos para aferir o alcance dos programas de treinamento frente aos objetivos organizacionais (Goldstein, 1980).

1.3 Transferência da aprendizagem

Define-se como transferência da aprendizagem o grau em que os treinados aplicam, na situação real de trabalho, os conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridos no programa de treinamento. As condições para a transferência incluem (1) generalização do aprendido no contexto do trabalho; e (2) manutenção do aprendido após um certo período de tempo no trabalho.

Generalização do aprendido prende-se com a assimilação e a acomodação do conhecimento. Como assimilação tem-se a aplicação e a incorporação do aprendido às experiências acumuladas e vivenciadas. Acomodação é a capacidade de reorganizar o conhecimento, adaptando o que foi aprendido a novas experiências que surgem no trabalho. Manutenção do aprendido refere-se a constantes estímulos que retroalimentam a aprendizagem, fruto de um treinamento. Posto assim, para a generalização e a manutenção do aprendido concorrem importantes fatores, tais como o ambiente no trabalho, o apoio organizacional e a oportunidade de utilizar o conhecimento adquirido.

Chagas (1998) indica os seguintes fatores que podem inibir ou promover a transferência da aprendizagem: a orientação sobre o curso (informações dadas pelos instrutores e gerentes sobre os objetivos e conteúdos do curso); a relação do conteúdo com o cargo (o grau de proximidade do conteúdo aprendido à realidade do trabalho exercido); incentivos e recompensas (elogios e reconhecimento, como aumento de salário, promoção, repouso adicional, dentre outros); suporte gerencial (feedbackda gerência quanto ao comportamento no cargo); apoio dos colegas (incentivo, união de pares); clima organizacional (condições oferecidas pela organização para a aplicação dos conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridos no treinamento); e o tempo entre o término do treinamento e o início do trabalho. Todos estes fatores foram identificados pelo autor como responsáveis pela transferência da aprendizagem.

Britto (1999), Abbad (1999) e Sallorenzo (2000), que também investigaram as variáveis relacionadas com a transferência da aprendizagem, corroboraram os resultados de Chagas, apontando as condições psicossociais e o apoio organizacional como importantes indícios da alteração do comportamento no trabalho pós-treinamento.

Baldwin e Ford (1988) apresentam um interessante modelo para tratar das variáveis relacionadas à aprendizagem e retenção, bem como para generalização e manutenção do aprendido: (a) características dos aprendizes (trainees)- habilidades, personalidade e motivação; (b) configuração do treinamento princípios da aprendizagem, seqüenciamento e conteúdo; e (c) ambiente no trabalho - oportunidade de utilização.

Coffman (1990) e Cusimano (1996) reforçam a necessidade do apoio organizacional à transferência da aprendizagem, apontando como essencial o envolvimento dos gerentes e executivos no processo de treinamento para o sucesso do evento, no que diz respeito ao comportamento no trabalho.

A transferência da aprendizagem é, portanto, um construto multidimensional, tendo o apoio organizacional, o apoio de pares (colegas, supervisores, funcionários, etc) e a motivação inicial para o treinamento como algumas das importantes variáveis que interferem sobre ela (Salas e Bowers, 2001).

Há que se ressaltar, entretanto, que os estudos realizados foram direcionados, em sua maioria, para organizações públicas, pouco sendo verificados seus efeitos em instituições privadas.

A partir de todo este cenário, o presente artigo se detém nos seguintes problemas: quais são os efeitos do treinamento metodológico para instrutores de uma organização privada, sendo estes prestadores de serviço? Quais as variáveis que apontam para esses efeitos, na visão dos instrutores treinados e dos seus supervisores? A proposta deste artigo consiste, assim, em apresentar os efeitos do treinamento metodológico e os fatores que influenciam esses efeitos.

 

2. MÉTODO

2.1 O modelo da pesquisa

Os atuais estudos nacionais e estrangeiros relacionados com a avaliação de treinamento têm-se dedicado a verificar não apenas os efeitos dos eventos instrucionais realizados ou em realização pelas organizações, como também as variáveis que interferem nos efeitos, compondo, assim, um conjunto de situações que influenciam a generalização e a manutenção do aprendido.

Pesquisas têm apontado forte influência do apoio organizacional pós-treinamento, em relação aos efeitos de longo prazo de treinamentos. No modelo criado por Baldwin e Ford (1988), um dos fatores fundamentais para a generalização e retenção do aprendido em treinamento é o apoio organizacional. Para eles, a diminuição do uso dos novos conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridos em treinamento reflete, dentre outros motivos, a deficiência de recompensa pelo seu uso no trabalho. Estudos nacionais também revelam forte predição das variáveis relacionadas ao apoio organizacional no que tange aos efeitos a longo prazo de treinamentos.

As características do indivíduo são também apontadas, em algumas pesquisas nacionais, como variáveis influenciadoras dos efeitos de treinamentos. Paula (1992) verificou em seu estudo que quanto maior a formação acadêmica do treinado, maior a sua opinião favorável quanto às oportunidades de aplicabilidade do conteúdo aprendido no treinamento. Britto (1998) observou, como resultado de seu estudo, uma relação existente entre a idade do treinado e os efeitos do treinamento.

As variáveis referentes à motivação e ao interesse do treinado pela atividade exercida na instituição são mencionadas por Salas e Bowers (2001), Baldwin e Ford (1988), Lopes (1999) e Tannenbaum e Yukl (1992). Estes referem-se à motivação como um dos importantes fatores não só para a obtenção, mas também para a retenção de novos conhecimentos, habilidades e atitudes. Paula (1992) mostrou que uma maior possibilidade de utilzação dos conhecimentos, habilidades e atitudes obtidos em treinamento se prende a uma visão positiva da importância do evento instrucional para a maior eficiência do trabalho desempenhado pelo funcionário. Já a pesquisa realizada por Sallorenzo (2000) não constatou ser a motivação um forte preditivo de efeitos do treinamento a longo prazo, embora relate ser ela importante no que tange à atitude favorável do treinado em aplicar os novos conhecimentos e habilidades adquiridos.

Abbad (1999), em seu estudo sobre transferência da aprendizagem, constata que as variáveis concernentes à categoria características do treinamento exercem influência sobre os efeitos imediatos do treinamento. No entanto, em relação aos efeitos mediatos, ou seja, a longo prazo, essa categoria não se revela preditiva.

Tendo em vista os resultados obtidos em pesquisas desenvolvidas, o estudo abrangeu, como variáveis antecedentes, aquelas apontadas como responsáveis por influenciarem os efeitos do treinamento. Além disso, pelas características do evento instrucional estudado, optou-se por analisar também a influência de outra categoria de variáveis antecedentes - a didática dos instrutores.

Assim, o modelo da pesquisa conteve cinco categorias de variáveis antecedentes:

1. Características do treinamento
Refere-se a variáveis relacionadas com a estrutura do evento com a sua aplicabilidade prática, bem como com a importância atribuída a ele pelo egresso.

2. Trabalho desenvolvido
Contempla variáveis relacionadas com o trabalho que o instrutor exerce, com a sua dedicação e empenho para se aprimorar, bem como com a sua intenção de permanecer na instituição.

3. Apoio organizacional
Enfoca um conjunto de variáveis relacionadas com as ações de apoio realizadas pela organização junto ao egresso do treinamento, que contribuem para a transferência da aprendizagem.

4. Características do indivíduo
Refere-se a um conjunto de variáveis que identificam os egressos do treinamento

5. Didática
Refere-se à postura do instrutor diante da turma e sua concepção sobre educação de adultos.

Como variáveis-critério, observaram-se:

1. Atuação metodológica
Os procedimentos de ensino adotados pelos instrutores egressos de treinamento metodológico.

2. Elaboração de plano instrucional
Refere-se à fabricação do planejamento de aula a ser seguido na execução da formação profissional rural, constando ali objetivos, conteúdos, técnicas, recursos instrucionais, avaliação e carga horária.

2.2. Amostra

A pesquisa desenvolveu-se no Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - SENAR, instituição de educação profissional, de administração privada, criada pela Lei nº 8.315, de 23 de dezembro de 1991. A sua responsabilidade está em executar, em nível nacional, duas vertentes de trabalho: a Formação Profissional Rural-FPR e a Promoção Social-PS de trabalhadores e pequenos produtores rurais. É composto por uma Administração Central localizada em Brasília/DF e 27 Administrações Regionais localizadas em todos os estados e Distrito Federal.

Para o desenvolvimento do estudo foram selecionadas 14 Administrações Regionais nas quais são realizados treinamentos metodológicos pela equipe da Administração Central. Como respondentes utilizou-se uma amostra de 234 instrutores egressos do treinamento metodológico, e 50 supervisores.

Com relação aos anos em que os instrutores da amostra participaram dos treinamentos metodológicos, a Tabela 1 apresenta os números.

 

 

A amostra foi selecionada de maneira intencional, não-aleatória, pelos seguintes motivos: (1) a limitação de tempo estipulado para coleta de dados impediu, em várias Administrações Regionais (principalmente as das regiões Norte e Nordeste1), que a pesquisa ocorresse junto a instrutores que estavam ministrando eventos de FPR ou de PS em localidades distantes das sedes; e (2) no SENAR, os supervisores devem planejar com antecedência viagens ao interior do estado, informando aos diretores técnicos os locais, os instrutores a serem supervisionados e a época da supervisão, para controle administrativo interno.

2.3. Instrumentos de coleta de dados

A pesquisa utilizou-se de auto-avaliações (questionários respondidos pelos instrutores egressos do treinamento metodológico) e heteroavaliações (roteiro de observação preenchido pelos supervisores). Na auto-avaliação são apresentados itens concernentes a todas as cinco categorias de variáveis antecedentes. Já na heteroavaliação, os itens relacionam-se com a categoria de variáveis antecedentes - didática.

Para a coleta de dados utilizaram-se as seguintes técnicas: (1) aplicação de questionário para instrutores, aí se incluindo 80 itens, sendo 4 relacionados com as características do treinando, 15 itens sobre o trabalho desenvolvido pelo instrutor, 12 sobre o treinamento de metodologia, 19 itens sobre o contexto funcional, 25 itens sobre didática e, finalmente, 5 itens sobre elaboração e utilização do plano instrucional; (2) preenchimento de roteiro de observação, pelos supervisores, a partir da verificação in loco da metodologia adotada pelo instrutor. O roteiro compôs-se de 39 itens, todos referentes à didática e à elaboração e utilização do plano instrucional; e (3) análise das questões abertas dos instrumentos preenchidos e dos planos instrucionais elaborados pelos instrutores.

A elaboração dos questionários para instrutores, bem como o roteiro de observação, basearam-se num dos instrumentos de pesquisa utilizados por Abbad (1999) e por Sallorenzo (2000), sofrendo adaptações necessárias à realização do estudo. Os exemplares do questionário dos instrutores - auto-avaliação e roteiro de observação -, relatados no estudo, podem ser encontrados em Costa (2002).

2.4. Procedimentos de análise dos dados

Realizaram-se análises qualitativas das questões com o intuito de identificar observações importantes e espontâneas dos respondentes. Análises dos planos instrucionais elaborados pelos instrutores também foram realizadas, com o fito de verificar o grau de comprometimento desses agentes no que tange ao empenho na feitura do planejamento.

Foram ainda realizadas análises fatoriais e de consistência interna, tendo como objetivo identificar grupos de variáveis correlacionadas, bem como verificar a validade e a confiabilidade dos fatores encontrados. Os critérios utilizados para a extração de fatores foram: o valor do autovalor (Eigenwert)maior ou igual a um, a contribuição individual para a variância "explicada" (acumulada) e a estrutura empírica dos fatores. O critério para a aceitação de itens em cada fator foi de cargas fatoriais de pelo menos 0,30. Os fatores resultantes foram submetidos à análise de consistência interna (alfa de Cronbach), sendo que o nível de confiabilidade mínimo utilizado foi de 0,60.

Para a realização das análises fatoriais utilizou-se o método de rotação oblíqua Oblimin. Este tipo de rotação, indicado por Pasquali (2000), justifica-se pela natureza dos fenômenos sociais, que são multideterminados e, portanto, correlacionados. Este pressuposto foi confirmado pelos resultados das matrizes de correlação entre fatores, os quais apresentaram índices de correlação acima de 0,30.

Os casos omissos verificados nos resultados da pesquisa foram abaixo de 5%, possibilitando a substituição pela média das respostas.

As análises de regressão múltipla foram realizadas para avaliar a natureza e a magnitude do relacionamento existente entre as variáveis preditivas e as variáveis critério. Foi escolhido para isto o método de regressão múltipla padrão. Assim, realizaram-se quatro análises de regressão padrão para testagem do modelo, considerando significantes as variáveis com nível de 5% (p< 0,05).

 

3. Resultados

Os resultados da pesquisa indicam que 77% dos instrutores lecionam ou já lecionaram em outras instituições, dentre as quais estão universidades, escolas de ensino médio, SENAI e SENAC. Apesar dessa experiência docente, 56% dos instrutores afirmam não ter realizado nenhum treinamento metodológico em outra organização afora o SENAR.

Quando cruzadas as informações sobre o tempo de trabalho no SENAR e o número de eventos já realizados, verifica-se que 36% dos instrutores prestam serviço à instituição há mais de 5 anos e já ministraram mais de 36 eventos profissionalizantes, o que demonstra uma experiência significativa de trabalho na instituição.

Constata-se o bom relacionamento entre supervisores e instrutores, uma vez que 89% dos instrutores afirmam estar em sintonia com os supervisores. Quanto ao relacionamento com outros colegas de trabalho, os posicionamentos são bastante variados: 34% dos instrutores respondem que sempre discutem aspectos técnico-metodológicos com os seus pares; 24% afirmam estar em contato freqüente com seus pares; 20% dizem que algumas vezes conversam com colegas sobre o assunto "metodologia"; 18% afirmam que raramente conversam com colegas; e 4% afirmam que nunca trocam idéias sobre aspectos metodológicos com seus pares.

Os resultados obtidos em relação à opinião dos supervisores e dos instrutores, quanto à didática empregada nas ações do SENAR, consideram-se bastante positivos. Tanto os supervisores quanto os instrutores afirmam ser respeitados os princípios considerados importantes para o processo de ensino-aprendizagem de adultos. Na opinião de ambos, há uma definição clara dos objetivos a serem alcançados durante os eventos de FPR e de PS, fornecendo segurança e firmeza no desempenho das tarefas por parte daqueles que participam dos eventos promovidos pelo SENAR. É estimulada a participação ativa dos treinandos (trainees)nos eventos, por meio da organização de trabalhos em grupo e resolução de problemas; realizam-se ajustes e redirecionamentos quando necessário; é costumeiro o elogio aos participantes nos momentos oportunos, e um retorno à explicação de certa prática quando determinado(s) , treinando(s) não consegue(m) realizá-la corretamente.

Os supervisores e os instrutores também apontam para uma preocupação existente em estabelecer elos de ligação entre os novos conhecimentos e os anteriores, não deixando os assuntos fragmentados e desconexos, e também em socializar os assuntos aos treinandos, respondendo as questões de maneira coletiva.

Em relação à heteroavaliação, 57% dos supervisores teceram comentários elogiosos aos instrutores, como por exemplo:

" ... ficou explícito o aproveitamento dos treinandos, pelo excelente conhecimento técnico do instrutor e, principalmente, pela maneira de explicar os assuntos."

" ... estimulava os participantes, elogiando-os pelo desempenho correto nas tarefas (...). Dominava as técnicas instrucionais aplicadas, mantendo a atenção dos participantes."

"A instrutora demonstrou capacidade e destreza no desenvolvi mento durante o curso, resolvendo as situações ocorridas com domínio do assunto e liderança perante a turma."

Quanto aos 43% dos supervisores que descrevem os pontos frágeis no desempenho dos instrutores no que tange à postura diante da turma, eis algumas das suas observações:

"Observou-se que existem alguns pequenos vícios de linguagem e de postura d.o instrutor que podem ser melhorados com um treinamento de atualização metodológica."

"Deveria ter utilizado mais perguntas e exigido total atenção de toda a turma quando respondia a pergunta de algum aluno, enquanto os outros trabalhavam em ou tros afazeres."

No que tange à auto-avaliação, 46% das observações feitas pelos instrutores relacionavam-se a problemas com a organização dos eventos e seus impactos na didática e utilização dos planos instrucionais; 24% sugeriam a realização de outros treinamentos metodológicos no sentido de aperfeiçoar os trabalhos dos instrutores em campo; 16% indicavam haver dificuldades de ordem administrativa entre eles e as Administrações Regionais (tais como falta de reuniões metodológicas e formas inadequadas de distribuição de eventos para cada instrutor); 9% das observações referiam-se a uma insatisfação quanto à remuneração; e 5% à necessidade de realização de cursos de aperfeiçoamento técnico para instrutores.

Os instrutores apontam para a organização dos eventos como um dos pontos frágeis da instituição, fato que interferiria na utilização do plano instrucional durante o desenvolvimento do evento em campo. Eles se mostram favoráveis à elaboração do plano instrucional, mas indicam não disporem de todas as informações necessárias sobre as características do público-alvo para uma elaboração efetiva do planejamento de ensino. Assim, durante a execução da ação sentem-se forçados a realizar alterações nos planos instrucionais e a fazer readequações na condução dos eventos para atender às necessidades da clientela -trabalhadores e produtores rurais.

De um total de 137 planos instrucionais recebidos e analisados, podem ser feitas, no que concerne a aspectos metodológicos, as seguintes observações:

1. A grande maioria dos instrutores (88%) elabora planos instrucionais seguindo a formatação recomendada nos treinamentos metodológicos.

2. Com relação aos objetivos, 83% dos planos instrucionais analisados apresentam objetivos geral e específicos. Quanto à clareza da feitura dos objetivos, verifica-se que os instrutores sempre (65%) ou freqüentemente (23%) deixam de explicitar os componentes necessários (ação, condição e critério) para a compreensão objetiva do que os participantes realizarão ao longo do evento.

3. Em se tratando da análise dos conteúdos, verifica-se que 61% dos planos instrucionais quer não consideram (43%), quer poucas vezes consideram (18%) aspectos relacionados com a saúde e a segurança do trabalhador. Mas apesar desses aspectos estarem pouco explicitados nos planos instrucionais, eles são abordados durante o desenvolvimento das ações, segundo as opiniões dos instrutores e dos supervisores. Há, portanto, em alguns casos, um divórcio entre o que se planeja e o que se executa.

4. A maioria dos planos instrucionais apresenta coerência entre conteúdos e objetivos. Os conteúdos são plenamente relacionados aos objetivos específicos em 66% dos casos, e em 88% deles obedecem a uma seqüência lógica na sua exposição.

5. Com relação às técnicas instrucionais, verifica-se que elas estão sempre (56%) ou freqüentemente (25%) em sintonia com os objetivos e conteúdos. No entanto, há uma tendência a utilizar sempre as mesmas técnicas instrucionais: elas pouco se diversificam (56%) ou permanecem exatamente as mesmas (11%).

6. Quanto aos recursos instrucionais relatados nos planos instrucionais, observa-se que 82% deles são coerentes com os objetivos propostos, com os conteúdos e com as técnicas instrucionais.

7. Igualmente, os procedimentos de avaliação previstos nos planos instrucionais apresentam, em 65% dos casos, grande coerência com os objetivos propostos.

3.1. Análises fatoriais

Para identificar padrões de correlação entre os itens e examinar a existência de dimensões subjacentes às variáveis, os resultados do questionário para instrutores e do roteiro de observação submeteram-se a análises fatoriais, começando por análises exploratórias e, em seguida, análises confirmatórias.

Com o objetivo de verificar a fatorabilidade dos dados relacionados à heteroavaliação (supervisores), os itens foram submetidos à análise dos componentes principais, obtendo uma medida de adequação amostral Kayser-Meyer-Olkin (KMO) igual a 0,88. Este índice, segundo Pasquali (2000), representa uma adequação da amostra "meritória" em termos de análise fatorial.

A partir das análises dos componentes principais e do teste scree,conduziram-se extrações de 1 e 2 fatores, sendo que a solução de somente um fator - didática - foi a que apresentou melhor consistência teórica. A estrutura final do fator apresentou um alto índice de correlação (alfa de Cronbach igual a 0,92) e variância explicada de 26,82% (ver tabela 2).

 

 

Com relação à auto-avaliação (instrutores), os itens foram também submetidos a análises fatoriais, sendo que a solução de três fatores foi a que apresentou melhor consistência teórica. O fator 1 (ver tabela 3) - características do treinamento de metodologia, apresentou α =0,76 e variância explicada de 27%.

 

 

O fator 2 (ver tabela 4) - trabalho desenvolvido, apresentou α = 0,66 e variância explicada de 38%.

 

 

O fator 3 (tabela 5) - contexto funcional apresentou α = 0,84 e variância explicada de 22%.

 

 

Apesar de a didática ter sido considerada, em primeira análise, como um fator, esta não mostrou uma significativa consistência dos dados, apresentando um alfa de Cronbach igual a 0,56, insuficiente para tê-la como um fator representativo.

3.2. Relação entre as variáveis antecedentes e variáveis-critério

As relações entre as variáveis antecedentes e as variáveis-critério foram verificadas utilizando-se quatro análises de regressão múltipla padrão. Neste momento, transformações em todos os fatores encontrados no estudo foram necessárias para corrigir desvios de assimetria e curtose acima de 3, seguindo, assim, as orientações de Tabachnick e Fidell (2001).

No que tange à heteroavaliação, realizaram-se duas análises de regressão múltipla padrão no sentido de verificar quais as variáveis preditivas da elaboração do plano instrucional e da atuação metodológica.

O primeiro modelo de regressão, tendo a elaboração do plano instrucional como variável-critério e a didática como variável antecedente não foi significativo, denotando haver pouca influência da didática sobre a elaboração do plano instrucional. Infere-se a partir disso que os supervisores não vêem a variável didática como preditiva da elaboração do plano instrucional.

O segundo modelo de regressão teve como variável antecedente a didática, e variável-critério a atuação metodológica. Como resultado, verificou-se uma relação significativa entre as variáveis, como apresenta a tabela 6.

 

 

Os dados apresentados na tabela 6 indicam que as variáveis pertencentes ao fator didática explicam 45% a atuação metodológica do instrutor, com 100% de significância, revelando força de predição. Indicam, portanto, que para o supervisor, quanto mais o instrutor atribui importância à didática e a exerce levando em consideração os aspectos concernentes à educação de adultos, melhor é a sua atuação metodológica.

No entanto, a didática não influencia a elaboração do plano instrucional. A resposta para este resultado pode estar no fato do planejamento ser um instrumento solicitado ou mesmo cobrado pela Regional, mas pouco analisado e incorporado no trabalho institucional como ferramenta aliada à didática.

Quanto à auto-avaliação, realizaram-se dois modelos de regressão múltipla padrão. O primeiro considerou como variável-critério a elaboração do plano instrucional, e como variáveis antecedentes: grau de escolaridade, idade, sexo, área de atuação no SENAR, número de eventos ministrados, tempo de trabalho na instituição, ano de participação no treinamento metodológico, experiência docente em outras instituições de ensino, realização de treinamentos didáticos por instituições diversas, tempo de exercício da atividade profissional, características do treinamento metodológico, apoio organizacio;'al e trabalho desenvolvido.

Verificou-se que este modelo de regressão não foi preditivo da elaboração do plano instrucional. No entanto, observando as variáveis com grau de significância acima de 95% (p<0,05), grau de escolaridade β = -0,15 e p=0,041) e quantidade de treinamentos didáticos realizados pelos instrutores (β = 0,17 e p= p 0,02), pode-se verificar que as mesmas se apresentam como preditivas da variável-critério estudada.

Estes resultados indicam que quanto maior o grau de escolaridade do instrutor menor a possibilidade de elaboração do plano instrucional, e quanto maior a participação do instrutor em treinamentos de didática maior a possibilidade de elaboração do plano instrucional.

A explicação para a relação negativa entre grau de escolaridade e elaboração do plano instrucional pode estar no fato de que instrutores com alto grau de escolaridade sentem suficiente confiança para ministrarem um evento profissionalizante sem se preocuparem com a elaboração de um planejamento. Já instrutores com grau de escolaridade mais baixo sentem-se mais seguros em suas tarefas com a elaboração do plano instrucional.

Da mesma forma, aqueles que já passaram por diversos treinamentos didáticos estão mais conscientes da importância de se elaborar um planejamento do que aqueles que passaram por poucos ou um só treinamento. Daí a importância de programas de atualização metodológica junto aos instrutores do SENAR, no sentido de reforçar, junto a eles, elementos relacionados com a questão do planejamento.

O segundo modelo de regressão teve como variável-critério a atuação metodológica do instrutor, e como variáveis antecedentes: grau de escolaridade, idade, sexo, área de atuação no SENAR, número de eventos ministrados, tempo de trabalho na in,stituição, ano de participação no treinamento metodológico, experiência docente em outras instituições de ensino, realização de treinamentos didáticos por instituições diversas, tempo de exercício da atividade profissional, características do treinamento metodológico, apoio organizacional e trabalho desenvolvido.

Este modelo foi considerado preditivo da atuação metodológica, tendo as características do treinamento metodológico, o apoio organizacional e o trabalho desenvolvido como variáveis preditivas da atuação metodológica do instrutor, como demonstrado pela tabela 7.

 

 

Os dados da tabela 7 apontam que as características do treinamento metodológico, o apoio organizacional e o trabalho desenvolvido, nesta ordem, explicam em 15% (R2 ajustado =0,15) a atuação metodológica e têm graus de significância acima de 95%, sendo importantes preditivos dessa variável-critério.

Pode-se observar que quanto maior é o apoio organizacional, a importância atribuída ao papel ocupacional e a realização de treinamento metodológico, melhor é a atuação metodológica dos instrutores, conforme relatado por eles na auto-avaliação. Quer isto dizer que, na visão desses agentes, este conjunto de variáveis deve ser considerado importante para que a atuação metodológica dos instrutores seja positiva.

 

4. Discussão

Verificou-se que as variáveis antecedentes contidas no estudo prediziam com muito mais intensidade a atuação metodológica do instrutor do que a elaboração de plano instrucional. Pode-se dizer que o modelo de pesquisa utilizado apresenta poucas variáveis preditivas da elaboração do plano instrucional (concentrando-as na categoria 'características do indivíduo') e que, para melhor verificar os efeitos do treinamento em relação a esta variável critério, outros itens de pesquisa devem ser incluídos em estudos futuros que desejarem analisar a elaboração do plano instrucional como variável dependente.

Quanto à variável-critério atuação metodológica do instrutor, percebe-se que, de um modo geral, grande parte das variáveis antecedentes contidas nos instrumentos de auto- e heteroavaliação se apresentam como suas preditivas, revelando a força dos instrumentos utilizados para relacionar estas variáveis.

As características do treinamento de metodologia, o apoio organizacional e o trabalho desenvolvido estão significativamente relacionados com a atuação metodológica, na visão dos instrutores; enquanto que a didática se apresenta como sua preditiva, na visão dos supervisores. A explicação do fato de a didátiéa não ter sido percebida, na auto-avaliação (instrutores), como fator preditivo da atuação metodológica pode estar no seguinte fato: esses profissionais atribuem a força de um bom trabalho metodológico muito mais a variáveis relacionadas com o apoio organizacional do que a variáveis relacionadas com os procedimentos de ensino adotados por eles durante a execução da Formação Profissional Rural ou da Promoção Social.

Diferentemente dos resultados de outras pesquisas nacionais, as características do treinamento mostram-se como variáveis que influenciam, a longo prazo, a atuação metodológica do instrutor. Revelam-se, portanto, como um dos pressupostos ao bom desempenho na função dos instrutores e, portanto, fazem deste evento um objeto de desenvolvimento profissional, que deve ser continuamente incentivado e aprimorado pela instituição.

Os resultados indicam haver relação positiva entre a variável 'quantidade de treinamentos didáticos realizados pelos instrutores' e a variável-critério 'elaboração do plano instrucional', sugerindo a necessidade de uma constante preocupação 'institucional em desenvolver eventos instrucionais que aperfeiçoem os trabalhos metodológicos dos instrutores e, por conseguinte, reforcem a importância do ato de planejar uma ação profissionalizante.

Instrutores com maior escolaridade tendem a ministrar os eventos de FPR ou de PS sem se preocuparem tanto em elaborar planejamento. Esta situação tende a ocorrer em menor escala com instrutores com escolaridade menor. Estes, possivelmente, sentem-se mais seguros ao ministrar eventos que sejam planejados previamente. Estão nas variáveis relacionadas às características do indivíduo aquelas que mais predizem a elaboração do plano instrucional. A explicação pode estar no fato de que planejar é fruto da necessidade sentida, bem como da importância atribuída por cada instrutor ao planejamento. Já a atuação metodológica associa-se a uma série de variáveis que não só se relacionam diretamente com o instrutor, como estão vinculadas ao modus operandida instituição SENAR.

O apoio organizacional, indicado no modelo de Baldwin e Ford (1988) como preditivo dos efeitos de treinamentos, foi confirmado, na presente pesquisa, como variável significativa no que tange à atuação metodológica, corroborando também os estudos nacionais.

De acordo com Lima et al.(1989), o sistema de acompanhamento pós-treinamento junto ao seu egresso, bem como o apoio de colegas e supervisores, reforça a transferência da aprendizagem e estimula o relacionamento entre eles. A presente pesquisa também reforça a importância deste entendimento, acreditando que reforços pós-treinamento são mantenedores do aprendizado.

Concluindo, o treinamento de metodologia revela-se, na organização pesquisada, um evento fundamental para um trabalho metodológico responsável e competente por parte do instrutor, mas que deve estar sempre aliado a outros fatores para que possa cumprir bem o seu papel.

 

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Recebido: 10/06/03
Revisado: 30/09/03
Aceito: 25/10/03

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