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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.4 n.1 Florianópolis jun. 2004

 

ARTIGOS

 

A sobrevivência como estratégia para suportar o sofrimento no trabalho bancário

 

The survival as strategy to deal with suffering in the bank work

 

 

Sônia ResendeI; Ana Magnólia MendesII

IMestre em Psicologia Social e do Trabalho pela UnB, psicóloga em Hospital Público no Distrito Federal (sonia_resende@hotmail.com.br)
IIDoutora em Psicologia pela UnB, Professora adjunta do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, Instituto de Psicologia na UnB (anamag@unb.br)

 

 


RESUMO

O artigo relata a investigação das vivências de prazer e sofrimento e suas relações com os valores individuais no trabalho bancário. O foco recai sobre a representação do valor do trabalho, no sentido de verificar se o trabalho promove identidade e realização ou se tem um significado de sobrevivência, considerando a falta de opção no mercado e o medo da exclusão. São utilizadas as teorias da Psicodinâmica do Trabalho e da Estrutura Universal dos Valores Humanos. Participaram da pesquisa 210 bancários da função de atendimento ao público, 51,9% do sexo masculino e 48,1% do sexo feminino, de instituições públicas (61,3%) e privadas (38,7%), com idade até 30 anos (59,2%); tempo de serviço de até 5 anos (57,2%), nível universitário (75,2%), remuneração entre 1 e 5 salários mínimos (48,3%). Foram aplicados o Inventário de Valores de Schwartz e a Escala de Indicadores de Prazer-Sofrimento no Trabalho, ambos validados. Utilizou-se estatística descritiva, teste "t" e regressões lineares. Os resultados apontam que os bancários vivenciam prazer e sofrimento de forma moderada. A correlação entre os fatores de prazer-sofrimento e valores é frágil, levando a concluir que o sofrimento desses trabalhadores não está sendo influenciado pelas características individuais, mas possivelmente, segundo postulados da Psicodinâmica do Trabalho, pela organização do trabalho.

Palavras-chave: Psicodinâmica; prazer-sofrimento no trabalho; valores humanos.


ABSTRACT

This paper investigates the relation between pleasure-suffering experiences and individual values in the banking work. Its focus is on the representation of the value of work, in terms ofchecking if the work promotes identity and self-realization or if it means just survival, considering the lack of other options and the fear ofexclusion. The Psychodynamics of Work and the Universal Structure of Human Values theories are used. The research was undertaken with 210 bank workers of the information sector, 51.9% males, 48.1% females, 61.3% from public and 38.7% from private institutions, with ages up to 30 years (59.2%), with college degrees (75.2%), with up to 5 years of work in the institution, receiving 1 to 5 times the minimum wage (48.3%). Schwartz's Values Inventory and Pleasure-Suffering Scale were applied, both validated. Descriptive statistics, "t" test and linear regressions were used. The results suggest that pleasure and suffering are experienced in a moderate intensity. The correlation between pleasure-suffering and individual values is weak, leading to the conclusion that the suffering among these workers is not being influenced by the characteristics of individuais, but possibly - according to postulates of the Psychodynamics of Work -, by the organization of work.

Keywords: Psychodynamics; pleasure-suffering in the work field; human values.


 

 

Os anos 90 do século XX representaram um período de intensas transformações na economia mundial. No contexto do liberalismo económico e da conseqüente globalização dos mercados, os governos de vários países abrem mercados, privatizam empresas e realizam cortes de postos de trabalho, ao mesmo tempo em que produzem recessão e aumento de déficitspúblicos. O desenvolvimento proporcionado por este modelo económico amplifica, contudo, as desigualdades sociais, em virtude da concentração de renda nas mãos de quem detém o poder económico. Em tal contexto, o trabalho perde seu valor como direito, tornando-se cada vez mais uma concessão.

No passado, o emprego era sinónimo de segurança e a fidelidade entre empregado e empresa era recíproca. Atualmente, as constantes reestruturações e mudanças transformam a questão da estabilidade. A carreira profissional, desenvolvida anteriormente na empresa, passa a ser de responsabilidade do profissional. O termo empregabilidade, amplamente divulgado na área gerencial, traz, subjacente, a crença de que é responsabilidade do trabalhador manter o seu potencial de conseguir empregos.

De acordo com Dejours (2001), a tese do "fim do trabalho" não se sustenta. O que se observa é uma reviravolta nas condições e na estabilidade do emprego: as pessoas trabalham cada vez mais, sem ser pagas pelo que fazem e sem o amparo legal correspondente. Neste contexto, ressalta ainda o autor que o primeiro elemento estruturante do trabalho, hoje, é o medo e a ameaça do desemprego. Os salários vêm se estagnando ou diminuindo, assim como as condições de trabalho e de segurança no emprego, o que acontece apesar do crescimento económico das grandes empresas (Chomsky, 2002).

Com base na breve análise desse contexto, identifica-se a situação do Brasil, que está entre os países capitalistas que mais concentram os extremos da riqueza e da miséria. Com a introdução de novas formas de produção, cresce o processo de exclusão do trabalhador no mercado de trabalho. Os trabalhadores tentam sobreviver às situações de desemprego e subemprego.

No ranking mundial de desemprego, o Brasil passa para o segundo lugar, perdendo apenas para a India. No cenário brasileiro, no ano de 2002, são registrados recordes históricos: o desemprego no país chega a 7,6%, no mês de abril, segundo dados do IBGE.

É neste contexto que se insere o trabalhador empregado formalmente, lutando para permanecer em seu emprego diante das dificuldades económicas, do índice de desemprego e da oferta crescente de mão-de-obra qualificada. A oferta de força de trabalho, mais abundante e adequada, permite às organizações o livre exercício da rotatividade.

Considerando-se as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, verifica-se que uma das categorias mais atingidas é a dos bancários. Os bancos vêm enfrentando questões adversas no mercado, com fusões e privatizações das instituições financeiras, acarretando o fechamento de agências, diminuição de quadro de pessoal, terceirizações e aumento de exigência da produtividade. Não só no Brasil como em todo o mundo, pesquisadores apontam as graves repercussões, na categoria bancária, da globalização e da reestruturação produtiva das instituições financeiras, efeito do sistema económico neo-liberal.

Registra-se, especificamente no Brasil, que até 1994 os bancos conviveram com uma economia relativamente fechada. Porém, a partir da estabilização da moeda (o Real), neste mesmo ano, a inflação deixa de ser a principal fonte de lucro dos bancos, que implementam, então, a reestruturação produtiva para sobreviver no mercado. O número de bancos no país sofre, assim, redução de 20%, passando de 246 em 1994 para 197 instituições em 2000 (DIEESE, 2002).

Na reestruturação produtiva do setor bancário, acontece principalmente a redução de custos por meio do uso maciço de tecnologias de informação, informática e telemática, investimentos no auto-atendimento (caixas eletrônicos, internet), utilização de mão-de-obra terceirizada para atividades como análise de crédito, compensação de cheques e telemarketing. Recorre-se à fusão de postos de trabalho, redução de níveis hierárquicos e fechamento de agências e difusão de postos de atendimento com menos empregados e mais máquinas (Ferreira e Weill-Fassina, 1996; Ferreira, 1997; Uchida, 1998; Segnini, 1999; Lima, 1999; DIEESE, 2002). No Brasil, em dez anos, a categoria é reduzida de 812 mil para 497 mil postos de trabalho (DIEESE, 2002) por meio de demissões e, nos bancos estatais, pelos Programas de Demissão Voluntária e Estímulo à Aposentadoria.

O perfil tradicional do bancário, que tinha como principal meio de trabalho a moeda, passa a ser, cada vez mais, o de um novo profissional, que tem na informação a sua principal ferramenta. No entanto, esta tecnologia não enriquece o trabalho. Ao contrário, a informatização é percebida pelos bancários como uma fonte de empobrecimento do conteúdo do seu trabalho (Lima, 1999).

Dentro deste cenário, surgem dúvidas sobre a relação do trabalhador, hoje, com o seu trabalho. É sua motivação primeira a manutenção do emprego? Sendo assim, seria o prazer que as pessoas mencionam, na verdade, um prazer que estaria encobrindo o sofrimento de se ter de permanecer, sem opção, em determinada atividade? Ou propiciaria ainda o trabalho em primeiro lugar o prazer, apesar do contexto atual?

Para responder a estas perguntas, a pesquisa investiga os valores individuais e prazer-sofrimento no trabalho bancário, considerando as relações entre trabalho e sobrevivência. Para tanto, são utilizados dois modelos teóricos: a Estrutura Motivacional dos Valores Humanos (Schwartz e Bilsky, 1987, 1990; Schwartz, 1992) e o modelo da Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 1987, 1997, 1999, 2001), Mendes e Tamayo, (2001), Mendes e Morrone, (2002), Ferreira e Mendes, (2001), Ferreira e Mendes, (2003), Barros e Mendes, (2003) e Mendes e Morrone (2002), que estudam as vivências de prazer-sofrimento em diferentes categorias profissionais.

Para a Psicodinâmica do Trabalho, as vivências de prazer -sofrimento inscrevem-se numa relação intersubjetiva e ocorrem, principalmente, em função da Organização do Trabalho, nas questões ligadas diretamente à atividade de trabalho em si e, também, às relações sócio-profissionais com a Empresa, com a chefia e com os colegas de trabalho.

As vivências de prazer-sofrimento formam um único construto, constituído por quatro fatores: gratificação, liberdade, insegurança e desgaste.

O prazer no contexto do trabalho acontece quando se vivencia a gratificação e a liberdade. A gratificação é o sentimento de satisfação, realização, orgulho e identificação com um trabalho que atende às aspirações profissionais. A liberdade é o sentimento de estar livre para pensar, organizar e falar sobre o trabalho, considerando-se que o modo particular de trabalhar é reconhecido pelas chefias e colegas.

O sofrimento é vivenciado quando experimentados a insegurança e o desgaste no trabalho. A insegurança é vivenciada pelo receio de perder o emprego e por não se conseguir atender a expectativas relacionadas a competência profissional, a exigências de produtividade e a pressões do trabalho. O desgaste é o sentimento de que o trabalho causa estresse, sobrecarga, tensão emocional, cansaço, ansiedade, desânimo e frustração.

Quando não há espaço para a expressão da individualidade, quando não há o reconhecimento, quando o sistema se apresenta rígido de forma a não permitir a mobilização do trabalhador, este recorre aos mecanismos de defesa, que se caracterizam por comportamentos de isolamento psicoafetivo e profissional do grupo de trabalho, de resignação, de descrença, de renúncia à participação, de indiferença e de apatia. Estas defesas têm papel ambíguo: se, por um lado, são necessárias para manter o equilíbrio psíquico, por outro podem levar a imobilismo e alienação. Borges (2001), ao pesquisar a função de Caixa bancário, depara-se com a utilização de estratégias defensivas como racionalização e individualismo competitivo, e alta prevalência de doenças, atribuindo principalmente ao medo da exclusão o fato de os sujeitos suportarem as atuais condições de trabalho do banco.

Além disso, a depender da inter-relação entre trabalhador-trabalho, do saber-fuzer e do coletivo de trabalho, pode-se dar lugar a um processo de transformação do sofrimento em situações geradores de prazer, o que é denominado mobilização subjetiva, caracterizada pelo uso do espaço público de discussões sobre o trabalho.

Os valores são definidos como critérios ou metas que transcendem situações específicas, ordenados por sua importância e que servem como princípios orientadores da vida do indivíduo (Schwartz, 1999). Nesta pesquisa, as prioridades axiológicas têm como objetivo explicar as escolhas profissionais e empregatícias do indivíduo.

A tipologia universal de valores proposta por Schwartz e Bilsky (1987) apresenta a classificação dos valores em dez tipos motivacionais (Schwartz, 1992): poder (busca e preservação de uma posição social dentro de um sistema social); auto-realização (sucesso pessoal através da demonstração de competência de acordo com as regras sociais); hedonismo (prazer e gratificação para si mesmo); estimulação (novidade e estimulação na vida); autodeterminação (independência de pensamento e ação); universalismo (compreensão e proteção do bem-estar de todos e da natureza); benevolência (preocupação com o bem-estar de pessoas próximas); tradição (respeito, compromisso e aceitação dos costumes e idéias de uma cultura ou religião); conformidade (restrição de ações e impulsos que podem magoar outros ou violar as expectativas sociais e normas) e, finalmente, segurança (segurança, harmonia e estabilidade da sociedade, dos relacionamentos e de si mesmo).

Estes dez tipos motivacionais podem ser classificados em fatores de segunda ordem, nos quais poder e auto-realização são agrupados em: autopromoção; hedonismo, estimulação e autodeterminação, indicando abertura à mudança; universalismo e benevolência enquadrando-se na autotranscendência; e segurança, conformismo e tradição formando o tipo conservação. os fatores de segunda ordem representam as compatibilidades e os conflitos entre os agrupamentos, ou seja, abertura à mudança versus conservação e autopromoção versus autotranscendência (Schwartz, 1992).

Com base nessa fundamentação conceitual, a pesquisa objetiva investigar os tipos motivacionais dos valores e os indicadores de prazer-sofrimento no trabalho bancário, considerando o cenário atual que envolve as relações entre trabalho e sobrevivência.

 

1. Método

1.1 Amostra

Participam da amostra 210 bancários que desempenham função de atendimento ao cliente (em mesas e no auto-atendimento, excluindo-se caixas), provenientes de bancos públicos e privados localizados no Distrito Federal.

Dentre a amostra, 125 (61,3%) dos bancários trabalham em instituições financeiras públicas e de economia mista, e 79 (38,7%) em instituições financeiras privadas (nacionais e internacionais); 51,9% eram do sexo masculino e 48,1% do sexo feminino, ambos os grupos com idade predominante de até 30 anos (59,2%). A maior parte dos profissionais na função de atendimento ao público tem até 5 anos de serviço (57,2%) e nível universitário (75,2%). Estes profissionais recebem remuneração entre 1 e 5 salários mínimos (48,3%) e de 6 a 10 salários (31,4%), e 43,5% dos sujeitos responderam que são os principais responsáveis pelo sustento da família. À época da pesquisa, o salário mínimo correspondia a R$180,00 (até janeiro/2001, e a partir desta data R$200,00).

1.2 Instrumentos

O instrumento aplicado contém duas escalas (valores e prazer-sofrimento no trabalho) e um questionário para levantamento dos dados demográficos.

Para a mensuração dos valores, é utilizado o Inventário de Valores de Schwartz - IVS, que é composto por 45 itens na versão intercultural; a ele foram acrescentados 4 valores relativos à cultura brasileira (Tamayo e Schwartz (1993) e Tamayo (1994)). Os valores são apresentados em duas listas: a primeira com valores terminais e a segunda com valores instrumentais. Cada valor é seguido por uma pequena frase explicativa. Os respondentes atribuíram a cada valor escores de - 1 a 7 pontos.

Para medir as vivências de prazer e sofrimento no trabalho, é utilizado o instrumento validado por Pereira (2003), cuja pontuação é feita seguindo uma escala de freqüência, tipo Likert,de 5 pontos, com 30 itens distribuídos em 4 fatores: gratificação (alfa de Cronbach= .89), liberdade (alfa = .82), insegurança (alfa = .80) e desgaste (alfa = .86).

1.3 Procedimento

Os instrumentos foram aplicados individualmente nos locais de trabalho dos sujeitos pelo próprio pesquisador.

1.4 Análise dos Dados

Para a análise dos dez tipos motivacionais de valores e dos fatores de 2ª ordem, utiliza-se o sistema operacional SPSS (Statistical Package of Social Science),versão 10.0. for Windows, pelo qual é feita a tabulação das médias dos valores pertencentes a cada um dos tipos motivacionais e dos fatores de segunda ordem.

As médias e desvios-padrão são verificados por meio de análises descritivas das variáveis e testadas a partir da análise General Linear Model.As diferenças entre as médias de instituições públicas e privadas são verificadas por meio do teste estatístico "t" (Student),indicado para comparações intergrupos.

As variáveis demográficas estão subdivididas em 18 variáveis dummy,de acordo com as categorias estipuladas, sob o critério de ter categorias representando pelo menos cerca de 10% da amostra. As categorias dummysão: idade até 30 anos, de 31 a 40 anos, e mais de 41 anos; sexo feminino, sexo masculino; tempo de serviço até 5 anos, entre 6 e 10 anos, e acima de 11 anos; instituição pública, instituição privada; ter 2º grau completo, superior incompleto, superior completo; receber de 1 a 5 salários mínimos, entre 6 e 10 salários mínimos, acima de 11 salários mínimos; ser chefe de família, não ser chefe de família.

O poder preditor das variáveis independentes valores e dados demográficos nos fatores de prazer-sofrimento é verifi'cado utilizando-se regressões hierárquicas lineares - método Enter-indicadas para as características e quantitativo da amostra. As regressões hierárquicas são realizadas dividindo-se as variáveis em blocos: o primeiro formado pelos valores, e o segundo pelos valores em conjunto com as variáveis demográficas.

A regressão hierárquica é utilizada, nesta pesquisa, considerando-se o critério de isolar os valores em bloco, primeiramente, para verificar o poder preditor desta variável sem a influência das características demográficas. Antes de se realizar esta análise, deve ser verificado o critério apontado por Tabachnick e Fidell (1996) recomendando para a regressão o método Enter, no qual se deve ter 50 + 8 x VIs. A influência das variáveis demográficas nos valores é verificada por regressões lineares utilizando-se o método Enter. Não são utilizadas, nesta pesquisa, regressões do tipo stepwiseem razão de o número de sujeitos não satisfazer a condição sugerida por Tabachnick e Fidell (1996) de 40 sujeitos por variável independente (a amostra teria que ter cerca de 700 sujeitos para que se utilizasse este método).

A análise do prazer-sofrimento se dá pelo ponto médio da escala -escore 3 -sendo considerados os seguintes intervalos como indicadores das vivências do fatoro

- Abaixo de 2,5 - baixa vivência do fator;
- Entre 2,5 e 3,5 - vivência moderada;
- Acima de 3,5 - alta vivência do fatoro

Para fins de interpretação, cada uma das escalas é analisada de forma diferente. Os valores são hierarquizados pelas médias em termos de predomínio, significando que todos de alguma forma são percebidos pelo indivíduo. O binômio prazer-sofrimento, por ser indicador de saúde, é avaliado numa escala de freqüência; de uma forma análoga à avaliação de "pacientes com problemas de saúde", isto significa que os indicadores de saúde assumem níveis diferenciados. Um primeiro nível correspondente ao estado de alerta, um segundo nível correspondente ao estado crítico e um último correspondente ao estado grave. Essa gradação na freqüência com a qual as vivências de prazer-sofrimento são experimentadas implica, em termos de interpretação dos resultados, apontar para quatro possibilidades teóricas:

- Prazer alto e sofrimento baixo significando um bom estado de saúde.

- Sofrimento alto e prazer baixo significando um estado de saúde grave.

- Prazer e sofrimento moderados significando um estado crítico, o que do ponto de vista conceitual pode indicar o uso de estratégias defensivas para enfrentar o sofrimento, ou seja, o sofrimento aparece, só que de forma moderada, fazendo supor que ele está de alguma maneira sendo contido, bem como a vivência de prazer parece não estar sendo suficiente para neutralizá-lo, porque também é moderada.

- Prazer alto e sofrimento moderado significando um estado de alerta, o que do ponto de vista teórico pode indicar uso de mobilização subjetiva; este estado aponta para presença de um sofrimento que em função do alto prazer pode está sendo neutralizado e ressignificado, ou seja, esse prazer se sobrepõe e pode ser suficiente para levar à transformação do sofrimento.

Evidentemente, essas interpretações devem ser confirmadas com análises mais qualitativas e devem ser fundamentadas pela teoria da psicodinâmica. Desse modo, estas indicações são apenas guias para um entendimento dos resultados e hipóteses teóricas explicativas.

 

2. Resultados

Na Tabela 1, são apresentadas as médias dos fatores das duas variáveis: prazer-sofrimento e valores.

 

 

As médias para cada fator de prazer-sofrimento e dos valores apresentam diferenças significativas, conforme os 4 testes estatísticos (Pillai's Trace, Wilks Lambda, Hotteling's Trace e Roy's Largest Roots). Os bancários demonstram vivenciar todos os indicadores de prazer e sofrimento de forma moderada (média dos fatores < 3,5), apesar de os indicadores de prazer (gratificação e liberdade) se apresentarem um pouco maiores do que os indicadores de sofrimento (desgaste e insegurança).

Quanto às prioridades axiológicas, benevolência e segurança são os dois tipos motivacionais de valores com maiores médias, seguidos por autodireção, conformidade e universalismo. Dentre os fatores de segunda ordem, os pólos com maiores médias são autotranscendência, seguido por conservação.

A diferença entre as médias dos indicadores de prazer-sofrimento no trabalho e dos valores individuais e dos fatores de segunda ordem dos grupos de bancários que pertencem a instituições públicas e privadas foi verificada por meio do teste "t" de Student.Os grupos que vivenciam maior prazer e maior sofrimento foram discriminados considerando-se a média dos fatores que compõem cada um (selecionando-se os sujeitos que obtiveram escore > 3,5).

Com o objetivo de verificar as variáveis preditivas das variáveis dependentes do modelo foram realizadas regressões lineares hierárquicas - método Enter. O padrão de significância considerado foi p < ,005.

Considerando-se os R2 e os níveis de significância apresentados, os valores revelam 11,6 % do poder de prediçâo do fator gratificação (Tabela 3), sendo que, dentre estes, é significativo apenas o fator de segunda ordem conservação (Tabela 6). No segundo bloco, os valores em conjunto com as variáveis demográficas apresentam R2 = 26,7 % (Tabela 5), destacando-se novamente o fator conservação e a variável nível superior completo, cujo coeficiente de correlação, no entanto, aparece indicando relação negativa entre o sujeito possuir nível superior completo e sentir-se gratificado com o trabalho na função de atendimento ao público (Tabela 4).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Verificando-se a análise de regressão no fator liberdade, constata-se que apenas em blocos as variáveis são significativas (Tabela 5), sendo que nenhuma, em específico, apresenta significância (p<0,05). Os valores apresentam poder de predição de 4,7 %. Este escore pode ser considerado baixo, mas há que se ter em conta que os valores são elementos mediadores, i.e., influenciam de alguma forma o sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e de ter liberdade para nele expressar a própria individualidade no trabalho. Já valores em conjunto com as variáveis demográficas (das quais também nenhuma, em específico, se destaca) explicam 25,9% da vivência de Liberdade.

Os resultados mostram que para o fator insegurança nem os valores isoladamente, nem em conjunto com as variáveis demográficas (Tabela 6) se apresentam como preditivos deste indicador.

Para o fator desgaste, a regressão hierárquica (Tabela 9) aponta que os valores e as variáveis demográficas não são significativos (p < ,05). Entretanto, a análise de variância - ANOVA - apresenta correlação (p = ,033) para o bloco 2, sendo as variáveis que apresentam significância apresentadas na Tabela 7.

 

 

Em síntese, os resultados apontam um maior impacto dos valores nos fatores do prazer do que no sofrimento. Ainda assim, é uma predição razoável, o que pode indicar o papel de mediadores dos valores individuais em relação às vivências. Tais indicações são analisadas mais detidamente a seguir.

 

3. Análise

Os bancários percebem as vivências de prazer e sofrimento de forma moderada. Uma das hipóteses explicativas para isto é o fato de que estes sujeitos podem apresentar defesa, possivelmente relacionada com a sobrevivência. Parecem não usar mobilização subjetiva, o que seria mais possível caso as vivências de prazer fossem mais fortemente vivenciadas, ou seja, suplantassem o sofrimento. O uso de estratégias defensivas também se explica pelo moderado nível de prazer, mas também de sofrimento, mostrando que este pode estar sendo neutralizado pelo uso das defesas e, por isso, não aparecer muito alto. Ademais, o fato de o prazer não ser alto pode indicar que ele é insuficiente para suplantar este moderado sofrimento.

De acordo com Dejours (1987), os trabalhadores, de um modo geral, estão tão ocupados em garantir esforços para a produtividade que não conhecem seu próprio sofrimento. Entretanto, os trabalhadores não ficam sempre passivos diante deste sofrimento: eles se defendem, inventam estratégias defensivas. Estas defesas têm o papel de neutralização do sofrimento. Por um lado, são necessárias para que o trabalhador permaneça produzindo; por outro lado, podem gerar alienação.

No caso dos bancários, Borges (2001) observa que o sofrimento é vivido individualmente: para esta categoria, a idéia de coleguismo e companheirismo aparece equivalente a organização e disciplina, cujo objetivo é cumprir com o trabalho esperado e não dar motivo para críticas, perpetuando-se a ordem mecânica e previsível. Como defesa, o individualismo no trabalho bancário pode ser coletivo, incentivado pelos próprios colegas, que competem no sentido de mostrar quem é mais organizado, mais solicitado pelos clientes, e quem domina mais as novas tecnologias, sem ter que pedir ajuda.

Como aponta Coelho (1997), o trabalho bancário atende à necessidade financeira, à possibilidade de realizar projetos materiais (muitos obtêm vantagens, como financiamentos para aquisição de casa própria, por exemplo), o que cria um mecanismo de dependência e forte apego com o emprego, justificando a permanência do trabalhador no banco a despeito do sofrimento.

Os dados apontam que benevolência e segurança foram os dois tipos motivacionais de valores com maiores médias, seguidos por autodireção, conformidade e universalismo. Dentre os fatores de segunda ordem, os pólos com maiores médias são autotranscendência, seguido por conservação.

A benevolência tem como meta motivacional promover o bem-estar de pessoas próximas; é voltada para cooperação e apoio (support)social (Schwartz e Bardi, 2001). Os autores justificam benevolência como valor maior em todas as culturas pela necessidade primeira do ser humano de viver em grupos e ajudar uns aos outros, de forma a garantir a sobrevivência e bem-estar da comunidade. Neste sentido, e em conjunto com o tipo motivacional segurança, o trabalho, ao contrário de promover a auto-realização do sujeito, pode propiciar outros aspectos motivadores, tais como suprir as necessidades financeiras e garantir a segurança da família. Considerando-se o perfil demográfico da amostra - jovens (59,2% têm até 30 anos), com nível superior (44,6% com nível superior incompleto e 30,6% com nível superior completo) -, esperava-se, em princípio, um perfil motivacional mais voltado para a autopromoção e abertura à mudança. Aventa-se, entretanto, que estes jovens trabalhadores tivessem valores de benevolência e segurança devido à ausência de perspectiva de outro emprego no atual mercado de trabalho e de terem que sustentar a família, ou no mínimo contribuir para o orçamento doméstico. Com estes resultados, pode-se aventar que estes jovens estão trabalhando nessa atividade porque há muito desemprego, porque precisam ou porque as faculdades privadas são caras e eles não as podem pagar. Desta forma, o banco pode representar a única forma que os sujeitos têm de poder estudar e mudar de vida.

Ao mesmo tempo, autodireção é o terceiro tipo motivacional com maior média, podendo representar uma perspectiva futura de crescer no banco ou sair deste trabalho e tentar carreira na profissão para a qual a pessoa faz faculdade. Assim, esta meta motivacional pode indicar a esperança de mudança devido ao fato de se cursar nível superior, e que fuz com que estes jovens trabalhadores apresentem maior conformismo, mantendo com o banco um comprometimento utilitário. Ao invés de confrontarem as condições de trabalho, a perspectiva destes indivíduos pode ser ficar neste emprego mesmo, ponderando-se a estabilidade, uma possível ascensão e até a perspectiva de garantir uma razoável aposentadoria, pois a realidade mostra que talvez em sua profissão de formação o salário e as condições de trabalho poderiam ser piores. Mesmo ao planejar uma futura mudança após a graduação e em busca de uma oportunidade "melhor", por enquanto é este trabalho que fornece garantias, mantém o sustento e possibilita alguma dedicação a outras atividades, como cursar faculdade ou preparatórios para concursos.

Neste estudo, a gratificação é explicada por valores que enfatizam a segurança, a estabilidade e a coesão grupal. Desta forma, a gratificação associada a valores de conservação pode indicar satisfação das necessidades pessoais em relação ao trabalho, por meio da manutenção do status quo, em prol da estabilidade no emprego e pela sobrevivência dentro do atual contexto no mercado de trabalho, marcado pela precarização e pelo desemprego estrutural. Para os bancários pesquisados (jovens estudantes de nível universitário), a manutenção da situação pode estar sendo sustentada pelo sonho de dias melhores.

Tradicionalmente, como observa Segnini, 1999, o trabalho bancário sempre representou, para muitos jovens com pianos de, posteriormente, deixarem o banco e seguir sua própria profissão, uma estratégia de continuidade nos estudos de terceiro grau, por significar uma jornada de trabalho de 6 horas diárias. No entanto, por terminar representando, ao final, melhores condições de trabalho e carreira em comparação com outras profissões, "o emprego nos bancos deixa de ser caracterizado como provisório, [e] se transforma em definitivo, para se constituir em definitivamente provisório" (Segnini, 1999:18). Isto pode explicar o fato de gratificação ter alto escore em conservação, ou seja, não somente pela questão da sobrevivência, mas também pela falta de perspectiva de retorno financeiro e carreira em outros setores profissionais.

Quanto ao fator liberdade, os resultados mostram que esta vivência pode ser mediada por elementos motivacionais (estudados por meio dos valores e das características demográficas). A dinâmica do reconhecimento social pode talvez estar influenciando este reconhecimento no trabalho. A liberdade refere-se ao sentimento de estar livre para pensar, organizar e falar sobre o trabalho, considerando-se que o modo particular de trabalhar é reconhecido pelas chefias e pelos colegas. A média deste fator é moderada, indicando que os sujeitos pesquisados vivenciam algum reconhecimento no trabalho. Ribeiro (1999) destaca que a imagem do bancário com status de pessoa letrada e pertencente a camadas sociais médias ainda é bastante forte. Borges (2001) aponta que os bancários do setor de atendimento demonstram contentamento com a expressão de satisfação dos clientes em relação ao seu atendimento; ressalta também que há grande número de clientes (idosos, aposentados) que necessitam de esclarecimento para lidar com senhas, digitação de códigos, entre outras ações. Com estas atividades, o atendente se sente útil para os clientes, pois, como explica Dejours (1997), a utilidade e a validação do outro confirmam a eficácia do ato.

Entretanto, na consideração da liberdade vivenciada moderadamente, remete-se novamente à questão da automatização e da desqualificação do trabalho do atendente bancário, o que pode prejudicar o seu sentimento de autonomia e de reconhecimento. Pesquisas realizadas apontaram o baixo autoconceito dos bancários (Costa, 1996), e a baixa motivação para o trabalho bancário (Borges e Alves-Filho, 2001). Borges (2001) ressalta que nos bancos, sob a aparência de participação e autonomia, se esconde uma organização do trabalho com regras e normas pré-estabelecidas, que denotam a impossibilidade de o indivíduo nela interferir, levando-o a sentimentos de imobilidade e frustração. A falta de reconhecimento manifesta-se, ainda, pelos concursos internos, vistos, por um lado, como oportunidade de crescimento na carreira, mas, por outro, prejudicando quem já estava no cargo e perdeu o posto. Coelho (1997), em entrevistas com ex-gerentes de banco, observou que estes haviam perdido a função porque, depois de quinze anos como gerentes, fracassaram no concurso para permanecer no cargo. Neste caso, a falta de reconhecimento por parte da instituição fica fortemente evidenciada.

Quanto ao fator insegurança não ter como preditores os valores, isto se deve ao fato de que esta vivência tem origem no receio de não ser capaz de realizar as suas atribuições, em função da organização do trabalho, caracterizado por elementos de pressão de tempo, reclamações do cliente, metas acirradas para cumprir, conseqüentemente levando ao medo de perder o emprego. Independentemente das questões pessoais (motivação para o trabalho, necessidades pessoais), a vivência de insegurança apresentada deve-se, unicamente, ao ambiente de trabalho e ao contexto atual do restrito mercado de trabalho, no qual o trabalhador termina por não ter a opção de escolher outro vínculo empregatício.

Esta situação não implica uma visão de homem passivo no sentido de ser dominado e exposto ao sistema econômico vigente; antes, funciona como uma explicação teórica para justificar o medo e o sofrimento que esse mesmo sistema impõe. Este sofrimento não vigora absoluto, mas é enfrentado, inclusive, pela mobilização subjetiva que busca ressignificar este sofrimento. Isto demonstra a reação do trabalhador ao sistema, ao buscar estratégias para sobreviver. Evidentemente, o ideal seria que esse sistema possibilitasse um trabalho mais propício ao prazer - por meio de realização individual e do reconhecimento social - do que ao sofrimento.

Deste modo, a necessidade de sobrevivência pode ser uma estratégia de defesa, o que tem sustentação em recentes pesquisas, nas quais se identificam cada vez mais a preocupação do trabalhador com o desemprego. Ferreira (2001) aponta que a ameaça de desemprego se torna constante diante de cada caixa automático. A prática da terceirização de serviços básicos aumenta o nível de tensão e estresse dos que permanecem com vínculo empregatício direto com o banco. Costa (1996) atribuiu a fatores como demissões e transferências a influência no baixo rendimento e, conseqüentemente, nos baixos escores de autoconceito demonstrados pelos bancários. Estes fatores geram, nos trabalhadores, uma incerteza quanto ao seu futuro e a sua carreira na organização. Ribeiro (1999) afirma que o medo do erro e de suas conseqüências emprestam ao trabalho bancário uma patogenia peculiar. Borges (2001) também associou a desmotivação dos bancários a questões relativas à organização do trabalho e à redução do número de empregos. Todos esses elementos podem ser fatores de sofrimento, que não se mantém, sendo enfrentado por diversas estratégias - entre as quais se encontram as defensivas.

Teoricamente, o fator desgaste refere-se também à organização do trabalho e não a fatores psicológicos. Segundo Mendes e Tamayo (2001), os trabalhadores que sentem desgaste exercem atividades cansativas, desagradáveis, repetitivas, com mais sobrecarga, o que gera frustrações, desânimo, insatisfação. A análise de regressão confirma que valores e variáveis demográficas não são antecedentes da vivência de desgaste no trabalho. Entretanto, a análise de variância apresenta correlação significativa, especificamente o eixo conservação e as variáveis individuais: ter entre 6 e 10 anos de serviço, nível superior incompleto e remuneração acima de 11 salários mínimos. Este resultado indica que, embora não sejam preditores da vivência, estas variáveis podem agregar elementos que incrementem o desgaste, confirmando a afirmação de Dejours (1994) sobre a qualidade do sofrimento receber influência da cadeia biográfica e da história de vida do sujeito.

Entre outros elementos que se agregam ao desgaste, deve-se levar em conta a implementação da tecnologia informática e seu impacto no trabalho dos bancários. Ferreira e Weill-Fassina (1996) apontam que os projetos de concepção informática, embora veiculem a racionalização do trabalho e um aumento da eficácia, na verdade têm tido efeitos contrários: além da banalização do conteúdo da atividade que restou ao trabalhador, a reestruturação de suas estratégias operatórias foram projetadas por outrem, não se levando em conta sua experiência e o seu "saber fazer". Assim, os trabalhadores enfrentam dificuldades na utilização dos sistemas informatizados. Estas dificuldades são vividas de forma solitária pelos trabalhadores e muitos terminam por fazer uso de caderninhos de anotações como "muletas" cognitivas para conseguirem realizar a atividade sem ter de incomodar o chefe ou os demais colegas de trabalho.

Os resultados desta pesquisa, ao negarem a predição dos componentes individuais, são favoráveis no sentido de não imputar ao sujeito a responsabilidade pelo seu desgaste. Como ressaltam Malasch e Leiter (1997), quando o desgaste é visto como experiência pessoal e apenas como um comportamento problemático que leva à baixa produtividade, ele se torna um problema de recursos humanos e não um problema gerencial.

 

4. Conclusão

Com base nos resultados da pesquisa, conclui-se que os bancários vivenciam prazer e sofrimento moderados, que parecem indicar a utilização de mecanismos defensivos, e também um estado crítico. Esse estado crítico, do ponto de vista conceitual, pode indicar o uso de estratégias defensivas para enfrentar o sofrimento; ou seja, o sofrimento aparece, só que de forma moderada, fazendo supor que ele está de alguma maneira sendo contido. Outrossim, a vivência de prazer parece não estar sendo suficiente para neutralizá-lo, porque também é moderada. Os bancários apresentam, ainda, metas motivacionais que buscam a manutenção da situação e, conseqüentemente, do emprego.

A sobrevivência parece ser a razão fundamental para estes bancários se manterem no emprego, significando propiciar segurança para si e para a família, em lugar de se constituir em elemento de auto-realização. Isto demonstra, também, que os empregos oferecidos no mercado não são o locus ideal para a realização do trabalho enquanto atividade produtiva de construção da identidade do trabalhador.

Fica transparente que a motivação dos bancários está mais voltada para a manutenção do status quo.O trabalho bancário, nos últimos anos, tem sido automatizado, desqualificado e com maior sobrecarga, mas, ao mesmo tempo, tem representado ainda uma das melhores opções de emprego: desse modo, os sujeitos podem estar fazendo uso de estratégias de defesa como reação a um trabalho que não tem permitido a realização pessoal, mas que é necessário por questões sócio-econômico-financeiras. Assim, os sujeitos podem ter adquirido uma postura de aceitação, evitando uma confrontação direta com o seu sofrimento, a fim de se manterem nas organizações pesquisadas.

Os resultados com relação às vivências de sofrimento remetem ao pressuposto teórico da Psicodinâmica, no qual a organização do trabalho é o principal fator a proporcionar mais vivências de prazer ou, pela limitação, mais sofrimento.

Isto posto, é possível considerar que não são os valores individuais enquanto características particulares dos indivíduos que garantem a saúde no trabalho. O adoecimento parece acontecer em função de outras variáveis, possivelmente relacionadas com a organização do trabalho. Assim sendo, as prioridades axiológicas e suas características pessoais podem ser influências indiretas desse processo, enquanto trazem à tona os processos motivacionais e as necessidades pessoais dos sujeitos, que fazem parte da inter-relação indivíduo-organização e que influenciam o prazer-sofrimento no trabalho.

Nessa perspectiva, este estudo contribui com elementos que complementam as pesquisas na abordagem da Psicodinâmica do Trabalho, levando em conta as características individuais dos sujeitos e confirmando que a organização do trabalho e o contexto do mercado de trabalho são os fatores que influenciam, de modo direto, os indicadores de prazer-sofrimento no trabalho, e conseqüentemente os riscos de adoecimento.

Por fim, este estudo, apesar de limitações relacionadas ao tamanho da amostra, atende aos objetivos propostos e resulta em contribuições empíricas capazes de responder a algumas questões relacionadas com o trabalho na área de Psicologia Organizacional. Além disso, tanto as limitações confrontadas quanto as questões em aberto constituem uma contribuição deste trabalho para outras pesquisas interessadas em ampliar e aprofundar o conhecimento a respeito do assunto.

 

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Recebido: 22/03/04
Revisado: 15/06/04
Aceito: 30/06/04

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