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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.4 no.2 Florianópolis Dec. 2004

 

ARTIGOS

 

Representação Social de Mudança Organizacional: estudo de caso numa Empresa Petroquímica de Salvador

 

Social Representation of Organizational Change: case study in a Petrochemical Firm in Salvador (Bahia, Brazil)

 

 

Antonio Marcos ChavesI; Mariana Viana SantosII; José Henrique Miranda de MoraisIII

IDoutor em Psicologia, Professor da Graduação e Pós-Graduação em Psicologia na Universidade Federal da Bahia (amchaves@ufba.br)
IIMestra em Psicologia, Professora do curso de Psicologia da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências (mariana.viana@uol.com.br)
IIIMestre em psicologia, Professor do curso de Psicologia da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências (jh.moraes@uol.com.br)

 

 


RESUMO

O presente trabalho objetiva identificar o núcleo central da representação sobre mudança numa organização de grande porte do setor petroquímico de Salvador. Foram aplicados questionários para uma amostra de trabalhadores de um setor da empresa. As questões abordavam qual a mudança identificada pelos participantes como mais importante para o cotidiano organizacional e como os indivíduos perceberam o episódio de mudança em processo. A análise dos dados, seguindo o procedimento para identificação do núcleo central das representações, envolveu a análise simultânea da freqüência e da ordem de evocação, permitindo a construção do mapa cognitivo. Este estudo investigou distintas representações sobre a mudança organizacional explicitando os desafios e a complexidade dos processos de mudança. Os resultados revelam uma perspectiva inovadora para investigar as representações sociais e contribuem para analisar a importância desse conceito para o entendimento das transformações nos contextos de trabalho.

Palavras-chave: representação social, mudança organizacional; mapa cognitivo.


ABSTRACT

This research aims at identifying the core of the representations concerning change in a large-scale petrochemical enterprise located in Salvador (Bahia, Brazil). A sample of workers from one of the firm's sectors was presented with questionnaires. The questions addressed the changes that were perceived by workers as the most important ones to the organizational daily work, as well as how the episode of the change in process was perceived by workers. The analysis of the data, following the procedure for the identification of the central core of representations, included the simultaneous analysis of the frequency and order of evocation, thus allowing for the construction of the cognitive map. The investigation of several representations of organizational change revealed the challenges and complexities of the processes of change. The results presented a fresh perspective concerning the investigations of social representations, and contributed to the analysis of the importance of that concept to the understanding of changes in working contexts.

Keywords: social representation; organizational change; cognitive map.


 

 

1.Introdução

As transformações globais, a economia informacional, as transformações do mercado de trabalho, a cultura da virtualidade, entre outras novas formas, afetam as organizações. Uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias de informação está remodelando a base material da sociedade em ritmo acelerado (Castells, 1999). É quase um consenso que mudar é uma constante do cotidiano organizacional. Deste modo, nos últimos anos, numerosos e diversificados estudos trataram do tema mudança organizacional, e há uma extensa variedade de enfoques possíveis: o que muda na organização, quais as causas deste fenômeno, quais as conseqüências, qual a necessidade de mudar, etc.

Para Wood Jr. (2000), as mudanças estão relacionadas com a necessidade que a organização tem de responder às demandas de natureza ambiental, estrutural, de recursos humanos ou tecnológica. Ao examinar a literatura sobre o tema, verifica-se que alguns autores contribuíram teoricamente para a análise das mudanças nas organizações e no desenvolvimento e na delimitação do conceito de mudança. O Quadro 1, a seguir, destaca de forma abrangente alguns autores que discutem o fenômeno e tentam sistematizar o conceito. Lima e Bressan (2003) observam que todas as definições se referem às conseqüências da mudança ou aos métodos e técnicas para sua realização.

As autoras argumentam que estas definições somente se referem às conseqüências relacionadas ao desempenho organizacional, ao desenvolvimento individual ou à melhoria das relações de trabalho. Lima e Bressan (2003) propõem um conceito que considera variáveis mencionadas pelos autores anteriores, e argumentam que o conceito deve deixar claro que a mudança pode trazer conseqüências indesejáveis. Para as autoras, o conceito mais abrangente seria assim definido:

Mudança organizacional é qualquer alteração, planejada ou não, nos componentes organizacionais - pessoas, trabalho, estrutura formal, cultura - ou nas relações entre a organização e o seu ambiente, que possam ter conseqüências relevantes, de natureza positiva ou negativa, para a eficiência e/ou sustentabilidade organizacional (Lima e Bressan, 2003: 25).

O fenômeno da mudança organizacional vem ganhado destaque devido ao aumento da velocidade das macromudanças e das mudanças descontínuas associadas ao desenvolvimento tecnológico. Estudar as mudanças é identificar os elementos que podem determinar o seu sucesso, discutir a possibilidade de planejar ou controlar o processo e, ainda, compreender como interagem estratégia, estrutura e cultura durante o processo.

Após revisão da literatura, foi possível construir o quadro abaixo, no qual se evidenciam três formas de classificação de mudança organizacional a partir de três perguntas centrais, como pode ser verificado a seguir.

 

Quadro 2

 

Ao analisarmos a razão das mudanças, distinguimos se a intervenção foi uma reação ao ambiente ou se foi planejada e intencional. As intervenções planejadas e voluntárias constituem uma realidade cada vez mais freqüente. Por outro lado, Wood Jr., Curado e Campos (2000) acrescentam que as mudanças ocorridas no ambiente nem sempre são percebidas pela organização, pois dependem da abertura da mesma. Senge (1999) acrescenta que nas organizações a palavra mudança (change) tem conotações contraditórias, pois às vezes se refere a mudanças externas (na tecnologia, nos clientes, na concorrência, no mercado ou no ambiente sócio-político) e também se refere a mudanças internas (como a organização se adapta à mudança no meio ambiente). O autor considera que a preocupação de gestores reside em conseguir que as mudanças internas relacionadas a estratégias, práticas e visões acompanhem as mudanças externas.

A segunda questão refere-se à forma de implementação: as mudanças classificam-se em reeducativa e coercitiva. Wood Jr. (2000) chama atenção para a abordagem sistêmica, segundo a qual a intervenção se realiza através da adequação entre meio ambiente, estruturas, processos e pessoas. Ele ressalta que quaisquer que sejam as intervenções técnico-estruturais, processuais-humanas ou multifacetadas, seu grau de eficácia depende da forma de aplicação.

Ao discutir a adoção de programas de mudança impostos de cima para baixo, Senge (1999) opta pelo termo "mudança profunda" para descrever a mudança organizacional que combina alterações internas nos valores e comportamentos das pessoas com alterações externas nos processos, estratégias, práticas e sistemas. Na mudança profunda, ocorre aprendizagem, já que é possível construir capacidade de mudança constante. Segundo o autor, não basta mudar estratégias, estruturas e sistemas, a não ser que se mude também o pensamento que os produziu.

Quanto ao seu objeto, as mudanças classificam-se em incrementais e revolucionárias. Wood Jr., Curado e Campos (2000) consideram que a maioria das mudanças que ocorrem no dia a dia da organização é de natureza incremental. Deste modo, as decisões de alteração são tomadas, em razão de eventos externos e internos, pelos gerentes que intermedeiam a relação com o ambiente. Assim, os autores concluem que o ambiente não provoca mudanças - são as pessoas que criam novos rumos através de diferentes paradigmas.

A mudança classifica-se como revolucionária quando há um processo radical de destruição e redefinição de todas ou da maioria das práticas organizacionais, propiciando impacto das transformações nos indivíduos. Deste modo, mudanças como a privatização, que é um processo radical de transformação de uma empresa estatal em privada, precisam ser investigadas com muito cuidado e precisão (Behr e Behr, 2002).

Em síntese, as diversas classificações apresentadas até aqui revelam a complexidade e o caráter multifacetado do fenômeno denominado mudança organizacional. A necessidade de múltiplas tipologias ou sistemas de classificação revela exatamente a possibilidade de diferentes olhares ou perspectivas sobre este importante objeto de investigação.

Após esboçar este quadro geral do campo de estudos sobre mudança organizacional, exploraremos, a seguir, a contribuição de uma perspectiva das representações sociais para a compreensão dos processos de mudança organizacional.

O abandono da distinção entre sujeito e objeto pressupõe afirmar que toda a realidade é representada, reapropriada pelo indivíduo e pelo grupo, reconstruída no seu sistema cognitivo, integrada no seu sistema de valores, dependente de sua história e do contexto social e ideológico que o cerca. A expressão Representações Sociais refere-se ao estoque de conhecimento sobre o mundo. A teoria está interessada, segundo Agoustines e Walker (1995), não apenas em mapear o conteúdo deste senso comum e a maneira pela qual ele difere entre diferentes grupos sociais, mas também em estudar a forma como as representações são usadas pelos indivíduos e grupos para entender e construir a realidade partilhada.

Banchs (2000) retoma Sá (1998) e descreve três linhas para os trabalhos posteriores à proposta de Moscovici. A primeira vertente é desenvolvida por Jodelet e é considerada pela autora como dinâmica, complexa, qualitativa e processual. A segunda centra-se nos processos cognitivos e é desenvolvida por Abric em torno da estrutura das representações sociais e seus conteúdos. Na terceira, e mais sociológica, Doise estuda as condições de produção e circulação das representações sociais. Banchs (2000) destaca que poucos enfoques integram processos e conteúdos (primeira e segunda vertente respectivamente).

Neste estudo, será utilizada a abordagem estrutural de Abric (1998). O autor descreve quatro funções para as representações. Função do saber: permite compreender e explicar a realidade e facilita a comunicação social. Função identitária: define a identidade e permite a proteção à especificidade dos grupos (controle social e processos de socialização). Função de orientação: guiam os comportamentos e as práticas, intervêm na finalidade da situação e no tipo de estratégia cognitiva. Função de justificação: permite, a posteriori, a justificativa das tomadas de posição e dos comportamentos.

Moscovici (1978), na tentativa de definir o que são representações sociais, considera que "representações sociais são sistemas cognitivos com uma lógica e linguagens próprias (...) elas não representam simplesmente 'opiniões sobre', 'imagens de' ou 'atitudes em relação a' mas são, em si mesmo, 'teorias' ou 'campos de conhecimento' para a descoberta e organização da realidade".

Para a vertente estrutural de Abric (1998), a representação social constitui-se num conjunto organizado e estruturado de informações, de crenças, de opiniões e de atitudes, sendo um sistema sócio-cognitivo particular que se subdivide em um sistema central (ou núcleo central) e um sistema periférico. O núcleo central determina o significado principal da representação - sua organização interna (consistência) e sua estabilidade (permanência), além de possibilitar a identidade a partir de uma base comum e consensual. Já o sistema periférico é a parte mais acessível, flexível e mais expressiva da representação, sujeita à adaptação devido à heterogeneidade de seu conteúdo. O sistema periférico assegura a defesa da representação, fazendo uma seleção dos elementos novos e contraditórios, a partir das experiências e características individuais.

Vale ressaltar que esses dois sistemas estão em constante interação entre si, o que garante constante mobilidade entre os seus conteúdos. As representações são simultaneamente estáveis e móveis, rígidas e flexíveis. São consensuais e marcadas por diferenças individuais (Abric, 1998).

O contexto organizacional constitui um amplo campo para análise de representações sociais. Isso ocorre não apenas porque o trabalho é muito importante na vida das pessoas modernamente, mas também devido à natureza fortemente coletiva dos processos de trabalho. O modo como os atores organizacionais conceitualizam eventos ou processos e lhes conferem sentido fornece uma dimensão relevante para a compreensão de comportamentos e atitudes.

Uma ferramenta incorporada da ciência cognitiva e muito usual para apresentar graficamente as representações de cognições e crenças é o mapa cognitivo. Essa estratégia metodológica pode representar conceitos que se reportam a uma estrutura cognitiva (como idéias, conhecimento, conceitos que estão organizados mentalmente). Esse modelo está especialmente voltado para explicitar os processos de construção de sentido e a estruturação do conhecimento ("schemas"), tanto entre indivíduos como entre grupos e organizações (Bastos, 2002). Os mapas seriam, segundo Laukkanen (1992), uma das ferramentas alternativas para representar dados (respostas orais e expressões escritas que expressam afirmações, predições, explanações, argumentos, regras e dicas não verbais) através dos quais temos acesso a representações internas e a elementos cognitivos (imagens, conceitos, crenças causais, teorias, heurísticas, regras, scripts, etc.).

A diversidade de mapas resulta, em parte, das múltiplas relações possíveis a serem estabelecidas entre os conceitos ou elementos cognitivos. O mapeamento cognitivo lida, preferencialmente, com relatos verbais ou discursos, e busca preservar ao máximo a linguagem dos participantes. Portanto, pode ser inserido no grupo de estratégias de pesquisa qualitativas e intensivas, apesar de algumas técnicas permitirem e trabalharem indicadores quantitativos a partir do material qualitativo coletado inicialmente.

Bastos (2002), ao avaliar as contribuições dessa ferramenta metodológica, destaca o envolvimento dos sujeitos com o processo de construção dos mapas, permitindo uma reflexão sobre a própria visão deles. Outros pontos relevantes referem-se à coleta de dados menos diretiva, preservação da linguagem natural, importância do processo de análise do conteúdo e criação das categorias que estruturam os mapas.

Ao investigar as representações que os trabalhadores possuem sobre a mudança organizacional, utilizando este método, poder-se-ia ter um acesso privilegiado ao que existe de central - sem necessariamente ser comum ou consensual - entre as diferentes formas de se pensar as transformações nas organizações. Com isso, pode-se dar um passo importante para compreender as incongruências entre as representações. Assim como no estudo realizado por Brito, Cappelle, Brito e Cramer (2002), a perspectiva adotada partiu do pressuposto de que tanto a organização quanto o seu ambiente técnico e institucional são fenômenos socialmente construídos e, portanto, produtos e produtores da consciência humana. Deste modo, a análise da mudança sob a perspectiva dos trabalhadores da organização tornou a experiência vivenciada e representada por seus diferentes atores uma instância privilegiada de investigação, ampliando as possibilidades de compreensão dos processos de mudança.

Postos tais fundamentos, o presente estudo teve como objetivos específicos:

a) caracterizar a mudança em curso na organização;

b) analisar o núcleo central da representação sobre a mudança;

c) analisar os elementos periféricos da representação.

A seguir, serão discutidos e apresentados os aspectos metodológicos para a investigação das representações sociais do processo de mudança organizacional.

 

2.Método

A organização estudada é uma das maiores empresas petroquímicas da América Latina, recentemente privatizada. Está sendo reestruturada depois da fusão dos grupos que têm participações diretas e indiretas na companhia e no controle acionário. Foram entrevistados 24 funcionários do setor de manutenção da organização, que responderam ao questionário no próprio local de trabalho. O instrumento continha duas questões abertas sobre a mudança, onde se buscava:

a - investigar qual mudança específica é considerada como mais importante para o cotidiano organizacional; e

b - identificar como os indivíduos perceberam o episódio de mudança que a organização está processando.

O processo de análise do conteúdo envolveu a criação de categorias descritivas das evocações espontâneas obtidas através das questões abertas. As respostas das questões foram agrupadas e categorizadas com base no seu conteúdo, definindo-se categorias e suas freqüências de aparecimento no grupo; adicionalmente, observou-se a ordem de evocação de cada idéia, segunda dimensão utilizada para a construção dos mapas cognitivos que, no presente estudo, articulam a teoria do núcleo central das representações (Abric, 1994; Moliner, 1995) e as idéias de mapas cognitivos (Bougon, 1983). Os dados obtidos depois da categorização foram inseridos em um banco de dados no programa estatístico SPSS, no qual foram realizados os cálculos das freqüências e ordem de evocação de cada categoria. As categorias que tiveram maior freqüência e maior força de evocação formaram o núcleo central da representação que o grupo estudado mantinha sobre a mudança em processamento.

Após a obtenção dessas informações, o mapa cognitivo dos funcionários do setor da empresa foi construído. Complementarmente, foram coletados dados demográficos, tais como: idade, sexo, estado civil, escolaridade, tempo de serviço na organização e nível de renda.

O mapa cognitivo dos funcionários está estruturado em quatro quadrantes. No 1º quadrante, localizam-se as idéias mais centrais (maior freqüência de citação e mais prontamente evocadas). No 2º quadrante estão as idéias com ordem de evocação elevada, mas com baixa freqüência. No 3º quadrante estão as idéias com ordem de evocação e freqüência baixas. Finalmente, no 4º quadrante estão as idéias com maior freqüência e menor ordem de evocação.

Para oferecer resposta aos principais objetivos da pesquisa, na sessão seguinte serão descritos e analisados os resultados coletados.

 

3.Resultados

Entre os 24 funcionários pesquisados, 13 têm menos de 35 anos, 16 são do sexo feminino, 06 têm terceiro grau completo, 05 ganham mais de R$ 1.800,00 e 07 têm mais de cinco anos de experiência na empresa. Os dados demográficos apresentados de forma mais detalhada podem ser observados na tabela 1.

Na primeira questão, das 32 evocações livres, resultaram da análise de conteúdo 06 categorias. A descrição das categorias, com exemplos de evocações dos funcionários, pode ser vista na tabela 2. A freqüência simples das respostas em cada categoria está apresentada na Figura 1.

Quando solicitados a citar qual foi a mudança mais importante na empresa no último ano, os respondentes prontamente se referem a privatização. Embora a maioria das respostas indicasse explicitamente a palavra "privatização", em muitos casos os participantes se reportavam às mudanças na estrutura da empresa ou redesenho organizacional claramente decorrentes da mudança de controle acionário majoritário do setor público para um importante grupo empresarial brasileiro. Analisando a Figura acima, é possível perceber que a categoria "Fusão/reestruturação" que tem como conteúdo as mudanças na estrutura da empresa decorrentes do processo de fusão que a empresa está processando é a mais importante (13 evocações entre as 32). Este resultado confirma o que a literatura refere sobre o impacto de privatizações. Pode-se analisar que a escolha da mudança baseia-se no contexto imediato da prática e da vivência dos trabalhadores (Serva, 2002).

A idéia mais forte, relacionada com o processo de fusão e as mudanças na estrutura da empresa, desencadeia e influencia as outras idéias mais específicas, tais como mudança nas relações de trabalho, na carreira, nas formas de gestão e liderança, nas condições de trabalho e na cultura.

As categorias "Grupos de trabalho" e "Pessoas/Carreiras" com freqüência de evocação menor sinalizam dois aspectos importantes decorrentes da privatização que estão associados às mudanças nos relacionamentos de trabalho e na trajetória de vida e carreira das pessoas. As idéias menos freqüentes da amostra pertencem às categorias "Liderança", "Condições de trabalho" e "Cultura organizacional".

Como resultado da análise de conteúdo, as 154 evocações na segunda questão foram agrupadas em 15 diferentes categorias - a descrição de cada categoria encontra-se na Tabela 3, em anexo. Essas 15 categorias possuem caráter avaliativo subjacente a cada evocação. Têm-se categorias com idéias negativas sobre a mudança: condições de trabalho insatisfatórias, liderança (aspectos negativos), pioras gerais, competição entre pessoas, ansiedade, desligamento. Categorias associadas a uma avaliação positiva: desenvolvimento da empresa, liderança (aspectos positivos), melhorias gerais, crescimento profissional, aprendizagem, relacionamento. E ainda, categorias mais neutras: estrutura, cultura e organização do trabalho. O mapa cognitivo dos funcionários pesquisados está apresentado na Figura 2.

O mapa mostra que no núcleo central da representação social sobre a mudança organizacional mais importante (1º quadrante) estão as categorias "Desenvolvimento da empresa", "Desligamento", "Pioras gerais" e "Relacionamento".

Merece destaque, especialmente, a idéia de desligamento, que é a categoria ligada ao temor das demissões que se localiza no mesmo quadrante da categoria "Desenvolvimento da empresa", que é associada ao crescimento da empresa. Percebe-se que há uma crença internalizada na justificativa de que as demissões são necessárias ao enxugamento que levaria à agilidade de processos e serviços.

Estes quatro conjuntos de idéias mais fortes que aparecem no núcleo central da representação sobre a mudança sinalizam os prejuízos da privatização; palavras como "injustiça" e "insatisfação" são usadas para representar a mudança. Do ponto de vista avaliativo, tanto aspectos negativos quanto positivos são levantados pelos respondentes; contudo, é importante salientar que esta amostra é composta por pessoas que vivenciaram os esforços do processo de privatização e de alguma forma se consideram sobreviventes. Estes resultados são congruentes com a literatura pesquisada (Nunes e Moraes, 2000; Caldas e Hernandez, 2001 e Silva e Vergara, 2002).

Quanto às idéias mais fracas ou periféricas da representação com menor freqüência de evocação e menos prontamente evocadas (3º quadrante), essas estão evidentes nas categorias "crescimento profissional", "condições de trabalho insatisfatórias" e "estrutura da empresa".

Examinando este conjunto de categorias descritivas, mesmo que não seja fortemente, observa-se que a mudança tem implicações na profissionalização e tem constituído desafios à qualificação das pessoas. Essas idéias surgem ao lado de outras que envolvem mudanças na estrutura e nas condições de trabalho.

As categorias com posição intermediária são "Melhorias gerais", "Organização do trabalho", "Liderança (aspectos positivos)" e "Liderança (aspectos negativos )", que estão localizadas no 4º quadrante (alta freqüência e posteriormente evocada).

Deste modo, os dados evidenciam que para este grupo de trabalhadores a mudança é percebida como transformações na gestão de pessoas, e associada a novas formas de gerenciamento das atividades e dos relacionamentos.

A liderança parece ser uma dimensão ainda não estruturada, ou com uma representação definida neste momento de mudanças. As representações retratam a ausência de um modelo gerencial consistente e estruturado como uma realidade ainda existente na organização. Possivelmente, a indefinição no modelo gerencial gerada pelo momento de mudanças colabora com as representações negativas e a instabilidade. Os participantes percebem aspectos positivos e negativos referentes aos gestores responsáveis pelos processos e decisões administrativas.

Localizam-se, ainda, no 2º quadrante (prontamente evocadas e baixa freqüência), as categorias: "aprendizagem", "competição", "ansiedade", "cultura". O conteúdo da categoria "aprendizagem" refere-se a conhecer práticas e a aprendizagem pessoal, e é similar à categoria "crescimento profissional", ambas com baixa freqüência nesta amostra. Este resultado pode ser entendido se levarmos em consideração a localização da categoria "Desenvolvimento da empresa" no 1º quadrante. Ficou explícito que os respondentes percebem que a mudança acarretou crescimento organizacional, e não crescimento pessoal.

Cabe chamar a atenção para a categoria "ansiedade", que representa um sentimento prontamente associado a momentos de mudanças (Caldas e Hernandez, 2001), e neste mapa se mostra entre as categorias mais prontamente evocadas. Confirma-se que este sentimento tem uma importância muito grande para alguns funcionários, e esse temor pode diminuir a eficácia das mudanças ou provocar sintomas indesejados aos atores organizacionais.

 

4.Conclusões

Este estudo possui um caráter exploratório e de natureza qualitativa. Os resultados apresentados nos permitem caracterizar a representação social da mudança na organização estudada. A teoria da representação social mostra-se útil para a análise da mudança, uma vez que este fenômeno não pode ser dissociado dos indivíduos que o percebem, interpretam e constroem. A mudança possui uma importância para os pesquisadores na atualidade, principalmente se considerarmos que num ambiente de alta competitividade as empresas são fortemente levadas a mudanças estratégicas.

Como foi dito anteriormente, pode-se perceber que a escolha da privatização como mudança mais importante sustenta-se no contexto imediato da prática e da vivência dos trabalhadores. Deste modo, é possível fazer algumas articulações sobre o impacto das mudanças nas pessoas. A abordagem estrutural permite identificar, entre os trabalhadores pesquisados, tanto o núcleo e os seus elementos mais centrais e fortes quanto a periferia e os seus elementos menos representativos. Os mapas permitem a explicitação de pontos que precisam ser trabalhados ou desenvolvidos para a implementação do processo de mudança. No caso de uma privatização, é possível perceber ainda mais claramente a mudança como um processo de múltiplas faces (que incluem sentimentos de medo, apreensão, ansiedade - ao mesmo tempo em que as pessoas parecem desafiadas e reconhecem melhorias).

O estudo levantou, através da livre evocação das idéias, uma variedade de informações sobre os significados que podem ser atribuídos às mudanças. Para Sato (1994), o simbólico participa na construção e na adoção de práticas de trabalho. Desta forma, conhecer o simbólico e representacional fornece pistas de como a relação trabalhador-trabalho está sendo estruturada. Outro argumento, ainda em favor desse delineamento de estudo, é colocado por Abric (1998): o mapa cognitivo dos funcionários permite compreender, explicar a realidade, facilita a comunicação social e explica os comportamentos relacionados com as mudanças. Para finalizar, esse modelo oferece pistas sobre os conteúdos que a estratégia gerencial pode desenvolver para diminuir os impactos negativos das mudanças. O mapa aponta as limitações, lacunas e possíveis focos de resistência envolvidos na criação de sentido sobre a mudança que se realiza.

De modo geral, a privatização foi avaliada criticamente (avaliações positivas, negativas e neutras) entre os respondentes e está associada, principalmente, à possibilidade de crescimento da empresa e a demissões.

O presente trabalho buscou articular o estudo das representações e o estudo da mudança organizacional. É importante, assim, tecer algumas considerações para estudos futuros, novas possibilidades de articulação e, sobretudo, para o aprimoramento das lacunas existentes neste trabalho.

Embora não tenha sido o foco deste estudo, o fenômeno da terceirização, e suas conseqüências para os dias atuais, poderá ser abordado e analisado segundo a perspectiva das representações sociais. Seria interessante investigar comparativamente, entre os subgrupos existentes no setor (gerentes, terceirizados e técnicos), a forma como representam a mudança. Possivelmente, a condição de inserção dos trabalhadores na empresa deve influenciar o modo como percebem e representam as mudanças das quais participam.

O estudo atual evidencia ainda a possibilidade de articulação entre representação social e outros fenômenos que podem ser investigados a partir desta perspectiva teórica, tais como conflito organizacional, poder e coalização grupal e cultutra organizacional. Tais fenômenos se beneficiariam de uma perspectiva que possa ampliar as possibilidades de interpretação do contexto organizacional.

Finalmente, vale destacar que os resultados apresentados não esgotam as possibilidades de análise do material coletado e as limitações, principalmente devido à característica qualitativa dos dados, que nos remete ainda à necessidade de estudos longitudinais.

 

Referências

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