SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 número2Escala de avaliação do estilo gerencial (EAEG): desenvolvimento e validação índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.4 n.2 Florianópolis dez. 2004

 

ARTIGOS

 

Empresa Júnior: integrando teorias e práticas em Psicologia

 

Junior Companies: integrating theories and practices in Psychology

 

 

Rodrigo Sanches PeresI; Ana Maria Rodrigues de CarvalhoII; Francisco HashimotoIII

IPsicólogo, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de São Paulo na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP) (rodrigosanchesperes@yahoo.com.br)
IIPsicóloga, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade de São Paulo no Instituto de Psicologia (IP/USP), Professora da Universidade Estadual Paulista na Faculdade de Ciências e Letras de Assis (FCLAs/UNESP)
IIIPsicólogo, doutor em Psicologia Escolar pela Universidade de São Paulo no Instituto de Psicologia (IP/USP), Professor da Universidade Estadual Paulista na Faculdade de Ciências e Letras de Assis (FCLAs/UNESP)

 

 


RESUMO

As Empresas Juniores - associações civis sem fins lucrativos, constituídas por estudantes universitários que, sob a supervisão de professores especializados, prestam serviços para organizações e instituições - vêm se tornando mundialmente cada vez mais numerosas e importantes nas últimas décadas. O presente estudo visa a apresentar, de forma sucinta, algumas considerações sobre a atuação da Humanus, Empresa Júnior de Psicologia da FCLAs/UNESP. Em linhas gerais, a Humanustem atingido seus objetivos a contento, pois tem colocado seus participantes em contato direto com o exercício profissional ainda durante o curso de graduação, possibilitando, assim, a efetiva aplicação prática dos conhecimentos teóricos adquiridos em sala de aula. Além disso, tem promovido uma aproximação entre a universidade e a comunidade e contribuído, mediante a prestação de serviços acessíveis e de qualidade, para o desenvolvimento de micro, pequenas e médias empresas do município e região.

Palavras-chave: empresa júnior; Psicologia; organizações.


ABSTRACT

In the last decades, Junior Companies - civil associations without lucrative intention, constituted by university students that, under specialized professors' supervision, render services for organizations and institutions - are becoming more and more numerous and important. This paper intent to present some considerations about the performance of Humanus, Psychology Junior Company from FCLAs/UNESP (São Paulo State University). In general lines, Humanus has been reaching its objectives satisfactorily, since it has been putting their participants in direct contact with the professional exercise already during the degree course and, by consequence, making possible the practical application of the theoretical knowledge acquired in tha classroom. Furthermore, Humanus has been promoting a better approximation between the university and the community, and contributing, through accessible quality services, to the development of micro and middle-sized companies of the city and its region.

Keywords: junior companies; Psychology; organizations.


 

 

1. Introdução

1.1 A formação profissional de estudantes universitários

A formação de alunos de diversos cursos de graduação depende de uma estrutura universitária capaz de possibilitar o adequado desenvolvimento de estágios profissionalizantes. Usualmente, unidades auxiliares das instituições de ensino superior - tais como as clínicas-escola, os hospitais universitários e as fazendas experimentais - se afiguram como os principais campos de estágios profissionalizantes. No entanto, faz-se necessário destacar que muitas vezes empresas, entidades, associações e organizações também acolhem estagiários dos mais diferentes cursos universitários. Ademais, vale salientar também que não raro estágios profissionalizantes são realizados mediante a execução de projetos de extensão diretamente na comunidade, ou seja, sem o intermédio de qualquer instituição.

Independentemente do espaço físico no qual esteja sendo desenvolvido, o estágio tem como finalidade básica promover uma articulação entre os conhecimentos teóricos adquiridos em sala de aula e a realidade do meio, contribuindo, assim, para a formação do aluno. Para tanto, o estagiário entra em contato direto com situações profissionais específicas de seu campo de trabalho. Tal processo, quando levado a termo de modo sistematizado, crítico e reflexivo, fomenta a criação de novos saberes e o surgimento de novas práticas. Além disso, os estágios profissionalizantes também visam a aproximar a universidade da comunidade, favorecendo, dessa maneira, o desenvolvimento da sociedade como um todo. Evidencia-se, assim, que os estágios auxiliam a universidade a atingir os seus objetivos principais, a saber: ensino, pesquisa e extensão.

Cumpre assinalar, porém, que o contato inicial do aluno com o exercício profissional não pode ser baseado em improvisações bem-intencionadas. A supervisão de docentes responsáveis, portanto, afigura-se como uma modalidade didática de extrema relevância para a formação de estudantes universitários, pois pode fornecer os elementos teóricos necessários para o planejamento e para a execução das intervenções a serem desenvolvidas nos campos de estágio. Não obstante, a supervisão visa a desenvolver no aluno não apenas a capacidade de agir, mas sobretudo de refletir. Com esse propósito, o mesmo é usualmente estimulado a buscar soluções inovadoras para as situações-problema com as quais se depara, e não apenas a lançar mão de ações esquematizadas baseadas em experiências prévias.

Diante do exposto, é possível argumentar a favor do contato direto - devidamente supervisionado, ressalte-se - do estudante universitário com a prática profissional ainda durante o curso de graduação, uma vez que o mesmo torna possível, além do domínio de procedimentos técnicos especializados, uma efetiva aproximação com o mercado de trabalho. Assim sendo, indubitavelmente contribui para a formação científica e profissional do aluno. Ademais, é capaz de suscitar, mediante a reestruturação do conhecimento teórico adquirido em sala de aula frente aos desafios impostos pela realidade do meio, o desenvolvimento de práticas mais condizentes com as demandas sociais, fomentando, assim, a operacionalização do compromisso ético da universidade com a comunidade.

Nas últimas décadas, as empresas júnior - associações civis, sem fins lucrativos, constituídas por estudantes universitários que, sob a supervisão de professores especializados, prestam serviços e desenvolvem projetos para organizações, entidades e instituições em suas áreas de atuação - vêm se tornando concomitantemente cada vez mais numerosas e importantes no mundo todo. Conseqüentemente, têm se destacado como um espaço capaz de - assim como os tradicionais campos de estágio - subsidiar a formação de alunos de diferentes cursos de graduação, visto que favorecem a transição da vida acadêmica para a atuação profissional. Entretanto, as empresas juniores têm sido objeto de um número reduzido de estudos científicos, de modo que se afiguram como um fenômeno ainda pouco explorado.

1.2 As empresas juniores: origens e atualidades

A primeira empresa júnior da qual se tem registro surgiu em 1967, na École Supérieure des Sciences Economiques et Commerciales de Paris (ESSEC). Na década de 70, foram criadas outras empresas juniores na França, mas o movimento se tornou efetivamente consistente apenas em 1986, quando teve início seu processo de internacionalização. A partir desse ano, começaram a surgir empresas juniores por toda a Europa e, posteriormente, nos demais países do mundo. No contexto brasileiro, a idéia foi introduzida em 1988 pela Câmara de Comércio França-Brasil. Assim, foram criadas na Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro e na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo, as primeiras empresas juniores nacionais. A expansão do movimento no país, contudo, ocorreu principalmente na segunda metade dos anos 90, quando surgiu um grande número de empresas juniores em vários estados.

Em virtude das constantes transformações econômicas do mundo contemporâneo, as empresas visivelmente tendem a adotar estruturas organizacionais flexíveis e reduzidas. Nesse contexto, surgem novos formatos administrativos - mais descentralizados e com um número menor de estruturas hierárquicas - que tornam possível às organizações uma adequação mais rápida às exigências impostas pelo mercado. Conseqüentemente, a terceirização se tornou um movimento praticamente irreversível, pois, ao transferirem parte de seus serviços para terceiros, as empresas usualmente obtêm resultados positivos, tais como a redução dos gastos, a agilização das unidades constituintes, a simplificação do processo operacional, a otimização do rendimento profissional e o aumento da capacidade produtiva (Bastos, 1992). Seguindo esse raciocínio, as empresas juniores podem ser entendidas, em última análise, como um subproduto do processo de flexibilização dos formatos administrativos das organizações.

O raciocínio em questão parece corroborar-se tendo em vista que nos últimos anos a intensificação do referido processo na realidade brasileira tem sido acompanhada por um impressionante crescimento qualitativo e quantitativo das empresas juniores. Tal crescimento se torna evidente levando-se em consideração que atualmente existem no país cerca de 600 empresas juniores1 prestando serviços nas mais diversas especialidades profissionais. Cumpre assinalar, contudo, que o movimento ainda é pouco difundido em algumas especialidades no contexto nacional, dentre as quais se destaca, dentre outras, a Psicologia. Visando a preencher essa lacuna, foi criada na Faculdade de Ciências e Letras de Assis da Universidade Estadual Paulista (FCLAs/UNESP) a Humanus, uma das primeiras empresas juniores a desenvolver projetos de assessoria e consultoria em Psicologia no Brasil.

 

3. Objetivo

O presente estudo tem como objetivo principal apresentar algumas considerações sobre a atuação da Humanus, focalizando, por um lado, seus propósitos, sua estrutura administrativa, seus métodos de trabalho e suas frentes de ação e destacando, por outro, um breve relato de duas experiências desenvolvidas recentemente por seus membros.

 

4. Humanus: Empresa Júnior de Assessoria e Consultoria em Psicologia

4.1 Propósitos principais

A Humanus foi criada em 1997 por iniciativa de docentes do Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho e do corpo discente do curso de Psicologia da FCLAs/UNESP com alguns propósitos principais, a saber: a) pôr os alunos em contato direto com o exercício da profissão no âmbito das organizações e instituições, possibilitando, assim, a efetiva aplicação prática dos conhecimentos teóricos adquiridos em sala de aula; b) intensificar as relações da universidade com as empresas, instituições, entidades e associações do município e região; c) colaborar, mediante a prestação de serviços acessíveis e de qualidade, com o desenvolvimento da sociedade como um todo, e d) contribuir, ainda que de forma incipiente, para a ampliação das possibilidades de atuação dos psicólogos organizacionais.

Cumpre assinalar que a ampliação das possibilidades de atuação dos psicólogos organizacionais se afigura, na realidade, como uma preocupação - ou como um desafio, em última análise - inerente ao desenvolvimento das atividades da Humanus, considerando-se que não raro as ações empreendidas pelos profissionais da área que atuam em empresas e instituições são estereotipadas, tecnicistas e de pouca proficuidade. Isso ocorre porque, como apontam diversos estudos, muitas vezes os psicólogos organizacionais se restringem a um nível superficial da realidade empresarial e não conseguem, assim, intervir efetivamente nos processos administrativos decisórios (Codo, 1984; Zanelli, 1986; Bastos & Galvão-Martins, 1990; Borges-Andrade, 1990; Bastos, 1992).

4.2 Estrutura administrativa

Sediada no Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada (CPPA) da FCLAs/UNESP, a Humanus é constituída única e exclusivamente por graduandos do curso de Psicologia previamente aprovados em um processo seletivo realizado anualmente por seu Conselho Administrativo. Os participantes da Humanus são divididos em três categorias básicas: a) Diretoria Executiva (diretor presidente, diretor administrativo, diretor financeiro, diretor de projetos e diretor de comunicação); b) Conselho Administrativo (formado por três membros efetivos) e c) Membros Efetivos (estagiários dos terceiros, quartos e quintos anos do curso de Psicologia). A Diretoria Executiva e o Conselho Administrativo são formados por Membros Efetivos eleitos em Assembléia Geral. Todos os participantes possuem direito a voto secreto nas eleições, e o único pré-requisito exigido do candidato a um cargo na Diretoria ou no Conselho é ter sido Membro Efetivo da Humanus por, no mínimo, seis meses. O mandato dos eleitos é de um ano, e a reeleição é permitida somente uma vez.

Pautados pelo Regimento Interno da Humanus, seus participantes assumem integralmente as responsabilidades pela administração da empresa. Desse modo, a despeito de ser vinculada à FCLAs/UNESP, a Humanuspossui uma gestão autônoma em relação a qualquer entidade acadêmica. Assim sendo, a Assembléia Geral - realizada semestralmente ou quando solicitada por no mínimo 1/3 dos Membros Efetivos - representa, em última análise, o órgão de deliberação soberano da empresa. Os assuntos incluídos na ordem do dia são votados na Assembléia Geral, e as decisões são sempre tomadas a partir da opinião da maioria simples dos presentes. De qualquer forma, vale destacar que a Humanusconta com a valiosa colaboração de docentes que supervisionam a elaboração e a execução dos projetos.

4.3 Planos de trabalho

Quando uma empresa solicita um serviço à Humanus, a Diretoria Executiva entra em contato com a chefia do Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho da FCLAs/UNESP. Um ou mais docentes são então designados - em função da disponibilidade e do interesse dos mesmos - para supervisionar a elaboração de um pré-projeto e, posteriormente, o desenvolvimento do trabalho propriamente dito. O Conselho Administrativo, por sua vez, destaca alguns participantes para estruturar o pré-projeto e executar o serviço em questão. O número de participantes varia em função de alguns critérios, dentre os quais se destacam a complexidade do projeto e o prazo inicialmente requisitado pela empresa solicitante para a sua conclusão. Em seguida, os representantes da empresa solicitante e os participantes selecionados se reúnem para discutir o cronograma, o orçamento e o plano de atividades do projeto.

Após o estabelecimento de um comum acordo entre ambas as partes, é firmado o contrato, e a execução do serviço tem início. Os participantes da Humanusassumem integralmente a responsabilidade do trabalho, e contam, para tanto, com o auxílio prestado por docentes durante as supervisões. Depois da conclusão do projeto, os resultados obtidos são apresentados aos dirigentes da empresa solicitante, e posteriormente discutidos com a Diretoria Executiva e com os demais membros da Humanus.Evidencia-se, assim, que os participantes desempenham um papel ativo do início ao final do trabalho. Ademais, vale destacar que o docente responsável pela supervisão também acompanha todas as etapas do projeto, concorrendo, desse modo, para o adequado funcionamento da empresa.

4.4 Frentes de ação

Em sua fase inicial, a Humanus se limitava a prestar assessoria e consultoria em Psicologia Organizacional e do Trabalho. Assim sendo, desenvolvia essencialmente atividades voltadas à gestão de recursos humanos, tais como: recrutamento, seleção e treinamento de pessoal, pesquisa de cultura e clima organizacional, desenvolvimento de equipes e diagnóstico organizacional. Os objetivos gerais e específicos de cada uma dessas atividades2 encontram-se delineados no Quadro 1. Além disso, a Humanus ainda se dedicava à promoção de eventos relacionados à Psicologia Organizacional e do Trabalho, tais como cursos, seminários, palestras e ciclos de debates, direcionados não só à comunidade universitária, mas também à sociedade do município e da região de uma maneira geral.

Posteriormente, após intenso processo de reflexão desencadeado por professores do Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho e por participantes da Humanus,evidenciou-se a necessidade de repensar a atuação da empresa. Assim sendo, optou-se por ampliar o seu escopo e criar outras duas frentes de ação. Uma delas tem duas metas distintas, porém complementares: a) empreender estudos e pesquisas sobre a relação homem-trabalho, e b) pôr em prática intervenções que, direta ou indiretamente, visam a tornar essa relação mais satisfatória do ponto de vista profissional e pessoal, tais como orientação profissional, informação profissional e elaboração de planos de carreira. No Quadro 2, os objetivos gerais e específicos de cada uma dessas atividades encontram-se sucintamente definidos.

A outra frente de ação, por sua vez, tem como objetivo desenvolver projetos de caráter técnico, ou seja, que não necessariamente envolvem o emprego de métodos psicológicos. Assim sendo, compreende atividades que usualmente são postas em prática por profissionais com outro tipo de formação, tais como: análise e descrição de cargos, avaliação de desempenho humano e pesquisas de segurança e condições de trabalho. Uma breve descrição dos objetivos gerais e específicos dessas atividades pode ser encontrada no Quadro 3. Vale destacar que, a despeito de controversa, a opção por executar projetos com esse enfoque se mostrou de grande relevância para o funcionamento da Humanus, uma vez que possibilitou a entrada de dividendos para a manutenção da empresa.

Diante do exposto, evidencia-se que atualmente, além de executar trabalhos voltados à gestão de recursos humanos, os participantes da Humanus também desenvolvem atividades que visam a promover o estabelecimento de uma relação mais satisfatória entre o sujeito e seu trabalho. Além disso, realizam pesquisas especificamente direcionadas à compreensão das relações homem-trabalho, e põem em prática outros projetos com enfoque essencialmente técnico, com o intuito de angariar os fundos necessários para preservar a integridade financeira da empresa. Visando a ilustrar as distintas possibilidades de atuação da Humanus, considerou-se pertinente incluir no presente estudo um breve relato de duas experiências desenvolvidas recentemente por seus membros, como se vê nos itens 5.1 e 5.2.

Antes disso, porém, vale destacar que os honorários cobrados pela Humanus correspondem em média a 10% dos valores praticados no mercado, o que torna seus serviços efetivamente acessíveis às micro, pequenas e médias empresas, que na maioria dos casos não têm condições financeiras de arcar com o ônus de uma consultoria prestada por profissionais. No entanto, vale reiterar que a Humanus não possui fins lucrativos, e a seus participantes é vedado qualquer tipo de remuneração. Desse modo, a receita gerada com a execução dos projetos é reinvestida totalmente na própria empresa, e subsidia desde o pagamento de impostos até a ampliação do patrimônio. Além disso, faz-se necessário salientar que a Humanus também presta gratuitamente serviços para instituições e entidades assistenciais, exercendo um importante papel social e contribuindo para o desenvolvimento da comunidade do município e região.

5.1 Experiência 1: orientação profissional em uma instituição escolar particular

Preocupada com a escolha profissional de seus alunos do ensino médio, uma instituição escolar particular do município de Assis solicitou à Humanus o desenvolvimento de uma intervenção capaz de auxiliá-los a superar as dificuldades inerentes a esse processo. Assim sendo, foi formulado um projeto de orientação profissional com o intuito de criar condições para que os alunos pudessem refletir sobre os seus interesses e aptidões pessoais e profissionais, sobre as expectativas de seus familiares em relação à sua escolha profissional e sobre a busca da construção da identidade profissional. Tal projeto foi pautado nas proposições teóricas de autores de orientação psicanalítica que se dedicam à psicologia do trabalho, à orientação profissional e à psicologia da adolescência.

O trabalho foi desenvolvido individualmente mediante a utilização do método clínico-operativo, e teve duração média de dez sessões. Vale destacar que se optou pelo atendimento individual com o intuito de viabilizar a execução de uma intervenção mais aprofundada do que aquela que poderia ser conduzida em grupo. Além disso, os alunos que mostraram interesse em participar do projeto possuíam, em sua maioria, relacionamentos sociais entre si que não se limitavam ao espaço escolar, o que teoricamente poderia criar dificuldades para o trabalho em grupo. As técnicas utilizadas durante os atendimentos variaram em função das particularidades de cada caso. De qualquer forma, na maioria deles a execução de genogramas e desenhos temáticos mostrou-se um recurso profícuo para conferir visibilidade às expectativas dos familiares em relação ao futuro profissional do aluno, e bem assim para favorecer a expressão de desejos e conflitos associados à escolha de uma carreira.

Inicialmente, o desenvolvimento do trabalho em questão gerou certas resistências da população-alvo, uma vez que a mesma buscava, na maior parte dos casos, uma resposta imediata às dúvidas e ansiedades inerentes ao processo de escolha profissional. Em função disso, procurou-se num primeiro momento repensar com o aluno o papel da orientação profissional para que, em um segundo momento, fosse possível auxiliá-lo a reconstruir a sua própria história, a relacioná-la com o presente, e por fim a buscar as suas projeções para o futuro. Cumpre assinalar também que, em um primeiro momento, os participantes da Humanus responsáveis pela execução do projeto em questão encontraram dificuldades para compreender os limites de uma prática com esse enfoque e o trabalho psicoterapêutico.

Ademais, faz-se necessário reconhecer que inicialmente alguns participantes da Humanus questionavam se esse tipo de trabalho poderia ser desenvolvido no contexto de uma empresa júnior. Tal questionamento chegou até mesmo a gerar como subproduto o surgimento de dificuldades para o estabelecimento de um bom vínculo entre o aluno e o responsável por seu atendimento. No entanto, essas dificuldades foram devidamente discutidas e elaboradas durante as supervisões, de modo que o projeto foi executado a contento. A população-alvo pôde compreender que a escolha profissional não deve ser entendida como um momento isolado, mas sim como parte de um processo mais amplo de busca de identidade pessoal. Conseqüentemente, a instituição escolar fez uma avaliação positiva do trabalho. Além disso, os participantes da Humanus tiveram a oportunidade de pôr em prática uma modalidade de intervenção que, não obstante ser bastante resolutiva, é pouco adotada por outras empresas juniores de Psicologia.

 

6. Experiência 2: diagnóstico organizacional em um serviço de saúde mental

Alunos do curso de graduação em Psicologia da FCLAs/UNESP que realizavam estágios em Saúde Mental junto a um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade de Assis notaram que o mesmo passava por sérias dificuldades organizacionais. Tais alunos comunicaram o fato a alguns participantes da Humanus, e a possibilidade de executar um diagnóstico organizacional do referido serviço foi então discutida durante uma reunião da empresa. A maioria dos participantes da Humanus considerou relevante a proposta em questão, e ofereceu à diretoria do CAPS essa oportunidade. A idéia foi bem acolhida pelos mesmos, mas o serviço não dispunha de recursos para arcar com ônus do projeto em questão. Frente a esse obstáculo, os participantes da Humanus concordaram em desenvolver o referido projeto gratuitamente, visto que, como exposto anteriormente, a empresa tem um compromisso ético e social com a comunidade na qual se encontra inserida.

Assim sendo, foi elaborado um plano de trabalho inicial com dois intuitos básicos, a saber: a) identificar a representação da instituição e das intervenções desenvolvidas em seu âmbito de acordo com a leitura dos profissionais do serviço, e b) investigar como esses profissionais percebiam as relações que vinham mantendo com a instituição, com suas próprias práticas, com os pacientes atendidos e com seus companheiros de trabalho. Considerou-se relevante delinear esses objetivos, tendo em vista que o serviço em questão passava por um momento de reorganização estrutural, uma vez que desenvolvia intervenções que ora se aproximavam do modelo asilar - pautado essencialmente pelo conhecimento médico-psiquiátrico -, ora do modelo psicossocial - que leva em consideração os contornos sócio-históricos da doença mental.

A coleta de dados foi conduzida mediante a realização de entrevistas individuais semi-estruturadas junto aos funcionários que compunham o quadro profissional do serviço e junto aos estagiários e alunos de pós-graduação vinculados ao mesmo. A utilização de tal recurso tornou possível a expressão de conteúdos que não seriam veiculados mediante o emprego de técnicas padronizadas e, assim, contribuiu para o êxito do trabalho. A análise de tais conteúdos apontou, em linhas gerais, que, de acordo com a leitura dos indivíduos consultados, o funcionamento do serviço não era norteado por um projeto terapêutico comum. De qualquer forma, vale destacar que a maioria das práticas remetia, em última análise, ao modelo asilar de assistência. A coordenação do serviço, entretanto, visava a transformar essa realidade, levando-se em consideração que vinha, há algum tempo, tentando instituir o modelo psicossocial.

Os resultados obtidos indicaram também que as relações de trabalho hierarquizadas ainda se faziam presentes, e que o processo de comunicação entre os profissionais do serviço apresentava-se comprometido em função do uso freqüente de espaços de diálogo não consolidados. Ademais, os indivíduos consultados referiram que as instalações físicas da instituição eram precárias, e comprometiam a qualidade das intervenções. A maioria deles sugeriu ainda que a implicação pessoal de muitos funcionários com suas atividades profissionais também era inadequada, o que inviabilizava o atendimento de toda a demanda existente. Em contrapartida, cumpre assinalar também que a análise do material coligido revelou que parte dos servidores buscava diligentemente atender à referida demanda. Porém, aparentemente o fazia de forma desordenada e, conseqüentemente, pouco resolutiva.

Por fim, faz-se necessário salientar que a transição do modo asilar para o modo psicossocial vinha despertando diferentes reações nos funcionários do serviço: parte deles manifestava entusiasmo com a nova proposta, mas outros confessaram que tinham pouco conhecimento a respeito da mesma. Alguns funcionários até mesmo deixaram transparecer que ainda apresentavam resistências a essa mudança, visto que consideravam a prática manicomial como a única modalidade de intervenção viável para a assistência em saúde mental. Em função disso, os participantes da Humanus sugeriram à coordenação do serviço que fosse oferecida aos funcionários uma possibilidade concreta de construção coletiva de um projeto capaz de consolidar o modelo assistencial pretendido.

A realização do trabalho em questão foi muito profícua tanto para os participantes da Humanus envolvidos no projeto quanto para os docentes responsáveis pela supervisão das atividades, pois viabilizou o estabelecimento de uma interface entre a Psicologia Organizacional e do Trabalho e a Saúde Mental. A integração de diferentes saberes possibilitou uma compreensão da realidade da instituição em sua complexidade, de modo que a diretoria do CAPS expressou satisfação com os resultados oriundos do projeto. Ademais, os servidores tiveram a oportunidade de veicular conteúdos que não haviam encontrado até então um canal adequado de expressão. Conseqüentemente, o quadro funcional pode se reconhecer como parte integrante e estratégica da dinâmica político-social da instituição.

 

7. Considerações finais

A maior parte dos clientes da Humanus tem demonstrado satisfação com a qualidade dos trabalhos desenvolvidos pelos participantes da mesma. Ademais, tem valorizado a iniciativa da empresa de cobrar honorários inferiores àqueles usualmente praticados no mercado de trabalho. Conseqüentemente, pode-se presumir que a Humanus tem contribuído, mediante a prestação de serviços acessíveis e de qualidade, para o desenvolvimento de micro, pequenas e médias empresas do município e região que não teriam condições de arcar com o ônus de uma consultoria prestada por profissionais. Vale destacar também que, como exposto anteriormente, não raro os participantes da Humanus executam gratuitamente projetos junto a entidades e instituições assistenciais. Assim sendo, exercem um papel social relevante que tem ajudado a aproximar a universidade da comunidade.

Os participantes da Humanus também têm feito, em sua maioria, uma leitura positiva do trabalho da empresa, pois consideram que a mesma vem atingindo a contento os seus objetivos principais. Nesse sentido, salientam que a Humanus possibilita uma efetiva aproximação com o exercício profissional ainda durante o curso de graduação. Além disso, ressaltam que os projetos desenvolvidos ensejam um contato direto com a realidade organizacional e institucional, o que, segundo a opinião dos mesmos, cria condições propícias para a aplicação prática dos conhecimentos teóricos adquiridos em sala de aula. Diante do exposto, é possível aventar que a Humanus tem prestado significativas contribuições à formação de seus participantes, tornando, assim, o processo de transição da vida acadêmica para a atuação profissional menos tortuoso para os mesmos.

Por fim, pode-se cogitar que a Humanus, a despeito de atuar prioritariamente no âmbito do município de Assis e região, tem prestado algumas contribuições iniciais tanto para a ampliação das possibilidades de atuação dos psicólogos organizacionais quanto para a adequação das ações destes profissionais às suas capacidades, pois a construção de novos espaços e o desenvolvimento de projetos inovadores tem sido uma preocupação permanente não só de seus participantes, mas também, e principalmente, dos docentes que supervisionam as atividades da empresa. Vale destacar, contudo, que, como assinala Bastos (1992), romper com as práticas limitadas e pouco resolutivas às quais a maioria dos psicólogos inseridos no contexto organizacional se restringe é uma tarefa árdua e contínua, visto que exige, mais do que o simples acréscimo de novas atividades ao modelo básico de atuação, a problematização do papel dos profissionais da área.

Dessa forma, os participantes da Humanustêm notado que, como sugere Zanelli (1986), as organizações e as instituições ainda oferecem aos psicólogos muitos espaços a serem ocupados, outros a serem explorados com maior desvelo e outros ainda a serem compartilhados com os demais profissionais que atuam nesse contexto. Assim sendo, evidencia-se que, de acordo com o que defendem Bastos e Galvão-Martins (1990), o psicólogo organizacional, mais do que um mero intermediário das relações de exploração e discriminação no trabalho, pode contribuir de forma significativa para o desenvolvimento empresarial e, concomitantemente, destacar-se como um agente de transformações sociais e políticas em prol dos trabalhadores. Para tanto, porém, faz-se necessário empreender reflexões e questionamentos, numa perspectiva crítica e ética, acerca das capacidades e limitações inerentes ao seu papel.

Por fim, vale destacar que ultimamente a chefia do Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho da FCLAs/UNESP vinha encontrando dificuldades para recrutar docentes para a supervisão dos trabalhos desenvolvidos pelos participantes da Humanus. Tal fato ocorria porque o referido departamento conta com um número reduzido de professores, de modo que os mesmos, em sua maioria, se encontram freqüentemente sobrecarregados em função das suas demais atribuições profissionais. Frente a essa situação, um docente foi destacado para supervisionar todos os projetos da Humanus. Conseqüentemente, a empresa diminuiu o ritmo de suas atividades e tem acolhido um número mais reduzido de alunos. No entanto, cumpre assinalar que se trata de uma experiência inicial, de modo que seria prematuro avaliá-la nesse momento.

 

Notas

1. Informação obtida em 07/07/2004 no site da Federação das Empresas Juniores do Estado de São Paulo (http://www.fejesp.org.br).

2. A definição dos objetivos específicos e básicos das atividades desenvolvidas pela Humanusfoi inspirada nas proposições de Chiavenato (1992), Pontes (1996) e Melo-Silva (2003).

 

Referências Bibliográficas

BASTOS, A. V. B. A psicologia no contexto das organizações: tendências inovadoras no espaço de atuação do psicólogo. In: CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (org.) Psicólogo brasileiro: construção de novos espaços. Campinas: Átomo, 1992. p. 55-124.        [ Links ]

BASTOS, A. V. B.; GALVÃO-MARTINS, A. H. C. O que pode fazer o psicólogo organizacional. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v.10, n.1, p. 10-18, 1990.        [ Links ]

BORGES-ANDRADE, J. E. A avaliação da profissão, segundo os psicólogos da área organizacional. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v.10, n.1, p. 19-23, 1990.        [ Links ]

CHIAVENATO, I. Recursos humanos. São Paulo: Atlas, 1986.        [ Links ]

CODO, W. O papel do psicólogo na organização industrial: notas sobre o "lobo mau" em psicologia. In: LANE, S. T. M.; CODO, W. (orgs.) Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 195-202.        [ Links ]

MELO-SILVA, L. L. Ética e competência na prática da orientação profissional. In: MELO-SILVA, L. L.; SANTOS, M. A.; SIMÕES, J. T. & AVI, M. C. (orgs.) Arquitetura de uma ocupação. São Paulo: Vetor, 2003. p. 69-90.        [ Links ]

PONTES, B. R. Planejamento, recrutamento e seleção de pessoal. São Paulo: LTr, 1996.        [ Links ]

ZANELLI, J.C. Formação e atuação em Psicologia Organizacional. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v.6, n.1, p. 31-32, 1986.        [ Links ]

Creative Commons License